Doutor em Direito - ênfase em Direito do Estado - pela UNISINOS, com período de pesquisa na Universidade de Coimbra - Mestre em Direito Público. Advogado Tributarista, com especialização em Direito Empresarial, Professor de Direito Tributário na UNISINOS, São Leopoldo/RS, e em cursos de pós-graduação (especialização) em Direito Tributário noutras instituições. Professor no Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado - da UNISINOS. Sócio/Consultor jurídico-fiscal Buffon & Furlan Advogados Associados. Membro do Conselho Técnico de Assuntos Tributários, Legais e Financeiros da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul - FIERGS.
Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação
em Direito da Unisinos, com bolsa de financiamento Capes. Possui Especialização
em Direito do Estado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público/RS.
Graduada no curso de Direito pela Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). Foi bolsista
de Iniciação Científica, Monitora e Bolsista de Desenvolvimento Tecnológico
Industrial pelo CNPq, na Unisinos. Advogada inscrita na OAB/RS.
RESUMO: O artigo tem como objetivo principal analisar o dever fundamental de pagar tributos no Estado Democrático de Direito a partir da Constituição Federal brasileira de 1988. A partir disso, rumar-se-á ao enfrentamento da seguinte questão: De que forma a tributação pode contribuir para a (re)construção de uma sociedade solidária no atual Estado Democrático de Direito, notadamente, quanto ao resgate do dever fundamental de pagar tributos? O trabalho se desenvolve com pesquisa bibliográfica, especificamente, com consulta doutrinária sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: Estado
Democrático; Tributação; Dever fundamental.
ABSTRACT: This article aims to analyze the fundamental
duty to pay taxes in the democratic rule of law from the Brazilian Federal
Constitution of 1988. From this, it will be head to face the question: How does
taxation can contribute for (re)building a harmonious society in the current
democratic rule of law, notably concerning the recovery of the fundamental duty
to pay taxes? The work develops with literature, specifically with doctrinal
consultation on the subject.
KEYWORDS: Democratic State; Taxation; Fundamental duty.
O artigo busca
analisar o dever fundamental de pagar tributos no atual Estado Democrático de
Direito, resgatando os vínculos de solidariedade, indispensável para a
estruturação de uma sociedade justa.
Sendo assim, o
problema que se propõe é: de que forma a tributação pode contribuir para a (re)construção de uma sociedade solidária no atual Estado
Democrático de Direito, notadamente, quanto ao resgate do dever fundamental de
pagar tributos?
Para isso, o
trabalho se desenvolve com pesquisa bibliográfica, especificamente, com
consulta doutrinária sobre o tema. Foram utilizadas obras nacionais e
estrangeiras.
Justifica-se o
artigo, tendo em vista que a tributação constitui meio de concretizar os
direitos fundamentais, uma vez que sem a devida contribuição financeira, não há
realização de políticas sociais. Eis a razão do dever fundamental de pagar
tributos, pois efetiva os vínculos de solidariedade entre os indivíduos numa
sociedade.
Primeiramente,
analisa-se o Estado de Direito e o Constitucionalismo, fazendo-se referência
aos períodos do Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático de Direito.
Após, num segundo momento, aborda-se a questão dos direitos e deveres na
construção de uma sociedade solidária. E, por final, se examina o dever
fundamental de pagar tributos como instrumento de concretização de direitos.
O Estado de
Direito surge a partir da segunda metade do século XIX, em suas mais variantes
formas europeias, como, por exemplo, o Rechtstaat,
na Alemanha, e o Rule of Law, na
Inglaterra, vinculado a uma necessidade de institucionalização jurídica, com o
objetivo de limitar o poder do Estado pelo Direito. Assim, no Estado de Direito
“o outrora poder ilimitado passa por uma limitação do exercício das suas
funções potestativas cujo objetivo é torná-lo compatível com os direitos
individuais de liberdade” (TEIXEIRA, 2011, p. 112-113).
Deve-se ter
presente a definição de Estado de Direito para Fioravanti (2001, p. 140), ao
constatar:
[…] en la cultura constitucional
del siglo XIX, que coincidiera la soberanía del Estado con la soberanía del
ordenamiento jurídico dado por ese mismo Estado, que con sus reglas anulaba la
soberanía política del monarca o del pueblo, transformándola en poderes
jurídicamente regulados, insertos en ese mismo ordenamiento. En pocas
palabras, esto es el Estado de Derecho.
Em decorrência
desta limitação do poder do Estado pelo Direito, que a Constituição surge com
fundamental importância, já que define as atuações do Estado, estabelece os
limites, as formações dos órgãos, e, notadamente, como se situam os
particulares, com seus direitos frente ao Estado. Por isso, “la
relación entre Estado y Constitución es tan estrecha que hace imposible la
existencia del Estado sin constitución, pero también de la constitución sin
Estado” (FIORAVANTI, 2001, p. 142).
Desse modo, o
Estado de Direito emerge como o Estado que se submete ao regime de direito, ou
seja, a atividade estatal desenvolver-se a parir da utilização de instrumento
regulado e autorizado pela ordem jurídica, e, os indivíduos, por sua vez, têm a
seu dispor mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de uma ação abusiva
do Estado (STRECK, 2014, p. 91-92).
Porém, este
Estado é mais que um Estado jurídico/legal, isto é, não basta que tenha
normatividade, já que ao Estado de Direito agregam-se conteúdos. Não está
limitado em uma concepção formal de uma ordem jurídica, sobretudo, é “um
conjunto de direitos fundamentais próprios de uma determinada tradição”
(STRECK, 2014, p. 92-93).
