O DANO MORAL COLETIVO NA SOCIEDADE DE RISCO: UMA ANÁLISE DE SUA FUNCIONALIDADE NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

Auricélia do Nascimento Melo

Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Piauí

aurimelo@hotmail.com

Dione Cardoso de Alcantara

Centro Universitário UNINOVAFAPI, Piauí

dionecardoso@hotmail.com

RESUMO: A sociedade pós-industrial é nominada de sociedade de risco pelos riscos gerados em decorrência do avanço da tecnologia, da globalização e da fluidez das informações. Nesse novo contexto, a responsabilidade civil, notadamente aquela em decorrência dos danos injustamente suportados toma a dimensão da coletividade. Assim, a problemática enfrentada na pesquisa é analisar de acordo com a doutrina e jurisprudência, a possibilidade de conferir danos morais a uma coletividade. A metodologia empregada foi a pesquisa de artigos específicos sobre o tema, bem como julgados dos tribunais aliado à doutrina atual. Conclui-se, que o dano moral coletivo trabalhista existe em decorrência da sociedade de risco e que atinge em especial o meio ambiente do trabalho e por conseguinte a saúde do trabalhador, isso faz com que o debate propicie um aprofundamento sobre o direito ambiental do trabalho e que este seja visto como um instrumento de redução das complexidades, servindo como mecanismo de proteção da saúde do trabalhador.

PALAVRAS-CHAVE: Sociedade de Risco. Responsabilidade civil. Dano moral coletivo. Meio ambiente do trabalho.

The collective moral damage in the risk society: an analysis of its functionality in the work environment

ABSTRACT: Post-industrial society is called a risk society because of the risks generated by the advance of technology, globalization and the flow of information. In this new context, civil liability, especially that resulting from unjustly sustained damages, takes on the dimension of the community. Thus, the problem faced in the research is to analyze, according to doctrine and jurisprudence, the possibility of conferring moral damages to a collectivity. The methodology employed was the search for specific articles on the subject, as well as judgments of the courts combined with current doctrine. The conclusion is that the collective labor moral damage exists as a result of the risk society and that affects in particular the work environment and therefore the health of the worker, this causes the debate to deepen the environmental law of labor. and that it be seen as an instrument to reduce complexities, serving as a mechanism for protecting workers' health.

KEYWORDS: Society of risk. Civil responsibility. Collective moral damages. Work environment.

Introdução

Inequívocas as transformações que vem passando a sociedade contemporânea impulsionadas pela economia, pela maior politização dos indivíduos e pela globalização. Nesse contexto surge a sociedade de risco, para a qual a ideia de risco evolui de um acaso para a de um ato juridicamente controlável pela probabilidade, e posteriormente caracterizada como uma sociedade reflexiva, fazendo surgir a necessidade de uma responsabilização por eventuais danos decorrentes de tais atos.

Percorrendo o caminho da responsabilidade civil e tendo em vista a socialização do Direito surge o dano moral coletivo, e com ele um problema: o de saber qual sua extensão, e caracterização. Refletindo sobre a temática, é necessário pontuar se é admissível conferir uma indenização a título extrapatrimonial a uma coletividade em razão da ocorrência de danos?

Em uma resposta hipotética parte-se da premissa de que o dano deveria conter algo subjetivo, o que é inerente a um indivíduo, e não a uma coletividade. O estudo mostra-se relevante, notadamente no Direito do Trabalho, tendo em vista a uma natural posição de insuficiência econômica do trabalhador frente ao empregador, pelo que a aplicação da teoria da responsabilidade se adequa à construção principiológica protetiva do direito laboral.

O estudo possui caráter qualitativo bibliográfico, para tanto será analisada a denominada sociedade de risco, a partir do pensamento de Beck, objetivando conceituar, caracterizar, e demonstrar que a construção de um conceito de risco que seja adequado às complexidades da sociedade atual é relevante para o contínuo aperfeiçoamento da tutela jurídica, em especial a proteção à saúde do trabalhador.

Na sequência foi abordada a modificação do perfil funcional na teoria da responsabilidade civil. Buscou-se delimitar o novo foco da responsabilização civil na pessoa da vítima, de um dano injustamente provocado.

Em relação ao dano moral coletivo tratou-se de demonstrar que o dano extrapatrimonial se estende também a uma coletividade, pautando-se na aplicação dos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana. Além disso, buscou-se realizar uma sistematização da interação entre o dano moral coletivo, o direito do trabalho e a sociedade de risco, evidenciando-se que o campo propício para o surgimento do dano extrapatrimonial da sociedade pós-industrial se dá notadamente no meio ambiente do trabalho por meio de consequências não previsíveis à saúde do trabalhador.

1. Sociedade de risco

Como ponto inicial e basilar para a construção de um estudo deve-se partir da conceituação dos institutos a serem analisados, desta feita é necessário estabelecer o que seja risco na sociedade contemporânea para que se possa mais adiante verificar a interferência e consequências na seara trabalhista. Tomou-se como premissa a sociedade contemporânea qualificada como sociedade de risco pelo pensamento do sociólogo alemão Ulrich Beck (1992, p. 21) em que “o risco pode ser definido como uma forma sistemática de lidar com os perigos e as incertezas produzidos e introduzidos pela própria modernização”.

É certo que após a sociedade industrial o desenvolvimento das tecnologias nos mais diversos setores da vida humana, desde a produção de gêneros alimentícios até a manipulação de material genético, químicos e nucleares, bem como a disseminação das informações e associações em rede, vem a caracterizar o perfil dessa nova sociedade, onde a globalização, aqui entendida como a forma de circulação rápida do conhecimento humano, vem a gerar riscos das mais variadas formas e graus, dentre eles os riscos ao meio ambiente, nucleares, químicos, genéticos e até mesmo econômicos (BECK, 1992).

Fica evidenciado, portanto, a ligação umbilical entre a globalização e o que se entende sobre sociedade de risco, e o consequente aparecimento da sociedade reflexiva[1], fase da modernidade onde o desenvolvimento técnico científico não tem como afirmar o que irá acontecer no futuro. A análise, aprofundamento do estudo e entendimento da sociedade de risco poderá nortear as possíveis soluções dos riscos existentes. Impende destacar neste ponto o que Niklas Luhmann(1985, p.46-48)[2] em contribuição para a Sociologia do Direito desenvolveu em sua análise conceitual do que se entende por risco na sociedade atual de enormes complexidades que sempre existe mais uma possibilidade que não era previsível.

Destaque-se que antes da Idade Moderna as situações que geravam um risco já existiam, a exemplo das viagens empreendidas pelos navegadores para a descoberta e exploração dos continentes, o qual o Brasil é fruto.

O que vem a distinguir o risco de outrora com o risco que se vivencia atualmente é a sua dimensão, ou talvez melhor o seu alcance, que é de âmbito global. O que antes tinha risco não ultrapassava o indivíduo, hoje pode chegar a atingir um contingente imensurável de pessoas e coisas[3]. Anteriormente se atribuíam os riscos às catástrofes naturais, pelo que se caracterizavam como um risco inevitável e fatal, grande parte justificados pela vontade divina (pestes, tremores de terra, grandes alagamentos)[4].

Superado esse período, em muito por influência dos cuidados com saneamento, bem como do iluminismo, onde se deslocou o foco da ideia do risco como de origem divina para a razão humana, posto que o homem passou a ser o centro de tudo, o risco então teve uma nova origem, o aprofundamento e disseminação do conhecimento do homem e pelo homem.

Beck (1992, p.23) na busca de imprimir características próprias dos riscos suportados pela sociedade menciona o “boomerang effect”, o qual desconstitui a hierarquização de classe até então existente, na perspectiva de que na sociedade industrial o fator de distribuição de riquezas distinguia as classes entre ricos e pobres, e na sociedade contemporânea os riscos oriundos da intervenção do homem alcança a todos indistintamente, a exemplo dos danos ambientais. A esse fenômeno ele denomina de “democratização”.

