O IMPACTO DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO SISTEMA DE PAGAMENTOS BRASILEIRO: OS NOVOS VETORES COMO INSTRUMENTOS CATALISADORES DA CONCORRÊNCIA

Sanzio Teixeira de Paula

Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7), Ceará.

sanzio@stpadv.com.br

Álisson José Maia Melo

Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7), Ceará.

alisson.melo@uni7.edu.br

RESUMO: A crise financeira de 2008 evidenciou que o sistema bancário está fora de controle, propiciando o desenvolvimento de novos serviços financeiros ofertados por empresas que têm como escopo a inovação tecnológica. Após o marco regulatório instituído pela Lei 12.865/2013, o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) vem passando por modificações normativas do Banco Central do Brasil (BCB), buscando transformação tecnológica nesse setor. O princípio da interoperabilidade, instituído como norteador do sistema, tem como vertente a inovação como estímulo à competitividade, propiciada por um arcabouço regulatório focado no desenvolvimento ordenado do mercado. Este artigo investiga como e em que medida a inovação impacta no SPB, inclusive no âmbito regulatório, de modo a fomentar a competitividade, atuando como catalisador da concorrência. Quanto à metodologia utilizada, adota-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas e exame dos normativos do BCB. A pesquisa justifica-se diante da atualidade do tema e da constatação do permanente processo de inovação no sistema financeiro, de modo a ensejar crescente redução da assimetria informacional. Conclui-se que o alcance da inovação através do incremento da interoperabilidade proporciona a competição, a não-discriminação e o desenvolvimento ordenado do mercado, conforme demonstra a essência dos novos vetores instituídos no âmbito regulatório. Todavia, o impacto que tais vetores proporcionarão nos meios de pagamentos ainda é desconhecido face ao seu estágio embrionário, mas o caminho está pavimentado de modo a demonstrar que a inovação como estratégia para fomento da competitividade é um trajeto sem volta.

PALAVRAS-CHAVE: Inovação. Sistema de Pagamentos Brasileiro. Competitividade. Interoperabilidade. Banco Central do Brasil.

The impact of technological innovation on the Brazilian payment system: the new vectors as a catalyst instruments for competition

ABSTRACT: The 2008 financial crisis highlighted that traditional banking system is out of hand, enabling the development of new financial services offered by companies whose scope is technological innovation. In Brazil, after the regulatory framework established by the Law 12,865/2013, the Brazilian Payment System (BPS) has been undergoing regulatory changes by the Central Bank of Brazil (CBB), seeking technological transformation in this department. The principle of interoperability, established as the system's guideline, has its base in innovation as a stimulus to competitiveness, provided by a regulatory framework focused on the orderly development of the market. This article investigates how and to what extent innovation impacts the BPS, including regulation, to foster competitiveness, acting as a catalyst for competition in the BPS. Methodologically, the research adopts a deductive approach with bibliographical research and examination of the CBB regulations. The research is justified in view of the topicality of the subject and the verification of the permanent process of innovation in the financial system, in order to give rise to an increasing reduction of information asymmetry. As conclusion, the run for innovation through increased interoperability provides competition, non-discrimination, and orderly development of the market, as demonstrated by the essence of the new vectors established in the regulatory sphere. However, the impact that such vectors will provide on the means of payment is still unknown given its embryonic stage, but the road is paved to demonstrate that innovation as a strategy to foster competitiveness is a path with no return.

KEYWORDS: Innovation. Brazilian Payment System. Competitiveness. Interoperability. Central Bank of Brazil.

Introdução

No Sistema Financeiro Nacional, é destacado o papel regulatório do Banco Central do Brasil (BCB) na edição de normativos que propiciam um ambiente virtuoso para a inovação, inclusive como instrumento de aumento da competitividade e de acessibilidade do público consumidor aos serviços financeiros.

Com o advento da crise financeira de 2008 constatou-se que o sistema bancário está fora de controle, de modo que a regulação deixou de ser eficaz em face da velocidade com que avançam as inovações tecnológica no âmbito financeiro. Esse cenário tornou-se propício ao desenvolvimento de novos serviços financeiros ofertados por empresas que tem em seu escopo e diferencial a inovação tecnológica, o que desencadeou um intenso movimento de digitalização dos serviços bancários, especialmente no mercado de pagamentos. “O surgimento da tecnologia da informação minou a abordagem regulatória com a qual a sociedade conseguiu controlar os bancos na era industrial” (MCMILLAN, 2015, p. 6, tradução livre)[1].

A edição da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, instituiu um ambiente virtuoso para que o incremento da transformação tecnológica fizesse surgir novos modelos negócios financeiros no âmbito do mercado de pagamentos por meio de plataformas digitais, desafiando os mercados tradicionais e demandando do BCB uma necessidade de evolução do panorama regulatório. Nesse cenário, com o surgimento de novas instituições de pagamento (IPs) e arranjos de pagamento com modelos de negócios disruptivos (fintechs), fez-se necessária a adoção de novas medidas no âmbito regulatório de modo a acompanhar o ritmo acelerado das inovações (JARUDE; SILVEIRA, 2021, p. 79-80), proporcionado pelos novos agentes econômicos no mercado de pagamentos, o que vem aumentando a concorrência por meio da inclusão de novos agentes econômicos no mercado de pagamentos. Entre as fintechs brasileiras, constatou-se uma presença significativa de negócios atuando no segmento de meios de pagamento, correspondendo a 16%, tendo perdido em 2020 o posto de líder para o setor de crédito, com 21% (ABFINTECHS; PWC, 2020, p. 9).