Nas palavras de Zagrebelsky, o Estado de Direito
indica um valor, isto é, “El valor es la eliminación de la arbitrariedad en el
ámbito de la actividad estatal que afecta a los ciudadanos” (2011, p. 21). Isto é, não bastava que existisse a lei, uma
vez que esta poderia ser utilizada sob influência do
domínio totalitário sobre a sociedade. Portanto, era preciso que a lei
garantisse os direitos dos cidadãos (ZAGREBELSKY,
2011, p. 23).
Assim, o Estado
de Direito se apresentará, primeiramente, como Estado Liberal de Direito, em um
segundo momento, como Estado Social de Direito e após, como Estado Democrático
de Direito. Cada um deles moldará o Direito conforme seu conteúdo, sem que
haja, contudo, uma ruptura entre eles.
A construção do
Estado Liberal de Direito parte da concepção da
sociedade com suas próprias exigências, e não da autoridade do Estado, a lei
passa a ser concebida como instrumento de garantia dos direitos dos cidadãos,
como forma de protegê-los das arbitrariedades da Administração (ZAGREBELSKY,
2011, p. 23).
Assim, o Estado
de Direito surge aliado ao conteúdo do liberalismo, com submissão da soberania
a lei, a divisão de poderes ou funções, e, em especial, a garantia dos direitos
individuais (STRECK, 2014, p. 95).
O ideário
liberal, portanto, nasce da necessidade de, além de estabelecer limites ao até
então ilimitado poder soberano exercido pelo monarca, também, possibilitar
respeito aos direitos dos cidadãos, que passam a ser constitucionalmente
inclusos e garantidos nas Cartas que se sucedem (TEIXEIRA, 2011. p. 112).
Assim, o sentido geral do Estado Liberal de Direito
consiste “en el condicionamiento de la autoridad de Estado a la libertad de la
sociedad, em el marco del equilibrio recíproco estabelecido por la ley”
(ZAGREBELSKY, 2011, p. 23).
O surgimento do
constitucionalismo, portanto, tem profunda ligação com a era das Revoluções,
notadamente, a Francesa e a Americana, que expressaram a luta dos cidadãos pelo
reconhecimento de seus direitos de liberdades individuais frente ao Estado
(BINENBOJM, 2004, p. 15-20).
Portanto, as Revoluções do pensamento liberal pretendiam enunciar um
mínimo irredutível do Direito, que evidenciasse verdades universais,
justificadas pela razão, porém não dispensava as declarações solenes, quando
deram início as Declarações de Direitos, da Virgínia, em 1776, e a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, na França, que marcaram o
reconhecimento dos direitos dos cidadãos (FERREIRA FILHO, 1999, p. 14-15).
Pode-se dizer
que, tanto na França, como na América do Norte, “visavam a estabelecer o ponto
de referência, o padrão, em função do qual todas as instituições e leis fossem
medidas quanto à sua justeza, todos os homens soubessem quais eram os seus
direitos e até onde iam” (FERREIRA FILHO, 1999, p. 15).
Já, o modelo
anglo-saxão do rule of law,
não tinha como objetivo estabelecer um limite ao poder do monarca como na
França, que já estava enfraquecido desde o Glorious
Revolution de 1688, mas sim restringir o poder soberano do parlamento, a
partir do Common Law, característico
do direito amparado nos princípios e costumes, restando a tutela dos direitos
dos cidadãos ao judiciário, com a finalidade de evitar arbitrariedades
(TEIXEIRA, 2011, p. 114).
Nesse sentido, as
constituições e declarações de direitos desse período representaram a
consagração de uma primeira geração de direitos individuais, como os direitos
de liberdade, propriedade, segurança, e o direito ao voto. Também, ligado a
estes reconhecimentos, e, sobremaneira, de ampla notoriedade, sobreveio a
tutela internacional dos direitos humanos (TEIXEIRA, 2011, p. 117).
É nesse momento
que “declara-se, então, que os homens nascem e permanecem livres e iguais em
direitos” (DALLARI, 2011. p. 150). Ou seja, as limitações que serão impostas
aos indivíduos advirão apenas da lei, que é a expressão da vontade geral de
todos os cidadãos.
Contudo, como o direito ao voto não era ainda um direito que competia à
grande parcela da população, o monopólio do poder legislativo permanecia com
quem detinha mais poder. Assim, Zagrebelsky
ressalta que “El proletariado y sus movimientos políticos eran mantenidos
alejados del Estado mediante la limitación del derecho de voto” (2011, p. 32),
e que “en este panorama, el monopolio-legislativo de uma clase social relativamente
homogénea determinaba por si mismo las condiciones de la unidad de la
legislación” (2011, p. 32).
Nesse contexto, a
Constituição surge como instrumento de garantia de direitos fundamentais, além
de constituir um Estado. Assim, “esta imprime no Estado a reta organização, a
qual deverá impedir o abuso, isto é, a violação pelos órgãos estatais dos
direitos do homem”. Além disso, “por outro lado, esta reta organização põe o
Estado a serviço da finalidade que o legitima, a defesa desses direitos na vida
social cotidiana” (FERREIRA FILHO, 1999, p. 19).
Destarte, o
processo em que se dará a institucionalização do constitucionalismo partirá da
restrição e limitação do poder dos que o detém. Assim sendo, Karl Loewenstein
(1979, p. 29) afirma que o constitucionalismo é:
Un acuerdo de la
comunidad sobre una serie de reglas fijas que obligan tanto a los detentadores
como a los destinatarios del poder, se ha mostrado como el mejor medio para
dominar y evitar el abuso del poder político por parte de sus detentadores. El
mecanismo de esas reglas que están, ya formuladas en un documento formal, la
constitución, ya profundamente enraizadas en las costumbres y conciencia
nacional […].