Em decorrência dessa constatação é compreensível que a sociedade não trabalhe mais na busca de formas ou soluções preventivas das consequências geradas pelo risco, mas sim avalie como será a distribuição dos danos provocados pelo risco. O autor discorre acerca de outras características dos riscos suportados atualmente, quais sejam: a deslocalização geográfica, pelo que a fluidez do espaço geográfico de ocorrência dos riscos pode ter extensão trasfronteiriça, numa dialética entre tempo, espaço e sociedade[5]; a incalculabilidade, tendo em vista a imprevisibilidade da ocorrência dos riscos não se tem como mensurar de maneira exata suas consequências econômicas[6]; a não compensabilidade, introduzindo a ideia de que não é possível compensar de forma adequada as consequências geradas pelo risco.

O aspecto da compensação ou indenização do dano moral traz em si um equívoco semântico, posto que se parte da premissa que indenizar é restituir o patrimônio ao status quo ante, aspecto incompatível com o elemento subjetivo, e extrapatrimonial da moral, pelo que se coadunaria em melhor técnica referir-se que este é compensável, e não indenizável como indica o texto constitucional.

E por fim a última característica, qual seja a dimensão cumulativa no tempo, partindo da visão que é inerente ao risco um período de latência no qual não se pode determinar ou pré-determinar um período para que possa ser perceptível ou mesmo venha a acontecer como fato exterior, exteriorizar-se, a exemplo das consequências em humanos da explosão nuclear de Chernobyl, do conhecido episódio da Talidomida e, o famoso caso do diethylstilbestrol (DES), administrado para mulheres grávidas.

Martinez-Alier (2006, p. 414) suscita a distinção entre risco e incerteza, já que para ele as consequências ou ameaças produzidas pela ciência e pela tecnologia na sociedade atual deveria ser encarada como uma incerteza, não como um risco, onde o risco é “[...] uma distribuição conhecida da probabilidade, ou, pelo menos, de probabilidades subjetivamente acordadas [...]”, e a incerteza ocorre “[...] quando não sabemos a probabilidade de ocorrência [de um dado perigo]”.

Torna-se evidente que a preocupação com o bem-estar individual se estende agora para a proteção integral da coletividade, posto que os riscos inerentes ao novo perfil social atingem e geram consequências danosas em grandes proporções e sem distinções, sejam geográficas, temporais ou de hierarquia social. Neste mesmo compasso Menezes (2007, p.7-8)[7] justifica o aparecimento da sociedade dos danos.

Por outro lado, para melhor sistematizar o estudo e conhecimento de quais são os riscos que incidem na sociedade contemporânea, necessária a classificação destes, pelo que Guivant (2001, p.98) em análise da obra de Beck aduz que: estão presentes três tipos de ameaças globais, que podem se complementar e acentuar entre si: 1) aqueles conflitos chamados bads: a destruição ecológica decorrente do desenvolvimento industrial, como o buraco na camada de ozônio, o efeito estufa e os riscos que traz a engenharia genética para plantas e seres humanos; 2) os riscos diretamente relacionados com a pobreza, vinculando problemas em nível de habitação, alimentação, perda de espécies e da diversidade genética, energia, indústria e população; 3) os riscos decorrentes de NBC (nuclear, biological, chemical), armas de destruição de massas, riscos que aumentam quando vinculados `aos fundamentalismos e ao terrorismo privado.

Diante dessa perspectiva global e transnacional da incidência dos riscos na sociedade atual, Beck (1999, p. 108) sugere o aparecimento de organismos ou instituições abertas, transparentes, que informem ao público e alertem as indústrias, de forma que se possa conviver com os riscos da sociedade moderna, em lugar de extingui-los. Necessário a partir daqui indicar como a teoria da responsabilidade civil se acomoda na sociedade de risco.

2. A modificação do perfil funcional na teoria da responsabilidade civil

A missão de traçar o caminho percorrido pela responsabilidade civil durante sua evolução levou em consideração, neste estudo, as obras de Maria Celina Bodin de Moraes (2003) e Caitlin Sampaio Mulholland (2009), que embasam seus pensamentos na análise das legislações italiana e espanhola, bem como no estudo da construção jurisprudencial brasileira sobre a responsabilidade civil.

A premissa que alicerça a responsabilidade[8] é a de que esta é um pensamento latente, intrínseco, e natural do ser humano, já que “intuitivamente, o ser humano identifica aquelas situações, sejam estritamente sociais, sejam jurídicas, nas quais se estabelece sua responsabilidade em relação a determinado resultado derivado de sua atuação” e que a responsabilidade é o instituto limitador da liberdade humana pelo que “a liberdade, então, era a razão mesma da responsabilidade; se não há ato de vontade, não haverá responsabilidade. […] não se pode transferir a outrem a responsabilidade do dano que se causa.

A dimensão funcional do direito ganha impulso a partir dos séculos XVIII e XIX. A doutrina aponta a obra de Louis Josserand como precursora do movimento de funcionalização. Este autor propõe em síntese que os direitos possuem na gênese uma carga de relatividade, pois se destinam a um preenchimento de um objetivo social. Daí porque esses direitos ou prerrogativas devem passar necessariamente por um processo de funcionalização, pois sendo eles sociais, seja na forma seja no fundo, há uma necessidade de ajuste aos interesses da sociedade que os concebeu.

A nova parametrização da responsabilidade civil retroage e faz emergir a injustiça do dano, a prescindibilidade do ato ilícito para configurar o dano, agora os danos injustamente causados/sofridos são tutelados pela Teoria dos Danos. Nessa esteira Maria Celina Bodin de Moraes (2003) define que o dano será injusto quando, ainda que decorrente de conduta lícita, afetando aspecto fundamental da dignidade humana, não for razoável, ponderados os interesses contrapostos, que a vítima dele permaneça irressarcida. A qualificação do dano como sendo injusto afastou de sua análise e interpretação a antes necessária investigação da conduta do agente para a conceituação da responsabilidade civil por meio da noção subjetiva do ato ilícito.

Através desse olhar renovado da responsabilidade civil, onde o dano injustamente causado é proveniente da sociedade de risco que atualmente se vivencia, o elemento da culpabilidade perde sua relevância, e o princípio da solidariedade ganha fôlego (PERLINGIERI, 1999)[9].

Tomando por base que o princípio da solidariedade é de jaez constitucional, e levando em consideração as lições de uma hermenêutica sistêmica do ordenamento jurídico, pode-se pensar a partir de então em um Direito Civil Constitucional, pelo que oportunamente se observa que a dicotomia entre Direito Público e Direito Privado não passa atualmente de uma forma meramente didática de enxergar a Ciência do Direito[10].

Retomando o curso da análise da evolução da responsabilidade civil não se pode deixar de expor os elementos configuradores da obrigação de indenizar, esta última vista como o fim a que se pretende a responsabilidade civil, tais elementos são: nexo de causalidade, culpa e risco – já indicados acima – e o dano.

Anteriormente mencionado que o ato de indenizar almeja o retorno ao estado originário, quando não se existia o dano, ou seja, o “desfazimento do dano”, além do que, “sem prejuízo não há dano, e sem dano não há responsabilidade.” (MULHOLLAND, 2009, p. 23). Cabe neste momento pormenorizar o que seja cada um dos elementos da responsabilidade civil e seus desdobramentos para a Teoria dos Danos.

