ENSAIOS CRÍTICOS SOBRE VINGANÇA E SEUS COMPONENTES ATITUDINAIS

  • Isabele Negreiros de Queiroz Pereira Universidade Federal do Ceará
  • Quesia Fernandes Cataldo Universidade Federal do Ceará
  • Sophia Lóren de Holanda Sousa Universidade Federal do Ceará
  • Gisele Loiola Ponte Batista Universidade Federal do Ceará
  • Damião Soares de Almeida Segundo Universidade Federal do Ceará
Palavras-chave: Vingança, Atitudes, Psicologia social

Resumo

A manutenção de relacionamentos duradouros, íntimos e satisfatórios é um importante fator para o desenvolvimento dos seres humanos (AKIN; AKIN, 2016). Frente a injustiças ou danos sofridos, uma resposta comum é querer se vingar. A vingança é, de forma geral, compreendida como uma sequência ou uma cadeia de comportamentos em que estados afetivos, cognitivos e volitivos levam o indivíduo a praticar um ato deliberadamente prejudicial ao perpetrador do dano (STUCKLESS; GORANSON, 1992; MCKEE; FEATHER, 2008; BARNOUX; GANON, 2014).

            A vingança é frequentemente avaliada por instrumentos de autorrelato como a escala de atitudes frente à vingança (EAV). Os resultados das pesquisas demonstram que a vingança se apresenta como um fenômeno único e que possui construtos correlatos, por exemplo, a personalidade, a agressão e o autocontrole (STUCKLESS; GORANSON; 1992; RUGGI et al., 2012; SATICI, CAN; AKIN, 2015; CATALDO, 2017). Tais construtos possuem aproximações teóricas constitutivas bastante similares à vingança: alguns traços de personalidade são identificados como preditores da vingança; a agressão e a vingança possuem correlação entre si, embora uma agressão não se configure como vingança, em certa medida, atitudes vingativas são consideradas como agressão; o autocontrole também está associado à vingança ao passo que faz referência à impulsividade e busca de risco, elementos característicos da vingança (RUGGI et al., 2012; CATALDO, 2017).

            Dessa forma, no presente escrito, serão apresentadas as teorias e estudos mais clássicos bem como as pesquisas mais recentes sobre vingança na Psicologia Social, com o objetivo de elaborar um ensaio crítico a respeito do tema. Ressalta-se que dissertar sobre vingança engloba discutir teoricamente sobre atitudes. A base atitudinal da vingança será, portanto, discutida a seguir.

  1. ATITUDES

            Autores clássicos concordam que as atitudes são avaliações de pessoas, objetos e ideias (BOHNER; DICKEL, 2011; ARONSON; WILSON; AKERT, 2015). Elas são formadas por componentes afetivos, cognitivos e comportamentais, ou seja, elementos de reações emocionais, de pensamentos e crenças e de ações em relação ao objeto da atitude, respectivamente. Ainda que as atitudes sejam constituídas por esses três aspectos, ressalta-se que algumas atitudes podem ser baseadas mais em um do que em outro componente. Stuckless e Goranson (1992) operacionalizaram a vingança como uma atitude, buscando compreender a avaliação das pessoas frente ao ato de se vingar, englobando o desejo de vingança, crenças e intenções comportamentais. Desse modo, ao se referir sobre vingança, nesse estudo, quer-se referir às atitudes frente a vingar-se. Importa ressaltar que, enquanto atitude, a vingança (ou vingar-se) inclui o desejo de vingança e a intenção do ato vingativo, embora o desejo não acarrete, necessariamente, o ato vingativo (STUCKLESS; GORANSON, 1992). Assim, pode-se afirmar que a vingança tem base afetiva, pois o desejo de vingança é essencial para a concretização da resposta; sem esse componente, não há vingança. Por outro lado, apoiar atos vingativos, ter crenças e valores que corroborem a vingança também não são cruciais para o ato vingativo. E ainda, parecer ser improvável que a vingança seja aprendida ou baseada apenas em observações.