A Constituição
surgirá como “uma garantia dos direitos fundamentais do homem” (FERREIRA FILHO,
1999, p. 18). Ou seja, a Constituição garante esses direitos aos cidadãos
frente ao Estado, e, ao mesmo tempo, é Lei Magna deste Estado, estabelecendo
sua organização funcional (FERREIRA FILHO, 1999, p. 18).
Para Otto Bachof
(1994, p. 39), a Constituição em sentido material entende-se em geral como “o
conjunto das normas jurídicas sobre a estrutura, atribuições e competências dos
órgãos supremos do Estado, sobre as instituições fundamentais do Estado e sobre
a posição do cidadão no Estado”. Já, a Constituição em sentido formal será:
[…] uma lei formal qualificada essencialmente através de características
formais- particularidades do processo de formação e da designação, maior
dificuldade de alteração- ou também uma pluralidade de tais leis:
corresponderá, portanto, ao conteúdo global, muitas vezes mais ou menos
acidental, das disposições escritas da Constituição (1994, p. 39).
Contudo, ao
passar dos séculos, o Direito teve a necessidade de incluir em seu compêndio os
direitos sociais e coletivos ante as exigências da sociedade. Assim, parte-se à
verificação do Estado Social de Direito.
O Estado Social
busca o bem-estar da coletividade, e, sendo assim, o desenvolvimento social
marcam as ações do ente público. A lei, portanto, passa de uma ordem geral e
abstrata para uma destinação específica e concreta, ou seja, a lei passa a ser
instrumento de ação, com objetivo de atender critérios circunstanciais (STRECK,
2014, p. 97).
A partir do
século XX, o Estado, por influência dos socialistas e cristãos
-sociais, cunhou a tarefa de providência dos malsucedidos. Por isso,
chamou-se Estado-Providência, de forma a dar a todos
condições adequadas de vida pela intervenção no domínio econômico e social
(FERREIRA FILHO, 1999, p. 40).
Assim, “a
consagração do chamado Estado-Social, ou Estado de Bem-Estar, depois da Segunda
Guerra Mundial, leva muito adiante a tendência desenhada pelo intervencionismo”
(FERREIRA FILHO, 1999, p. 40). Isto é, o Estado assume a postura de prover o
bem para a sociedade.
Pretende,
portanto, uma reformulação do Estado a partir de garantias coletivas, na busca
de um equilíbrio não atingido pela sociedade liberal (STRECK, 2014, p. 103).
Logo, a lei passa a ser utilizada para a promoção de prestações positivas na
construção de uma ordem jurídica.
Ademais, o Estado
de Bem-Estar Social vai reconhecer os direitos humanos fundamentais, porém,
“desapoiados num direito transcendente, frágil é a situação deles, que depende
de um “reconhecimento”, uma proclamação — de caráter constitutivo — por parte
do próprio Estado, a que limitariam” (FERREIRA FILHO, 1999, p. 44).
O Estado Social
de Direito foi constitucionalizado, pela primeira vez, em 1949, na Alemanha,
com a Lei Fundamental de Bonn, teve grande influências das classes
trabalhadoras, exigindo o desenvolvimento de atividades econômicas e
administrativas por parte do Estado em prol da sociedade (GARCÍA-PELAYO, 2009,
p. 3-5).
Para
García-Pelayo (2009, p. 6), o Estado
Social significa “a tentativa de adaptação do Estado tradicional (pelo que
entendemos, nesse caso, o Estado Liberal burguês) às condições sociais da
civilização industrial e pós-industrial”, que se desenvolveu a parir de
política social “cujo objetivo imediato é remediar as péssimas condições de
vida das camadas mais desamparadas e necessitadas da população” (2009, p. 6).
Após a Segunda
Guerra Mundial se evidenciou profundas crises econômicas, com amplo desemprego,
e lutas de classes. Para enfrentar tal situação, era necessário “aumentar a
capacidade aquisitiva das massas, que atuaria, por sua vez, como causa do
crescimento da produção e, por conseguinte, da oferta de emprego”
(GARCÍA-PELAYO, 2009, p. 8). Isso só seria possível com a “orientação e
controle do processo econômico por parte do Estado, mantendo-se a propriedade
privada dos meios de produção” (GARCÍA-PELAYO, 2009, p. 8).
Assim, a teoria
econômica, a política e a política social formaram um todo, “dito de outra
forma, tendem a transformar-se em subsistemas de um sistema superior. Isso quer
dizer que cada um desses subsistemas é condicionado pelos demais, ao mesmo
tempo em que os condiciona” (GARCÍA-PELAYO, 2009, p. 8). Isto é, transformou-se
numa política socioeconômica sistêmica, pois seus componentes estão conectados
entre si (GARCÍA-PELAYO, 2009, p. 9).
O que caracteriza
um Estado Social é a justa distribuição do que foi produzido, e esta finalidade
só é alcançada por meio da potestade fiscal. Assim, se conduz a um “Estado de
prestações que assume a responsabilidade da distribuição e redistribuição de
bens e serviços econômicos” (GARCÍA-PELAYO, 2009, p. 22).
Nessa ótica, a
ideia social de Estado está vinculada aos problemas em torno da exigência de
uma justiça distributiva, mais eficaz, e a necessidade de integração social.
