LAQUEADURA COMPULSÓRIA: ANÁLISE DA TRANSDISCIPLINARIDADE DO “CASO JANAÍNA” A PARTIR DO ESTUDO ETNOGRÁFICO REALIZADO POR PAULA MIRÁGLIA

Fabrício Veiga Costa

Universidade de Itaúna – UIT, Minas Gerais

Daniele Aparecida Gonçalves Diniz Mares

Universidade de Itaúna – UIT, Minas Gerais

RESUMO: Constitui objeto da presente pesquisa estudar o “caso Janaína”, decidido pelo Judiciário do Estado de São Paulo, que em primeiro grau de jurisdição determinou a laqueadura compulsória de uma mulher moradora de rua e em condição de vulnerabilidade. Após a efetivação da medida foi dado provimento ao recurso proposto contra a referida decisão. A pergunta problema proposta foi a seguinte: permitiu-se a construção dialógica, multidimensional e transdisciplinar do provimento final de mérito, especificamente por se tratar de lide envolvendo pessoa em situação de vulnerabilidade? Por meio de estudos etnográficos realizados a partir da obra de Paula Miráglia, verificou-se que no presente caso o magistrado e o representante do Ministério Público, em primeiro grau de jurisdição, decidiram o mérito da pretensão baseado em argumentos jurídicos estritamente técnicos, pautados em juízos apriorísticos, hipotéticos e num modelo de jurisdição autocrática, fundada no protagonismo judicial. Não foi assegurado o direito de Janaína participar efetivamente da construção do mérito processual, assumindo o papel de mera coadjuvante, pois o laudo técnico-psicológico foi produzido apenas para justificar pressupostamente a decisão autocrática tomada em primeiro grau de jurisdição. Por meio da pesquisa bibliográfica e documental, análises temáticas, teóricas, interpretativas e críticas, concluiu-se que o olhar transdisciplinar dos pontos controversos da demanda garante a formação democrática e participada do mérito, bem como a proteção dos direitos fundamentais de pessoas em situação de vulnerabilidade.

PALAVRAS-CHAVE: Laqueadura compulsória. Etnografia. Transdisciplinaridade. Dignidade da mulher.

Compulsory Ligation: analysis of the transdisciplinarity of the "Janaína Case" from the ethnographic study conducted by Paula Miráglia

ABSTRACT: It is the object of this study to study the "Janaína case", decided by the Judiciary of the State of São Paulo, which in the first degree of jurisdiction determined the compulsory sterilization of a woman living in the street and in a condition of vulnerability. After the measure was implemented, the appeal against the decision was approved. The problem question proposed was the following: was it possible to construct dialogically, multidimensional and transdisciplinary of the final provision of merit, specifically because it is a question of involving a person in a situation of vulnerability? Through ethnographic studies carried out from the work of Paula Miráglia, it was verified that in the present case the magistrate and the representative of the Public Prosecution Service, in the first degree of jurisdiction, decided the merit of the claim based on strictly technical legal arguments, based on a priori, hypothetical judgments and in a model of autocratic jurisdiction, founded on judicial protagonism. Janaína's right to participate effectively in the construction of the procedural merit was not assured, assuming the role of mere adjutant, since the technical-psychological report was produced only to justify presumptively the autocratic decision taken in the first degree of jurisdiction. Through the bibliographical and documentary research, thematic, theoretical, interpretative and critical analyzes, it was concluded that the transdisciplinary view of the controversial points of the demand guarantees the democratic and participative formation of the merit, as well as the protection of the fundamental rights of people in situations of vulnerability.

KEYWORDS: Compulsive lacquering. Ethnography. Transdisciplinarity. Dignity of woman.

Introdução

A presente pesquisa tem como objetivo geral uma análise, sob perspectiva etnográfica trabalhada pela obra de Paula Miráglia, do emblemático “caso Janaína”, conhecido como aquele que resultou na determinação judicial de laqueadura compulsória, a qual fora revista posteriormente pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, todavia, após a realização do procedimento cirúrgico.

Pretende-se demonstrar a necessidade do auxílio da transdisciplinaridade para conferir democraticidade às decisões judiciais, mormente em se considerando a complexidade da realidade multidimensional existente, em particular, na situação das pessoas vulneráveis, o que é diuturnamente enfrentada pelo Judiciário.

A escolha do tema proposto justifica-se em razão de sua relevância prática e teórica, considerando-se a necessidade de adequação do Poder Judiciário à complexidade que lhe é apresentada e a sua impossibilidade de, na pessoa do juiz, conhecer e avaliar uma infinidade de temas, os quais, muitas vezes extrapolam os aspectos jurídicos. O diálogo transdisciplinar viabiliza a compreensão sistemática da pretensão, garante aos interessados a possibilidade de serem coautores do provimento final e relativiza o protagonismo judicial, caracterizado, muitas vezes, pela discricionariedade do julgador.

Por essas razões, esclarecer-se-á ao longo do debate proposto, a necessidade de abertura do Judiciário para o auxílio de profissionais de outras áreas do conhecimento, não de forma retórica ou esporádica, mas como prática que viabilize uma construção democrática e participada dos afetados pela decisão judicial. O processo é visto como um espaço de falas trazidas por sujeitos atingidos direta ou indiretamente pelos efeitos da decisão, fundamento regente da legitimidade democrática do seu conteúdo decisório.

Nesse viés, será apresentada a transdisciplinaridade como possibilidade de construção da racionalidade democrática, bem como de instrumento legitimador das decisões, na medida em que além de promover uma expansão do conhecimento de forma contextualizada, permitirá uma comunicação dialógica entre os sujeitos processuais, fortalecendo os ideais do Estado Democrático de Direito. No decorrer do trabalho pretende-se levantar aporias e problematizar o debate do tema na perspectiva crítico-epistemológica, evidenciando a existência da porosidade da proposta apresentada, de modo a estimular outros debates e reflexões.

A princípio, serão apresentadas as digressões históricas acerca dos direitos humanos, em especial, os principais instrumentos de proteção à mulher. Na seqüência, será realizada uma análise dos autos do processo nº 1001521-57.2017.8.26.0360, por meio de pesquisa documental, em especial, da decisão de 1ª instância proferida no já mencionado “caso Janaína”, a partir dos estudos etnográficos de Paula Miráglia.

Analisar-se-á, por fim, a importância da necessidade de abertura do Judiciário às demais áreas do conhecimento cientifico, considerando a complexidade de uma realidade multidimensional, destacadamente nos casos em que os envolvidos estejam em situação de vulnerabilidade e não disponham de profissionais que possam trazer fundamentos aos seus argumentos. A dialogicidade construída no espaço processual deve permitir que seus interlocutores tragam aos autos não apenas elementos técnico-jurídicos. O entendimento multidimensional das peculiaridades do caso concreto, além de enriquecer a análise do caso concreto, permite que o julgador conheça as entrelinhas da pretensão deduzida, evitando-se decisões desconexas do contexto social, político e econômico em que se encontram inseridos os protagonistas do conflito.

Foi nesse contexto propositivo que se delimitou o objeto da pesquisa: o Judiciário brasileiro, especificamente no caso “Janaína”, permitiu a construção dialógica, multidimensional e transdisciplinar do provimento final de mérito, especialmente por se tratar de conflito de interesses de pessoas em estado de vulnerabilidade?

