CONSTRUÇÃO DA CULTURA ENERGÉTICA DO GÁS DE XISTO NA CHINA: PERSPECTIVAS DE UMA SUSTENTABILIDADE INSUSTENTÁVEL

Pedro Henrique Moreira da Silva

Escola Superior Dom Helder Câmara – ESDHC, Minas Gerais.

[email protected]

Romeu Thomé

Escola Superior Dom Helder Câmara – ESDHC, Minas Gerais.

[email protected]

RESUMO: A pesquisa pretende apresentar o gás de xisto como um recurso energético atrelado aos sentidos de eficiência e independência energética, mas de potenciais impactos ambientais. Por suas particularidades no cenário geopolítico, discorre-se acerca dos investimentos da China para criação de uma cultura energética baseada em gás não convencional – também como forma de mitigar o entrave internacional relacionado às mazelas climáticas. Não obstante, a partir do método hipotético-dedutivo, realizou-se a problematização do desenvolvimento sustentável chinês pautado no gás de xisto, vez que os danos socioambientais advindos com a atividade colocam em risco a efetivação de direitos de ordem humana. O presente trabalho se propõe, portanto, a questionar: a opção pela exploração e utilização de gás de xisto na China pode ser interpretada como um caminho insustentável para a sustentabilidade?

PALAVRAS-CHAVE: Gás de xisto. Sustentabilidade. Direitos Humanos. Energia.

Construction of shale gas energy culture in China: Perspectives of unsustainable sustainability

ABSTRACT: The research intends to present the shale gas as an energy resource tied to the meanings of energy efficiency and independence, but of potential environmental impacts. Because of its particularities in the geopolitical context, there is talk of China's investments to create an energy culture based on unconventional gas - also as a way to mitigate the international obstacle related to climatic hazards. Nevertheless, from the hypothetical-deductive method, the Chinese sustainable development based on shale gas was problematized, since the social and environmental damages resulting from the activity put at risk the realization of human rights. The present paper proposes, therefore, to question: the option for the exploration and use of shale gas in China can be interpreted as an unsustainable path to sustainability?

KEY WORDS: Shale gas. Sustainability. Human Rights. Energy.

Introdução

O gás de xisto é um recurso fóssil que se apresenta, desde o século XX, como alternativa às fontes energéticas convencionais, tais quais petróleo e carvão. Trata-se de gás natural formado a partir da degradação de matéria orgânica em rochas pouco porosas – o que resulta em uma extração dependente de técnicas de perfuração horizontal e fracking.

Popularizado nos Estados Unidos da América, onde se constata a ocorrência de uma revolução do xisto, a exploração de gás não convencional tem sido incorporada por outros países, como medida para aumentar a eficiência e independência energética e auxiliar nas articulações globais de redução de emissão de gases de efeito estufa na atmosfera.

Nesse sentido, a China – aproveitando as graças geológicas, a ascensão como império pacífico e o enfraquecimento da Rússia no contexto geopolítico – tem envidado esforços e desenvolvido tecnologias para criar uma cultura de energia baseada no gás de xisto, tanto pelo alcance de independência energética, quanto pela perspectiva de construção de um desenvolvimento sustentável pareado com as tendências internacionais de reversão das mazelas climáticas.

Não obstante, a atividade apresenta suas mazelas, como os significativos impactos negativos sobre o meio ambiente. Já se constatou em regiões dos Estados Unidos da América – como no Estado da Pensilvânia – que a extração de gás de xisto não raramente resulta na poluição hídrica superficial e subterrânea, maior ocorrência de abalos sísmicos e utilização de grandes volumes de água potável para a técnica de fracking.

Assim, questiona-se no presente trabalho se a consolidação da exploração do gás de xisto na China contribui para um desenvolvimento de fato sustentável ou acaba por consolidar uma sustentabilidade insustentável. Portanto, a presente pesquisa tem como objetivo discutir a sustentabilidade da extração e utilização do gás de xisto na China sob uma perspectiva de que independência e eficiência energética soam incompatíveis com a garantia de direitos de ordem humana.

Para a satisfação do problema que se apresenta, foi utilizado o método hipotético-dedutivo, com a formulação de hipóteses a respeito da gênese do entendimento humano acerca do ambiente e as consequências práticas – na seara energética – de uma lógica cartesiana que ignora uma construção fenomenológica entre homem e meio. Assim, justifica-se a pesquisa pela viabilização da reflexão acerca das insustentabilidades de paradigmas absolutos e estáticos.

1. Panoramas gerais acerca do “shale gas”

Os primeiros relatos acerca do uso do gás natural datam de 6.000 a.C., na Pérsia, onde era utilizado em rituais sagrados. A perspectiva de uso do recurso tão somente na seara religiosa seria transmutada na China, em 347 a.C., onde empregar-se-ia o gás para iluminação. Bico (2014) relata que eram utilizados bambus para transportar o gás até as cidades - o que nos permite concluir que a questão energética, desde muito cedo, está associada à temática da tecnologia.