Nesse contexto, o Estado-Regulador é desafiado a prover os instrumentos adequados para atuação dessas empresas com vistas a assegurar a capacidade de inovação e de diversidade dos modelos de negócios, tendo o Estado como protagonista na edição de normas destinadas a estimular a formação e o fortalecimento da inovação[2], mediante a definição de regras e procedimentos que regulem a atuação dos agentes econômicos, mais precipuamente daqueles vinculados ao Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Ademais, o papel do Estado como regulador da autonomia privada no âmbito do mercado de pagamentos vem cada vez mais demandando a participação dos atores privados por força das inovações que ocorrem com tamanha rapidez que não consegue ser acompanhada pela atividade regulatória estatal.

O presente trabalho objetiva, através da exposição analítica dos princípios gerais consubstanciados na Lei nº 12.865/2013, compreender o impacto da inovação no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), por meio da regulação dos meios de pagamento e da instituição de novos vetores, avaliando se referidos princípios podem ser utilizados como incentivo à concorrência e para permitir a entrada de novos players no mercado de pagamentos. Portanto, busca-se responder como e em que medida a inovação tecnológica impacta o SPB, inclusive no âmbito regulatório, de modo a fomentar a concorrência.

Inovar não significa necessariamente criar algo que nunca existiu, mas consiste também no aprimoramento das técnicas produtivas que podem afetar desde a qualidade até as características físicas do produto ou serviço, ou até mesmo o desenvolvimento de modelos de negócios econômicos (OECD, 2005).

Com modelos de negócio baseados em uso intensivo de tecnologia, além das fintechs, novos entrantes qualificados como IPs também vêm ocupando cada vez mais espaço no mercado, dado seu potencial de oferecer produtos e serviços inovadores mais direcionados ao atendimento às necessidades dos clientes. O impacto dessas empresas no ecossistema de pagamentos tem propiciado novos modelos de negócio, o que conduz à ideia de que a transformação tecnológica no setor financeiro tem como uma de suas principais tendências a inovação dos meios de pagamento (BCB, 2020).

O artigo analisa se o alcance da inovação através do incremento da interoperabilidade cria um ambiente propício à competição, à não-discriminação e ao desenvolvimento ordenado do mercado, representando um instrumento catalisador da concorrência, ou seja, até que ponto pode ser considerada como uma vantagem competitiva no mercado de pagamentos e de que forma ela se aplica no setor.

Nessa perspectiva, com relação aos aspectos metodológicos utilizados nesta pesquisa para o entendimento do tema, foi adotada a abordagem dedutiva, mas com o recurso a análises de conceitos relevantes, procurando-se explorá-lo por meio de pesquisas bibliográficas, com a utilização de referências teóricas com base em livros, artigos científicos, assim como no exame da legislação de regulação do sistema de pagamentos brasileiro.

A pesquisa é exploratória, trabalhando com dados secundários, e tem sua justificativa amparada pela necessidade de se compreender a inovação como um instrumento de aumento de competitividade no mercado de pagamentos e não como um entrave capaz de impedir a entrada de novos agentes e de criar um ambiente anticompetitivo. Portanto, a importância do estudo do tema é significativa para desmistificar a associação da inovação com a existência de um mercado monopolista, enquadrando-a como instrumento que fomenta a competitividade.

Arranjos de pagamentos se compreendem como “conjunto de regras e procedimentos que viabilizam o pagamento estrutural de obrigação pecuniária[, sendo o] [...] suporte dessas regras e procedimentos [...] necessariamente eletrônico” (COELHO, 2021, p. 158). As instituições de pagamento (IPs) são pessoas jurídicas que aderem a um ou mais arranjos de pagamentos, tendo como atividade principal ou acessória qualquer das etapas que envolvam o procedimento de pagamento. Essas duas figuras possuem definição legal na Lei nº 12.865/2013, que traz um rol não exaustivo de atividades qualificadoras do arranjo de pagamento (BRASIL, 2013). Já no que concerne às fintechs, “entende-se ‘modelos de negócio e tecnologia inovadores’, independentemente do porte da instituição ou do tipo jurídico por meio do qual a atividade seja desenvolvida” (LAB, 2019).

Para atingir o objetivo proposto e responder à pergunta de partida, o desenvolvimento do estudo é segmentado em três seções. Na primeira, delimita-se o tema objeto do presente trabalho, com a contextualização da Lei nº 12.865/2013 como o marco regulatório dos meios de pagamento e ponto central de suporte principiológico dos normativos editados pelo BCB, consistente no conjunto de regras e procedimentos que disciplinam a prestação dos serviços financeiros no âmbito do SPB. Nesse tópico, analisam-se os princípios de salvaguarda das modalidades de meios de pagamento incluídas pelo marco regulatório que passaram a constituir o ecossistema de pagamentos do sistema financeiro, além dos agentes tradicionais anteriormente existentes.

Na sequência, partindo-se da ideia de que os princípios reguladores do SPB são instrumentos de dinamização da inovação e da competitividade, a segunda seção adentra no impacto de tais catalisadores sobre a atividade regulatória estatal em consonância com os princípios estatuídos no marco regulatório do SPB e no processo de interação com os atores privados.

Em ato contínuo, identificam-se os desafios e oportunidades advindos da inovação conferida pelos instrumentos normativos do BCB. Para tanto, discute-se a Agenda BC#, agenda regulatória sucessora da Agenda BC+ e estruturada em cinco dimensões – inclusão, competitividade, transparência, educação e sustentabilidade –, que “busca aliar inovação tecnológica a uma agenda microeconômica da instituição” (BCB, 2019a). Imposta pelo BCB para os meios de pagamento com objetivo de democratizar o sistema financeiro através da tecnologia e da inovação, a Agenda BC# tem como foco o aperfeiçoamento da regulação a fim de conferir maior eficiência de mercado consistente na entrega de um ambiente mais competitivo e de proteção ao consumidor. Na ocasião, aborda-se a temática sobre o Open Banking, do Sandbox Regulatório e da instituição da plataforma de Pagamentos Instantâneos (PIX).