Através da pesquisa bibliográfica e documental, foi possível problematizar o debate teórico da temática proposta, ultrapassando-se a abordagem dogmática até então construída para, assim, apresentar uma leitura crítica e etnográfica das decisões judiciais referentes ao caso “Janaína”, especificamente sob o prisma de pessoas em situação de vulnerabilidade. A escolha do raciocínio indutivo viabilizou a delimitação do objeto pesquisado, partindo-se de uma concepção microanalítica focada na abordagem pontual do “caso Janaína”, para uma análise macro-crítico-multidisciplinar da atuação do Judiciário no referido caso, problematizando o estudo pontualmente em relação ao tratamento jurisdicional oferecido à jurisdicionada, recortando-se a análise a partir de abordagens etnográficas.

1. Breves notas sobre a proteção normativa das mulheres

O estudo da temática proposta, vista sob a ótica dos direitos humanos das mulheres, é de fundamental importância para viabilizar a compreensão sistemática do objeto pesquisado. Os direitos humanos, assim compreendidos como aquela categoria de direitos originários dos direitos dos homens, mas que deles se distinguem em razão de sua normatização no cenário internacional são ou pretendem ser a base ideológica e valorativa fundante das legislações internas de cada Estado, sem limitação geográfica ou de qualquer outra ordem.

Historicamente, a partir da perspectiva eurocêntrica predominante, os direitos humanos tomaram os contornos hoje conhecidos a partir da segunda metade do século XX, no cenário de pós-guerra, momento em que se fazia premente e urgente a estipulação direitos de garantias aos indivíduos em detrimento de atos de barbáries praticados de forma indigna pelos Estados. O marco consolidador dos direitos, considerados inerentes à pessoa humana, foi a instituição da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, a qual, positivou os direitos civis e políticos de maneira universal.

A partir do reconhecimento da necessidade de se preservar e garantir os direitos humanos a todos os indivíduos e, diante da irrefutável e malgrada realidade de segregação das mulheres, que eram desprestigiadas e, por vezes, até consideradas e classificadas com inferioridade, fortaleceram-se os movimentos de proteção e isonomia das mulheres, os quais se evidenciaram na década de 70. Nesse viés, destaca-se, no cenário internacional no ano de 1975 a instituição do ano internacional da mulher, tendo a ONU estabelecido o dia 08 de março como dia internacional da mulher (MAZZUOLI, 2018, p. 296). Segue o mesmo autor esclarecendo que:

No que tange especificamente aos direitos das mulheres, merece destaque a promulgação, em 1979, da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, também chamada de “Carta Internacional dos Direitos da Mulher” ou CEDAW, ratificada por 189 Estados (até julho de 2016) e em vigor desde 3 de setembro de 1981. Trata-se do instrumento internacional que veio definitivamente consagrar, em âmbito global, a dupla obrigação dos Estados de eliminar a discriminação contra a mulher e zelar pela sua igualdade relativamente aos homens. Para tanto, a Convenção CEDAW autorizou as chamadas “discriminações positivas”, pela qual os Estados podem adotar medidas temporárias com o fim de agilizar a igualização de status entre mulheres e homens (MAZZUOLI, 2018, p. 297).

Sobreveio, em 1993, a Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993, da qual se impõe destacar o parágrafo 18º , que reúne um ampliativo espectro protetivo.

À luz dessa definição, a violência contra a mulher é concebida como um padrão de violência específico, baseado no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher. Tal preceito rompe com a equivocada dicotomia entre o espaço público e o privado no tocante à proteção dos direitos humanos, reconhecendo que a violação desses direitos não se reduz à esfera pública, mas também alcança o domínio privado. (PIOVESAN, 2013, p. 271)

Também merecem destaque os instrumentos regionais de proteção à mulher, especialmente Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de 1994, também conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, a qual caracteriza-se por:

A Convenção é composta por 25 artigos, sendo os seus arts. 3.º e 4.º os seus núcleos-chave, eis que garantem, expressamente, o direito de toda mulher a ser livre de violência, tanto na esfera pública como na esfera privada (art. 3.º) e o direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagrados em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos, os quais abrangem, entre outros (a) o direito a que se respeite sua vida, (b) o direito a que se respeite sua integridade física, mental e moral, (c) o direito à liberdade e à segurança pessoais, (d) o direito a não ser submetida à tortura, (e) o direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família, (f) o direito à igual proteção perante a lei e da lei, (g) o direito a recurso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus direitos, (h) o direito de livre associação, (i) o direito à liberdade de professar a própria religião e as próprias crenças, de acordo com a lei e (j) o direito a ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, inclusive na tomada de decisões (art. 4.º) (MAZZUOLI, 2018.p. 301).

No âmbito interno, a própria Constituição da república em seu art.5º, I, estabelece a igualdade entre homens e mulheres.                 Verifica-se, ainda, a promulgação da Lei nº 11.340 de 2006, também conhecida como Lei Maria da Penha, a qual foi fruto de recomendação pela Comissão Interamericana e visa à proteção da mulher contra a violência doméstica e familiar, bem como fazer valer no cenário interno a Convenção de Belém do Pará, a qual o Brasil ratificou.

Mais tarde, a Lei nº 13.104 de 2015 alterou o art. 121 do código penal para instituir o feminicídio. Anteriormente à legislação mencionada, o Brasil se destaca com a edição da Lei 9474/​97, sendo a primeira lei nacional a implementar um tratado de direitos humanos no Brasil, e a lei latino-americana mais ampla já existente no tratamento da questão. (MAZZUOLI, 2014)[1]. Não obstante os regramentos legais a respeito de política de proteção internacional e interna das mulheres, a realidade mostra-se ainda dissonante das propostas legais.          Certo é que se deve evitar a distinção de pessoas como sendo de primeira e segunda classe ou, aquelas que têm acesso a todos os direitos e as que não têm, pois o reconhecimento é uma necessidade humana vital e precisa ser considerada (TAYLOR apud GUSTIN, 2017).

Proposições legislativas decorrentes do direito internacional e do direito interno são significativamente relevantes para problematizar o debate teórico da igualdade e descoisificação da mulher, considerando-se que a sociedade contemporânea naturaliza a violência silenciosa que torna as mulheres invisíveis em seus espaços de fala. A violência moral, física, psicológica são formas de calar e tornar invisíveis as mulheres. O desafio para ressignificar tal contexto passa pela efetividade normativa, já que quando o destinatário da norma interioriza o objetivo proposto pelo legislador, torna-se viável problematizar mudanças nesses espaços de violência simbólica.

Destarte, é de relevo o papel do Judiciário, o qual deve priorizar não só o tratamento isomênico (igualdade de interpretação da norma jurídica aplicada ao caso concreto), mas o tratamento adequado, não se descurando da necessidade de se reconhecer a complexidade de cada caso, ainda quando isso importe no auxílio de outras áreas do conhecimento. É por isso que o conhecimento multisetorial, fundado na transdisciplinaridade, é ferramenta para enriquecer o debate processual de construção dialógica do provimento final de mérito. As questões envolvendo discriminação contra as mulheres e o tratamento desigual a elas conferido historicamente exige do Judiciário um posicionamento jurídico de reconhecimento desses sujeitos como iguais, já que deixar de reconhecer essa igualdade, seja sob o ponto de vista fático ou jurídico, acarretará às mulheres decisões consideradas injustas, reafirmando essa exclusão, desigualdade e marginalidade socialmente naturalizada.