Para Bittar Filho (2016, p. 02) dano é toda “lesão, ou redução patrimonial, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos no Direito, seja quanto à sua própria pessoa - moral ou fisicamente - seja quanto a seus bens ou a seus direitos". Fala-se daqui em diante de dano patrimonial e dano moral, o qual nos fixaremos e onde o maior ponto de controvérsia é a de quem responde e de quanto será a indenização pelo dano moral injustamente suportado?

A noção de dano agora se estende ao aspecto humano da moral, de cunho subjetivo, pelo que traz a necessidade de um diálogo com outro princípio constitucional, o princípio da dignidade da pessoa humana, fazendo surgir o que se denomina por novos danos.[11] Este elemento que embasa a responsabilidade civil traz consigo dois grandes problemas que devem ser enfrentados pelo intérprete do Direito, a banalização do dano moral[12] e a (in)possibilidade da aplicação de um parcela de cunho punitivo[13] na quantificação de sua indenização.

O outro elemento, qual seja a culpa, entra numa vertiginosa obsolescência diante do surgimento do dano injusto, notadamente quando do deslocamento da responsabilidade civil do eixo do ofensor para o eixo da proteção à vítima, sendo necessário verificar tão somente se a conduta gerou um dano. Por derradeiro, o último elemento a compor a responsabilidade civil é o nexo de causalidade[14] que por estabelecer a conjugação entre a conduta (lícita ou ilícita) e o dano acaba por indicar o causador do dano, bem como também serve de baliza para quantificar a almejada indenização.

O novo perfil dado à responsabilidade civil, fazendo alargar seu campo de alcance, na busca de tutelar de forma objetiva aquele que sofre um dano, notadamente se for de forma injusta, importando de forma finalística a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, através de uma compensação é auxiliado pelos novos princípios informadores da responsabilidade civil, quais sejam: o princípio da reparação integral, o princípio da solidariedade social e o princípio da precaução, além claro dos princípios corolários da dignidade, que são: o princípio da igualdade, princípio da integridade psicofísica[15], princípio da liberdade e princípio da solidariedade.

A solidariedade é um ponto de intersecção entre aqueles princípios que já constituíam e os que estão a complementar o principio da dignidade humana seja ele invocado simplesmente enquanto princípio da solidariedade ou chamado de princípio da solidariedade social.

Adotando integralmente o posicionamento de Maria Celina Bodin de Moraes (2003, p. 114) que indica que o “[...] solidariedade identifica-se, assim, com o conjunto de instrumentos voltados para garantir uma existência digna, comum a todos, em uma sociedade que se desenvolva como livre e justa, sem excluídos ou marginalizados.”, foram estatuídas no artigo 3°, I e III, da Constituição Federal, as idéias que ditam como objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a erradicação da pobreza e da marginalização.

É a partir dessa conjugação, em especial, entre o princípio da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, que se pensa na humanidade como um ser coletivo merecedor da tutela jurídica, nasce então a necessidade de resguardar as consequências danosas, notadamente no âmbito moral, suportado por uma coletividade no âmbito da sociedade de risco.

3. O dano moral coletivo

Apesar da tutela coletiva de a muito ser admitida no ordenamento pátrio, em especial com o advento das Leis da Ação Popular (Lei 6.513/77) e da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), assim como do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90 – art. 81), não há na jurisprudência, nem na doutrina, uma pacificação acerca da possibilidade ou não da ocorrência de dano moral coletivo[16], pois é discutível até em que medida pode ser aplicado em determinado caso concreto.

Compondo uma corrente tradicional onde o dano moral ainda necessita de um indivíduo para manifestar os valores de caráter subjetivo, tais como a ideia de dor, sofrimento, melancolia, tem-se Rui Stoco; Teori Albino Zavascki e; Hugo Nigro Mazzilli. Por outro norte outra gama de doutrinadores a exemplo de Yussef Said Cahali, José Rubens Morato Leite, Patryck de Araújo Ayala, Annelise Monteiro Steigleder, notadamente na esfera ambiental, defendem que seja possível o reconhecimento do dano moral em decorrência do atingimento do patrimônio valorativo de uma comunidade, tomando a extensão da transidividualidade. (ZAVASCKI; FIGUEIREDO, 2015, p. 209).[17]

Essa extensão da abrangência do dano a uma coletividade[18], numa verdadeira socialização do dano, é decorrente das mudanças que vertiginosamente vem impactando a sociedade contemporânea, facilmente perceptível pela evolução tecnológica, pela globalização e pelas alterações sociais.

Por ter a ideia de ser um conjunto de pessoas uma das características inerente aos valores coletivamente protegidos é que os valores de uma comunidade são indivisíveis, podendo o dano atingir, no olhar de Francisco José de Oliveira Viana (1955, p. 26-26, apud BITTAR FILHO, 2016, p. 07), até mesmo o complexo cultural de uma comunidade. Desse modo o dano extrapatrimonial poderá atingir os valores relativos ao meio ambiente, ao consumidor e ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a honra e a dignidade social e/ou nacional. Carlos Alberto Bittar Filho (2016, p. 10) define dano moral coletivo como “[...] injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos […]”.

Fazendo um desmembramento dos elementos que compõem a relação jurídica obrigacional decorrente do dano moral coletivo tem-se enquanto sujeito ativo – a comunidade, grupo ou coletividade lesada; sujeito passivo – o causador do dano (podendo ser outra comunidade, pessoa física ou jurídica); e o objeto (ou finalidade) – a reparação do dano ( que pode ser pecuniária ou não – a exemplo de fazer ou deixar de fazer algo quando da ocorrência de alguma catástrofe ambiental)[19].

O dano moral coletivo tem cenário de ocorrência em vários contextos e relações jurídicas, a saber: de esfera ambiental - podendo atingir o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida e a saúde da coletividade e do meio ambiente; na esfera da honra – quando mira por exemplo a comunidade negra, judaica, ou qualquer outro grupo visto como vulnerável; na esfera do patrimônio histórico[20]; na esfera consumerista[21] e, na esfera trabalhista. Quanto a esta última o próprio legislador reformista em 2017, por meio da Lei 13. 467, inseriu no texto celetista o art. 223-B e 223-D, estendendo o dano patrimonial também à pessoa jurídica, que por si só já é compreendido como um ser coletivo.

3.1. Dano moral coletivo e o meio ambiente do trabalho

Parte-se do pressuposto que o dano moral coletivo ocorre por agressão ao meio ambiente do trabalho e decorre da aplicação e por isso mesmo é fundamentado pelos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana.

Tem-se no direito trabalhista[22] uma razão natural de existir, posto que a associação sindical, própria do Direito Laboral tem a solidariedade também como elemento fundante, bem como a determinação constitucional que preconiza o valor social do trabalho como indicativo do Estado Democrático de Direito e o dever de proteger e preservar o meio ambiente para a presente e para as gerações futuras (art. 225, CF/88), aqui incluído o meio ambiente do trabalho[23].

Pelo norte do princípio da dignidade da pessoa humana tem-se que a proteção conferida ao meio ambiente o elevou a categoria de direito fundamental como insculpido no texto constitucional e passa a ser elemento basilar para o mínimo da existência humana, existência esta na qual o trabalho é elemento essencial.

Superada a compatibilidade principiológica vê-se no próprio texto constitucional uma inclinação para que a Justiça especializada trabalhista cuide de processar e julgar as ações de indenização decorrentes da relação de trabalho a par do art. 114, IV, CF, inserido pela Emenda Constitucional n. 45/2004, não fazendo distinção entre dano patrimonial ou extrapatrimonial.

O Relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em 2016 (ano-base 2015) informa que dentre os assuntos mais demandados na Justiça do Trabalho, nesse período, tramitaram aproximadamente 704.345 mil processos acerca da Responsabilidade Civil do Empregador/Indenização por Dano Moral, sendo que, dentre eles, 69.362 mil processos no 2° grau e 634.983 mil processos demandados no 1° grau (varas), pelo que está em segundo lugar dentre os dez assuntos mais recorrentes na Justiça do trabalho. Os processos versam desde assédio sexual e/ou moral[24], revista íntima, até a nocividade da atividade exercida em relação à saúde e à segurança de empregados, lesão ao meio ambiente do trabalho, trabalho escravo, exploração do trabalho da criança e do adolescente e o mais recente dano existencial[25].

Na seara trabalhista impende destacar o pedido de dano moral coletivo proposto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na Ação Civil Pública (ACP), ajuizada em 2005, a qual questionava o fato de a empresa contratar trabalhadores para cumprir jornada semanal que poderia variar entre oito e 44 horas, e de duas a oito horas diárias, com remuneração de acordo com as horas trabalhadas, denominada de jornada móvel variável. Para o MPT, a prática é ilegal e lesiva ao trabalhador, pois o sujeita ao arbítrio do empregador e o impede de programar sua vida profissional, familiar e social, por não ter certeza do horário de trabalho nem da remuneração mensal.[26]

Antes do julgamento da ACP, a empresa porém, comunicou a celebração de acordo de abrangência nacional com o MPT abolindo as contratações por jornada móvel. Assim, os embargos foram analisados apenas na parte relativa ao pagamento do salário integral da categoria, prejudicando a análise do pedido de dano moral coletivo.

Por este exemplo da jornada móvel demonstra-se que nem todos os danos suportados pelos trabalhadores, apesar de coletivos, são em decorrência de fatores provocados pela sociedade de risco, haja vista que a aplicação de uma jornada ilegal torna previsível o dano a ser provocado.

Necessário neste ponto indicar que a responsabilidade civil objetiva em decorrência da atividade de risco[27], como determinada no texto legal do art. 927[28], do Código Civil brasileiro, também não se enquadra no dano provocado pela sociedade de risco, posto que a natureza da atividade já é potencialmente perigosa, sendo, portanto, também previsível através da probabilidade. Ressalte-se oportunamente que em recente julgamento os ministros do STF , por maioria de votos, entenderam que é constitucional a imputação da responsabilidade civil objetiva do empregador por danos decorrentes de acidentes de trabalho em atividades de risco, cuja tese de repercussão geral foi definida no RE n. 828040.

Distingue-se, oportunamente, risco e perigo, “há risco quando se supõe a existência de incerteza quanto a danos futuros – o dano provável é consequência da ação e está pressuposto a consciência deste dano. Há perigo quando o dano é atribuído à causas externas, que não se pode controlar ” (LUHMANN, 1992, p. 37, apud CABRAL, 2016, p.176).

Ressalte-se que o dano aqui analisado é aquele consequente da sociedade de risco, de modo reflexivo, onde a “sociedade moderna semeia as causas de sua própria destruição”[29], de forma inconsciente, por não saber ou não prever as consequências negativas delas provenientes.

Além do mais são desmembramentos do que se entende por meio ambiente, o meio ambiente do trabalho, o meio ambiente artificial e o meio ambiente cultural” (CABRAL, 2016, p. 199). Sendo o meio ambiente do trabalho o local onde “o indivíduo passa a maior parte de sua vida útil” sofre influências positivas e negativas e sua existência e em “seu estilo de vida, seja nas condições de saúde, interferindo na sua aparência e estilo de vida, podendo até mesmo determinar a forma de sua morte” (BRASIL, 2016).

O avanço tecnológico e o progresso da ciência fez, e faz, surgir substancias ou mesmo situações em que o trabalhador torna-se o ator coadjuvante, em um cenário que ele manipula ou vivencia momentos nos quais não se pode prever ou determinar suas consequências, levando tardiamente a danos em sua saúde e consequências negativas em sua vida[30].

Surge agora a necessidade de uma proteção rígida do direito à saúde e à vida do trabalhador que por sua vez é conseguida por meio da preservação e tutela de um meio ambiente do trabalho[31] saudável e seguro.

Entende-se como meio de ambiente do trabalho saudável e seguro aquele que deve propiciar condições ideais para que o trabalhador desenvolva seu mister sem alterações, presentes e futuras, de sua saúde física e mental, pois o homem passa a maior parte da sua vida útil no trabalho, exatamente no período da plenitude de suas forças. Daí por que o trabalho, frequentemente, determina o seu estilo de vida, influencia nas condições de saúde, interfere na aparência e apresentação pessoal e até determina, muitas vezes, a forma da morte.

Com o passar do tempo e o acúmulo da experiência, a legislação vem atuando para garantir o ambiente de trabalho saudável e seguro, de modo a assegurar que o exercício do trabalho não prejudique outros direitos humanos fundamentais: o direito à saúde, complemento inseparável do também tutelado direito à vida. As preocupações ecológicas avançam para também preservar o homem enquanto trabalhador. (OLIVEIRA, 2011, p. 142).

Depreende-se que a sociedade de risco também gera consequências devastadoras no meio ambiente laboral em especial no que concerne à saúde e segurança do trabalhador, posto que doenças ocasionadas, pela manipulação ou pela exposição a produtos ou situações que apenas em tempo futuro podem vir a surgir, os chamados perigos “invisíveis ou imprevisíveis”[32].

A saúde e a segurança são componentes da dignidade da pessoa humana e todos são de índole extrapatrimonial, podendo atingir um número indeterminado de trabalhadores que passaram por uma mesma situação não previsível, consubstancia-se o dano moral coletivo trabalhista em decorrência de uma sociedade de risco[33]. A exemplo tem-se o desabamento em 2013 de um prédio de três andares onde funcionava uma fábrica de tecidos em Bangladesh. A tragédia ocorreu na capital Dhaka e morreram pelo menos 377 pessoas que ali trabalhavam. Em sua história recente o Brasil contribui negativamente para a materialização do dano moral coletivo no meio ambiente do trabalho com as mortes de trabalhadores diretos e terceirizados no rompimento da barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019 em Minas Gerais, onde ainda não se tem o número final de trabalhadores mortos, mas chegam a mais de 200.

Conclusão

Em qualquer atividade realizada pelo homem, surge a necessidade de responsabilizá-lo pelos atos praticados, seja no exercício de uma simples atividade de consciência, seja atuando frente ao Estado a que pertence. Isso decorre dos registros históricos que apontam o surgimento da responsabilidade com o próprio nascimento da civilização.

Atualmente, a responsabilidade civil passa por um processo de despersonalização em face das novas situações subjetivas, dentre as quais a necessidade da reparação dos danos morais coletivos. Diante de atos que atingem a sociedade como um todo, tendo em vista a dimensão coletiva da dignidade humana, avança-se no sentido da superação do modelo fundado em parâmetros individualistas e patrimonialistas.

O dano moral ou extrapatrimonial consiste na lesão injusta e relevante ocasionada a interesses não materiais, porém concebidos pelo ordenamento como valores e bens jurídicos protegidos. São eles integrantes da personalidade do ser humano, abrangendo todas as áreas de extensão e tutela da sua dignidade, podendo também alcançar os valores e bens extrapatrimoniais reconhecidos pelo sistema legal à pessoa jurídica ou à coletividade de pessoas.

Desta feita a indagação inicial se seria possível a existência de um dano moral coletivo, se confirma quando do surgimento da sociedade de risco, posto que encontra um cenário propício ao seu aparecimento, a exemplo dos danos ambientais e aqueles relativos a indústria farmacêutica, que podem ter consequências intergeracionais, bem como aqueles relativos ao consumidor, diante das frequentes convocações para recall dos produtos. A seara trabalhista não poderia deixar de sofrer influências da teoria dos danos e da sociedade global de risco, visto que o direito de associação sindical naturalmente traz o aspecto coletivo aos trabalhadores e estes por sua vez não estão isentos do risco inerente à nossa atual sociedade reflexiva[34].