1. Os princípios de salvaguarda dos arranjos e das instituições de pagamento no âmbito do Sistema de Pagamentos Brasileiro

Em 2013, a publicação da Lei nº 12.865/13, entre outras definições relevantes, firmou o Banco Central do Brasil (BCB) no papel de regulador do mercado de pagamentos. Essa lei é considerada por muitos como Marco Regulatório do setor no país. A partir dela, uma série de novas medidas vem sendo implementada visando à promoção da concorrência, balizada sempre pelo aumento da eficiência, segurança, isonomia e melhor interesse do usuário final (RAGAZZO, 2020). Com base na competência que lhe foi atribuída pela referida lei, e das diretrizes definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) pela Resolução nº 4.282/13, o BCB editou o primeiro conjunto de regras para regular o setor de pagamento, composto por duas resoluções e três circulares: Resoluções nº 80/21 e 81/21; Circulares nº 3.681/13, 3.682/13 e 3.941/19.

A Lei nº 12.865/2013 é produto da conversão da Medida Provisória nº 615, de 17 de maio de 2013, e dispõe sobre os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiros (SPB)[3], trazendo em seu bojo os princípios e as linhas gerais para que a atividade regulatória do BCB, a quem foi conferida a atribuição para atuar de modo a assegurar a solidez e eficiência do SPB, viesse a definir as regras e condições específicas de regulação para que tais instrumentos sejam estruturados e utilizados pelos agentes econômicos integrantes do SPB.

A referida lei foi editada com a finalidade de corrigir deficiências e discrepâncias evidenciadas nos modelos de negócios bancários até então existentes – antes sem legislação específica sobre o tema –, que ensejavam uma exacerbada concentração no mercado de pagamentos em razão do cenário de exclusividade que dominava os arranjos de pagamento. O cenário normativo anterior criava um ambiente propício à caracterização de duopólio – o qual, de forma similar ao monopólio, consiste no controle do mercado por dois players –, e chegou a provocar uma investigação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), conhecido como o caso Visa/Visanet e instruído no Processo Administrativo nº 08012.005328/2009-31, o qual, posteriormente, implicou a celebração de Termo de Cessação de Conduta (TCC) (CADE, 2009).

Na exposição de motivos da Medida Provisória nº 615/2013, foi apresentada como uma das justificativas para sua edição, o fato de os arranjos e instituições de pagamento terem ficado à margem da legislação antes existente e, sobretudo, em razão do crescimento da participação de instituições não financeiras na provisão de serviços de pagamento, principalmente por intermédio de cartões de pagamento (crédito ou débito), moedas eletrônicas ou meios eletrônicos de pagamento (BRASIL, 2013b).

A lei traz em seu bojo um dinamismo que propicia um ambiente virtuoso para a inovação, como elemento integrante de todo o processo de desenvolvimento do mercado financeiro, indicando os princípios a serem observados pelas instituições de pagamento e pelos arranjos de pagamento. Com base nas experiências vivenciadas, o legislador fez questão de versar que a regulamentação dos princípios instituídos pela Lei nº 12.865/2013 deveria assegurar a capacidade de inovação e a diversidade dos modelos de negócios das instituições de pagamento e dos arranjos de pagamento[4].

Entre os princípios regulatórios previstos na Lei nº 12.865/2013[5], a interoperabilidade, assim entendida a capacidade de interação de dados entre sistemas que comungam de linguagens de programação e protocolos comuns (RAGAZZO, 2020) e dividida em inter e intra-arranjos, se coloca como um instrumento que tem como finalidade a garantia de acessibilidade aos dados mediante a troca de informações entre os integrantes do SPB. A interoperabilidade entre arranjos é o mecanismo por meio do qual se dá o fluxo de recursos entre diferentes arranjos de pagamento. A interoperabilidade intra-arranjo, ou seja, aquela feita entre participantes de um mesmo arranjo corresponde aos mecanismos por meio dos quais se busca garantir que os diferentes participantes de um mesmo arranjo se relacionem de forma não discriminatória (BCB, 2013). Portanto, a informação entre os participantes dos arranjos deve fluir de forma a permitir que os envolvidos na transação cumpram com suas obrigações legais e regulamentares.

Entende-se por interoperabilidade a possibilidade de troca de informações entre o prestador de serviço de rede e os processadores dos demais participantes (emissores, credenciadores e proprietários de esquemas). Dessa forma, a interoperabilidade implica na existência de padrões que permita qualquer terminal POS ler qualquer cartão, e na existência de redes de acesso aberto que permita qualquer estabelecimento interagir com qualquer credenciador e qualquer credenciador interagir com qualquer emissor. (BCB; SEAE; SDE, 2009)

O princípio da interoperabilidade se baseia na relação entre iguais, entre dois arranjos de pagamento, e na condição de que os usuários finais consigam realizar transações de forma indiferente no que se refere à existência de um ou mais participantes envolvidos na transação, cujas respectivas atuações estejam disciplinadas em um ou mais arranjos de pagamento que regulam essa transação. O especial destaque para a interoperabilidade se justifica na razão de ser esse princípio um dos principais pilares da Lei nº 12.865/2013.

Além da interoperabilidade inter e intra-arranjos, a Lei nº 12.865/2013 editou outros princípios que foram reprisados e aprofundados pelo BCB através da Resolução nº 4.282/2013 (Capítulo 3), entre os quais a inovação nos arranjos de pagamentos e diversificação dos modelos de negócios; a solidez e eficiência dos arranjos e instituições de pagamento; a promoção da competição; o acesso não discriminatório aos serviços e às infraestruturas; atendimento às necessidades dos usuários finais relacionadas à segurança, proteção de interesses econômicos, segurança, privacidade de dados, entre outros; a confiabilidade e qualidade dos serviços; e a inclusão financeira (BRASIL, 2013).

Pelo que se pode verificar, tanto na definição dos conceitos, quanto na criação dos princípios, a Lei nº 12.865/2013 utilizou expressões genéricas, especialmente para promover a inclusão de novas tecnologias que vêm surgindo e ainda surgirão ao longo do tempo, dada a velocidade com que ocorrem as alterações e surgem novidades no mercado de pagamentos.