            Sendo assim, questiona-se se a vingança é uma atitude implícita ou explícita, ou seja, se é uma atitude endossada de forma consciente ou involuntária (ARONSON; WILSON; AKERT, 2015). Ainda que se baseie em componentes afetivos, a concretização da vingança envolve a avaliação consciente das contingências envolvidas. A vingança é por definição um ato agressivo e que viola normas sociais de tratamento respeitoso (STUCKLESS; GORANSON, 1992; VIDMAR, 2001). Contudo, é vista como uma atitude inadequada do ponto de vista moral, tornando a discussão sobre o tema um tabu (MCCULLOUGH, 2008). Por conseguinte, é possível pensar que as pessoas apoiem a ideia de vingar-se implicitamente, mas, devido à desejabilidade social, possam ter uma atitude explícita contrária à vingança.

  1. ACESSANDO A VINGANÇA

            A vingança é, frequentemente, acessada por meio de instrumentos autorrelato, como a EAV, cuja teoria que embasa é a psicologia social. Os itens da EAV avaliam os componentes afetivos, cognitivos e intenções comportamentais sobre vingar-se, podendo-se observar um perfil de pessoas que pontuam alto da escala, por exemplo. Outros estudos têm acessado a vingança de forma experimental, examinando em quais condições o ato vingativo acontece (GOLLWITZER; DENZLER, 2009; LILLIE; STRELAN, 2016).  Embora esses dados ofereçam uma compreensão do fenômeno, os modelos explicativos da vingança ainda restringem-se aos estudos de psicologia organizacional e do consumidor (e.g. GREGOIRE; LAUFER; TRIPP, 2010). Nesses modelos, variáveis como ganância, tipo de produto vendido e percepção do consumidor.

Ainda que tais relações sejam relevantes, a vingança se configura como um tema recorrente quando se refere a comportamentos e a relações interpessoais violentas, tendo em vista que um ato vingativo é sempre agressivo (STUCKLESS; GORANSON, 1992). Diante disso, será feito a seguir um paralelo com a teoria da ação planejada, teoria consolidada na Psicologia Social que explica como uma atitude prediz um comportamento (ARONSON; WILSON; AKERT, 2015). Ressalta-se que esse ensaio é baseado em aproximações conceituais entre os temas, não tendo base empírica.

CONCLUSÃO

            Posto isso, observou-se, resumidamente, como a base teórica da vingança está articulada com teorias de atitudes, ainda que não haja um modelo teórico explicativo dos comportamentos vingativos. Sabe-se que todo comportamento é multideterminado; os esforços dos pesquisadores estão frequentemente voltados para controlar as variáveis relacionadas ao fenômeno e compreender como esses fatores funcionam no mundo social.

            Aponta-se que a vingança possui um potencial explicativo para comportamentos violentos e socialmente desviantes, partindo-se do pressuposto que o ato vingativo é um ato agressivo. No que se refere à psicologia social, esse ensaio se propôs a discutir as características atitudinais da vingança. Porém, coloca-se que essas interlocuções não excluem outros temas clássicos como agressão e comportamento pró e antissocial.

Referências

AKIN, U; AKIN, A. Examining Mediator Role of the Social Safeness on the Relationship Between Vengeance and Life Satisfaction. Social Indicators Research, v. 125, n. 3, p. 1053-1063, 2016.
ARONSON, E.; WILSON, T.; AKERT, R. Psicologia Social. São Paulo: LTC, 2015. 418 p.
BARNOUX, M; GANNON, T. A. A New Conceptual Framework for Revenge Firesetting. Psychology, Crime & Law, v. 20, n. 5, p. 497-513, 2014.
BOHNER, G; DICKEL, N. Attitudes and attitude change. Annual review of psychology, v. 62, p. 391-417, 2011.
CATALDO, Q. F. Adaptação e Validação da Escala de Atitudes frente à Vingança para o Contexto Brasileiro. 2017. 71p. Trabalho de Conclusão de Curso, Curso de Psicologia, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2017.
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STUCKLESS, N.; GORANSON, R. The Vengeance Scale: Development of a Measure of Attitudes Toward Revenge. Journal of Social Behavior and Personality, v. 7, n. 1, p. 25-42, 1992.
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Publicado
04-01-2019