Na Europa, a utilização do gás, sobretudo o de carvão, se daria somente no século XVII, e sua popularização a partir de 1790, com a invenção da lâmpada a gás. Todavia, somente a partir de 1970 os poços horizontais passariam a ser perfurados, representando uma revolução na indústria energética, com o que se chama “gás de xisto”, ou “Shale gas”. (BICO, 2014)

Atualmente, a utilização desse recurso se mostra como uma alternativa interessante em busca da conquista da independência energética, sobretudo se considerados os cenários da crise do petróleo e da ascensão de potencias mundiais com demandas de consumo acima das médias dos países em desenvolvimento. É o caso da China que, em 2009, com o auge de sua expansão econômica, intensificou os estudos geológicos em território nacional, sobretudo na província de Sichuan, e iniciou a exploração industrial de gás de xisto. (MA, 2018)

Xisto (Shale) é uma palavra de origem inglesa que especifica uma rocha sedimentar argilosa ou áspera. Thomas (2011), ao estudar o termo no francês estipula que o sentido mais acertado para a palavra Xisto é “rocha que adquiriu a xistosidade sob a influência de tensões tectônicas.” Ademais, considerando que, tecnicamente, o gás não se encontra privativamente no Xisto, Thomas (2011) alerta que o termo correto a ser utilizado para referência ao recurso supra seria “Gás de Fogo” - o que parece inviável, tendo em vista que a expressão “gás de xisto” já se tornou bastante comum. Bico (2014) referenda tal posicionamento ao explanar que os calcários argilosos, por exemplo, também podem conter gás em seus poros, o que torna a nomenclatura usual um equívoco técnico.

Nesse contexto, para que melhor se compreenda a questão do gás de xisto, imperioso entender as diferenças entre as reservas de gás convencionais e não convencionais. O gás natural tradicional é constituído majoritariamente por Metano (CH4), um hidrocarboneto simples e que se forma da degradação de matéria orgânica sedimentada em rochas-mãe, seja pela decomposição bacteriana ou química. (Thomas, 2011). O gás proveniente desse fenômeno, em razão da permeabilidade da rocha e por ser menos denso que a água, migra verticalmente e a) atinge a superfície ou b) é bloqueado por armadilhas geológicas (em geral, formações rochosas superficiais menos porosas), formando poços.

No caso do gás não convencional, a degradação da matéria orgânica ocorre em rochas-mãe pouco porosas - impermeáveis - de forma que o metano fica impedido de migrar verticalmente até a superfície. A matriz torna-se, portanto, rica em gás, o que impede que sua extração ocorra por técnicas de perfuração simples, conforme se verifica:

Geologicamente, os shales que contêm gás natural são rochas de grão fino e ricas em matéria orgânica. Os seus poros são muito pequenos, o que torna o fluxo de gás muito difícil no seu interior, podendo classificar-se como impermeáveis, a não ser que estejam naturalmente fraturados ou que se criem essas fraturas para que o fluxo seja facilitado, abrindo ligações entre os poros. (BICO, 2014)

A composição desse gás não é padrão, alternando a depender da região em que é constatado. Stamford e Azapagic (2014) relatam que podem ser denominados secos, molhados, azedos ou doces, a depender da proporção de seus componentes – se ricos em metano, ricos em demais hidrocarbonetos ou ricos em sulfeto de hidrogênio.

No que diz respeito à produtividade, o gás de xisto possui índices de rendimento diferenciados do gás natural convencional. Isso porque, se no segundo caso a movimentação do recurso ocorre livremente no solo, no primeiro a movimentação é dificultada em razão da impermeabilidade da rocha. Assim, a própria dinâmica de extração do gás não convencional resulta em maior variabilidade produtiva. Ora, quando promovidas as primeiras fraturas na rocha, grande quantidade de gás livre escapa pelos furos promovidos – tornando as taxas de produção no primeiro ano altas. Não obstante, a extração cai em até 90% na medida em que resta tão somente o gás retido no interior das rochas, que flui de forma lenta pelas fraturas. (BICO, 2014)

Se tornando obsoleto, o poço de gás (tal qual o de petróleo) sofre bombeamento de cimento, que funciona como um tampão. Em algumas regiões, como é o caso do Reino Unido, solda-se a saída do poço e promove-se a recuperação das terras próximas, com abandono da monitoração da integridade dos poços órfãos. (DAVIES et al, 2014)

Nesse ponto, importa estabelecer que o fraturamento da rocha é outro diferencial no que diz respeito à extração de shale gas. Boudet (2014) explica que se trata de uma técnica de perfuração horizontal das camadas rochosas, com posterior injeção de líquido pressurizado para promoção de fraturamento. Esse processo foi utilizado pela primeira vez nos Estados Unidos da América na década de 1940 e popularizado na Europa duas décadas depois. Trata-se de uma técnica indispensável à exploração do gás de xisto, na medida em que permite a liberação do gás das rochas e sua migração até os poços. (BICO, 2014)

Pereira (2016) indica que, primeiramente, procede-se com a perfuração vertical do poço até a profundidade em que se encontra a rocha-mãe, momento em que a perfuração se torna horizontal, para aumentar o contato com a superfície do solo. A partir daí é promovido o fraturamento hidráulico, que consiste na injeção de líquido sob alta pressão nas perfurações para que a rocha sofra fraturas.

Apesar de existir controvérsias a respeito da composição do líquido utilizado nesse processo, em razão de sigilo industrial, sabe-se que, no mínimo, onze compostos estão presentes para um correto fraturamento, além da água: a) agentes de gelificação, para aumento da viscosidade da mistura; b) redutores de atrito; c) crosslinkers, para aumento da elasticidade; d) inibidores de quebra; e) ajustadores de pH; f) biocidas, para controle bacteriano; g) inibidores de corrosão; h) inibidores de incrustação; i) controladores de ferro; j) estabilizadores de argila; k) surfactantes, para reduzir a tensão superficial da água. (PEREIRA, 2016)

Ademais, também é adicionada areia na mistura, de forma que, quando promovido fraturamento na rocha, os grãos se alocam nas fendas, mantendo-as abertas para escape do gás. É o que se confirma:

A água exerce, portanto, a pressão para iniciar as fraturas, ao mesmo tempo que transporta os grãos de areia para o interior dessas fissuras à medida que elas aumentam. Neste sentido, quando a pressão do fluido é aliviada, os grãos de areia mantêm as fissuras abertas. Estes grãos devem ser bem selecionados a fim de criar uma zona de alta permeabilidade na fratura. (BICO, 2014)

Esse processo é monitorado em tempo real, o que garante o controle das operações, seja pela medição das variações de pressão no interior das perfurações, seja por aparelhos ultrassom ou por outras tecnologias, como sondagem do solo e amostragem de águas subterrâneas (método questionável, tendo em vista que teria como fim tão somente a constatação de uma contaminação já ocorrida). (DAVIES et al, 2014)

O processo de fraturamento pode durar, em geral, até cinco dias. O fato é que a instalação completa de uma base para exploração de gás de xisto demora em torno de dez semanas – período curto quando se considera a vida produtiva de um poço, que pode chegar a quarenta anos. (BICO, 2014) Esse, note-se, é um dos fatores que leva a China, um gigante em ascensão, a investir na exploração de Gás de Xisto como uma alternativa promissora para independência e fortalecimento energético – o que se pretende abordar na próxima seção.