Posteriormente ao marco legal do SPB, de acordo com as competências atribuídas e em consonância com os princípios norteadores do sistema, o BCB vem exercendo sua atividade regulatória de modo a realizar os princípios capitaneados pela Lei, com o desígnio de conferir maior segurança jurídica para que novos players passem a atuar no mercado de pagamentos. A entidade vem editando normativos na incessante busca de gerar uma estrutura que proporcione maior eficiência e que mitigue a ocorrência de condutas potencialmente anticompetitivas, tornando o sistema mais transparente e equitativo.

Na sequência, compreendido o escopo dos princípios instituídos pela Lei nº 12.865/2013, passa-se a investigar como a evolução tecnológica empreendida nos meios de pagamentos confere um ecossistema pós-marco regulatório apto à inovação e como esta influencia a competitividade entre as firmas que atuam no segmento. Também se analisa o impacto da inovação e da concorrência na atividade regulatória estatal dos meios de pagamento e de que forma ocorre o processo de interação entre o Estado e os atores privados no exercício de tal atividade.

2. O Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e o ambiente virtuoso para inovação e competitividade: interoperabilidade, regulação estatal e o processo de interação com atores privados

A partir dos princípios estabelecidos no marco regulatório do SPB, depreende-se que inovação e concorrência estão intrinsecamente ligadas, constituindo fio condutor da atividade regulatória nos meios de pagamento. No âmbito do mercado de pagamento, as inovações envolvem a combinação de novas possibilidades técnicas (tecnologias e novas combinações) e de mercado (ecossistema e infraestrutura), sendo as normas editadas pelo ente regulador primordiais para que o ambiente se torne propício à entrada de novos agentes, de modo a conferir maior concorrência no setor (NEASF, 2019a, p. 7).

Compreendendo-se a inovação como um processo e a tecnologia como o dinamismo empreendido a este processo, é possível iniciar a pavimentação de um caminho para compreender o impacto da inovação na concorrência e vice-versa, e, a partir daí analisar os efeitos incidentes sobre a atividade regulatória estatal.

Desse modo, para melhor aquilatar o entendimento acerca do arcabouço legislativo regulatório e o processo de interação do Estado com os atores privados, é de suma importância compreender que o dinamismo de processos de inovação representa um elemento condutor da ruptura do modelo regulatório que é tradicionalmente adotado, conforme previsto no artigo 174 da Constituição da República[6], a qual estabelece a regulação como modo prioritário de intervenção do Estado nas atividades econômicas (a exploração direta e a prestação de serviços públicos são excepcionais). Ou seja, cada vez mais se tem exigido dos reguladores uma abertura normativa que possibilite os avanços tecnológicos, de modo tal que suas decisões não sejam causa para o atraso da inovação no País. Aliás, a recente Lei da Liberdade Econômica propugna entre as garantias da livre iniciativa a proibição de elaboração de normas cujos enunciados retardem a inovação tecnológica, nos ditames do art. 4º, IV[7].

A compreensão do dinamismo do processo de inovação e as vantagens competitivas que são propiciadas pelo implemento de tal processo traduzem o cenário vivenciado pelo mercado de pagamentos, no qual emergem novas empresas e novos modelos de negócio como os agentes da inovação que inserem novas combinações e provocam a descontinuidade do processo rotineiramente conduzido pelas instituições financeiras (IFs) tradicionais (PWC, 2018, p. 49). Essa descontinuidade de processo vem ocorrendo por meio de mudanças incrementais consistentes na integração de tecnologia, alterando a base da competição dos serviços financeiros, porém o cenário competitivo continua sendo dominado pelos grandes bancos (BCB, 2021, p. 130).

Assim, a inovação é a principal forma de concorrência e fonte de competitividade, haja vista que é através dela que se pode obter vantagens em relação aos seus rivais. A noção de concorrência como um processo de luta permanente permite evidenciar que a característica essencial das firmas é de estar sob a pressão contínua para inovar e conquistar novos espaços de valorização, através da diferenciação, sempre em busca de obtenção de vantagem monopolista. A incorporação de inovações tecnológicas é também uma arma importante utilizada pelos bancos em busca de vantagens competitivas (FREITAS, 1997).

No mercado de pagamento, a exclusividade é antônimo de competitividade, pois acarreta inevitável concentração, impedindo que os novos agentes participem da troca de informações (interoperabilidade) para possibilitar a prestação de seus serviços. Assim, permite-se deduzir que “existe uma profunda relação entre a interoperabilidade e a obrigação de não discriminar” (RAGAZZO, 2020).

No âmbito do SPB, o princípio da interoperabilidade se insere como o instrumento que atua constantemente na promoção da competitividade. A partir dessa ilação, é pertinente a observação de que as mudanças regulatórias no setor de meios de pagamento revelam a construção de uma infraestrutura normativa que efetivamente conseguiu promover competição no setor, pavimentando a entrada exitosa de novos agentes no mercado brasileiro, alterando a estrutura de oferta existente (RAGAZZO, 2020).

Seguindo a lógica da regulação dos meios de pagamento fomentar a concorrência, o princípio da interoperabilidade tem como efeito a diminuição de barreiras à entrada no setor de forma a viabilizar a competição no mercado de pagamentos. A interoperabilidade produz uma série de benefícios: a redução dos custos, o aumento da diversidade, a ampliação da concorrência e o empoderamento do consumidor devido ao incremento da autonomia de escolha (KOMINERS, 2012, p. 12-15).