Constata-se que o dano moral coletivo trabalhista existe em decorrência da sociedade de risco e que atinge em especial o meio ambiente do trabalho e por conseguinte a saúde e a segurança do trabalhador, consignam também inquietações que poderão ser aprofundadas de modo a permitir que essa sistematização possa suscitar o debate do direito ambiental do trabalho como um instrumento de redução das complexidades e estabilização de expectativas, servindo especialmente como mecanismo de proteção à saúde e segurança do trabalhador.

Outros desafios se anunciam, qual seja, em especial, o embasamento teórico da teoria da reponsabilidade quando o dano é injustamente suportado por uma coletividade no meio ambiente do trabalho, haja vista o instituto ser tratado de forma diferenciada pelos Tribunais pátrios, bem como a quantificação desse dano, posto que não se tem previsibilidade de quantos irão dele padecer. Ademais, pelo fato de o homem passar boa parte de sua vida útil no meio ambiente do trabalho, no exercício de suas atividades profissionais, os riscos ambientais do trabalho constituem-se frequentes na seara da sociedade mundial de risco, surgindo a necessidade de uma Teoria do Direito Ambiental do Trabalho.

Referências

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Recebido em: 24 mar. 2019.

Aceito em: 19 jan. 2020.



[1]  Cabral (2016, p. 183) indica que a sociedade de risco gera uma crise nas relações jurídicas já que põe em xeque a segurança gerando uma desconfortável desconfiança do conhecimento: “A reflexividade responde pelo dinamismo moderno e representa a constante necessidade de justificar e reordenar as práticas diante do conhecimento vigente. A reflexividade confere um caráter móvel às instituições modernas e aponta para a impossibilidade da certeza do conhecimento. A constante revisão do conhecimento ameaça a renovação da confiança nos sistemas abstratos, pois expõe as lacunas e as limitações das perícias das quais os indivíduos dependem”.

[2]  “Cada experiência concreta apresenta um conteúdo evidente que remete a outras possibilidades que são ao mesmo tempo complexas e contingentes. Com complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidades do que pode realizar. Por contingência entendemos o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências poderiam ser diferentes das esperadas; ou seja, que essa indicação pode ser enganosa por referir-se a algo inexistente, inatingível, ou a algo que após tomadas as medidas necessárias para a experiência concreta (por exemplo, indo-se ao ponto determinado), não mais lá está. Em termos práticos, complexidade significa seleção forçada, e contingência significa perigo de desapontamento e necessidade de assumir-se riscos [...]. Frente à contingência simples atingem-se estruturas estabilizadas de expectativas, mais ou menos imunes a desapontamentos – colocando, as perspectivas de que à noite segue-se o dia, que amanhã a casa ainda estará de pé, que a colheita está garantida, que as crianças crescerão... Frente à dupla contingência necessita-se outras estruturas de expectativas, de construção muito mais complicada e condicionada: as expectativas. [...] O comportamento do outro não pode ser tomado como fato determinado, ele tem que ser expectável em sua seletividade, como seleção entre outras possibilidades do outro. Essa seletividade, porém, é comandada pelas estruturas de expectativas do outro. Para encontrar soluções bem integráveis, confiáveis, é necessário que se possa ter expectativas não só sobre o comportamento, mas sobre as próprias expectativas do outro. Para o controle de uma complexão de interações sociais não é apenas necessário que cada um experimente, mas também que cada um possa ter uma expectativa sobre a expectativa que o outro tem dele. [...]. Na área de integração entre esses dois planos é que deve ser localizada a função do normativo – e assim também do direito."

[3]  Em estudo realizado sobre o tema no artigo “O direito dos danos na sociedade das incertezas: a problemática do risco de desenvolvimento no Brasil”, Joyceane Bezerra de Menezes (2013, p.3-4) ensina que “Ao longo da história humana muitos empreendimentos se fizeram sob concreta ameaça de risco. Fossem as atividades de caça e coleta na história primitiva; na antiguidade as guerras em defesa dos territórios ou para expansão do poder político e até mesmo as viagens marítimas com fins colonizadores do século XV, todas envolviam riscos. Mas os riscos até então ameaçavam apenas os sujeitos diretamente envolvidos nesses empreendimentos. […] Aqui, o risco já passava a ameaçar um número superior de pessoas, estranhas ao processo de produção, mas coparticipes de um mesmo tempo histórico”.

[4]  Pois tem-se a ideia de que “Desde que o homem vi-se lançado na história, foi compelido a conviver com o imprevisível; com o acaso; com o aleatório. A natureza, em toda a amplitude e força de seus elementos, deslumbrou e atemorizou o homem pré-histórico, representando uma constante fonte de riscos e ameaças. Esta sensação de impotência do homem diante da natureza foi um dos principais fatores a promover a evolução humana, que tinha como parâmetro a persecução de duas finalidades primitivas, quais sejam: o desenvolvimento de meios para otimizar o atendimento às necessidades básicas e a proteção contra as ameaças à sobrevivência da espécie. (FURTADO e DIAS NETO, 2013, p. 177)

[5]Vem à tona a ideia do limiar do eterno em que Manuel Castells (2012) discorre sobre um tempo intemporal – que caracteriza os espaços de fluxos em contraposição ao tempo biológico - que se caracteriza por lugares físicos – em sua obra busca a analisar o significado social do espaço e do tempo traçando um paralelo entre espaço de lugares x espaço de fluxos.

[6]  Marijane Vieira Lisboa (2007, p. 3) em estudo intitulado A química e a sociedade de Risco indica “que é típico da sociedade de risco, segundo Beck, é o fato de que esses riscos não sejam riscos naturais, cujos danos nossa ciência ainda não possa prevenir e minimizar, mas sim resultado dessa ciência, de tecnologias desenvolvidas para resolver determinados problemas e melhorar a qualidade de vida, mas que tiveram efeitos colaterais imprevistos e impossíveis de serem sanados. […] Em outras palavras, somos vítimas de nosso extraordinário sucesso técnico.

[7]  No ambiente de interações e riscos globais, quando se estabeleceu um mercado mundial, onde as comunicações e negociações são realizadas, em tempo real, por meio dos diversos modos de comunicação, dentre eles a world wide web e os produtos são elaborados em rede transnacional, pessoas de distintos Estados e/ou sociedades são igualmente interpeladas a discutir e a reagir às consequências resultantes dos problemas em comum. […] Os danos que se desenvolvem na sociedade técnico-científica têm potencial para ameaçar não apenas o sujeito singular, mas a própria humanidade.

[8]  Cristalina fica a percepção individualista da responsabilidade, pelo que buscou em seu momento inicial ter seu foco no ofensor, tomando assim um caráter retributivo. Desta feita a vítima que suporta e sofre o dano fica desamparada. Necessária uma mudança de perspectiva com vistas a perseguir uma forma de reparar a vítima efetivando um ideal de justiça distributiva. Este panorama, contudo, muda integralmente quando se retira o foco ou o objetivo da responsabilidade civil deste participante ativo e passa-se a analisar o resultado gerado, e não a conduta propriamente. Em outras palavras, a conduta ofensiva perde relevância ante o dano sofrido. Esta inversão traz como consequência a alteração da perspectiva da responsabilidade civil do ofensor para a ótica da vítima. (MULHOLLAND, 2009, p. 14)

[9]  Sobre a visão de solidariedade social, Pietro Perlingieri (1999, p. 1) menciona que “[...] a determinação da relevância e do significado da existência deve ser efetuada como existência no âmbito social, ou seja, como “coexistência””.