2. Panoramas nacionais e internacionais da China desenvolvimentista

A China é um país de dimensões continentais, tanto no que diz respeito ao espaço físico, quanto à densidade demográfica e, apesar do crescimento econômico acima da curva global, considerável parcela de sua população encontra-se em situação de pobreza – o que reforça o paradoxo entre crescimento e desenvolvimento apontado por Eli da Veiga (2009). É justamente esse crescimento econômico ascendente que faz da China o principal emissor de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre. Referido status se justifica por ser o maior consumidor de carvão do globo, de forma que, até 2030, deve ser responsável pelo dobro da quantidade total de CO2 produzido pelos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (HUNG, 2012).

Nesse contexto, o “Império Chinês” coloca em dúvida o preço de uma política nacional que só se vinculou efetivamente – reconhecendo metas a serem alcançadas para redução de gases de efeito estufa – após ascender economicamente e estabilizar-se como uma das maiores potências do mundo, competindo regionalmente com a Índia e globalmente com os Estados Unidos da América. Isto é, pela conduta das comitivas nas Organizações e Convenções Internacionais, a China assumiu, em um primeiro momento, os paradigmas da sustentabilidade como inviabilizadores do crescimento econômico – conforme leciona Sachs (2002), ao discorrer a respeito dos impasses na Convenção de Estocolmo.

Não obstante, considerando-se as caracterizações interativas da dinâmica ecológica global, a China se viu – sobretudo nos primeiros anos após década de 90 – afetada pelas mazelas climáticas. Seja pelo derretimento das geleiras no Tibete, aumento de secas, chuva ácida, tempestades mais frequentes, inundações e perda de produção agrícola em até 10% (HUNG, 2012), o compromisso ambiental chinês se consolidou pela própria influência das inconsequências ambientais. Isto é, as afirmações de Liu Jiang apud Bjorkum (2005), no sentido de que “é impossível para o governo chinês comprometer-se a qualquer obrigação de redução de gás de efeito estufa antes que a China alcance os níveis de um país medianamente desenvolvido”, criou condições limitadoras do próprio crescimento – além das limitações de desenvolvimento, sobretudo no que tange à dimensão social, com dificuldades para implementação e efetivação de direitos humanos em território chinês.

Moreira e Ribeiro (2016) dissertam que o Partido Comunista na China expressa suas metas de desenvolvimento a partir de uma perspectiva majoritariamente econômica, com secundarização das pautas ambientais que – em geral – são estipuladas pelo Grupo de coordenação nacional para estratégias de mudanças climáticas. Assim, apesar de reconhecer o desenvolvimento sustentável como meta desejável, a organização política nacional do país negligencia uma perspectiva tridimensional da sustentabilidade – ignorando a medida do equilíbrio ecológico como viabilizador do desenvolvimento social e econômico.

Em meio a referidas contradições, a China se coloca no debate ambiental internacional como reconhecedora do princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada. Todavia, se recusa a protagonizar de imediato uma significativa redução de emissão de gases de efeito estufa sob o argumento de se tratar de um país ainda em desenvolvimento (o que, em termos interpretativos, é compreensível – sobretudo se considerarmos que a população chinesa ainda não atingiu os mesmos níveis de desenvolvimento humano de outras potências mundiais). (MOREIRA, RIBEIRO, 2016)

Todavia, ao reconhecer a necessidade de uma guinada na tratativa ambiental, a China tem optado por vias internas para adaptação às exigências internacionais – e o faz estrategicamente, como forma de reforçar seu posicionamento no globo como uma potência pacífica. Nesse sentido, em 2014 a China se comprometeu a atingir o pico de suas emissões de gás carbônico até 2030 – o que demandou a criação de um plano de ação estratégico para desenvolvimento energético, com metas de utilização de fontes renováveis e aumento de oferta de gás natural que, até 2020 deve representar mais de 10% da demanda energética. (GUO et al, 2016)

Não obstante, considerando que os recursos convencionais não são abundantes em território chinês e que, em 2014, 32% do gás consumido na China foi fornecido por importações (GUO et al, 2016), o país tem acompanhando a tendência da revolução do xisto dos Estados Unidos da América. Assim, levando em consideração que o gás natural alcança com superioridade o carvão nos requisitos de eficiência e menor emissão de gases de efeito estufa, a China tem se mostrado incansável na exploração de recursos não convencionais – o que, conforme demonstrará a pesquisa, pode representar um importante passo na consolidação do paradigma do desenvolvimento sustentável ou reforçar a insustentabilidade de uma sustentabilidade que, por seus potenciais impactos socioambientais, mais que não contribuir para a efetivação dos direitos humanos, viola-os.

3. Perspectivas e desafios da exploração de gás de xisto na China

As perspectivas de configuração do cenário internacional do século XXI apontam a China como uma das principais responsáveis pela transformação econômica mundial, ao lado da Índia, Rússia e Brasil. Dessa forma, apesar de níveis de renda per capita e desenvolvimento humano baixos, a tendência é que a China se consolide no globo como uma das – se não a maior – potência econômica. Auxiliando referido processo, destaca-se a adoção de um modelo de ascensão pacífica, com “internalização de capital e tecnologia forâneos” (CUNHA, 2008) e acumulação de capital.