Tendo em vista a evolução,
principalmente dos direitos humanos, após 1945, “chegou-se enfim ao
reconhecimento de que à própria humanidade, como um todo solidário, devem ser
reconhecidos vários direitos” (COMPARATO, 2007. p. 56-58). Não apenas direitos
individuais, de natureza civil e política, mas também direitos econômicos,
sociais, e de humanidade.
Embora o Estado
Social tenha inserido profundas transformações na sociedade, tanto no
reconhecimento de outros direitos pelo Estado, como na atuação positiva para
com o indivíduo, na tentativa de promover o bem social, a problemática em torno
da igualdade não restou superada, tendo encontrado no Estado Democrático de
Direito o seu fundamento.
O Estado
Democrático de Direito surge como transformador da realidade, “o seu conteúdo
ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e
passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública no processo
de construção e reconstrução” (STRECK, 2014. p. 98), tendo em vista uma nova
sociedade baseada na Constituição, como instrumento básico de garantia
jurídica, uma organização democrática, um sistema de direitos fundamentais, que
assegura autonomia dos indivíduos frente aos poderes públicos e justiça social
para corrigir desigualdades (STRECK, 2014. p. 99).
Desse modo, o
Estado Democrático de Direito é “plus
normativo em relação às formulações anteriores” (STRECK, 2014. p. 100), ou
seja, impõe à ordem jurídica e à atividade estatal um conteúdo utópico de
transformação da realidade, já que teria a característica de ultrapassar não só
a formulação do Estado Liberal de Direito, como também a do Estado Social de
Direito (STRECK, 2014. p. 100).
Por conseguinte,
o objetivo do Estado de Direito, quando assume o perfil democrático, é a
igualdade, e a lei aparece como instrumento de transformação da sociedade, não
estando mais atrelada à sanção ou promoção, mas sim a reestruturação das
relações sociais. Permite-se, dessa forma, “a aparente redução das antíteses
econômicas e sociais à unidade formal do sistema legal, principalmente através
de uma Constituição, onde deve prevalecer o interesse da maioria” (STRECK,
2014, p. 101). Ainda, a Constituição é colocada no “ápice de uma pirâmide
escalonada, fundamentando a legislação que, como tal, é aceita como poder
legítimo” (STRECK, 2014, p. 101).
Em busca de
condições mínimas de vida aos cidadãos e da comunidade, a problemática em torno
da igualdade resta acentuada, já que se vincula a um projeto solidário, ou
seja, a solidariedade passa a compor o caráter comunitário (STRECK, 2014, p.
104).
Assim, há uma
identificação do constitucionalismo do segundo pós-guerra e o paradigma do
Estado Democrático, que aponta para “o resgate das promessas incumpridas da
modernidade, circunstancias que assume especial relevância em países
periféricos e de modernidade tardia como o Brasil” (STRECK, 2014, p. 105). A
Constituição brasileira de 1988 é, portanto, voltada à transformação da
realidade, depreende-se de seus princípios fundamentais fins sociais e econômicos,
promovendo-se a integração da sociedade nacional (STRECK, 2014, p. 98).
Contudo, a crise de financiamento do Estado, notadamente pelo crescimento do
déficit público, que emergiram desde
as décadas de 1960 e 1970, com descompasso entre receitas e despesas,
contribuíram para o enfraquecimento do Estado do Bem-Estar. E a partir
dos anos 1980, buscou-se em um projeto neoliberal o caminho para a redução
dessa crise, sobretudo, com as privatizações, cortes em gastos sociais e venda
de patrimônio público com preços desvalorizados (STRECK, 2014, p. 157).
Em decorrência de
todas essas transformações, o Estado Democrático de Direito vive uma crise, por
conta de inúmeros direitos proclamados, de cunho social, em que o Estado deve
dar conta, porém o orçamento já não comporta a realização das políticas
públicas, que se concretizaria, em especial, com efetivos mecanismos de
tributação.
Como visto
anteriormente, o Estado constitucional, portanto, desenvolveu-se tendo como
característica a subordinação da legalidade a uma Constituição, ou seja, a
validade das leis depende também da compatibilidade de seu conteúdo com as
normas constitucionais.
O marco histórico
do novo Direito Constitucional, no Brasil, nasce com a elaboração e promulgação
da Constituição Federal de 1988, que assinalou a reconstitucionalização do
país, tendo em vista que indica “a travessia de um regime autoritário,
intolerante e, por vezes, violento para um Estado Democrático de Direito”
(BARROSO, 2013, p. 268).
Neste período
surge o pós-positivista, como marco filosófico do novo direito constitucional,
o qual faz referência às ideias de justiça além da lei e de igualdade material
mínima, ao lado da teoria dos direitos fundamentais e da redefinição de
valores, princípios e regras, aspectos da nova hermenêutica (BARROSO, 2013, p.
269). Assim, esse novo direito constitucional pós -segunda
grande guerra, ou neoconstitucionalismo, é produto do reencontro da ciência
jurídica e da filosofia do direito.
Por outro lado,
como consequência de grande parcela das Constituições advindas do Estado
Providência, após períodos de repressão e totalitarismos, sobrevieram
uma gama de direitos fundamentais instituídos pelos Estados e por sua
responsabilidade na realização dos mesmos. Não foi diferente com o Brasil, na
Constituição de 1988, que previu inúmeros direitos aos indivíduos, porém, sem
referir nos deveres.