2. O caso Janaína, uma leitura feita a partir da obra de Paula Miráglia

O caso em exame se consubstancia na determinação judicial de realização de procedimento cirúrgico de laqueadura tubária compulsória, em decorrência do ajuizamento de ação civil pública por parte do Ministério Público[2], sob alegação de que agira em defesa de interesse individual homogêneo da requerida, a qual se encontrava em situação de vulnerabilidade por ser usuária de drogas e álcool.   Na petição inicial proposta pelo órgão ministerial foi ressaltado que a requerida, “em determinados momentos, manifestou a vontade em realizar o procedimento de esterilização; noutros, demonstrou desinteresse ao não aderir aos tratamentos e ao descumprir as mais simples orientações dos equipamentos da rede protetiva” (TJSP, 2017. p. 4). Além disso, o parquet mencionou a precária situação socioeconômica da requerida, a qual já possuía cinco filhos, sem condições de suprir as necessidades básicas destes, expondo-os em potencial risco.

Ao final, requereu o Ministério Público que a requerida fosse submetida compulsoriamente a procedimento cirúrgico de laqueadura tubária, a ser custeado pelo Município de Mococa, o qual também compunha o polo passivo daquela ação. O juiz, com vistas a aferir as condições da primeira requerida, determinou a realização de estudo psicológico, o qual fora realizado, tendo a psicóloga mencionado que a requerida nos momentos em que fazia uso de substâncias entorpecentes se recusava ao procedimento de laqueadura tubária, opinando, em seguida, pela realização do procedimento de laqueadura, com brevidade, considerando a concordância manifestada pela paciente e o risco de alteração da vontade e frustração de uma tentativa (TJSP, 2017. p. 25-29).

Além de proceder ao exame psicológico, a profissional da psicologia orientou a requerida que comparecesse ao fórum para expressar sua concordância com o procedimento na secretaria do juízo, o que foi realizado pela paciente. Na sequência, o juízo proferiu decisão em sede de tutela de urgência, determinando a realização de laqueadura tubária, a ser custeada pelo Município réu. Sobreveio informação da secretaria de saúde do Município réu de que a requerida se encontrava grávida, o que fundamentou requerimento de suspensão da liminar por parte do Município réu.

A promotora, em substituição, requereu a suspensão da liminar, o que foi acolhido pelo juízo. Na sequência e após notícia de recolhimento prisional da requerida, o Ministério Público de São Paulo requereu que fosse determinada à instituição penitenciária e ao hospital que procedesse à laqueadura durante o parto, sem o consentimento da requerida, o que foi deferido pelo juízo. O Município requereu a nomeação de curador especial à primeira requerida, sob o argumento de que havia sido reconhecido pelo próprio Ministério Público e evidenciado pelos relatórios juntados aos autos que a mesma não possuía discernimento para esboçar sua vontade sem comprometimento e, requereu a realização de perícia médica de modo a aferir a eventual incapacidade da requerida.

Após a discordância do Ministério Público, o juiz indeferiu os pedidos do Município por não haver processo de interdição da requerida e por entender suficientes as provas produzidas nos autos. No mesmo ato, julgou o mérito do processo, prolatando sentença de procedência do pedido inicial, condenando ao município à realização do procedimento cirúrgico na primeira requerida no momento do parto, sob pena de multa diária. O Município, por sua vez, recorreu ao tribunal competente (TJSP), ressaltando, dentre outras, a impossibilidade de realização do procedimento sem o consentimento da requerida, em razão de sua irreversibilidade e expressa vedação legal. Antes mesmo do julgamento do recurso pelo tribunal, foi informado nos autos a efetivação e cumprimento integral da ordem emanada do juízo de 1º grau, com a realização da laqueadura tubária, no momento do parto da requerida.

A decisão de 2ª instância de forma unânime deu provimento ao recurso do Município, rechaçando a decisão de 1º grau, por violar a Constituição da República, a Lei de Planejamento Familiar e Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário e determinando que fosse encaminhado o caso às corregedorias do Ministério Público e do Tribunal para apuração de eventual irregularidade/​ilegalidade.

Apresentado o caso, faz-se necessário tecer considerações importantes, o que se fará à luz dos estudos realizados por Paula Miráglia. A pesquisa etnográfica realizada pela autora em questão teve como foco a investigação de menores infratores processados e julgados pelo Judiciário brasileiro. Embora o objeto da presente pesquisa seja o estudo da vulnerabilidade feminina decorrente da pobreza, exclusão, raça e marginalidade, recortando-se a problemática no estudo da laqueadura compulsória, verifica-se um estreito diálogo com a pesquisa realizada por Paula Miráglia, uma vez que a partir dos estudos etnográficos mencionados fica evidente uma postura comum do poder Judiciário em ambos os casos: a lei é aplicada friamente, de forma literal, uma vez que os julgadores ignoram as questões relacionadas com o contexto social, politico, econômico, racial e de vulnerabilidade que se encontram os adolescentes e Janaína.

A vulnerabilidade existente nesses dois casos não integra o foco do Judiciário quanto à análise e debate exauriente das questões controvertidas que integram o mérito da demanda. Observa-se que são julgamentos que possuem pontos de convergência, embora com objetos distintos. A postura do julgador em ambos os casos ignora as vicissitudes que permeiam as linhas e entrelinhas da realidade em que se encontram inseridos os sujeitos do conflito, tornando inviável a construção participada do provimento final em razão do protagonismo judicial.

A obra da autora supramencionada analisou o tratamento despendido a adolescentes infratores em varas da infância e juventude, da comarca de São Paulo, desde a sua condução ao fórum, à sua recepção, aos comportamentos destes e de seus familiares antes e durante as audiências, bem como a condução da audiência por parte dos juízes, promotores e defensores públicos. Segundo a autora acima mencionada, o objetivo da pesquisa era o de analisar as vicissitudes da relação entre o jovem e a justiça no Brasil e a dificuldade de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (MIRÁGLIA, 2005, s.p). Tais proposições guardam relação direta com a problemática apresentada na respectiva pesquisa, já que tanto os adolescentes julgados quanto Janaína não são vistos pelo poder Judiciário no contexto de sua vulnerabilidade, uma vez que a análise assistêmica, não participada, dogmática e literal dos casos em tela impossibilita que os destinatários do provimento final sejam seus coautores.

Pretendia a antropóloga demonstrar, sobretudo, o papel do Judiciário na construção da identidade dos menores infratores, concluindo que:

Ainda que utilizando instrumentos legítimos como o Estatuto da Criança e do Adolescente, muitas vezes o Judiciário o faz de maneira enviesada. Uma análise mais atenta das audiências mostra como as relações estabelecidas nessa etapa do processo são marcadas pela assimetria entre os atores, pela reafirmação constante das hierarquias, por uma grande disputa e abuso de poder.[…] Esse espaço, contudo, mostrou-se um campo rico em teatralidade e dramaticidade, onde além da ação legal do Estado, representado aqui pelo poder Judiciário, nos deparamos com todo um sistema simbólico específico que estabelece diálogos muito particulares com as noções de menoridade, punição, culpabilidade e a própria ideia de Estado (MIRÁGLIA, 2005. s.p).