Nesse ponto, é de se destacar o papel regulatório do BCB na edição de normativos que viabilizam uma otimização na interoperabilidade entre os participantes do arranjo e entre os arranjos de pagamento distintos (LIMA JÚNIOR; ALTOÉ JÚNIOR, 2019), no intuito de fomentar a inclusão dos novos entrantes no mercado ao propiciar um ambiente virtuoso para a inovação como instrumento de aumento da competitividade e de acessibilidade do público consumidor aos serviços financeiros. Portanto, deduz-se que a interoperabilidade funciona como princípio instrumental de interação entre a inovação e a competitividade.

No escopo do SPB, a regulação deve funcionar como instrumento multifuncional: garantidor da estabilidade do sistema e de mitigação dos riscos, limitador das possibilidades de ação dos agentes econômicos que possam configurar conduta discriminatória e fomentador da competitividade por meio da inovação e da permissão da entrada de novos players no mercado de pagamentos.

A regulação também surge como fonte de correção da assimetria no acesso às informações relevantes, ao funcionar como instrumento balizador que proporciona aos novos entrantes o mesmo acesso que é concedido às IFs tradicionais, que figuram como agentes participantes no setor, e, com isso, impedindo que a concentração dos meios de pagamento dificulte a criação de um ambiente competitivo.

O perfil da regulação no mercado de pagamentos no Brasil é diretamente orientado, não para a criação de barreiras regulatórias, mas sim para a construção de uma infraestrutura normativa que viabiliza a competição no mercado brasileiro (RAGAZZO, 2020).

Entretanto, na medida em que a imposição de parâmetros regulatórios na inserção de novos produtos pode incentivar a inovação, sendo este o enfoque dado pelo arcabouço normativo, pode também sufocá-la, caso esse ambiente venha ser excessivamente regulado, o que impõe ao BCB uma atividade de autocontenção mediante o estabelecimento de pontos ótimos de equilíbrio na edição de seus normativos.

Como visto no tópico anterior, a estrutura legislativa que foi construída no âmbito regulatório do SPB após a edição da Lei nº 12.865/2013, notadamente em vista dos princípios norteadores do sistema, incentiva a inovação e vem constantemente evoluindo. E, dentro do ecossistema do meio de pagamentos, destacam-se as instituições de pagamento (IPs) como os novos agentes econômicos proponentes de novas soluções para serviços que já são ofertados pelas IFs tradicionais, com o foco em torná-los mais práticos ou mais baratos.

Por sua vez, a atuação do BCB na regulação do mercado de serviços financeiros é um dos fatores determinantes da estrutura financeira, pois limita as possibilidades de ação dos seus agentes, define as operações que podem ser realizadas legitimamente e o papel a ser exercido pelos participantes de tal estrutura, sendo um balizador da concorrência. Para Carvalho e Souza (2015):

[...] as razões de regular a operação das instituições financeiras recaem sobre duas características relevantes do mercado financeiro: o primeiro relaciona-se ao setor bancário, do qual diversas externalidades, tanto positivas quando negativas, se sobressaem. O segundo argumento aponta para a alta probabilidade de as transações financeiras serem marcadas por forte assimetria no acesso às informações relevantes pelos envolvidos.

A regulação como fenômeno normativo não é um assunto exclusivo dos atores estatais, mas também um fenômeno mediado por atores privados e da sociedade civil, tornando fluidos, em termos globais, os limites entre as normas legais “voluntariamente” seguidas e as normas legais obrigatórias aplicadas pelo Estado. No âmbito do direito econômico, o caráter transnacional do direito está na pluralidade interligada entre estruturas, atores e fontes jurídicas, envolvendo estrutura pública e privada (TIETJE, 2002).

É nessa perspectiva que se dá o processo de interação da atividade regulatória estatal com os atores privados, em especial aqueles afetados pela regulação do setor, notadamente pelo fato de que qualquer medida que venha afetar um dos agentes da cadeia tem o condão de induzir comportamentos (desejáveis ou não) sobre todos os demais (CABRAL JÚNIOR, 2020).

Sob essa perspectiva é que os atores privados atuarão de forma ativa e em parceria com o regulador bancário – que definirá critérios mínimos para proteger a liquidez do sistema financeiro e os clientes dos serviços financeiros -, tendo como principal escopo as informações compartilhadas de dados e serviços, em especial os canais de acesso, produtos e serviços, cadastro de clientes e representantes, transações de clientes, de modo que os padrões delineados proporcionarão a usabilidade, a interoperabilidade, a transparência, a independência e a promoção de novos produtos e serviços, criando flexibilidade e encorajando desenvolvedores para criação de novas soluções (CARVALHO, 2020).

Certamente, por se buscar esse equilíbrio é que o BCB tenha instituído uma agenda de regulação que mitigue os riscos sem inibir a inovação, como é o caso da instrumentalização dos novos vetores da inovação no campo do SPB, o que se aborda na seção seguinte.

3. O princípio da interoperabilidade como o condão da competição, da não-discriminação e do desenvolvimento ordenado do mercado

Como visto anteriormente, o setor financeiro está passando por acentuada transformação mediante a associação de novas tecnologias disruptivas que passaram a alterar a forma de relacionamento com seus consumidores, tendo como uma de suas principais vertentes a inovação dos meios de pagamento. A inovação tecnológica tem trazido novas dimensões para os serviços financeiros, constituindo instrumento de incentivo à competitividade pela entrada de novos participantes e, consequentemente, ao acesso a crédito e serviços mais baratos, com maior transparência, inclusão e educação financeira para o público consumidor.

Essa transformação motivada pela tecnologia obriga que a regulação normativa permeie novos caminhos a serem trilhados na criação de novos modelos de negócios, um dos quais começou com o marco regulatório do SPB, pois, conforme narrado alhures, a interoperabilidade foi tratada como princípio que norteia todo o sistema, de modo que fosse assegurada tanto a capacidade de inovação quanto a diversidade dos modelos de negócios.

