AS IMPLICAÇÕES DA REFORMA TRABALHISTA NOS CONTRATOS DE TRABALHO À LUZ DOS ARTIGOS 507-A E 507-B E DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Ana Paula Lemos Baptista Marques

Mestranda do Curso de Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR).

anapaulabatista_@hotmail.com

Leda Maria Messias da Silva

Pós-doutora em Direito, pela Universidade de Lisboa-Portugal (2012). Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995). Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Estadual de Maringá (1986). Professora da graduação em Direito da Universidade Estadual de Maringá (UEM), e do Mestrado, Especialização e Graduação do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR).

lemead@uol.com.br

RESUMO: Este artigo analisa dois dispositivos alterados pela reforma trabalhista, alterações essas que causaram danos aos trabalhadores e ao meio ambiente de trabalho. Para tanto, são traçados três caminhos de análises: Faz-se uma breve exposição sobre a história da arbitragem no Brasil; traça-se um paralelo entre esse método de solução de conflitos e o direito do trabalho, bem como, destaca-se a recente estrutura sindical brasileira e o modo em que serão realizadas as homologações dos contratos de trabalho pós reforma. As análises apontam, ao final, que essas novas normas trouxeram a arbitragem em contratos individuais e um papel de “carimbador” desta arbitragem ao sindicato brasileiro. Conclui-se que, a dignidade humana do trabalhador deve ser respeitada, isto é, o ser humano não necessita abrir mão do mínimo existencial para garantia de emprego. O método utilizado é o indutivo, que, pela observação de questões particulares, permite que se extraiam conclusões.

PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem. Quitação anual. Reforma Trabalhista.

The implications of labour reform in employment contracts in the light of articles 507-A and 507-B and personality rights

ABSTRACT: this article analyzes two devices changed the labor reform, which caused damage to the workers and to the environment of work. To do so, are stroked three paths of analysis: first, it is a collection of history of arbitration in Brazil; Second, if a parallel between this method of resolving conflicts and labour law; third, the recent brazilian Union structure and the way in which they will be carried out approvals of contracts for work post retirement. The analyses indicate, at the end, that these new standards brought to arbitration in individual contracts and and a role of "stamping" of this arbitration to the Brazilian union. It is concluded that the human dignity of the worker must be respected, i.e. the human being does not require giving up the existential minimum to guarantee employment. The method used is the inductive that, by the observation of particular issues, allows us to extract conclusions.

KEYWORDS: Arbitration. Annual discharge. Labor Reform.

Introdução

A Lei da Reforma Trabalhista modificou mais de duzentos dispositivos da CLT, alterando, assim, todo o sistema trabalhista tradicional. Todavia, a lei não vale somente pelo estrito limite de seu texto, isto é, seus reflexos vão além de suas formas escritas, pois alcançam diretamente os trabalhadores, em especial, sua dignidade humana.

O presente artigo tem como objetivo destacar dois contextos normativos, frutos desta reforma, bem como seus efeitos a todos os trabalhadores e ao meio ambiente de trabalho. Para tanto, em um primeiro momento, recupera-se o conceito da arbitragem, como um instituto extrajudicial de solução de conflitos. Por meio desse método, as partes escolhem um terceiro imparcial, que seja de confiança de ambos e que recebe o título de árbitro. O árbitro, após a análise dos fatos e a oitiva das partes profere um laudo arbitral, com a mesma eficácia jurídica de uma sentença judicial.

Desde os primórdios do Direito do Trabalho, esse tipo de prática é adotada, por exemplo, dentre os hebreus no pentateuco e até mesmo em Roma, onde era inclusive incentivada para a solução de conflitos. No Brasil, a prática da arbitragem ganhou espaço há algum tempo, contudo, não logrou o êxito esperado. Aliás, somente a inserção da cláusula compromissória nos contratos não transmitiu segurança jurídica para as partes envolvidas.