Como muito bem
explica Canotilho, as experiências históricas dos períodos após o ideário comunista,
revelam Constituições com indiferença aos deveres fundamentais, sobrepondo,
assim, os direitos fundamentais, como segue:
A República era o reino da virtude no sentido romano, que só pode
funcionar se os cidadãos cumprem um certo número de
deveres: servir a pátria, votar, ser solidário, aprender. Nesse sentido, a
teoria da cidadania republicana implica que um indivíduo teria não apenas
direitos, mas também deveres. Nos começos do século, sob a inspiração da
Constituição de Weimar, onde existia uma parte intitulada “Direitos
fundamentais e Deveres fundamentais dos alemães”, a doutrina juspublicista
falava de igual dignidade de direitos e deveres fundamentais (Heller). Todavia,
também já nesta altura não faltavam a considerar os deveres fundamentais como
contrários à ideia de estado de direito liberal (Carl Schmitt). A centralidade
da categoria de deveres fundamentais reaparece nas construções jurídico-políticas nacional-socialista e comunista. No ideário nazi,
os deveres fundamentais dos cidadãos convertem-se em deveres fundamentais dos
“membros do povo” (dever de serviço de poderes, dever de trabalhar, dever de
defender o povo). Na compreensão comunista, os direitos fundamentais eram
também relativizados pelos deveres fundamentais: os indivíduos tinham direitos
conexos com deveres, o que, nos quadros políticos dos ex-países comunistas,
acabou por aniquilar os direitos e hipertrofiar os deveres. Estas duas
experiências históricas explicam a desconfiança e indiferença dos textos
constitucionais em face dos deveres fundamentais (CANOTILHO, 2003, p. 531).
No atual Estado
Democrático de Direito é essencial a (re)construção
dos vínculos de solidariedade e, sobretudo, quanto aos deveres fundamentais,
haja vista que como indivíduos numa sociedade, deve-se contribuir para o bem
comum.
O que se pode
destacar é uma hipersubjetivação, ou seja, o indivíduo passa a ser titular de
direitos subjetivos como uma figura central do universo jurídico, o que
Chevallier chama de “absolutização do eu”, característico da pós-modernidade.
Assim, “a relevância conferida a partir dos anos 1980 ao tema dos direitos do
Homem, concebidos como ‘direitos fundamentais’, deu uma nova dimensão a esse
processo de subjetivação: ele implica, com efeito, que os indivíduos são
titulares, enquanto Homens, de direitos em face ao poder e dispõem dos meios de
fazê-lo valer” (CHAVALLIER, 2009, p. 134-135).
A Constituição
brasileira de 1988 teve o cuidado de garantir os direitos fundamentais, o que é
muito importante, tendo em vista que proporciona uma vida digna as pessoas na
nação, base para uma boa convivência, porém, não teve o mesmo zelo com os
deveres fundamentais, que possuem um papel relevante na proteção e promoção dos
direitos fundamentais.
Desse modo, surge
a razão de ser solidário, no Estado Democrático de Direito, na atual conjuntura
constitucional, tendo em vista o art. 3º, em que um dos objetivos da República
brasileira é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (BRASIL,
1988).
Portanto, atuar
em solidariedade significa um compromisso em relação ao outro, isto é “es la manera de actuar que impele a la voluntad individual y
colectiva para buscar conscientemente la satisfacción de las necesidades
básicas del ‘otro’. Dado que la solidaridad es un comportamiento
consciente, es una cualidad que solo pertenece a los seres humanos” (PEDRA,
2016).
A solidariedade
garante liberdade, porém é preciso que as pessoas renunciem ao egoísmo. Ou
seja, “la solidaridad no es caridad. La caridad nos obliga a ayudar a los otros
por amor, sin que el otro tenga el derecho a una limosna o ayuda. En cambio, la
solidaridad (normativa) no es un regalo, sino que es un derecho del ‘otro’”
(PEDRA, 2016).
Destarte, as
pessoas em sociedade devem ter condutas compatíveis para com a realização dos
valores constitucionais, por isso assumem deveres fundamentais para promoção
dos ideais consagrados. Desse modo, a Constituição pode estabelecer deveres fundamentais tanto implícita como explicitamente,
assim como o faz com os direitos fundamentais (PEDRA, 2016).
Há de ser
ressaltado que, conforme Canotilho (2003, p. 532-533), não há simetria entre
direitos e deveres, ou seja, que a cada direito fundamental protegido não
pressupõe um dever correspondente, já que os deveres fundamentais possuem
categoria autônoma. Assim, “vale aqui o princípio da assinalagmaticidade ou da
assimetria entre direitos e deveres fundamentais, entendendo-se mesmo ser a
assimetria entre direitos e deveres uma condição necessária de um estado de
liberdade”.
Portanto, pode
ser facilmente constatado, que é inequívoco que houve um cômodo abandono da
ideia de dever social, estimulada pelo marcante individualismo do tempo
contemporâneo, que empalideceu e fez tornar-se anacrônica a imprescindível
solidariedade social.
Cabe referir que,
a maioria das Constituições do pós-segunda guerra aconteceram na sequência de
períodos autoritários, motivo pelo qual, entende a ‘quase-obsessão’
por consagrar direitos e descurar deveres. No entanto, as circunstancias
contemporâneas são outras e a categoria dos deveres fundamentais deve ser
pensada como parte integrante do Estado Democrático de Direito.
Importante
destacar, conforme bem ilustra Casalta Nabais (2009, p. 17-18), que:
[…] preocupam-se de uma maneira dominante, ou mesmo praticamente
exclusiva, com os direitos fundamentais ou com os limites ao(s) poder(es) em que estes se traduzem, deixando por
conseguinte, ao menos, aparentemente, na sombra os deveres fundamentais,
esquecendo assim a responsabilidade comunitária que faz dos indivíduos seres
simultaneamente livres e responsáveis, ou seja, pessoas.