Interoperabilidade proporcionada pela Internet. A Internet e a tecnologia móvel, sob a perspectiva da colaboração das informações como uma plataforma para inovação, influenciam diretamente a concepção das soluções no mercado. [...] A ideia da Interoperabilidade é vista de uma maneira abrangente, e consequentemente revela o meio digital móvel como parte integrante de uma mesma inovação tecnológica para a colaboração das informações e integração no meio digital (PAES, 2014).

Nesse cenário de inovações, as redes sociais, o mobile e a ampla conectividade ajudam a transformar todo o segmento financeiro, em especial os meios de pagamento (instituições de pagamento e arranjos de pagamento), criando instrumentos que aliam baixo custo com facilidade para os clientes, para gerar resultados mais vultosos e mais eficientes do que os de IFs tradicionais.

Dentro da expectativa de uma evolução no arcabouço regulatório capaz de acompanhar a constante inovação tecnológica desenvolvida pelas plataformas digitais, o BCB, por meio da Agenda BC#, inclui as IPs e sua variedade de modelos de negócio como parceiros relevantes no alcance de seus objetivos, principalmente nas dimensões Inclusão e Competitividade.

Entre as ações da Agenda BC# que trarão oportunidades para o SBP, estão: o Open Banking, que trata do compartilhamento de dados, produtos e serviços entre as diferentes instituições do SFN; o Sandbox Regulatório, que flexibiliza os requisitos regulatórios por um período limitado para permitir que empresas testem serviços e produtos financeiros inovadores; e a implementação do ecossistema de Pagamentos Instantâneos, que permitirá que operações financeiras sejam executadas sete dias por semana, 24 horas por dia. Dessa forma, as atividades da Agenda BC# propiciarão condições para que os novos modelos de negócios oriundos das instituições de pagamento contribuam para o constante dinamismo e evolução do Sistema Financeiro Nacional (SFN), por meio do estímulo à competição, com foco no usuário dos produtos e serviços financeiros, bem como no desenvolvimento de um sistema mais inclusivo (BCB, 2020).

O Sandbox Regulatório deriva de experiências realizadas em outros países, notadamente no Reino Unido[8], sendo compreendido como um ambiente controlado de testes para inovações financeiras e de pagamento, no qual entidades serão autorizadas a funcionar pelo BCB com a finalidade de testar, por período determinado, projeto inovador na área financeira e de pagamento, observando um conjunto específico de disposições regulamentares que amparam a realização controlada e delimitada de suas atividades (BCB, 2019b, p. 4).

O Sandbox Regulatório surge exatamente no contexto de adaptação da atividade regulatória do BCB à velocidade com que as inovações ocorrem no setor financeiro, em especial pelos novos entrantes (fintechs, bigtechs, entre outros). A estratégia do Sandbox Regulatório se mostra atraente para incentivar a inovação, ao mesmo tempo que permite entender melhor os modelos de negócio e os riscos associados. Ademais, o Sandbox demonstra maior efetividade quando considera o mercado de serviços financeiros como um todo, por isso a importância de uma forte integração entre os reguladores nacionais.

Nesse modelo, o BCB atua como observador e garantidor do efetivo cumprimento das disposições regulamentares dentro do ambiente experimental controlado, possibilitando que os novos participantes desenvolvam suas atividades sob monitoramento dos reguladores, recebendo orientação a respeito das regras às quais estão sujeitas, o que constitui fonte de valiosa segurança jurídica no desenvolvimento de produtos e modelos de negócios inovadores. Segundo delineado por Borges (2020, p. 32), o advento de modelos de negócio no setor financeiro baseados em tecnologia intensiva e disruptiva da informação colocou em xeque o sistema tradicional de atuação dos órgãos reguladores, até então pouco flexíveis e reativos às mudanças, para trazer modalidades de regulação mais flexíveis e adaptáveis à realidade cambiante do mercado regulado.

No Brasil, o Sandbox Regulatório foi instituído por minuta de ato conjunto, previsto no Edital de Consulta Pública 72/2019, do Banco Central do Brasil, colhendo do artigo 3º da minuta de Ato Normativo Conjunto a definição:

Artigo 3º. O Sandbox Regulatório é um ambiente em que entidades serão autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, a fim de testar, por período determinado, projeto inovador na área financeira e de pagamento observando um conjunto específico de disposições regulamentares que amparam a realização controlada e delimitada de suas atividades. (BCB, 2019b, p. 4)

O artigo 5º da minuta de Ato Normativo Conjunto, constante no Edital de Consulta Pública 72/2019, traz em seu inciso I a previsão de regência do Sandbox Regulatório pelo princípio de estímulo à inovação e à diversidade de modelos de negócio no SFN e no SPB e da promoção da concorrência e da inclusão financeira, entre outros, o que denota o que foi constatado no decorrer do presente estudo, no sentido de que o BCB estimula a criação de um ambiente virtuoso para a inovação como instrumento de aumento da competitividade.

Quanto ao Open Banking, segundo o Núcleo de Estudos Avançados de Regulação do Sistema Financeiro Nacional (NEASF, 2019b)[9] o sistema financeiro aberto foi conceituado como o compartilhamento de dados, produtos e serviços de modo obrigatório, por meio da abertura e integração de plataformas e infraestrutura das instituições, o que denota que o princípio da interoperabilidade se concretiza como um instrumental da inovação e da competitividade. Importante apontar que o principal elemento do sistema financeiro aberto é a padronização, ou seja, a criação de uma camada tecnológica que facilita o acesso e a troca de informações de clientes, produtos e serviços entre as instituições por meio da application programming interface (API)[10], corrigindo ainda mais as distorções discriminatórias antes detectadas que constituíam um entrave à entrada de novos agentes.

À medida que a implementação do Open Banking promoverá benefícios e oportunidades, importará também em desafios no âmbito regulatório, de modo a assegurar que a finalidade colimada – aumento da competitividade – seja alcançada. Desse modo, considerando que o sistema financeiro aberto pressupõe a possibilidade de o cliente acessar serviços financeiros a partir de outras plataformas (não obrigatoriamente IFs) distintas da interface da instituição com quem mantém relações, dever-se-á aguardar como se comportará na prática a quebra da exclusividade da instituição que presta o serviço financeiro e a interface do seu cliente e, assim, aferir em que medida tal inovação irá refletir como instrumento de ampliação da concorrência e de aumento da eficiência do SFN.