[10] O Código Civil certamente perdeu a centralidade de outrora. O papel unificador do sistema, tanto nos seus aspectos mais tradicionalmente civilísticos quanto naqueles de relevância publicista, é desempenhado de maneira cada vez mais incisiva pelo Texto Constitucional. (PELINGIERI, 1999, p. 6)

[11] Liane Tabarelli Zavascki e Matheus Burg de Figueiredo (2015, p. 207) determinam como os novos danos aqueles abrangidos pelo dano moral e passam a discorrer que “[…] por dano moral, segundo Daisy Justa Fernandes Bordon, deve-se entender aquele causado ao patrimônio desmaterializado de uma pessoa, ou seja, aquele resultante de lesões à honra, à paz interior, às crenças, à vida na sua totalidade física e moral, às afeições legítimas, aquele que afeta o âmago do ser.”

[12] “Quando tudo se pode indenizar, passa-se a acreditar que tudo tem seu “preço”, transformando, por essa via, todas as situações jurídicas subjetivas, inclusive as extra- patrimoniais, em situações patrimoniais, sob um certo sentido, na medida em que passíveis de indenização em dinheiro.” (BODIN, 2003, p. 52-53. )

[13] A função punitiva da responsabilidade civil é ainda uma função a ser apreciada. E o meio através do qual esta função é exercitada judicialmente é o estabelecimento de um valor a título de punição do ofensor: o dano punitivo […] majoritariamente é aceita em nossas cortes a concepção deste dano como contendo um duplo aspecto, compensatório e punitivo. Resta agora analisar como está sendo realizada, além da qualificação, a quantificação da verba a título de dano extrapatrimonial (MULHOLLAND, 2009, p. 29-31).

[14] É o que traduz o pensamento de Caitlin Sampaio Mulholland (2009, p. 55): é a ligação jurídica realizada entre a conduta ou atividade antecedente e o dano, para fins de imputação da obrigação ressarcitória. O nexo de causalidade é ao mesmo tempo o componente da obrigação de indenizar que serve a identificar o responsável por reparar o dano – através do estabelecimento de uma ligação de causa e efeito entre uma conduta ou atividade e o dano que se visa reparar –, e o limitador do quantum indenizatório – através da demarcação das verbas indenizáveis.

[15] O princípio da integridade psicofísica já incorporado por nossos tribunais pode ser conceituado conforme decisão exarada pelo TJ-MG - 103470700805980011 MG 1.0347.07.008059-8/001(1) (TJ-MG) Data de publicação: 12/01/2010 Ementa: APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INSCRIÇÃO NO SPC - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - CONSUMIDOR - DANO MORAL - INTEGRIDADE PSICOFÍSICA - QUANTIFICAÇÃO - DUPLA FINALIDADE - CORREÇÃO MONETÁRIA - ARTIGO 406 CC/02 - TERMO INICIAL - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MAJORAÇÃO. A responsabilidade dos prestadores de serviços é objetiva (art. 14 do CDC), razão pela qual, independentemente da existência de culpa, cabe ao fornecedor reparar os danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços. O dano moral constitui a lesão à integridade psicofísica da vítima. A integridade psicofísica, por sua vez, é o direito a não sofrer violações em seu corpo ou em aspectos de sua personalidade, aí incluídos a proteção intimidade, a honra, vida privada. Em razão da inserção indevida no SPC, o recorrido teve seu nome veiculado no comércio como inadimplente, fato que violou a honra, aspecto integrante da integridade psicofísica e caracterizador do dano moral. Violada a integridade psicofísica (lesão ao corpo ou à personalidade) resta configurado o dano moral, independentemente da existência de dor ou sofrimento. Estes sentimentos, que nada mais são do que possível consequência do dano moral, passam a ser analisados unicamente no instante da quantificação do valor indenizatório. A reparação moral tem função compensatória e punitiva. A primeira, compensatória, deve ser analisada sob os prismas da extensão do dano e das condições pessoais da vítima. A finalidade punitiva, por sua vez, tem caráter pedagógico e preventivo, pois visa desestimular o ofensor a reiterar a conduta ilícita. [...].

[16] Diante das mudanças que passou (e vem passando) a Teoria dos Danos em decorrência da modificação do seu perfil funcional da responsabilidade civil e a proporção que tomou no âmbito coletivo, surgiu um dilema recorrente, qual seja o de saber se “poderia ser conferida indenização a título extrapatrimonial a uma coletividade em razão da ocorrência de danos […]”? (ZAVASCKI; FIGUEIREDO, 2015, p. 206).

[17] Nessa esteira menciona-se o Recurso Especial 1.057.274/RS, sob relatoria da Ministra Eliana Calmon, […] a responsabilidade civil, através de um processo evolutivo doutrinário e jurisprudencial, vem adotando a possibilidade de dano moral coletivo, desvinculando, assim, da ideia de dano moral concebido a apenas um indivíduo. A firmou, ainda, que da mesma forma que se pode conferir dano moral a um indivíduo, poder-se-ia também falar em dano moral coletivo.     

[18] Há de se explicar ou delimitar o que seja coletivo: A coletividade - ou comunidade - é "um conglomerado de pessoas que vivem num determinado território, unidas por fatores comuns”, ou, ainda, "uma sociedade localizada no espaço, cujos membros cooperam entre si (com divisão de trabalho), seja utilitaristamente (para obter melhores, mais eficientes resultados práticos, reais), seja eticamente (tendo em vista valores humanos - familiais, sociais, jurídicos, religiosos etc.). (BITTAR FILHO, 2016, p. 06).

[19] Oportuno destacar o recente Julgamento do TRF da 2° Região Agravo de Instrumento - Turma Espec. III - Administrativo e Cível - Proc. n. 0013415-33.2015.4.02.0000 (2015.00.00.013415-1)- AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR. ACP. REPARAÇÃO POR DANOS AMBIENTAIS E DANOS MORAIS COLETIVOS. BARRAGEM DE FUNDÃO. IBAMA. PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES. RESPONSABILIDADE DA SAMARCO. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR. 1. O IBAMA se insurge contra a decisão proferida pelo Juízo da 3a Vara Federal Cível de Vitória/SJES, que, nos autos da Medida Cautelar à Ação Civil Pública de reparação por danos ambientais e danos morais coletivos, ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público Estadual em face de Samarco Mineração S/A (Samarco), Agência Nacional de Águas (ANA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), deferiu o pedido de antecipação liminar dos efeitos da medida cautelar, determinando, de forma solidária, a adoção de diversas medidas, como “ identificar e promover, antes da passagem da onda de sedimentos pelo Rio Doce pelo município de Linhares/ES, o resgate da fauna que poderá ser comprometida com a presença desses sedimentos tanto na água do rio como do mar nas proximidades de sua foz”. 2. Tais medidas se inserem como preparatórias para a aferição da responsabilidade civil daquele que é considerado o maior desastre ambiental ocorrido no Brasil, o rompimento da barragem de Fundão, no dia 5 de novembro de 2015, destruindo o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, e afetando várias outras localidades, além das cidades de Barra Longa e Rio Doce. 3. O Meio Ambiente, desde a primeira Conferência Internacional de Meio Ambiente, realizada no ano de 1972 em Estocolmo, passou a ser reconhecido como um direito fundamental de natureza difusa, com titularidade estendida, abrangendo não apenas a presente geração, como as futuras […].