Por conseguinte,
a relevância do dever fundamental tem a ver com a satisfação das necessidades
básicas essenciais das pessoas. Por isso, o dever fundamental se vincula
diretamente a necessidade de contribuição para uma vida em comunidade (PEDRA,
2016). Como ressalta Canotilho (2003, p. 536), “as ideias de ‘solidariedade’ e
de ‘fraternidade’ apontam para deveres fundamentais entre cidadãos”.
Quanto aos
direitos, Bonavides (2014, p. 678) afirma que fatores econômicos objetivos e
reais seriam, portanto, decisivos para concretizá-los, pois “quanto mais
desfalcada de bens ou mais débil a ordem econômica de um país constitucional,
mais vulnerável e frágil nele a proteção efetiva dos
sobreditos direitos”.
Destaca-se a definição de Zagrebelsky (2011, p. 86)
“son los deberes de todos hacia los demás los que están destinados a asentarse
de una manera estable, como situación empírica permanente. En otras palabras,
en las sociedades justas la categoría dominante es la de los deberes, no la de
los derechos”.
Com isso, pode-se
constatar a importância dos deveres fundamentais no atual Estado Democrático de
Direito, já que possuem o condão de concretizar os direitos fundamentais,
sobretudo, o dever fundamental de pagar tributos, o qual constitui condição
inafastável de qualquer cidadão numa sociedade que busca a concretização de
políticas públicas em favor de sua comunidade.
Uma vez
constatado o devido comprometimento dos cidadãos em honrar com a sua cota de
contribuição para a sociedade, no que se refere aos pagamentos de seus
tributos, estes indivíduos estarão colaborando solidariamente para a realização
dos direitos fundamentais do próximo, ou seja, cooperando para a edificação de
uma sociedade mais justa e comprometida com o outro.
A concepção de
deveres está intimamente ligada à ideia de solidariedade social. Só há deveres
porque se convive em comunidade, e esta será tanto mais harmônica, quanto maior
for a preocupação, de cada um, com o destino de todos.
Importante a reflexão de Comparato (2007. p. 24-25), quando
diz que:
Por outro lado, a ideia de que o princípio do tratamento da pessoa como um fim em si mesma implica não só o dever negativo de não
prejudicar ninguém, mas também o dever positivo de obrar no sentido de
favorecer a felicidade alheia constitui a melhor justificativa do
reconhecimento, a par dos direitos e liberdades individuais, também dos
direitos humanos à realização de políticas públicas de conteúdo econômico e
social […].
Comparato (2007,
p. 65) refere que “a solidariedade prende-se à idéia de responsabilidade de
todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social”. E
ainda, que o fundamento ético desse princípio encontra-se no entendimento sobre
justiça distributiva. Os direitos, portanto, se realizam por políticas públicas
“destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres;
ou seja, aqueles que não dispõem de recursos próprios para viver dignamente”.
A solidariedade
social resta mais evidente à medida que se examina o dever fundamental de pagar
tributos. Assim, em épocas anteriores- absolutista e liberal- o cumprimento
desse dever se orientava para conservação do Estado, de modo que não se
encontrava um fundamento ético ou moral para a obrigação tributária. Havia um
dever de obediência ao pagamento dos impostos, tendo em vista a autoridade
soberana que a exigia.
Porém, com o
Estado Social e Democrático de Direito, os tributos passaram a ter um conteúdo
solidário, à medida que foi sendo empregado como instrumento a serviço da
política social e econômica do Estado redistribuidor.
Portanto, os
deveres fundamentais correspondem aos meios necessários para que o Estado possa
atingir o bem comum, ou seja, a realização dos direitos fundamentais. Assim, os
deveres fundamentais são os comportamentos positivos ou negativos impostos a um
sujeito, em consideração e interesse que não são particularmente seus, mas sim
em benefício de outros sujeitos ou de interesse geral da comunidade.
Cabe referir que,
os deveres fundamentais, só excepcionalmente, têm natureza de norma diretamente
aplicável, já que, na maior parte das situações, reclamam a existência de uma
mediação legislativa para que possam ser exigidos. O dever fundamental de pagar
tributos é um exemplo disso no Brasil, uma vez que necessita da mediação
legislativa, ou seja, enquanto não sobrevier norma jurídica correspondente, o
dever simplesmente inexiste.
Ainda, as normas
constitucionais que estabelecem deveres fundamentais são, em geral, normas com
baixa densidade normativa. Ao deixar de regular certas
tarefas, a Constituição forma um instrumento democrático que possibilita
confrontações políticas. Por outro lado, a abertura do sistema constitucional
expressa um caráter incompleto e precário do conhecimento científico, dando
espaço ao jurista para ampliar ou modificar o sistema (PEDRA, 2016).
Por isso, se fala
numa necessidade de integração legislativa, pois mesmo os textos normativos
redigidos de forma clara e precisa devem ser interpretados para esclarecer
melhor seu conteúdo (PEDRA, 2016).
A regulação dos
deveres pela Constituição possui uma estrutura bifásica, ou seja, por um lado,
guia o legislador ordinário para que, no exercício de suas funções, ponha os
deveres como regra, já que possuem baixa densidade normativa. Por outro lado, a
regulação constitucional é o fundamento para o exame da constitucionalidade
dessa legislação (PEDRA, 2016).