Realçou-se na obra alhures mencionada a importância da antropologia para identificar situações de interesse que extrapolam aspectos puramente jurídicos, como outros fatores de controle social, propiciando uma análise das leis em ação, bem como do universo em que o direito se produz e se exerce, o que é relegado pelos operadores do direito. A compreensão antropológica, etnográfica e transdisciplinar das pretensões que envolvem pessoas vulneráveis é de significativa importância para viabilizar uma análise pontual, clara, específica e objetiva das questões controversas que integram o mérito demanda. Restringir a análise da pretensão deduzida apenas aos aspectos tecnicamente jurídicos, ignorando outros aspectos relevantes, como as questões sociológicas que permeiam o caso concreto, constitui um meio de limitar o debate do mérito, com risco de cometer profundas injustiças.

Tanto nos casos mencionados por Paula Miraglia, como nos fundamentos da decisão do caso Janaína, observa-se a existência de um julgamento técnico, cujos magistrados ignoraram as questões multisetoriais que individualizam a pretensão deduzida. Ao contrário do que se propõe, o Judiciário, em ambos os casos, homogeneizou a análise das questões suscitadas e padronizou o modelo de julgamento, tornando invisíveis as questões antropológicas, sociais, raciais e humanas que influenciam diretamente na forma de decidir e julgar essas pretensões. É nesse sentido que se demonstra a indispensabilidade do olhar etnográfico em ambos os casos (adolescentes de Paula Miraglia e o caso Janaína).

Na pesquisa realizada a etnógrafa identificou que, em razão da situação econômica dos adolescentes infratores, a maioria era assistida pela defensoria pública e que os juízes agiam de forma indissociável de sua personalidade, falando alto, outros gritando, outros mantinham o mesmo tom voz durante a audiência e usavam jargões que repetiam em todas as audiências. A forma de conduzir essas audiências era a mesma, pautada num formato mecânico, voltado para penalizar os menores infratores de forma indiscriminada, já que era considerado irrelevante para o julgador analisar o contexto psicossocial, antropológico e multidisciplinar em que cada menor se encontrava inserido. Aprofundar na análise transdisciplinar do mérito da demanda comprometia, na visão dos julgadores, a duração razoável do processo, além de tornar mais complexo o julgamento do mérito, visto que não mais se exigia uma abordagem estritamente técnico-jurídica. A análise estritamente jurídica é mais cômoda para o julgador, que não precisa de muitos esforços para decidir casos semelhantes, já que possui modelos de sentenças aplicados indistintamente a todos os casos semelhantes, homogeneizando suas decisões.

O caso envolvendo Janaína possui estreita relação com a pesquisa etnográfica realizada por Paula Miráglia, haja vista a ausência de um olhar transdisciplinar, multisetorial por parte dos julgadores, que preferiram o julgamento técnico-dogmático, unilateral, centrado no protagonismo judicial, sem permitir que os protagonistas do conflito pudessem construir dialogicamente o provimento final.

O caso Janaína ilustra o fenômeno histórico brasileiro que naturaliza a laqueadura compulsória para mulheres pobres, indígenas, deficientes e marcadas pela invisibilidade decorrente da marginalidade e exclusão. A imposição da laqueadura constitui uma forma de violência simbólica contra a mulher, haja vista que para Pierre Bourdieu, a violência simbólica “só triunfa se aquele(a) que a sofre contribui para a sua eficácia; ela só o submete na medida em que ele (ela) é predisposto por um aprendizado anterior à reconhecê-la” (BOURDIEU, 1989, p. 10). Nesse sentido, “definir a submissão imposta às mulheres como uma violência simbólica ajuda a compreender como a relação de dominação, que é uma relação histórica, cultural e linguisticamente construída, é sempre afirmada como uma diferença de natureza, radical, irredutível, universal” (CHARTIER, 1995, p. 42).

Buscar uma análise transdisciplinar e multisetorial das peculiaridades do caso concreto para além do tecnicismo jurídico é uma forma de individualizar as decisões judiciais, evitando-se decisões padronizadas e fundadas em parâmetros homogeneizantes. Enfatiza Paula Miráglia (2005) que:

Grosso modo, podemos descrever as audiências observadas da seguinte maneira: o caso é apresentado, o jovem é questionado quanto à veracidade das acusações que lhe são feitas, sendo a resposta, na maioria das vezes afirmativa. Uma vez admitido o ato infracional por parte do acusado, o juiz determina a medida sócio-educativa que o adolescente vai receber. Teoricamente, acusação e defesa poderiam apresentar argumentos contra ou em favor do acusado, além de reinvidicar uma medida mais leve ou mais dura. Na prática, no entanto, a apuração da culpabilidade em si parece uma mera formalidade. A solução para o conflito apresentado na audiência é resultado da decisão quase que exclusiva do juiz.

Esclarece que a conclusão do acima exposto se deu após ouvir de um juiz a seguinte frase direcionada a um advogado constituído:

Imagino que essa seja a primeira vez que o doutor vem aqui. Aqui as coisas são um pouco diferentes, o doutor não precisa defender seu cliente dessa forma, aqui nós sempre buscamos um acordo. Se o doutor não quiser fazer parte desse acordo, pode até vir a prejudicar seu cliente.

O estudo deixa evidente a forma como questões sensíveis e demasiadamente sérias são tratadas pelo Judiciário de forma massiva e sem qualquer compromisso com as peculiaridades de cada caso. Visando massificar os julgamentos, os magistrados buscam sua homogeneização, padronizando a forma de analisar as questões controversas que caracterizam casos semelhantes. Quando agem assim, os julgadores inviabilizam a participação das partes na construção do provimento final, privilegiam o tecnicismo jurídico, deixam de oportunizar a análise das questões controversas de forma transdisciplinar, coisificando os protagonistas do conflito em razão da autocracia jurisdicional.

Não raro a existência de decisões que revelam muito mais as convicções pessoais do julgador, em detrimento do conjunto probatório e da construção desenvolvida pelos sujeitos envolvidos no processo. O magistrado que exerce a jurisdição como atividade pessoal utiliza frequentemente de razões metajurídicas e juízos axiológicos como critério de seus julgamentos. Relativizam a racionalidade crítica no julgamento do mérito e fazem prevalecer suas percepções pessoais e subjetivas com relação ao caso concreto. Esses juízes tornam os sujeitos do conflito invisíveis diante de sua autoridade, restringem sua fundamentação ao tecnicismo jurídico e ignoram as questões sociológicas, antropológicas e etnográficas, essenciais à análise sistemática das particularidades que integram o mérito processual da demanda.