Em 1996, o instituto da arbitragem ganhou uma especificidade. A Lei brasileira Marco Maciel possibilitou às pessoas capazes de contratar valerem-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

Ocorre que a maior parte da literatura a respeito do assunto mostra a incompatibilidade da arbitragem com o Direito do Trabalho. Nesse viés, este artigo procura mostrar que, como os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e indisponíveis, não existe a possibilidade da aplicação da arbitragem a esse tipo de direito indisponível.

Embora existam aqueles que defendam a arbitragem, pois acreditam na eficácia do método para a solução de conflitos, ela ainda enfrenta obstáculos de aplicação aos conflitos individuais trabalhistas, dada à irrenunciabilidade dos direitos dos empregados. Nessa linha de raciocínio é que as pesquisas apontam que tanto a ordem jurídica brasileira, no artigo 114 da Constituição Federal, quanto a internacional trazem a impossibilidade da arbitragem e sua validade, particularmente, aos conflitos coletivos trabalhistas, sendo os contratos individuais, portanto, incompatíveis com o método da arbitragem.

Na sequência, o presente estudo converge para a definição da estrutura sindical brasileira, bem como o papel do sindicato na homologação dos contratos de trabalho.

Primeiramente, enfatiza a atuação dos sindicatos nas lutas cotidianas das categorias e, também, na organização dos trabalhadores, tencionando sua emancipação econômica, social e política, para que a dignidade humana do trabalhador seja observada, ou seja, este órgão pode contribuir na conciliação entre empregados e empregadores, para que possam desenvolver-se reciprocamente.

A partir dessa conceituação e de um destaque às atribuições do principal órgão de defesa dos trabalhadores, enfatiza-se o novo papel do sindicato para quitação anual dos contratos de trabalho trazida pela Reforma Trabalhista. Com essa quitação, a nova norma prevê a expedição de um termo geral de eficiência liberatória pelo sindicato, que isentará todos os empregadores do pagamento de quaisquer verbas trabalhistas. Inclusive, a ideia do legislador proponente foi claramente impedir o ingresso posterior dos trabalhadores à Justiça do Trabalho, transformando o sindicato num mero “carimbador” desta quitação.

Diante desse quadro, este trabalho relembra experiências anteriores em que houve tentativas para quitação de verbas rescisórias trabalhistas, por meio de um termo de eficácia geral, também perante o sindicato. Antigamente, com a obrigatoriedade da passagem pelas Comissões de Conciliação Prévia, da mesma maneira foi um órgão criado, à época, para desafogar as demandas do Poder Judiciário, em que, as partes quitavam seus contratos de trabalho extrajudicialmente com a anuência do sindicato.

Ocorre que, em atenção ao princípio da indisponibilidade, o acesso à justiça não deve ser condicionado, portanto, essas práticas além de não lograrem êxito na quitação das verbas trabalhistas, também são inconstitucionais.

Em seguida, considera-se a nova função atribuída ao sindicato brasileiro e às Câmaras de Conciliação Prévia como tentativas infrutíferas para que as demandas não passem ao crivo do Poder Judiciário. Assim, de qualquer forma, alguma das partes envolvidas, na maioria das vezes, injustiçada, buscará o acesso à justiça para solução de equívocos pendentes no contrato de trabalho.