Não obstante, conforme leciona Ribeiro (2013), a China não é autossuficiente no que diz respeito aos bens primários, de forma que necessita de importações de alimentos, recursos minerais e energéticos, o que a coloca em uma posição desfavorável – sobretudo se compararmos com as realidades de crescimento industrial dos Estados Unidos da América e URSS no século XX.

A perspectiva internacional de enfraquecimento da Rússia, todavia, contribui para que a China trilhe os caminhos de estabelecimento de independência energética, na medida em que a expansão desenvolvimentista ao Norte se torna mais segura. Nesse sentido, o país tende a se tornar um “Império do meio”

Ou seja, rodeado de estados militarmente mais fracos que não a ameacem, que aceitem integrar as suas infraestruturas de transporte e energia em completa consonância com as necessidades da economia chinesa e com os imperativos da unidade geoeconômica da China e se disponham a financiar, a prazo, a economia chinesa adquirindo a sua dívida pública, em contrapartida do acesso garantido ao seu gigantesco mercado interno. (RIBEIRO, 2013)

A partir desse ponto, torna-se viável à China a aventura de fontes não convencionais de energia, na medida em que pretende se blindar de uma possível crise do petróleo ocasionada pela desestabilização no Oriente Médio e na medida em que seu posicionamento político-econômico na Ásia permite o avanço da tecnologia energética ao Norte, Oeste e Leste – como alternativa às bacias energéticas do mar ao Sul. Ademais, a própria condição geológica da China se coloca como condicionante e facilitadora da expansão para novas alternativas energéticas, se tratando do país com a principal reserva de shale gas do mundo – seguido pelos Estados Unidos da América, Argentina e México. (LAGE et al, 2013) Ou seja, a China, mais que o animus para consolidar e ampliar sua independência tecnológica, goza de condições naturais que permitem a empreitada.

Nesse sentido, em 2009 a PetroChina e a Sinopec iniciaram a exploração de Xisto em território chinês, com a perfuração do primeiro grande poço em 2010 – no sul de Sichuan – obtendo produção diária de 15x104m³, o que colocou a China em destaque na produção comercial do recurso. Essa realidade só se intensificou com o relatório da Sinopec que comprovou a existência de reservas de gás que somavam mais de 600 bilhões de m³ - com estimativa de produção anual equivalente a 6,04 bilhões de m³. (MA, 2018)

Em Chuannan, a PetroChina tratou de construir áreas comerciais de desenvolvimento energético alternativo (com dados que estimam uma área explorável de 300 bilhões de m³ e produção anual de 3 bilhões de m³ só em 2017). Seguindo a mesma tendência, o Yanchang Petroleum Group promoveu a perfuração de poços continentais em Chang, enquanto a China Geological Survey expandiu ao Norte – onde foram descobertas grandes reservas, cuja exploração já se dá em conjunto à China Huaneng, China Huadian e Shenhua. Somando tais dados, estima-se que as reservas de gás de xisto na China ultrapassem 1 trilhão de m³, com produção anual recente em torno de 9 bilhões de m³ (um grande crescimento, se considerar-se que em 2012 a produção anual não ultrapassava os 25 milhões de m³). (MA, 2018)

Dado crescimento pode ser explicado, para além da graça geográfica, em razão do investimento chinês na área tecnológica – que, para Veiga (2009), é a base fundamental da empreitada sustentável – com considerável amadurecimento de técnicas de perfuração horizontal, fraturamento e bombeamento – o que tem encurtado o ciclo de exploração em 30% (trinta por cento). Referido avanço técnico tem consagrado a China mundialmente, tendo recebido o prêmio de pioneirismo internacional pela Quinta Cúpula Mundial de Petróleo e Gás e o prêmio por progresso científico e tecnológico pelo projeto de Exploração de alta eficiência e desenvolvimento de grandes campos de gás de xisto”. (MA, 2018)

Bico (2014) disserta que o plano de exploração de gás de xisto inclui o incentivo de parcerias de empresas chinesas com empresas de status mundial, como tática para troca de experiências e tecnologias – sobretudo no que diz respeito a empresas estadunidenses que participaram na revolução do xisto. Essa, note-se, é uma experiência que Sachs (2002) aponta como o cerne para integração Norte-Sul, elemento indispensável para a construção de um desenvolvimento mais racional e sustentável em níveis globais. Ademais, o próprio Ministério dos Recursos da China tratou de providenciar incentivos e facilitadores para empresas interessadas em licenças de exploração no território chinês, de forma que investir na exploração de fontes não convencionais é relativamente simples. Nesse sentido a PetroChina celebrou parcerias junto à Shell Oil, com produção de 2.000 m³ de gás por dia. (BICO, 2014)

A China, inclusive, tem sido a grande aposta da Royal Dutch Shell, que acredita em um movimento de expansão das energias alternativas similar ao que foi notado nos Estados Unidos da América. Tamanho o investimento que, entre 2009 e 2014, a empresa chegou a investir o equivalente a 1 bilhão de dólares em pesquisa e exploração – valor que terá retorno em uma possível revolução do xisto.

Impera dizer ainda que a China tem se empenhado no desenvolvimento de técnicas mais limpas para extração do gás, sobretudo pela utilização cíclica de líquidos. Não obstante, as incertezas científicas e técnicas a respeito dos impactos ambientais da exploração de gás de xisto instigam pesquisadores a verificarem o avanço da atividade como um desastre nacional e um paradoxo irremediável – ao mesmo tempo em que a substituição gradual do carvão por gás se apresenta como uma alternativa do plano de ação estratégico para o desenvolvimento energético da China, coloca em risco a estabilidade ambiental e, por consequência a efetivação do extenso rol de Direitos Humanos consolidados internacionalmente.