Com relação especificamente ao “caso Janaína”, verifica-se uma intensa carga axiológica no julgado de primeiro grau, que simplesmente ignorou o direito de participação efetiva, autônoma e independente de Janaína na construção do provimento final de mérito. Tanto o representante do Ministério Público quanto o magistrado de primeiro grau partiram de juízos apriorísticos na análise do caso em questão. Em razão da vulnerabilidade típica e vivenciada por essa mãe de cinco filhos, moradora de rua e usuária de drogas, os representantes do Estado (juiz e promotor de justiça) se autolegitimaram na tomada da decisão metajurídica por eles considerada mais adequada ao caso concreto. A partir de seus juízos de valores definiram que o melhor para esse caso seria a laqueadura compulsória, pois dessa forma protegeriam os direitos dos filhos menores. Essa autolegitimação dos representantes estatais tornou Janaína invisível, pois sua oitiva se deu “proforma”, objetivando ratificar um posicionamento já definido previamente pelo magistrado e representante do Ministério Público em primeiro grau.

Partiram do pressuposto de que Janaína não teria condições de criar e cuidar de mais uma criança, em razão de sua condição de absoluta vulnerabilidade. Por isso, os agentes do Estado se autolegitimaram no direito de se apropriarem do corpo, da liberdade de escolha e autonomia dessa mulher, cuja marginalidade e exclusão tinham se naturalizado. Em momento algum foi levantado nesse caso a importância do estudo etnográfico, com uma abordagem transdisciplinar de todas as questões que permeavam as particularidades do caso em questão. Pelo contrário, os agentes estatais limitaram o debate de mérito à análise do caso concreto sob a ótica do tecnicismo jurídico, utilizando-se de argumentos puristas, dogmáticos, axiológicos, que não privilegiam a racionalidade crítica.

Nesse contexto propositivo é importante esclarecer que o médico tem o dever ético, moral e legal de informar aos seus pacientes todos os procedimentos médicos que serão submetidos. Há diversos instrumentos normativos que todos seus direitos fundamentais. Extrai-se da decisão tomada por unanimidade pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que o consentimento da paciente não restou claro, pois a mesma em mais de uma ocasião desistiu do tratamento que antecedeu à laqueadura tubária. O consentimento, neste caso, é fator preponderante à concessão de autorização do procedimento mutilador, conforme a seguir exposto:

Renan Boccacio (2013), esclarece que “o termo de consentimento informado tem por finalidade informar o paciente sobre as consequências que poderão advir do ato médico, informando os possíveis acontecimentos conhecidos da ciência da medicina”. Portanto, a paciente que irá se submeter ao trabalho de parto, tem o direito de ser informada de todos os atos médicos possíveis de serem realizados, seus benefícios e fatores de risco, ad exemplum, sobre o parto normal e a cesariana, a Episiotomia e o temido husband stick.(WEISSMANN, James, 2018. p.9).

A lei nº 9263/​96, conhecida como lei de planejamento familiar, a qual foi invocada pelo juízo do primeiro grau para justificar a determinação da laqueadura compulsória, prescreve em seu art. 10 as hipóteses em que é possível a esterilização voluntária. A necessidade de garantia do consentimento livre da paciente, além de encontrar guarida em diversos instrumentos legais foi objeto consagração pelos Tribunais brasileiros, bem como foi reconhecida pelo próprio tribunal revisor do caso em comento. Merecem destaque alguns trechos dos votos dos desembargadores que revisaram a sentença em grau recursal, senão vejamos:

[…] Na verdade, como bem assinalado pela Advogada da União, Aline Albuquerque, a referida Lei nº 9.263/​96 foi editada até mesmo com “o objetivo de tentar coibir a prática em larga escala de esterilizações no país e estimular, em contrapartida, a utilização de métodos reversíveis de contracepção”. Dessa forma, a intenção da normativa é evitar que a esterilização voluntária seja adotada como método contraceptivo em detrimento dos demais métodos de caráter menos invasivo … p.165.

Logo, no nosso ordenamento jurídico não se pode admitir a chamada esterilização compulsória, ou seja, nenhuma pessoa poderá ser obrigada a se submeter a esterilização, uma vez que se trata de procedimento médico invasivo, que lesa a integridade física de forma irreversível. … p.167.

Em nenhum momento nos autos o D. Promotor de Justiça e o MM. Juízo interrogou pessoalmente a corré para obter o seu consentimento ou avaliar sua situação de saúde mental. A prudência da norma relativa à interdição não foi lembrada (art. 1.771 do Código Civil). … p.175.

Em suma, trata-se de inadmissível preconceito social contra os menos favorecidos, uma vez que existem alternativas jurídicas disponíveis de assistência social e de orientação de planejamento familiar. … p.177.

Assim, não há como albergar qualquer arremedo de processo kafkiano (narrado no romance “Der Prozess, do escritor Franz Kafka, no qual o personagem Josef K. acorda de manhã de seu aniversário e é preso e sujeito a longo e incompreensível processo por um crime do qual não teve conhecimento da acusação nem de seus julgadores) … p.181.

Numa passagem do relatório, nota-se que “a esterilização cirúrgica de mulheres, seja voluntária ou não, é assunto que não pode ser dissociado de uma discussão que é mais imediata: a implantação da política de assistência integral à saúde da mulher. A situação de epidemiologia da saúde reprodutiva, ao revelar o uso abusivo da esterilização por parte das mulheres, reflete o abandono e a omissão do Estado em sua responsabilidade constitucional de prover saúde integral e métodos contraceptivos para o planejamento familiar”. … p.183.

Não de outra sorte, há quem entreveja a possibilidade de tipificação do abuso de autoridade qualquer atentado à incolumidade física do indivíduo (Lei 4.898/​1965), principalmente quando se questiona, nas discussões parlamentares, sobre os limites e supostos abusos praticados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, qualificados como “demasiadamente empoderados”, até mesmo por Ministro do Supremo Tribunal Federal. … TJSP, 2017. p.190.

A maneira pela qual se enxerga a realidade acaba por determinar a realidade em si (RADOM, apud MARTINI; SZINVELSKI. 2016, p.158). Esse olhar parcial, baseado numa pseudo-concreticidade impediu ao magistrado da acurada análise, que culminou na permissão de mutilação de uma pessoa em situação de vulnerabilidade, e em desrespeito a sua dignidade. A norma jurídica foi utilizada de forma utilitarista, retirando a liberdade de escolha da mulher, ao impor um método contraceptivo irreversível, sem, ao menos demonstrar o interesse da parte em livremente escolher fazer a laqueadura.

Os agentes estatais se apropriaram da fala de Janaína, construindo e impondo a ela um discurso decorrente de seus valores e concepções de mundo. Em momento algum se preocuparam em conferir a Janaína um espaço de fala em que a mesma pudesse participar da construção do mérito da decisão judicial. Pelo contrário, preferiram coisificar sua pessoa humana, apropriando-se de sua liberdade, violando seu corpo e calando sua voz, tudo baseado na retórica concepção de uma legitimidade pressuposta que pune, castiga, exclui e marginaliza pessoas através da utilização da ciência do Direito. O processo judicial foi utilizado como um espaço de reprodução de violência e invisibilidade do sujeito vulnerável, ilustrado por Janaína.

O estudo etnográfico trazido à colação se relaciona diretamente com a decisão proferida nos autos do processo que culminou na laqueadura tubária de uma mulher em situação de vulnerabilidade. Isso porque, num primeiro momento, ao ler inicialmente o processo, tem-se a percepção de que tanto o promotor quanto o juiz conduziram adequadamente o processo, inclusive, com a determinação de realização de estudo psicológico do caso, observando as formalidades descritas no texto legal, deixando de contextualizar os fatos no tempo e espaço, já que as peculiaridades que envolviam Janaína simplesmente foram consideradas irrelevantes para os agentes estatais.