Na sequência, trazem-se os dois dispositivos alterados pela Reforma Trabalhista, quais sejam: os artigos 507-A e 507-B, respectivamente. Após as análises detalhadas das novidades apresentadas nessas normas, o presente estudo destaca, primeiramente, que a arbitragem, embora seja uma prática utilizada desde a antiguidade e bem adaptada a alguns institutos jurídicos, nos contratos individuais trabalhistas esse instituto não será eficaz, especialmente, em relação aos empregados que menciona o dispositivo em análise (que recebem duas vezes o benefício da previdência social), pois, ao contrário das expectativas do legislador, esse grupo de trabalhadores não tem autonomia para negociar diretamente com os empregadores, sem o auxílio de quaisquer órgãos de defesa dos direitos dos trabalhadores. Em segundo lugar, faz-se uma crítica ao artigo 507-B da nova lei 13.467/​2017, que designa ao sindicato uma função de quitação anual das parcelas trabalhadas dos empregados, para que esse órgão emita um termo de eficácia liberatória geral das parcelas, com o intuito de evitar que as demandas passem ao crivo do Poder Judiciário, contudo, as análises mostram que em um passado nada distante houve uma tentativa de desafogar a justiça do trabalho por meio das Câmaras de Conciliação Prévia, que também efetuavam o termo geral de eficácia liberatória das parcelas trabalhadas, entretanto, a grande maioria dessas verbas eram novamente discutidas, tendo em vista que emanadas de vícios de consentimento ou, até mesmo, parcelas pagas que ainda estavam pendentes da rescisão contratual.

Por fim, após as considerações a respeito do instituto da arbitragem e sua incompatibilidade com o direito do trabalho, bem como a aplicação ineficaz desse método aos contratos individuais de trabalho prevista no novo artigo 507-A da Reforma Trabalhista, apresentam-se as análises da quitação anual atribuída ao sindicato à luz do novo artigo 507-B, também da Reforma Laboral, com o consequente destaque de experiência anteriores (Câmaras de Conciliação Prévia) que já foram ineficientes na emissão do termo de eficácia geral das parcelas trabalhadas.

O presente artigo conclui que os dois dispositivos; 507-A e 507-B da CLT, apresentados pela Reforma Trabalhista esquecem-se de que, durante todo o contrato de trabalho, o trabalhador constrói sua identidade, a qual deve ser respeitada, especialmente, sua dignidade humana enquanto empregado dentro do estabelecimento comercial, conforme se constatará pelas razões elencadas ao longo do presente.

Trata-se de pesquisa teórica e o principal método utilizado para a construção desta pesquisa é o indutivo, o qual a partir de questões particulares, externa conclusões gerais.

1. Uma história da arbitragem no Brasil

A arbitragem vem desde os hebreus, com a narração de conflitos solucionados por árbitros no pentateuco, também, no Direito Romano, especialmente sob a forma facultativa, que era admitida e, inclusive, incentivada (JUNIOR, 2016. p. 01).

No Brasil, a tentativa de aplicação desse método apresentou alguns sinais nos artigos 1037 a 1048 do Código Beviláqua, sob o título de “compromisso”, entre os meios indiretos de pagamento, todavia, sua utilização como meio de solução de conflitos não logrou êxito (JUNIOR, 2016 p. 01). Apesar dessa regulamentação inicial no Brasil Império, somente a obrigação de se submeter ao juízo arbitral não era suficiente. Desse modo, a arbitragem não se estabeleceu plenamente na sociedade, pois a consignação de uma cláusula compromissória não assegurava a opção deste método para a resolução das controvérsias que viessem a surgir entre as partes.

Na sequência, também adveio o Código de Processo Civil, em 1973, que trouxe em seu artigo 267 a imediata extinção do processo sem julgamento do mérito, caso houvesse a adoção de juízo arbitral pelas partes. Entretanto, na prática forense, as sentenças de extinção fundamentada por este inciso raramente eram proferidas, logo, em pouco tempo este dispositivo caiu em desuso e, posteriormente, no ano de 2015, o próprio Código Civil como um todo sofreu várias alterações em seus dispositivos.

A verdadeira eficácia jurídica atinente à arbitragem foi a revolucionária Lei nº 9.307/​96, também conhecida como Lei Marco Maciel, quando o Brasil ultrapassou dois grandes obstáculos que impediam o desenvolvimento da arbitragem. A partir dessa norma, tornou-se obrigatória a homologação judicial das decisões arbitrais e facultativa a inserção da cláusula compromissória e sua executividade (BARCELLAR, 2016, p. 131).