Isso porque, conforme lecionam Guo et al (2016), a China é um país que sofre com escassez e qualidade de água, podendo a atividade de extração de gás não convencional acentuar tais entraves – seja pela quantidade de água utilizada para o fracking, pelo risco de contaminação de águas superficiais e subterrâneas ou pela propensão de deslocamento de lençóis freáticos. Referida preocupação se justifica nas constatações de que quase 700 cidades chinesas sofrem com falta d’água e que cerca de 50% dos rios estão poluídos, causando diversas crises de abastecimento que afetam até 300 milhões de pessoas que residem nas áreas rurais. (GUO et al, 2016)

Yang et al (2015) dissertam ainda que, para além das potenciais contaminações dos recursos hídricos, a expansão revolucionária da exploração de gás de xisto pode resultar em outras consequências que merecem ser lembradas – no próprio campo ambiental e econômico. Em primeiro lugar, a demanda de água para o processamento do fraturamento hidráulico pode gerar um mal-estar com os setores industriais e agrícolas, que encontram suas limitações na escassez de água potável em território chinês. O segundo ponto diz respeito à questão da bacia de Sichuan, onde se encontram as maiores reservas de gás não convencional, e também uma significativa zona de falha tectônica que pode ser instigada pela técnica de fracking (usualmente associada ao aumento de abalos sísmicos nos Estados Unidos da América).

As mazelas supracitadas adquirem maior significância se considerarmos que a densidade populacional é alta nas áreas de exploração de gás de xisto, sobretudo na bacia de Sichuan. Assim, a percepção dos impactos ambientais tem movimentado a população chinesa que, desagradada com as questões de segurança ambiental e sossego particular tem se mobilizado para bloquear estradas e impedir o trânsito de veículos entre as bases de exploração – o fraturamento hidráulico na província de Yunnan e Guizhou foi adiado por três meses em razão de bloqueios de vias por civis, por exemplo. (DONG et al, 2016)

Note-se, esta é uma movimentação legítima, tanto nas perspectivas liberais quanto sociais. Ora, em Locke o Estado surge como resultado de contrato social para resolução de inconvenientes da propriedade (seja vida, liberdade ou bens materiais). Trata-se de um pacto de consentimento em que os homens concordam livremente em uma sociedade civil para preservar ainda mais direitos que possuem no estado de natureza. Da mesma forma, em Marx as guinadas da máquina estatal para interesses comuns representa mais que um direito, mas a possibilidade da emancipação universal, que inclui tanto a emancipação social quanto política. (WEFFORT, 2001)            

Nesse contexto, importa invocar as possibilidades de aplicação do princípio da precaução pelo Estado chinês, como via de estabelecer equilíbrio na empreitada do gás de xisto. Todavia, com fins de rompimento com as percepções utópicas do referido princípio, acompanha a pesquisa o entendimento que “as restrições a atividades e tecnologias fundamentadas no princípio da precaução devem ser periodicamente avaliadas. A análise dos riscos ao meio ambiente não deve conduzir a uma decisão imutável e definitiva.” (THOMÉ; DIZ, 2018) Isto é, optando a China por avaliar as incertezas científicas a respeito da atividade como determinantes na suspensão das operações – com fins de priorizar direitos de ordem humana individual e social – não deve fazer de maneira absoluta. Ao contrário, é justamente a maleabilidade das condutas na seara técnica que permitirão a evolução de métodos mais seguros para extração de gás de xisto com resultado na sincronia inquestionável entre as possibilidades de conjugar eficiência energética, redução de gases de efeito estufa e resguardo do meio ambiente equilibrado que, neste ponto, já se aclara como direito humano.

Não obstante, pouco vale o socorro principiológico para mitigar os entraves entre crescimento e preservação de direitos se os posicionamentos do país não forem alinhados na esfera jurídica. É que as posturas da China nos cenários nacional e internacional criam paradoxos inconciliáveis, quais sejam: a) o comprometimento com a redução da emissão de gases de efeito estufa como medida para assegurar um ambiente internacionalmente mais equilibrado, mas a desproporcionalidade de cuidado e preservação do ambiente nacional; b) o estabelecimento de metas para desenvolvimento do povo chinês, mas a exposição dos civis aos riscos de uma atividade anunciada por uns como de significativo impacto ambiental; c) a incoerência de desenvolvimento de atividade potencialmente degradadora sem a existência de legislação regulamentadora; d) a participação em tratados de garantia de direitos de ordem humana, mas a fragilização de direitos fundamentais a partir de situações que colocam em risco a vida e a dignidade em nome do progresso econômico.

Assim, dois são os pontos que nos levam a uma problemática maior na questão do gás de xisto na China. O primeiro, o não reconhecimento prático do meio ambiente equilibrado como direito humano; o segundo, a dissociação da sustentabilidade como um paradigma de múltiplas dimensões, que extrapola a seara econômica e demanda mais que satisfação do princípio de eficiência energética. Assim, a construção de um desenvolvimento sustentável na China, a partir da aposta no gás de xisto, consolida uma sustentabilidade que é insustentável em si mesma por vício de gênese, conforme verificar-se-á.