[20] A exemplo do posicionamento do STJ no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL No 678.560 - MG (2015/0057728-0): “AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FURTO - IMAGEM NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO - AUTORIA ATRIBUÍDA A ALEIJADINHO - IMAGEM ENCONTRADA EM PODER DE COLECIONADOR - BUSCA E APREENSÃO - NEGATIVA EM DEVOLVER - DANOS MORAIS COLETIVOS CONFIGURADOS - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONFIGURADA - SENTENÇA CONFIRMADA. A indenização por dano moral, deve levar em consideração a condição econômica do infrator e a gravidade da falta cometida. Nosso sistema jurídico admite a existência de danos morais coletivos, configurados nos dissabores e prejuízos causados à coletividade em razão de ato ilícito praticado pelo apelante, que causou desalentos e consternações à comunidade em face do patrimônio histórico, que restou arranhado com o ato ilícito que acarretou a retirada de obra de Aleijadinho do acervo municipal por longo período de tempo. […]”

[21] Lembre-se aqui o caso paradigmático do RECURSO ESPECIAL No 866.636 - SP (2006/0104394-9)- EMENTA: Civil e processo civil. Recurso especial. Ação civil pública proposta pelo PROCON e pelo Estado de São Paulo. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o 'caso das pílulas de farinha'. Cartelas de comprimidos sem princípio ativo, utilizadas para teste de maquinário, que acabaram atingindo consumidoras e não impediram a gravidez indesejada. Pedido de condenação genérica, permitindo futura liquidação individual por parte das consumidoras lesadas. Discussão vinculada à necessidade de respeito à segurança do consumidor, ao direito de informação e à compensação pelos danos morais sofridos. - Nos termos de precedentes, associações possuem legitimidade ativa para propositura de ação relativa a direitos individuais homogêneos.- Como o mesmo fato pode ensejar ofensa tanto a direitos difusos, quanto a coletivos e individuais, dependendo apenas da ótica com que se examina a questão, não há qualquer estranheza em se ter uma ação civil pública concomitante com ações individuais, quando perfeitamente delimitadas as matérias cognitivas em cada hipótese. [...]

[22] Desta feita justifica-se a possibilidade de aplicação da responsabilização do dano extrapatrimonial no Direito do Trabalho por inexistência de incompatibilidade com os princípios trabalhistas, já analisado por Romita (2007, p. 79): A questão do dano extrapatrimonial no âmbito das relações de trabalho tem constituído objeto de estudos doutrinários e as controvérsias por ela suscitadas vêm sendo dirimidas pelos tribunais do trabalho à luz de noções hauridas nos arraiais do direito civil, que encontra no campo do direito do trabalho esplêndida oportunidade de plena aplicação, ante a lacuna da legislação específica (trabalhista) e a inexistência de incompatibilidade com os princípios fundamentais do mesmo direito do trabalho […] porque ambos os ramos do direito em questão deitam raízes, no que tange ao tema em foco, no princípio geral que exalta o valor da dignidade da pessoa humana, projetado, no direito do trabalho, naquilo que vejo como um dos princípios específicos da disciplina, qual seja, a dignidade da pessoa humana do trabalhador, lastreado no preceito constitucional que indica o valor social do trabalho como um dos fundamentos do Estado democrático de direito (art. 1o, IV).

[23] Segundo Cabral (2016, p. 198) “Discute-se o meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado quando se debatem as questões do trabalho em condições de periculosidade, insalubridade e penosidade (art. 7°, XXIII, da Constituição; arts. 189 usque 197, da CLT; Lei 7.369/1985), como também em temas de acidentes do trabalho (art. 7°, XXVIII, da Constituição; arts. 19 e 21 da Lei 8.213/1991) e entidades mórbidas equivalentes (art. 20, I e II, da Lei 8.213/1991) e, em geral, riscos inerentes ao trabalho e tutela da saúde, da higiene e da segurança no trabalho (art. 7°, XXII, da Constituição e arts. 54 usque 201, da CLT).”

[24] Também chamado “mobbing” ou ”terror psicológico no trabalho são sinônimos destinados a definir a violência pessoal, moral e psicológica, vertical, horizontal ou ascendente no ambiente laboral.

[25] O ministro Vieira de Mello Filho se manifestou no RR n. 523-56.2012.5.04.0292 que: “o dano existencial é diferente do dano moral. "O primeiro é um conceito jurídico oriundo do Direito civil italiano e relativamente recente, que pretende uma forma de proteção à pessoa que transcende os limites classicamente colocados para a noção de dano moral", observou. Os danos, nesse caso, se refletem não apenas no âmbito moral e físico, mas comprometem também suas relações com terceiros. Na doutrina trabalhista, o conceito tem sido aplicado às relações de trabalho no caso de violações de direitos e limites inerentes ao contrato de trabalho que implicam, além de danos materiais ou morais, danos ao seu projeto de vida ou à chamada "vida de relações".

[26] Em 2011, ao avaliar o recurso de revista do MPT (RR - 9891900-16.2005.5.09.0004), a Oitava Turma do TST, apesar de reconhecer que não há vedação expressa à chamada jornada móvel e variável, considerou a cláusula prejudicial ao trabalhador, e determinou à empresa que a substituísse por jornada fixa em todas as suas lojas, com o pagamento do salário mínimo profissional independentemente do número de horas trabalhadas. A rede de lanchonetes apresentou, então, recurso de embargos à SDI-1. Antes do julgamento, porém, comunicou a celebração de acordo de abrangência nacional com o MPT abolindo as contratações por jornada móvel. Assim, os embargos foram analisados apenas na parte relativa ao pagamento do salário integral da categoria. No acordo celebrado a cláusula 12° DANO MORAL COLETIVO, ressalvado o fato da empresa não reconhecer o dano moral, com a finalidade de por fim ao litígio concordou em pagar a quantia de R$7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil reais), dos quais R$6.000.000,00 (seis milhões se destinam a ação nacional de comunicação a ser definida pelo Ministério Público do Trabalho, tendo como objeto a defesa dos direitos do trabalhador, e R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) aos estados de Pernambuco, Rio de Janeiro e Paraná, locais onde estão em curso outras Ações Civis Públicas, à razão de R$500.000,00 (quinhentos mil reais) para cada estado. A quantia abrangeu a quitação de indenizações por eventual dano moral decorrente dos pedidos que subsistirão.

[27] Para ilustrar esta perspectiva tem-se os julgados: EMENTA: RECURSO DE REVISTA - DANOS MORAIS – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ATIVIDADE DE RISCO. Aplica-se a responsabilidade civil objetiva quando a atividade do trabalhador é de risco, como no caso dos autos, em que o Autor era vigilante de carro-forte e foi alvejado durante tentativa de assalto. Precedentes da SBDI-I. Recurso de Revista não conhecido (Processo TST- RR-400-16.2008.5.03.0134; 09/02/2011, MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI, Ministra Relatora). E outro julgado também nessa esteira: EMENTA: “DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. ACIDENTE DO TRABALHO. 1. O novo Código Civil Brasileiro manteve, como regra, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, calcada na culpa. Inovando, porém, em relação ao Código Civil de 1916, ampliou as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, acrescendo aquela fundada no risco da atividade empresarial, consoante previsão inserta no parágrafo único do artigo 927. Tal acréscimo apenas veio a coroar o entendimento de que os danos sofridos pelo trabalhador, decorrentes de acidente do trabalho, conduzem à responsabilidade objetiva do empregador. 2. A atividade desenvolvida pelo reclamante - teste de pneus - por sua natureza, gera risco para o trabalhador, podendo a qualquer momento o obreiro vir a lesionar-se, o que autoriza a aplicação da teoria objetiva, assim como o fato de o dano sofrido pelo reclamante decorrer de acidente de trabalho. Inquestionável, em situações tais, a responsabilidade objetiva do Empregador” (Processo TST - RR - 422/2004-011-05-00; Primeira Turma; DJ - 20/03/2009; Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa).

[28] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[29] “Não se trata mais, portanto, ou não se trata mais exclusivamente de uma utilização econômica da natureza para libertar as pessoas de sujeições tradicionais, mas também e, sobretudo, de problemas decorrentes do próprio desenvolvimento técnico-econômico. O processo de modernização torna-se “reflexivo”, convertendo-se a si mesmo em tema e problema”. BECK, Ulrich. 1992., p.24.