Considerando que o perfil da regulação no mercado de pagamentos no Brasil é diretamente orientado para a construção de uma infraestrutura normativa que oportuniza a competição, é certo que o Open Banking representa uma evolução regulatória do BCB. Essa inovação regulatória é reflexo da importância e do valor dos dados em uma economia cada vez mais digital, bem como do crescimento exponencial de fintechs e bigtechs que têm ofertado soluções disruptivas no plano dos meios de pagamento.

Outro vetor componente da Agenda BC# é o Sistema de Pagamentos Instantâneos, consistente no ecossistema de processamento e liquidação das transações de pagamentos em tempo real, no âmbito do arranjo de PIX, instituído pelo BCB, com o objetivo de fomentar a inclusão financeira e a competitividade no SFN.

A plataforma PIX é uma infraestrutura desenvolvida pelo próprio BCB que engloba todas as instituições (IPs e IFs) interessadas na prestação do serviço de pagamento instantâneo. Novos conceitos e princípios – como o da neutralidade tecnológica[11] – foram trazidos pelo normativo do BCB[12], mas, igualmente com o que se almejou com os demais vetores indicados neste estudo, o incentivo à inovação e o interesse no crescimento e desenvolvimento de mercado mais competitivo e rentável também são objetivos colimados pelo Sistema de Pagamentos Instantâneos (COUTINHO; GONÇALVES; KIRA, 2020).

Considerações finais

As mudanças regulatórias no setor de meios de pagamento após o advento da Lei 12.865/2013 revelam a construção de uma infraestrutura normativa que efetivamente conseguiu promover competição no setor, pavimentando a entrada exitosa de novos agentes no mercado brasileiro, alterando a estrutura de oferta existente (RAGAZZO, 2020), de modo que o espaço vem sendo ocupado por empresas que oferecem serviços financeiros aliados à tecnologia.

O novo marco regulatório dos arranjos e instituições de pagamento constituiu um passo importante para eliminar algumas das incertezas e obstáculos existentes para o desenvolvimento do SPB, bem como a famigerada assimetria regulatória. As novas normas que vêm surgindo destinam-se a criar um ambiente favorável especialmente para o crescimento de meios de pagamento voltados à parcela da população ainda não bancarizada.

O sistema de princípios gerais consubstanciados pela Lei nº 12.865/2013 preza pela transparência, não-discriminação, segurança, eficiência e interoperabilidade, tendo como efeitos principais a eliminação da assimetria regulatória e dos obstáculos para o desenvolvimento da concorrência no âmbito do mercado de pagamento e, ainda, criar um ambiente de inclusão financeira para o consumidor (acessibilidade), com especial apreço pela manutenção da higidez do sistema de pagamentos como um todo através da regulação prudencial (supervisão e monitoramento).

O cenário que foi instaurado pelo SPB resulta um ambiente de maior competição, redução de custos e preços, aumento de conveniência para os usuários, melhoria da qualidade dos serviços e facilitação da inclusão financeira, trazendo inegáveis benefícios para a economia nacional.

Conforme demonstrado no decorrer deste trabalho, o mercado é dinâmico e competitivo, e as inovações são inevitáveis. Como à toda ação sempre deve haver uma reação, ações de inovação demandam reações regulatórias. O desafio consiste em prover à sociedade um sistema que combata de forma preventiva as inseguranças da tecnologia ao mesmo tempo que permita que todos os benefícios trazidos pelas inovações possam ser aproveitados, para um sistema financeiro dinâmico, atual, sólido, confiável, e, sobretudo, competitivo. Faz-se necessário, portanto, conjugar esforços no sentido de viabilizar estudos cada vez mais apurados, de forma que os recursos tecnológicos apresentados possam ser recebidos e utilizados de maneira harmônica e condizente com a estabilidade do sistema financeiro.

E, nesse contexto, surgem os novos vetores informados no tópico anterior, os quais proporcionam inovação de forma a incrementar a interoperabilidade, a fim de criar um ambiente propício à competição e ao desenvolvimento ordenado do mercado, o que irá impactar como fonte tanto de oportunidades quanto de desafios, em especial no âmbito regulatório, cujos esforços regulatórios seguem sendo envidados pelo BCB, em conjunto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).

Os mercados onde atuam as plataformas digitais têm como desafio garantir essa interoperabilidade com outros serviços e a inclusão de diversos atores econômicos, de modo a que os players dominantes assegurem aos competidores, segundo critérios equânimes, a oportunidade de oferecer seus serviços à plataforma e possam com ela contratar. A regulação do BC# almeja impedir que essas plataformas estabeleçam, elas mesmas, padrões específicos de interoperabilidade.

Portanto, a criação de um regime jurídico fundado na interoperabilidade, como estabelecido pelo BC#, não é um instrumento da defesa da concorrência como repressão ao abuso do poder econômico. No máximo, pode ser considerado como uma preocupação do Cade fundada no potencial lesivo decorrente do porte e das posições de mercado dos agentes envolvidos no produto inovador, e da ausência de informações mais detalhadas sobre uma operação inovadora. É um princípio de caráter preventivo e decorrente do princípio da livre concorrência, estabelecido no art. 170 da Constituição, para estabelecer um ambiente de mercado competitivo e que não dificulte a entrada e saída de players.