4. Meio ambiente como Direito Humano e as insustentabilidades da sustentabilidade

A constatação do meio ambiente equilibrado enquanto direito humano, apesar de anteriores ensaios na ordem política internacional, consolidou seu marco oficial com a Convenção de Estocolmo, do ano de 1972. Antecedida e influenciada pelo relatório intitulado “Os limites do crescimento”, colocou-se em pauta a discussão a respeito de um novo posicionamento político e econômico na tratativa ecológica. Surge, portanto, um embate entre países desenvolvidos e em desenvolvimento que defendiam a redução da utilização dos recursos naturais e a utilização desses recursos para resolução de entraves socioeconômicos. O que se conclui, portanto, é que o debate colocado em pauta na Conferência de Estocolmo versava, a fundo, mais sobre o direito ao desenvolvimento que sobre a preservação do meio ambiente por uma perspectiva fenomenológica – que, a seguir, orientará as conclusões que pretende a pesquisa.

Fato é que a internacionalização da percepção do meio ambiente como Direito Humano, na medida em que é condição da própria vida, garantiu também a incorporação de uma ideia ecológica nos constitucionalismos – conforme defende Vladimir Passos de Freitas (2000). Ademais, rompem-se as barreiras conceituais do ambiental como natureza, em uma expansão que transfigura o meio ambiente em tudo o que há e é – o que, por sua problemática conceitual, demanda a restrição de entendimento a um “conjunto de recursos naturais e suas relações com o homem.” (BULZICO, GOMES, 2010)

A partir desse momento, se reconhece a possibilidade de realização de direitos de ordem humana tão somente em um cenário cujo ambiente se garante estabilizado. Não obstante, a perspectiva supra se vicia ao render-se aos interesses do mercado e, sobretudo, por parear-se a) a uma visão utilitarista ambiental que nos leva a b) preterir os aspectos social e ecológico e prol do econômico.

Ora, com a instituição de um paradigma de “desenvolvimento sustentável”, a capacidade técnica de otimização da utilização dos recursos viabiliza também a criação de tecnologias de facilitação de estoque energético – que se integra à dinâmica de “coisificação” dos bens ecológicos, ou recursos ambientais. A institucionalização do meio ambiente como direito humano ocorre, portanto, de maneira agradável ao capitalismo na lógica da garantia da vida do consumidor, garantia dos quadros para exploração energética e garantia de um consumo que, por ser mais sustentável, também mais viável e atrativo. A racionalização da sustentabilidade atrelada aos direitos humanos nos leva à conclusão da desvirtualização dos conceitos em sua gênese.

Essa constatação, impera dizer, carrega em seus sentidos as experiências cartesianas de interpretação do meio. Isso porque, sendo res cogitans, ou o sujeito pensante, legítimo ao homem apropriar-se dos bens para seu próprio proveito (aqui, o homem toma para si o meio ambiente como res extensae, ou meio para efetivar seus Direitos – os humanos). O homem, na perspectiva cartesiana é, portanto, o dono da natureza – podendo converte-la em energia e legislar a seu respeito e em nome de seus próprios interesses. O homem não está na natureza, mas a possui. (DESCARTES, 1952)

As perspectivas do meio ambiente como direito humano não integram os entes, mas separa-os: o meio ambiente para os humanos, como medida e forma de efetivação de direitos que importam aos humanos. Não há a preocupação de integrar-se o homem como elemento constitutivo do ambiente, mas tão somente sua colocação no meio.

A construção de um paradigma de sustentabilidade ignora, em medida decisiva, o entendimento heideggeriano de um homem que ultrapassa o antagonismo ambiental, isto é, um humano que é o que é ao existir e não que se faz sujeito para posteriormente integrar-se ao meio: o “ser-já-sempre-aí”. (HEIDEGGER, 1975) O mundo se trata, nessa perspectiva, da própria essência de constituição do ente homem, um retrato não-ôntico. Assim, sendo o meio porção que constitui homem, a visão de Heidegger viabiliza o rompimento com o sujeito cartesiano – que domina o meio e, portanto, garante-o para seus próprios direitos.

A questão é, se os princípios de dignidade humana se relacionam à ideia de um homem que é imagem e semelhança de uma criatura divina – portanto, digna – é a ideia de um homem que é também meio, e não só sujeito em um meio, que possibilita a criação de um paradigma de sustentabilidade suficiente para contornar a questão do consumo: uma dissociação entre crescimento e desenvolvimento, que para Veiga (2009) é essencial.

Não obstante, pretendendo romper com a lógica maniqueísta que, na medida das comparações, se insinua, importante dizer que é a perspectiva cartesiana - ao dissociar homem e meio ambiente - que viabiliza práticas desenvolvimentistas mais acentuadas, sem as quais impossível à China o status, porte tecnológico e econômico que hoje consolida. Tão somente pelo rompimento do homem (como ser pensante) da natureza, poder-se-ia pensar nos avanços - se assim forem entendidos - do ser humano no globo. O homem realiza-se, nesse ponto, pelo anseio do Tânatos: Pulsão irresistível a este humano, que deposita e realiza suas vontades no Estado (FREUD, 2008).

O paradoxo entre as perversões utilitaristas e as viabilidades de desenvolvimento e solidificação dos padrões mínimos de vida pela apropriação dos bens ambientais - sobretudo energia - permite à pesquisa questionar também os paradoxos existentes na questão levantada anteriormente, a respeito da exploração de gás de xisto na China.

Ora, na perspectiva de Simioni (2011), os princípios da descentralização e transnacionalização da produção energética, o acesso universal à rede de distribuição de energia, a liberdade energética e a independência e eficiência são medidas de concretização da dignidade humana. Isso porque, a facilitação do acesso à energia garante aos povos, em determinado aspecto, condições favoráveis para efetivação de seus direitos.

Por outro lado, a intensificação dos investimentos para utilização do gás de xisto - no que se pretende ser uma revolução chinesa - ao ignorar as mazelas socioambientais que daí advém, torna o argumento da sustentabilidade insustentável. Isso porque, ao desconsiderar que a emancipação energética chinesa por estas vias ameaça a perspectiva dos direitos humanos, sucumbe por si só a totalidade do paradigma da sustentabilidade. É o que possibilita concluir o pensamento de João Batista Moreira Pinto (2014), ao dizer que os direitos humanos devem ser tratados como projeto de sociedade e, portanto, constituem pauta indissociável da sustentabilidade - sem os quais não há o paradigma.