[30] Por oportuno registre-se que o os danos provocados por doenças desenvolvidas no meio ambiente do trabalho a que se discute nesse estudo são as decorrentes de uma sociedade de risco e, portanto, difere-se das doenças profissionais e das doenças do trabalho, já delimitadas previamente no art, 20 incisos I e II, respectivamente, da Lei n. 8.213/1991 como: “I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.” Pelo que aquela é entendida como acidente de trabalho, pelo que não se crê seja a melhor classificação (“§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.”)

[31] Partindo do pressuposto que a sociedade de risco se espalha de modo difuso e por conseguinte atinge também ao meio ambiente, e de forma pontual o meio ambiente do trabalho, pode gerar danos a uma coletividade.

    Da forma como se apresenta, ela está em todo o lugar, em todos os segmentos da sociedade, ela é a única sociedade que se tem na atualidade, pelo simples fato de ser sociedade, ou seja, de contar com a presença do ser humano. Todos os ambientes em que o homem está inserido, disposto a tomar decisões em prol do desenvolvimento/crescimento econômico, compõem a sociedade mundial do risco, porque tal elemento será admitido (ou negado veementemente, segundo os catastrofistas) por ser encarado como uma oportunidade ou estratégia de mercado (ainda que os riscos não se alastrem apenas em ambientes de concorrência acirrada), sendo por isso que o meio ambiente laboral tornou-se um dos principais concentradores de riscos . (ZIMMERMANN, 2012, p.33-34.)

[32] Para usar uma expressão de Emanuel Teófilo Furtado e Pedro Miron de Vasconcelos Dias Neto (2013, p. 193) que sobre este assunto indica que: “Portanto, os riscos presentes no meio ambiente do trabalho também são reflexos da chamada sociedade mundial do risco, qual seja a sociedade da insegurança e do medo, por vezes, diante de perigos invisíveis e imprevisíveis. Neste sentido, como os riscos estão agregados às decisões humanas, o meio ambiente laboral torna-se um espaço “privilegiado” à ocorrência daqueles, pois se trata de habitat eminentemente humanizado na figura do cidadão- trabalhador.”

[33] De forma vanguardista em 2007 o Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul reconheceu o dano moral coletivo por consequências imprevisíveis do meio ambiente do trabalho: “Danos materiais, estéticos e morais. Acidente do trabalho. Doença ocupacional. Preservação de madeiras para fabricação de postes usados em energia elétrica. Exposição do trabalhador a produtos químicos por duas décadas. Prescrição afastada. Contagem do prazo prescricional a partir do reconhecimento da existência do nexo causal entre a atividade desenvolvida e o acometimento da moléstia. Não-fornecimento de EPIs. Responsabilidade objetiva do empregador. Pensão vitalícia devida. Indenizações por alterações morfológicas no corpo e pelo sofrimento da vítima, distinguíveis e cumuláveis. Despesas médicas. Ausência de comprovação. Ressarcimento indevido. Arts. 21-A e 121, ambos da Lei nº 8.213/91; arts. 186, 927, 949 e 950, todos do Código Civil; art. 5º, incisos V e X, e art. 7º, inciso XXIX, ambos da Constituição Federal. (TRT 4ª Região, 1ª Turma. Relatora a Exma. Juíza Maria Helena Mallmann. Processo nº 00366-2005-761-04-00-7 RO. Publicação em 05.02.2007) [...] 1.3. Da contaminação do meio ambiente de trabalho e a repercussão individual. Da doença em estado de latência. Do direito à reparação. Da responsabilidade objetiva por dano ambiental. Mesmo que em um raciocínio hipotético não se considerasse suficientemente provada a ligação das afecções do autor com a contaminação oriunda do meio ambiente do trabalho, a condenação se justifica sob outros argumentos. Para que não reste dúvidas acerca da presença de todos os elementos hábeis a gerar o direito à reparação, ainda, em sede de nexo da causalidade - mas já traçando o caminho que leva também ao fundamento da responsabilidade civil de natureza objetiva em virtude da contaminação ambiental - a questão merece exame sob outras premissas fáticas e jurídicas, de acordo com o que se exige da justiça contemporânea, que necessita obter respostas jurídicas adequadas e consentâneas às demandas resultantes de novos padrões de comportamentos nocivos, dos quais é exemplo a contaminação do meio ambiente e suas consequências nocivas às pessoas que vivem na comunidade envolvida. No caso, trata-se da contaminação do meio ambiente de trabalho e suas consequências na pessoa do trabalhador, consequências essas que em várias situações de contaminação não resultam em repercussão patológica imediata, mas emergem progressivamente no tempo, transformando o indivíduo antes saudável (mas contaminado) em doente. Quer dizer, uma vez contaminado, a possibilidade de doença passa a ser real. Uma realidade que depende da conjugação e vários fatores, inclusive, a predisposição genética e principalmente a intensidade dessa contaminação. E esta realidade tem repercussões jurídicas, uma vez que é consabido que a contaminação, por si só, do meio ambiente de trabalho é fato gerador de danos (o dano moral genérico, ou coletivo), cuja reparação o poder judiciário trabalhista tem concedido na forma da Lei da Ação Civil Pública. Da mesma forma que no denominado dano moral coletivo, ligado aos interesses difusos, aqueles em que há indeterminação das vítimas, se faz por meio da Ação Civil Coletiva a defesa dos interesses individuais homogêneos, quando as vítimas são individuadas e a lesão ao direito detém uma origem comum. [...] Observe-se que não foi por acaso que se sublinhou a expressão pessoas que sofreram exposição à contaminação, isso porque, basta a mera exposição para que se tenha configurado o dano. É que o estado potencial de doença é reconhecido pelo direito e enseja reparação. A doença pode não se manifestar imediatamente, mas isso não retira do sujeito exposto à contaminação ambiental, a violação ao seu direito à saúde e à vida. [...] Portanto, além de toda a sorte de agentes químicos aos quais ao autor esteve diretamente exposto, ainda sofreu com a contaminação do ambiente de trabalho, fato, aliás, reconhecido em depoimento pessoal do preposto da empresa. Portanto, ainda que se desconsiderasse todos os elementos de prova mencionados no item anterior e se reputasse não haver comprovação de que qualquer das afecções que acometeram ao reclamante estivessem ligadas à exposição aos agentes químicos relacionados à sua atividade, justifica-se a condenação sob o fundamento de que o autor foi vítima inconteste da contaminação ambiental. [...] Em conclusão, trata-se de se considerar a contaminação do meio ambiente do trabalho, ipso facto, geradora de danos, independente de se estabelecer ter havido ou não início da doença. Ordem de danos, repita-se, cuja reparação se faz necessária, não só com a configuração de dano moral coletivo - como ocorre em pleitos do Ministério Público do Trabalho atendidos em sede de ação civil pública - mas também com a reparação do dano individualmente considerado, em virtude do estado potencial de contaminação e possibilidade de doença.

[34] Ângelo Antônio Cabral (2016, p. 191) em análise da obra de Russel Mokiber (Crimes Corporativos: o poder das grandes empresas e o abuso da confiança pública. Tradução de James Cook. São Paulo: Página Aberta, 1995) e de Moisés Naím (Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Tradução de Sérgio Lopes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006) relata inúmeros casos de condutas danosas que afetaram a vida de milhões de trabalhadores entre elas o fato ocorrido “Na fábrica da Dow Chemical em Magnolia, Arkansas, 62 dos 86 empregador testados estavam estéreis ou tinham contagem espermática muito baixa […] Na fábrica da Shell do Alabama, a esterilidade foi confirmada em operários” que manuseavam o D1. Bromo. Cloro. Propano – DBCP, substância produzida pela Shell e pela Dow até 1977 […] “