Importante referir que “los deberes fundamentales
tienen por objeto garantizar derechos fundamentales. Por lo tanto, la inercia
del legislador para establecer los comportamientos obligatorios al sujeto del
deber perjudica a los derechos fundamentales” (PEDRA, 2016).
É de se destacar
que, uma sociedade precisa de recursos econômicos para se organizar, isto é, há
necessidade de que existam fontes de recursos para financiar a existência digna
das pessoas que nela sobrevive.
No caso
brasileiro, há muitas omissões do legislador para regular as condutas do
sujeito de dever, inclusive, para estabelecer sanções em caso de
descumprimento, com o fim de promover os direitos dos indivíduos em sociedade.
Resta uma reflexão sobre o assunto, de maneira que o legislativo possa se
mostrar mais eficiente a partir de elementos coercitivos para a eficácia dos
deveres fundamentais (PEDRA, 2016).
O financiamento
para as políticas sociais, na sua maior parte, portanto, advém do pagamento de
tributos, que são exigidos dos cidadãos para cumprir um dever ético e solidário
de contribuir para o desenvolvimento da sociedade. Diante disso, submeter-se à
tributação corresponde a um imperativo de liberdade. Tal ocorre porque ela
corresponde à condição de possibilidade de concretização das promessas contidas
nos direitos fundamentais, especialmente aqueles de cunho social.
Assim, o Estado assumiu o compromisso de corrigir
as mazelas e promover o bem comum, notadamente a partir de políticas públicas,
estas, por sua vez, financiadas pelos cidadãos, em grande parte, pelo dever
fundamental de pagar tributos. Como ressalta Casalta Nabais (2009, p. 679):
Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como um mero
poder para o estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos, constituindo
antes o contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado
fiscal. Um tipo de estado que tem na subsidiariedade da sua própria ação
(econômico-social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu
sustento o seu verdadeiro suporte. Daí que se não possa falar num (pretenso)
direito fundamental a não pagar impostos.
O atual Estado
possui a característica de um Estado Fiscal, a partir do qual suas necessidades
financeiras são geridas a partir do pagamento de tributos pelos cidadãos.
Porém, deve-se levar em conta a capacidade contributiva dos indivíduos, já que
“a capacidade contributiva constitui o pressuposto e o critério da tributação”
(NABAIS, 2009. p. 688).
Assim, no atual
modelo estatal, deve-se ter em conta a exigência da tributação de acordo com a
capacidade contributiva, ou seja, uma concepção contemporânea de cidadania
(compatível com o Estado Democrático de Direito) passa pelo adequado
cumprimento do dever fundamental de pagar tributos, e isso, em face ao
princípio da solidariedade social, ocorre sob dois enfoques: a) o dever
fundamental de contribuir de acordo com a capacidade contributiva, justamente
para que o Estado tenha os recursos necessários para realizar os direitos
fundamentais e, com isso, propiciar a máxima eficácia ao princípio da dignidade
da pessoa humana; b) o direito de não ser obrigado a contribuir acima das
possibilidades- desproporcionalmente à capacidade contributiva- pois isso se
constituiria afronta direta ao princípio da dignidade da pessoa, uma vez que o
mínimo vital a uma existência digna restaria afetado.
Tendo em vista o
artigo 145, § 1º, da Constituição Federal de 1988, que prescreve: “Sempre que
possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte” (BRASIL, 1988), há
necessidade, portanto, que a carga fiscal seja adequada à efetiva capacidade do
cidadão.
Importante
compreender que no atual Estado fiscal, como no caso do Brasil, as políticas
sociais são financiadas pelo pagamento de tributos não-vinculados
a uma atuação estatal específica, que são exigidos do cidadão pelo simples fato
de pertencer à sociedade.
Assim, os
tributos bilaterais, correspondem às taxas e contribuições de melhoria, e os
unilaterais, correspondem aos impostos e às contribuições sociais
não-sinalagmáticas, também chamados de impostos finalísticos. Por isso que, no
caso do Brasil, é mais adequado falar em dever fundamental de pagar tributos não-vinculados ou desprovidos de bilateralidade, optando-se,
para fins desse artigo, simplesmente a definição de dever fundamental de pagar
tributos.
Com o fim de
garantir o bem comum, os deveres são indispensáveis numa sociedade, pois
possuem uma dupla dimensão, ou seja, do ponto de vista subjetivo, os deveres
estão orientados à igualdade material; portanto, garantem a repartição das
tarefas que tutelam o interesse coletivo. Já, sob o ponto de vista objetivo, os
deveres são elementos configuradores da própria ordem jurídica-política
(CHULVI, 2001, p. 295-296).
A importância
dada ao dever tributário, isto é, dever de contribuir, é enfatizada
por Chulvi, ao referir que:
Uno de los deberes que ha
acompañado al Estado desde el mismo momento de su nacimiento ha sido el deber
tributario. El paso del tiempo y la evolución en las formas históricas
estatales han ido dejando su huella en el fundamento de este deber que ha
pasado de ser concebido únicamente como medio para conseguir la necesaria
financiación que permite la subsistencia del Estado a ser un instrumento al
servicio de la política social y económica del Estado redistribuidor (2001, p.
296).
Assim, o cumprimento do dever tributário constitui
“condición de vida para la comunidad porque hace posible el regular
funcionamiento de los servicios estatales y el cumplimiento de las finalidades
sociales que lleva a cabo el Estado” (CHULVI, 2001, p. 86).
Por outro lado,
atualmente, há uma consciência social desfavorável à imposição do dever
tributário, isto é, há uma resistência social em pagar tributos. Chulvi
(2001, p. 298) define como objeção de consciência fiscal, que significa a
“negativa del individuo, por motivos de conciencia, a someterse a la conducta
jurídicamente exigible de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos
porque el destino final que se otorga a su contribución contraria su conciencia
personal”.