Não interessa sobrepor – de maneira absoluta – os interesses econômicos em detrimento dos interesses sociais e ambientais. Há meios para contornar as mazelas que se apresentam - tanto no que diz respeito aos problemas da exploração de gás, quanto às insustentabilidades de um comportamento sustentável universal em um país com índices de crescimento como a China. Os paradoxos de desenvolvimento, crescimento e sustentabilidade são sólidos e impossíveis de uma resolução satisfatória - ao menos no nível de percepção socioambiental que se alcançou até o século XXI. Todavia, as perspectivas de orientação das condutas individuais e institucionais devem partir da racionalização da possibilidade de mitigar entraves mais graves e garantir direitos que, naquele momento, exercem maior peso à sociedade.

Assim, a problematização das questões de conflitos de princípios e direitos - sobretudo no que diz respeito à sustentabilidade, que é condição da própria vida e dignidade - deve ser permanente, acompanhar o desenvolvimento das sociedades e refletir os cenários reais e subjetivos dos Estados e nações. Dessa maneira, há viabilização de uma sustentabilidade que, apesar de insustentável, é parcialmente realizável (na medida da garantia de alguns direitos sob as custas de outros). Ou seja, há de manter-se a estabilidade das noções de integração e preservação ambiental, mas há também de se romper com uma noção da sustentabilidade estática, que não acompanha as demandas socioeconômicas e que ignora a sua própria insustentabilidade em um mundo contemporâneo fundado sobre uma lógica econômica predatória: uma sustentabilidade viciada na concepção de seus próprios sentidos.

Isso porque os elos entre desenvolvimento e sustentabilidade são contraditórios e equivocados – se consideradas as perspectivas invocadas. Se por um lado tem-se o desenvolvimento que se baseia em uma dinâmica antropocêntrica e na acumulação privada, por outro tem-se a sustentabilidade, com uma proposta circular e includente, que valoriza a cooperação universal. Assim, tratam-se de “lógicas que se auto negam: uma privilegia o indivíduo, a outra o coletivo, uma enfatiza a competição, a outra a cooperação, uma a evolução do mais apto, a outra a coevolução de todos interconectados.” (BOFF, 2012) Acerca da questão, o autor afirma que

A expressão desenvolvimento sustentável representa uma armadilha do sistema imperante: assume os termos da ecologia (sustentabilidade) para esvaziá-los. Assume o ideal da economia (crescimento) mascarando a pobreza que ele mesmo produz (…) o modelo padrão de desenvolvimento que se quer sustentável é retórico. Aqui e acolá se verificam avanços na produção de baixo carbono, na utilização de energias alternativas (…), mas reparemos bem: tudo é realizado desde que não se afetem os lucros, nem se enfraqueça a competição. (BOFF, 2012)

Os caminhos estratégicos da política mundial são traçados em uma perspectiva imediatista de ajuste das realidades econômicas, e não na construção de uma tomada de consciência a longo prazo. Os Estados são levados a ajustes comerciais e financeiros que implicam – sobretudo no que diz respeito aos países em desenvolvimento – na exportação de produtos “altamente intensivos em recursos naturais” e na adoção de medidas que se resumem na exploração desses mesmos recursos. (MOTA, 2001)

Nesse sentido, podemos identificar uma incompatibilidade entre os ajustes advindos da globalização com a sustentabilidade a longo prazo. Ao contrário, é possível perceber o aumento do uso intensivo dos recursos naturais e da deterioração ambiental nos países (…) a partir das orientações de política macroeconômica do Fundo Monetário Internacional (FMI), da Organização Mundial do Comércio (OMC) e dos países do G-7, tornando os novos estilos de desenvolvimento (…) incompatíveis com o conceito de desenvolvimento sustentável. (MOTA, 2001)

Sachs (2002) aponta que a dinâmica dos mercados é incompatível com o “jogo da sustentabilidade”, tendo em vista que não são propostos padrões de produção e consumo baseados na ética e moral ecológica. “Os mercados são por demais míopes para transcender os curtos prazos (Deepak Nayyar) e cegos para quaisquer considerações que não sejam lucros e a eficiência smithiana de alocação de recursos.” (SACHS, 2002)

Na China, referidos paradoxos são intensificados na medida em que o Estado rompe com a ideia de desenvolvimento como bem-estar social – cuja base é o princípio da solidariedade (MOTA, 2001) – e reafirma o desenvolvimento como progresso. Isto é, o desenvolvimento se dá a partir da produção material, o que reforça a exploração dos recursos da natureza e demanda a divisão do trabalho e a intensificação das trocas cambiais. (SMITH, 2017)

Dessa forma, as buscas da China por meios de viabilizar a expansão econômica tornam frágeis as alianças entre desenvolvimento e sustentabilidade. Nesse contexto, Veiga (2009) suscita que a questão do desenvolvimento sustentável deve transcender o debate sobre um futuro não capitalista, que contrapõe “capitalismo e socialismo como polos opostos”, vez que “a importância real desse debate se restringe aos entraves ideológicos da guerra fria.” (HOBSBAWM, 1995)

Sachs trata de superar essa discussão ao explanar que

A crítica ao crescimento selvagem e a análise de seus custos sociais e ambientais estimularam uma extensa literatura e a formulação de importantes conceitos, como throughput e perverse growth (crescimento perverso), como também reinterpretações do conceito marxista de faux frais (falsos custos) ou na concepção de George Bataille apart maudite (lado maldito), (rendimento desperdiçado e riqueza estéril). Mesmo aqueles dentre nós que consideram que o crescimento, devidamente reformulado em relação a modalidades e usos, é condição necessária para o desenvolvimento, aprenderam a distinguir entre os padrões de aproveitamento de recursos e o crescimento que leva ao verdadeiro desenvolvimento, ao contrário daqueles que sustentam o mau desenvolvimento ou até mesmo, em casos extremos, o retrocesso (ou involução). (SACHS, 2002)