Em conclusão, constata-se que a inovação incentiva a competitividade e vice-versa, sendo a interoperabilidade um princípio instrumental instituído pelo marco regulatório do SPB. Desse modo, o alcance da inovação através do incremento da interoperabilidade cria um ambiente propício à competição, à não-discriminação e ao desenvolvimento ordenado do mercado, conforme demonstra a essência dos novos vetores instituídos no âmbito regulatório da Agenda BC#. No entanto, o impacto que tais vetores irão proporcionar na cadeia de meios de pagamentos ainda é desconhecido em face do estágio embrionário em que se encontram, mas o caminho está pavimentado de modo a demonstrar que a inovação como estratégia de fomento à competitividade é um trajeto sem volta.

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Submetido em: 12 dez. 2021.

Aceito em: 21 mar. 2022.

 



[1]    No original: “The rise of information technology undermined the regulatory approach with which society got banking under control in the industrial age”.

[2]    Segundo disciplina o parágrafo único do artigo 219 da Constituição Federal, o Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. (BRASIL, 1988)

[3]    Art. 6º Para os efeitos das normas aplicáveis aos arranjos e às instituições de pagamento que passam a integrar o Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), nos termos desta Lei, considera-se:

I - arranjo de pagamento - conjunto de regras e procedimentos que disciplina a prestação de determinado serviço de pagamento ao público aceito por mais de um recebedor, mediante acesso direto pelos usuários finais, pagadores e recebedores;

II - instituidor de arranjo de pagamento - pessoa jurídica responsável pelo arranjo de pagamento e, quando for o caso, pelo uso da marca associada ao arranjo de pagamento;

III - instituição de pagamento - pessoa jurídica que, aderindo a um ou mais arranjos de pagamento, tenha como atividade principal ou acessória, alternativa ou cumulativamente:

a) disponibilizar serviço de aporte ou saque de recursos mantidos em conta de pagamento;

b) executar ou facilitar a instrução de pagamento relacionada a determinado serviço de pagamento, inclusive transferência originada de ou destinada a conta de pagamento;

c) gerir conta de pagamento;

d) emitir instrumento de pagamento;

e) credenciar a aceitação de instrumento de pagamento;

f) executar remessa de fundos;

g) converter moeda física ou escritural em moeda eletrônica, ou vice-versa, credenciar a aceitação ou gerir o uso de moeda eletrônica; e

h) outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central do Brasil. (BRASIL, 2013a)

[4]    Artigo 7º, parágrafo único, da Lei 12.865/2013 estabelece que “a regulamentação deste artigo assegurará a capacidade de inovação e a diversidade dos modelos de negócios das instituições de pagamento e dos arranjos de pagamento.” (BRASIL, 2013a)

[5]    Art. 7º. Os arranjos de pagamento e as instituições de pagamento observarão os seguintes princípios, conforme parâmetros a serem estabelecidos pelo Banco Central do Brasil, observadas as diretrizes do Conselho Monetário Nacional:

I - interoperabilidade ao arranjo de pagamento e entre arranjos de pagamento distintos;

II - solidez e eficiência dos arranjos de pagamento e das instituições de pagamento, promoção da competição e previsão de transferência de saldos em moeda eletrônica, quando couber, para outros arranjos ou instituições de pagamento;

III - acesso não discriminatório aos serviços e às infraestruturas necessários ao funcionamento dos arranjos de pagamento;

IV - atendimento às necessidades dos usuários finais, em especial liberdade de escolha, segurança, proteção de seus interesses econômicos, tratamento não discriminatório, privacidade e proteção de dados pessoais, transparência e acesso a informações claras e completas sobre as condições de prestação de serviços;

V - confiabilidade, qualidade e segurança dos serviços de pagamento; e

VI - inclusão financeira, observados os padrões de qualidade, segurança e transparência equivalentes em todos os arranjos de pagamento. (BRASIL, 2013a)

[6]    Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado (BRASIL, 1988).

[7]    Art. 4º É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente: [...]

    IV - redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco; (BRASIL, 2019)

[8]    O Reino Unido foi uma das nações pioneiras na implementação das sandboxes regulatórias e é grande advogado da importância e dos benefícios trazidos por esse sistema. Já em 2015, o Financial Conduct Authority (FCA), órgão regulador financeiro no país, publicou um documento de pesquisa, denominado “Regulatory Sandbox”, como parte de seu Project Innovate, no qual explica e define o que é uma sandbox: A regulatory sandbox is a ‘safe space’ in which businesses can test innovative products, services, business models and delivery mechanisms without immediately incurring all the normal regulatory consequences of engaging in the activity in question (MOURA; COSENTINO, 2019).

[9]    Organizado pelo Centro de Pesquisa em Direito e Economia (CPDE) da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio), o NEASF tem por objetivo principal contribuir para o aprimoramento da regulação do Sistema Financeiro Nacional (SFN), por meio de pesquisas e análises que permitam diagnosticar gargalos e vislumbrar oportunidades de aperfeiçoamento do setor financeiro no Brasil. O NEASF possui uma composição multistakeholder, com participação de membros da academia, do mercado e do governo. Por meio de debates e mesas-redondas, os seus membros discutem temas relevantes da regulação do SFN, colaborando para uma compreensão mais ampla do setor, das tendências, dos riscos, das eventuais lacunas na regulação e das suas implicações.

[10]  API, interface de programação de aplicativos, é um conjunto de especificações técnicas de informática que permite a integração entre softwares ou plataformas de aplicativos para a comunicação de dados entre si.

[11]  Pelo princípio da neutralidade tecnológica, a regulação não pode se basear em um tipo particular de tecnologia. Isto é, a regulação não deve ser desenhada de modo a cristalizar um modelo de negócios específico. Nesse contexto, o PIX é, ele próprio, um instrumento fomentador da interoperabilidade e neutralidade tecnológica no sistema brasileiro de pagamentos. (COUTINHO; GONÇALVES; KIRA, 2020)

[12]  Circular nº 3.985/2020, que dispõe sobre as modalidades e os critérios de participação no arranjo de pagamentos instantâneos e no SPI, bem como sobre os critérios de acesso direto ao Diretório de Identificadores de Contas Transacionais (DICT).