Numa análise apurada dos fatos descritos constata-se a precipitação em decidir algo tão sério, com base em argumentos que são muito mais fundamentados em convicções do próprio promotor e juiz do que nos elementos que se podem extrair dos documentos e provas produzidas nos autos. Além disso, percebe-se claramente do relatório psicológico um julgamento que desconsidera, em absoluto, o objeto do estudo, na medida em que a psicóloga identifica a oscilação volitiva da requerida e, ainda assim, sugere a realização de laqueadura com urgência e a orienta se manifestar nos autos.

Depara-se, portanto, com decisões construídas sem a análise contextual e social dos sujeitos, amparadas no frágil argumento de que foram cumpridas as exigências legais. Todavia, o direito, muito mais do que um mero arcabouço de normas, serve ao próprio indivíduo, o qual deve ser visto como o centro da norma. A análise transdisciplinar e sistêmica dos pontos controversos da demanda oportuniza um debate mais amplo do mérito processual, que deixa de ser visto como mera reprodução das convicções unilaterais do julgador, passando a ser compreendido como a oportunidade de construção dialógico-participada por todos os interessados.

Esse fechamento do direito às outras áreas do conhecimento desencadeia em decisões não reconhecidas pelos próprios usuários das normas, confira-se, a propósito:

Efetivamente, o mal-estar da ciência jurídica moderna pode ter como uma das causas o isolamento e o encastelamento do próprio Direito. Romper com estas barreiras é possível e necessário, especialmente quando a transdisciplinaridade é utilizada como catalizadora desse processo.Como acena Canaris (7), é papel do jurista preparar-se para alargar ou modificar a incompletude e a provisoriedade do conhecimento científico jurídico, pois seu objeto depende do fenômeno histórico e da mutabilidade das relações sociais. Uma visão que transcenda a mera reiteração dogmática passa pelo posicionamento em face do saber e em enxergar a realidade de modo a ultrapassar o já visto. (MARTINI; SZINVELSKI. 2016, p.159).

Pensar a ciência do Direito sob o viés da técnica e da dogmática constitui um meio de reproduzir concepções que inviabilizam um diálogo com outras áreas do conhecimento científico. Dessa forma, restringe-se o debate científico, além de permitir uma análise superficial dos fatos alegados, desconsiderando as causas, efeitos e motivos da relação conflituosa. As pessoas envolvidas no conflito de interesses não podem ser vistas como números ou peças de um modelo de processo que se preocupa muito mais com a aplicação da norma do que com a proteção integral dos direitos fundamentais daqueles envolvidos na lide. A reprodução da concepção hermética e de uma visão tecnicista da norma descontextualizada com os fatos subentendidos na demanda torna o processo um espaço de reprodução de violência, exclusão, marginalidade e não reconhecimento dos sujeitos em situação de vulnerabilidade.

É certo que legislações mais recentes, como o Código de Processo Civil, vêm se preocupando cada vez mais com a dialogicidade democrática do processo, enfatizando a necessidade de se romper com o protagonismo do juiz em detrimento da efetiva participação das partes. Todavia, a realidade ainda se mostra distante dos preceitos legais, sendo imperioso se voltar para a busca de mecanismos capazes de promover a implementação real do processo democrático. Democratizar o espaço processual de construção participada do provimento final exige o reconhecimento do direito de os sujeitos trazerem para o debate os pontos controversos da demanda, o que inclui uma análise transdisciplinar das questões controversas, como os aspectos antropológicos, etnográficos e sociais, viabilizando a exauriência argumentativa e análise sistemática do conflito.

3. A transdisciplinaridade no Judiciário como forma de conferir legitimidade às decisões judiciais, considerando a complexidade da realidade multidimensional

A transdisciplinaridade pode se apresentar como uma ferramenta a serviço do Judiciário, capaz de conferir maior democraticidade às decisões judiciais. Isso porque, na medida em que se percebe a complexidade da realidade multidimensional levada à discussão, se conclui pela impossibilidade de existir julgador que domine tantas áreas do conhecimento, de modo a decidir satisfatoriamente as mais variadas questões. Nesse sentido, confira-se:

Analisar as ordens jurídicas da sociedade global em épocas de policontexturalidade e hipercomplexidade se torna interessante quando se analisa os postulados da transdisciplinaridade. Permite analisar que o sentido jurídico pode ir para muito além do Estado, apesar de não exclui-lo; para além, ainda, do internacional (ou interestatal), pois ainda aqui o raciocínio estaria muito adstrito àquilo que os Estados ratificam para si próprios; permite observar que, mesmo em tempos de crise estatal, aos sentidos jurídicos construídos a partir das legislações, podem ser contrapostos construtivamente sentidos advindos de ordens não estatais (FORNASIER, 2015. p.40).

Por mais erudito e culto que possa ser o julgador não conseguirá ter conhecimentos profundos sobre diversos temas, especialmente aqueles estranhos ao direito, como medicina, construção civil, psicologia, antropologia, assistência social etc. A interlocução transdisciplinar das questões que envolvem o conflito constitui um meio de enriquecer o debate processual e analisar, de forma multidimensional, questões subentendidas na demanda que envolve pessoas vulneráveis. No caso específico de Janaína, a ausência de um estudo crítico e transdisciplinar, levou o Judiciário paulista, provocado pelo Ministério Público, basear-se em juízos apriorísticos, hipotéticos e definir unilateralmente o que seria decidido naquele caso concreto. Janaína, que deveria protagonizar o debate processual, protegendo-se e analisando sua liberdade de escolha, ficou na posição de mera coadjuvante de um modelo de processo autocrático e fundado no decisionismo judicial. A violência gerada pelo cumprimento da decisão judicial não foi evitada, haja vista que o mérito do recurso proposto foi julgado posteriormente à realização da laqueadura compulsória, embora tenha sido dado provimento ao recurso proposto.

Julgar o mérito processual de questões que envolvem pessoas em condição de vulnerabilidade exige uma abordagem profunda, sistemática, contextualizada e que ultrapassa o tecnicismo jurídico. Basarab Nicolescu identifica a pluralidade complexa, ressaltando que:

A complexidade social sublinha, até o paroxismo, a complexidade que invade todos os campos do conhecimento. O ideal de simplicidade de uma sociedade justa, baseada numa ideologia científica e na criação de um “homem novo”, desabou sob o peso de uma complexidade multidimensional. O que restou, baseado na lógica da eficácia pela eficácia, não é capaz de nos propor outra coisa senão o “fim da história” (NICOLESCU, 2001. p.13).