Um elemento que
deve ser combatido na atual sociedade é a evasão fiscal, que decorre
especialmente do sentimento de inexistência de respostas estatais às demandas
sociais, como também, da visível corrupção e desvios de recursos que assolam a
administração pública, ou seja, não basta que a justiça esteja sendo feita; é
fundamental que haja a percepção de que ela esteja sendo feita, e isso é
condição de aceitabilidade de qualquer sistema fiscal.
Diante disso,
nota-se que, o sistema tributário tem muito a contribuir, a partir do
financiamento de políticas sociais, para realizar os direitos da sociedade, só
que, para isso, é necessário que cada cidadão esteja disposto a assumir seus
deveres, notadamente, o dever fundamental de pagar tributos, para a (re)construção dos vínculos de solidariedade como preconiza o
atual Estado Democrático de Direito.
No atual Estado
Democrático de Direito é essencial a (re)construção
dos vínculos de solidariedade e, sobretudo, quanto aos deveres fundamentais,
haja vista que como indivíduos numa sociedade, deve-se contribuir para o bem
comum.
Contudo, como
consequência de grande parcela das Constituições advindas do Estado
Providência, após períodos de repressão e totalitarismos, sobrevieram
uma gama de direitos fundamentais instituídos pelos Estados, sem darem a devida
atenção aos deveres fundamentais. O que não foi diferente com o Brasil, na
Constituição de 1988, que previu inúmeros direitos aos indivíduos, porém, sem
referir nos deveres.
Com a crise de
financiamento dos Estados, notadamente pelo crescimento do déficit público, com
descompasso entre receitas e despesas, ficou mais evidente a necessidade de se
resgatar os deveres fundamentais, notadamente o dever de pagar tributos.
Portanto, atuar
em solidariedade significa um compromisso em relação ao outro. A relevância do
dever fundamental tem a ver com a satisfação das necessidades básicas
essenciais das pessoas. Por isso, o dever fundamental de pagar tributos se
vincula diretamente com a necessidade de contribuição para uma vida digna em
comunidade.
Com isso, pode-se
constatar a importância dos deveres fundamentais no atual Estado Democrático de
Direito, já que possuem o condão de concretizar os direitos fundamentais,
sobretudo, o dever fundamental de pagar tributos, o qual constitui condição
inafastável de qualquer cidadão numa sociedade que busca a concretização de
políticas públicas em favor de sua comunidade.
Uma vez
constatado o devido comprometimento dos cidadãos em honrar com a sua cota de
contribuição para a sociedade, no que se refere aos pagamentos de seus
tributos, estes indivíduos estarão colaborando solidariamente para a realização
dos direitos fundamentais do próximo, ou seja, cooperando para a edificação de
uma sociedade mais justa e comprometida com o outro.
Há necessidade,
portanto, de se acabar com a resistência ao pagamento de tributos, no Brasil, é
fundamental o dever tributário. Porém, para isso, é preciso maior participação
dos cidadãos nos processos de política social, é preciso que vejam o que tem
sido realizado no país com sua contribuição, é imprescindível maior
transparência dos gastos públicos, assim como, fiscalização e combate à evasão
fiscal.
Desse modo, será
possível a realização do dever fundamental de pagar tributos, minimizando as
desigualdades e mazelas advindas de outros períodos. A efetivação dos direitos
fundamentais, como preconizados na Constituição de 1988, são
essenciais para se viver em sociedade, e o dever tributário contribui
sobremaneira para este fim, pois concretiza a solidariedade entre os cidadãos.
BACHOF, Otto. Normas
Constitucionais inconstitucionais? Coimbra: Almedina, 1994.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de
Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. 4. ed. São Paulo: Saraiva,
2013.
BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrática e instrumentos de realização.
2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de
Direito Constitucional. 29. ed. atual. São Paulo:
Malheiros, 2014.
BRASIL. Constituição
(1988). Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>.
Acesso em: 30 jun. 2016.
BUFFON, Marciano. Tributação e dignidade humana: entre os
direitos e deveres fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2003.
CHAVALLIER, Jacques. O Estado
pós-moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
CHULVI, Cristina Pauner. El deber constitucional de contribuir al
sostenimiento de los gastos públicos. Madrid: Centro de Estudios Políticos
y Constitucionales, 2001.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos.
5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado.
30. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
FERREIRA FILHO, Manoel
Gonçalves. Estado de direito e Constituição. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1999.
FIORAVANTI, Maurizio. Constituición: de la antiguidad a
nuestros días. Madrid: Trotta, 2001.
GARCÍA-PELAYO, Manuel. As
transformações do estado contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona:
Ariel, 1979.
NABAIS, Jose Casalta. O dever
fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensao constitucional
do estado fiscal contemporaneo. Coimbra:
Almedina, 2009.
PEDRA, Adriano Sant’ana. Los deberes de las personas y la realizacion de los derechos
fundamentales. In: Scielo (Recurso Eletrônico). p. 13-28. v. 12. nº. 2.
Santiago, 2014. Disponível em: <
http://www.scielo.cl/pdf/estconst/v12n2/art02.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2016.
STRECK, Lenio Luiz;
MORAIS, José Luis Bolsan de. Ciência
política e teoria do estado. 8. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2014.
TEIXEIRA, Anderson
Vichinkeski. Teoria pluriversalista do
direito internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia.
Madrid: Trotta, 2011.