O que deve ser pretendido na China e no mundo é o resgate de uma economia política, baseada em um planejamento versátil e adaptável às demandas ambientais e sociais. “É necessária uma combinação viável entre economia e ecologia, pois as ciências naturais podem descrever o que é preciso para um mundo sustentável, mas compete às ciências sociais a articulação das estratégias de transição rumo a este caminho.” (SACHS, 2002) Tratar-se da necessária inauguração e efetivação do conceito de eco-sócio-economia.

Até que essa realidade seja viabilizada, o que se pode dizer acerca da empreitada do gás de xisto na China é que existem duas perspectivas que, apesar de distintas, não se anulam: a) a exploração de gás não convencional no território chinês, sobretudo na bacia de Sishuan, é uma medida de importância ecológica, na medida em que resulta na substituição da utilização de outros recursos minerais com maior potencial de impacto, sobretudo no que diz respeito à poluição atmosférica. Isto é, a utilização de uma fonte energética capaz de mitigar parcialmente o entrave da emissão de gases de efeito estufa aponta para uma sustentabilidade que, apesar de suas limitações, contribui para um novo modelo político-econômico; b) a exploração de gás de xisto na China não pode ser visualizada como uma opção sustentável a longo prazo, na medida em que vicia o sistema energético do país na lógica do “menos pior”, em um contexto tecnológico que já permite a discussão da viabilidade de fontes quase absolutamente limpas – ou seja, o caminho do xisto contribui para uma sustentabilidade média – em que se nota uma substituição parcial entre os tipos de capital natural.

Assim, fica viabilizada a conclusão de que a exploração e utilização de gás de xisto na China não representa a insustentabilidade de um caminho sustentável, mas se trata de uma medida insuficiente para os conceitos utópicos e sentidos completos – e necessários – do desenvolvimento sustentável. A construção de uma cultura chinesa por gás não convencional não representa avanço absoluto para o amplo equilíbrio do tripé da sustentabilidade, mas não se configura como um projeto involutivo. Isto é, trata-se de opção interessante para mitigar problemas urgentes a curto prazo, mas deve ser substituída por alternativas renováveis e limpas – se a meta da política internacional e intergeracional chinesa for a adoção de uma sustentabilidade forte e do desenvolvimento como bem-estar universal.

Conclusão

Não restam dúvidas de que o mundo se aproxima de uma crise energética, seja pela possibilidade de esgotamento de recursos de ordem não renovável, ou pela tragédia climática anunciada pela utilização massiva desses recursos fósseis de alta emissão de gases de efeito estufa. Seja pela eminência de uma crise do petróleo ocasionada pelas situações políticas no Oriente Médio e Venezuela, seja pelo compromisso internacional de colaboração para não agravamento do aquecimento global pela queima de óleos e carvão, os países do globo têm investido na exploração e utilização de recursos não convencionais, como é o caso da China – que vive a iminência de uma guinada energética.

Fato é que o gás de xisto se apresenta como alternativa aos combustíveis fósseis mais tradicionais, sobretudo pela eficiência, pela baixa emissão de gases de efeito estufa e, por coincidência geológica, localização das maiores bacias em países estratégicos, como Estados Unidos da América e China. Não obstante, a questão do gás de xisto é cercada de incertezas científicas e não se sabe ao certo os potenciais impactos ambientais que podem ser gerados a longo prazo – sobretudo no que diz respeito a utilização de grandes volumes de água, poluição hídrica e abalos sísmicos.

Assim, ao investirem na exploração do recurso não convencional com vistas à construção de um desenvolvimento sustentável, países como a China assumem o risco de consolidarem uma sustentabilidade insustentável em si mesma, na medida em que praticamente não há pareamento de discussões jurídicas nacionais e internacionais ou aplicação principiológica prática, no que diz respeito à precaução e prevenção.

A pesquisa justifica as fragilidades da sustentabilidade da exploração de gás de xisto pela adoção de uma lógica cartesiana no desenvolvimento energético, que ignora a noção fenomenológica do meio ambiente como elemento constituinte da entidade ser humano.

Não obstante, a pesquisa não se furta à reflexão da indispensabilidade do desenvolvimento energético – sobretudo na China, que se apresenta como a promessa de maior potência – como condição do próprio alcance de dignidade. Dessa forma, constrói-se um paradoxo: o mesmo crescimento que condiciona propostas de vida mais atrativas ao homem, também ameaça a efetivação de direitos, sobretudo os direitos humanos.

Essa perspectiva possibilita a conclusão de que a sustentabilidade a ser construída na China não deve se reduzir ao protecionismo ou ao utilitarismo, mas deve estar em contínua modelagem, acompanhando as demandas socioeconômicas e preservando a melhor medida de direitos, o que há de se fazer de forma subjetiva, em um contexto democrático. A sustentabilidade, portanto, se delineia como paradigma eivado de contradições, mas conciliável com o momento histórico e com as condições chinesas – e do mundo.

Nesse sentido, o que se verifica na China não é uma sustentabilidade insustentável, mas uma sustentabilidade contraditória em seus próprios sentidos, na medida em que os conceitos práticos de desenvolvimento e sustentabilidade se contrapõe e contribuem para um paradigma fraco que, dado a finitude dos recursos, necessitará ser repensado e reforçado a longo prazo.

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Recebido em: 19 jan. 2019.

Aceito em: 8 maio 2019.