A perspectiva transdisciplinar é trabalhada por Nicolescu como:

A transdisciplinaridade, como prefixo trans indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento. […] Por outro lado, a transdisciplinaridade se interessa pela dinâmica gerada pela ação de vários níveis de realidade ao mesmo tempo. (NICOLESCU, 2001. p.16)

Para o autor do manifesto da transdisciplinaridade entre, através e além das disciplinas está cheio de pontos a serem trabalhados, sendo que os três pilares da transdisciplinaridade são os níveis de realidade, a lógica do terceiro incluído e a complexidade, os quais determinam os diferentes graus de transdisciplinaridade, com maior ou menor satisfação. Analisar o contexto social, etnográfico e antropológico em que se encontra inserido o sujeito em situação de vulnerabilidade é de significativa importância para a exauriência argumentativa e análise das diversas questões científicas que permeiam o mérito processual. Deixar de construir esse tipo de análise multidimensional constitui um meio de reproduzir o modelo de processo autocrático, fundado no protagonismo judicial e na impossibilidade de estreita interlocução com os sujeitos em situação de vulnerabilidade e protagonistas do conflito. Desse modo, o processo coisifica pessoas, tornando-as invisíveis, mantendo o cenário de exclusão e marginalidade em que as mesmas se encontram inseridas.

É importante esclarecer que o Judiciário se utiliza sim de suporte dado por profissionais de outras áreas do conhecimento, como no caso em exame, a profissional da psicologia, todavia, essa utilização se restringe a emissão de pareceres, sem qualquer construção participada do objeto pesquisado/​analisado. Ou seja, o juiz não participa efetivamente do estudo realizado por outro profissional, atendo-se a aceitá-lo ou rechaçá-lo quando lhe aprouver. Ademais, verifica-se que o parecer técnico do caso Janaína veio justamente para ratificar o posicionamento adotado pelo magistrado e representante do Ministério Público, ignorando-se o contexto em que a protagonista do conflito encontrava-se inserida. Trata-se de medida “proforma”, visando conferir o que se denomina legitimidade jurídica pressuposta. Nesse contexto propositivo, veja-se, à propósito, o que elucida (FORNASIER, 2015.p.41).

Como se acabou de observar, o desenvolvimento da noção de transdisciplinaridade pressupõe o atingir de um nível teórico abstrato para muito além da mera adaptabilidade de postulados de um ramo da ciência para outro. Trata-se, isto sim, de se verificar que a possibilidade de conversações entre os ramos do conhecimento já, o que, por si só, confere um caráter transdisciplinar ao próprio diálogo. Na verdade, o que se propõe no presente trabalho, em relação à transdisciplinaridade, é a adoção do seu potencial de ultrapassagem das fronteiras pela observação, pela construção teórica – para que, a partir daí, possam ser pensadas novas possibilidades de realização de práticas inovadoras. Nesta senda, há de se reconhecer que o raciocínio de superação das fronteiras entre ordens jurídicas está mais afeito à ideia de interdisciplinaridade.

Por óbvio, não se está aqui buscando a mitológica “era dourada” para o Judiciário brasileiro, em que todos os problemas advindos da pluralidade complexa se resolveriam, a partir da transdisciplinaridade, mas de reconhecimento de que a linearidade atualmente posta como único método utilizado já não se presta aos fins colimados e, nesse sentido, a transdisciplinaridade pode ser um dos instrumentos importantes nessa empreitada. Nesse sentido, FORNASIER, 2015, p. 38):

Não se está, aqui, de forma alguma, intentando discorrer sobre uma possibilidade de “justiça suprema”, absoluta, contida em toda forma de organização jurídica. Porém, aqui se pode passar a reconhecer, para o sistema do Direito, a possibilidade de construção de um significado jurídico complexo para problemas complexos – tais como aqueles que se referem à regulação do risco das atividades envolvendo altas tecnologias (biotecnologia, tecnologias nucleares, nanotecnologias, comunicação via internet, etc.). Uma compreensão de sociedade (da qual o Direito é um subsistema parcial) que leve em consideração sua complexidade, sem margens para simplificações. Assim como já é sabido em estudos relacionados aos danos ao meio ambiente e à saúde humana (categoria na qual se pode, certamente, classificar aqueles oriundos do trato para com a nanotecnologia), não há limites políticos (ou jurídicos) capazes de conter tais possibilidades – assim como não é mais possível estabelecer um sentido territorial estatal absoluto para problemas relacionados à economia global, por exemplo.

A transdisciplinaridade se apresenta como uma alternativa interessante na medida em que exige a construção da pesquisa em participação de modo a se chegar a um mesmo resultado, ou seja, se faria estudos envolvendo concomitantemente o direito, psicologia, sociologia e áreas afins, mas não de forma distante, e sim de maneira a entrelaçar as áreas e resultarem em um resultado único, o qual, indubitavelmente seria mais rico se seguro. Ultrapassar os limites e parâmetros exclusivamente jurídicos de análise dos pontos controversos da demanda constitui um meio de aprofundamento na análise do mérito processual, reconhecendo-se a relevância de outros aspectos (antropológicos; etnográficos; sociais; econômicos) essenciais a construção dialética do provimento estatal que mais se adeque aos interesses e anseios da parte.

É exatamente a busca pela reconstrução e leitura original da realidade debatida nos autos do processo que justifica a necessidade da transdisciplinaridade, rompendo-se com as barreiras fixas do pensamento clássico descarteano, senão vejamos:

Uma segunda noção está relacionada ao processo transdisciplinar. Desta vista, a transdisciplinaridade é um instrumento de coleta de informações que vai além das comparações interdisciplinares: se ocupa em utilizar o que cada disciplina pode oferecer em conteúdo para, depois, transpassar ou ultrapassar o que cada uma possibilita. Dito de outro modo, a transdisciplinaridade significa transgredir as barreiras fixas que determinada Ciência ou Disciplina oferece em busca de uma leitura original. (MARTINI; SZINVELSKI. 2016, p.159).

A análise transdisciplinar tornaria possível, no caso Janaína, verificar o contexto social, econômico e político no qual se encontra inserida esse sujeito em situação de vulnerabilidade, excluído e marginalizado socialmente. Permitiria uma compreensão não estritamente jurídica, técnica, restrita ao conteúdo frio da norma jurídica. Evitaria que o processo fosse utilizado como um espaço de reprodução da violência, conferindo dignidade aos sujeitos do processo (Janaína e seus outros filhos, além do filho que gerava à época). Preveniria a violação do corpo da mulher, garantindo-se uma análise a partir do direito fundamental de liberdade de escolha, desde que ficassem esclarecidas as consequências advindas da laqueadura compulsória. Não se pretende aqui trabalhar com situações de “faz de conta” que nada contribui para a construção da decisão judicial, como se constatou no caso em exame. Mas, de real oxigenação do direito com vistas ao seu aperfeiçoamento.

Enfatiza (BLATYTA; RUBINSTEIN apud MARTINI; SZINVELSKI. 2016, p.160):

Uma atitude transdisciplinar procura respeitar o ser humano integralmente, em sua totalidade/​complexidade de corpo físico, mente e espírito inseridos em realidades socioculturais específicas. […]. Aceitar a alteridade exige tolerância e flexibilidade para reconhecer e aceitar que há outras maneiras de perceber o mundo, diferentes das nossas, o que pode nos levar a frustração. Exige também esforço para a integração do diferente, sem discriminação, sem juízo de valor e, portanto, sem exclusão. Esse objetivo não é fácil de ser alcançado, pois exige uma articulação entre o dizer e o fazer que não é simples.

A transdisciplinaridade permite compreender o conflito de interesses sob diversas óticas, não apenas na perspectiva jurídica. Garante-se a racionalidade crítico-científica como critério regente na formação participada do mérito processual, em contraponto ao decisionismo unilateral do julgador. Destarte, o tratamento dos afetados num processo judicial não pode se limitar à mera aplicação da norma ao fato, desconsiderando a complexidade existente em cada caso. Esse rigor científico que ora se incentiva é pressuposto do Estado Democrático de Direito, em que não mais se autoriza a prevalência isolada de um convencimento livremente motivado, senão vejamos:

O direito de ação no Estado Democrático materializa-se na oportunidade que o jurisdicionado tem de não se submeter a uma jurisdição sacerdotal, de poder discutir efetivamente as questões de fato e de direito que integram o mérito da pretensão deduzida em juízo e, acima de tudo, obter um provimento discursivamente construído pelas partes interessadas a partir de um debate que se desenvolve mediante critérios objetivamente jurídicos, em que a subjetividade do julgador fica para segundo plano, devendo prevalece a Hermenêutica Constitucional como referencial para a análise da pretensão deduzida (COSTA, 2017. p. 42 -43).

Outrossim, a dialogicidade promovida pela transdisciplinaridade permitirá maior legitimidade democrática às decisões judiciais, na medida em que promove o reconhecimento das particularidades, desvestindo-se de preconcepções das autoridades processuais. O modelo constitucional e democrático de processo funda-se no direito de os sujeitos titulares do direito ou bem jurídico pretendido serem coautores do provimento final. A decisão judicial deve refletir o amplo debate jurídico e transdisciplinar, como meio de assegurar justiça processual, segurança jurídica e previsibilidade do conteúdo decisório.

Não foi apenas a situação de vulnerabilidade vivenciada por Janaína que ocasinou a violência judicial ora exposta. A partir da análise transdisciplinar é possível verificar que nas entrelinhas do debate de mérito do presente caso fica evidente a existência da desigualdade de gênero, a dominação masculina, a coisificação dos corpos, fatores que caracterizam e ilustram o patriarcalismo existente e naturalizado na sociedade brasileira. Todos esses fatores influenciaram diretamente na construção da decisão de mérito, que embora não estejam explícitos no conteúdo decisório, nas entrelinhas da decisão fica claro que o poder Judiciário reproduz a voz social da exclusão e desigualdade feminina institucionalizada.

Considerações finais

O processo constitucional democrático é um espaço que legitima a ampla dialeticidade dos pontos controversos da demanda pelos sujeitos que integram o conflito de interesses. Ou seja, deve-se garantir a todos os interessados o direito de serem coautores do provimento final, viabilizando a exauriência argumentativa, não restrita apenas aos aspectos jurídico-legais, haja vista que a transdisciplinaridade é fundamental para a compreensão social, política, econômica e etnográfica de questões explícitas e implícitas que integram a pretensão deduzida.

A análise sistemática, multidimensional e específica do “caso Janaína”, evidencia que o magistrado de primeiro grau, devidamente provocado pelo Ministério Público, partiu de juízos apriorísticos, hipotéticos e fundados na legitimidade jurídica pressuposta para determinar a laqueadura compulsória. Não foi garantida a legitimidade democrática do provimento de mérito, haja vista que a confecção de laudo psicológico se deu para ratificar o protagonismo e discricionariedade judicial, uma vez que a protagonista do conflito de interesses assumiu o papel de mera coadjuvante. Sua condição de absoluta vulnerabilidade a colocou numa posição de profunda desigualdade perante o Judiciário e Ministério Público em primeiro grau, que atuaram nesse caso baseado apenas em argumentos estritamente técnicos, deixando de lado a análise transdisciplinar.

O déficit de democraticidade do provimento final ficou demonstrado no julgamento do mérito do recurso junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo. O provimento do respectivo recurso decorreu de uma análise multidimensional do caso concreto, considerando-se que os julgadores se colocaram no lugar de “Janaína”, levando-se em consideração sua condição de vulnerabilidade, bem como os direitos fundamentais previstos no plano constituinte, especialmente a dignidade humana. Ficou evidente que em primeiro grau de jurisdição não foi permitida a construção dialógica, multidimensional e transdisciplinar do provimento final, haja vista a prevalência dos argumentos pressupostamente apresentados pelo Ministério Público de São Paulo, ratificados pelo magistrado de primeiro grau.

A complexidade das relações e situações levadas à resolução pelo Judiciário é algo inquestionável, sendo premente a busca por instrumentos que possam proporcionar melhor tratamento, especialmente, quando se está diante de direitos fundamentais de pessoas que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade e incapazes de se apresentarem de forma real no processo, exprimindo seus interesses.

Assim, a reformulação do tratamento tradicional, em que o juiz, se limita a, quando muito, realizar estudos psicológicos e sociais, por profissionais que muitas vezes sofrem com a famigerada carga de processos e, não conseguem se debruçar adequadamente à aquele caso, é medida impositiva. Já não se permite admitir que o juiz, por mais expertque seja, consiga dominar todas as áreas de conhecimento, devendo, assim, buscar auxílio de outros profissionais, os quais, de forma concreta analisa as questões de sua competência, oferecendo elementos que possam ser conjuntamente trabalhados por toda equipe, de modo a se chegar a um resultado final comum.

E, nesse aspecto, a transdisciplinaridade, realizada no âmbito do processo poderá se apresentar como instrumento democrático e assegurador do diálogo qualificado entre os afetados pela decisão judicial, especialmente, nas situações em que a análise vulnerabilidade exigir maior cautela. Outrossim, reconhecer a incompletude do direito e permitir a interpenetração e novas experiências contribui para a evolucionariedade do processo.

Portanto, a reflexão acerca da oxigenação do Judiciário e a relação com outras áreas de conhecimento contribui para o aumento da possibilidade de se atentarem para a validade e legitimidade do modelo adjudicativo de resolução de conflitos. Através dessa pesquisa, levantou-se aporias e demonstrou-se a porosidade da temática abordada, de modo a despertar a curiosidade epistemológica no que atine ao desenvolvimento e realização de novos estudos que venham a compreender sistematicamente e de forma crítica o processo judicial, como alternativa transcendental de promoção, participação efetiva e de respeito aos direitos fundamentais.

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Recebido em: 16 fev. 2019.

Aceito em: 29 mar. 2019.

 



[1] Embora a legislação supramencionada se refira ao Estatuto dos Refugiados, não sendo uma legislação específica sobre o tema direito das mulheres, a sua citação, no presente contexto da pesquisa, justifica-se para demonstrar o diálogo que existe com a problemática cientifica proposta, cujo recorte teórico apresentado refere-se à proteção dos direitos humanos.

[2] Apelação nº 1001521- 57.2017.8.26.0360; TJSP; Apelante: Município de Mococa; Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo; Relator: Paulo Dimas Mascaretti. Processo em primeira instância número 1001521-57.2017.8.26.0360; juiz de direito Djalma Moreira Gomes Júnior. Houve a condenação do Município de Mococa a realizar a laqueadura, objeto dos autos, assim que ocorrer o parto da requerida Janaína, sob pena de multa diária no valor de R$ 1000,00 (mil reais), limitada ao valor total de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Disponível em https:/​/​www.migalhas.com.br/​Quentes/​17,MI281580,51045-TJSP+​reverte+​decisao+​que+​mandou+​esterilizar+​mulher+​compulsoriamente. Acesso em 19 mar. 2019.