Assim, desde 1996, quando o advento do novo método de solução de conflito ganhou destaque com uma lei específica, a arbitragem instituiu a possibilidade para as partes solucionarem suas controvérsias, sob o juízo de terceiro imparcial, especialista na matéria discutida, eleito por elas.

Atualmente, no Brasil, a sentença arbitral dispensa a homologação do juiz togado, uma vez que ambas possuem os mesmos efeitos jurídicos. Os estudiosos que defendem a arbitragem afirmam que ela apresenta algumas vantagens, tais como celeridade, sigilo, ausência de duplo grau de jurisdição, liberdade para que as partes decidam a forma do procedimento e as regras de julgamento, dentre outras tantas possibilidades de ajustes por vontade dos envolvidos (BARCELLAR, 2016, p. 134).

Esse meio de solução de conflitos, embora seja uma prática adotada desde os primórdios e já recepcionada por diversos povos da antiguidade, no Brasil, somente ganhou força, a partir de 1996 com uma lei que especificou a arbitragem aos conflitos de direitos patrimoniais disponíveis, assim, até os dias atuais, em algumas situações buscam-se este método como alternativa para tentar solucionar os diferentes conflitos jurídicos, inclusive os trabalhistas, conforme será adiante exposto.

2. Arbitragem e o Direito do Trabalho

De acordo com a Lei de Arbitragem, em seu artigo primeiro existe uma restrição quanto aos litígios para que versem somente sobre direitos patrimoniais disponíveis. Por causa dessa norma, alguns doutrinadores sustentam a incompatibilidade da arbitragem com as causas trabalhistas, sob os argumentos de que os direitos do trabalhador são indisponíveis. (GONÇALVES, 2011, p. 56). Segundo Delgado (2017, p. 1658), o princípio da indisponibilidade que vigora no Direito do Trabalho, especialmente no âmbito jusindividualista, jamais poderá ser renunciado pelo trabalhador ao longo do contrato de trabalho, portanto, inexiste a possibilidade de inserção da arbitragem nos relações bilaterais do contrato empregatício.

Em contrapartida, esse método de solução de conflitos gera opiniões antagônicas dentre os estudiosos do Direito do Trabalho. De um lado estão os defensores dos direitos do trabalhador, como sendo plenamente irrenunciáveis e jamais passíveis de transações ao longo do contrato de trabalho. Por outro lado consideram que tais direitos não seriam tão indisponíveis ou irrenunciáveis, tão somente de maneira relativa, ou de forma regrada e não absoluta, onde não possa haver transação, acordo ou renúncia sobre eles. Na realidade, esses princípios devem acompanhar o empregado ao longo de todo o seu contrato de trabalho e não após sua rescisão, não sendo jamais absolutos, mas sim, repensados em cada caso concreto (FERREIRA, 2016, p. 69).

Para exemplificar tal afirmativa, o doutrinador Carlos Alberto Carmona (CARMONA, 2006, p. 59) citou um exemplo em que a arbitragem foi aplicável na esfera trabalhista. Na cidade de Patrocínio, em Minas Gerais, antes da vigência da lei de arbitragem. O Núcleo Intersindical de Conciliação Trabalhista Rural, em uma tentativa infrutífera de mediação entre as partes, somente obteve êxito com a arbitragem, por meio do apoio mútuo dos sindicatos e da Junta de Conciliação e Julgamento Local, que, por fim encontraram a solução - uma sentença arbitral que foi homologada pelo juiz presidente.

Existem diversas teorias acerca da aplicabilidade da arbitragem, especialmente, aos conflitos individuais trabalhistas. A primeira resguarda todos os direitos do trabalhador asseverando que todos eles são indisponíveis, durante todo o contrato de trabalho, portanto, não há que se falar em renúncia de férias, horas extras, 8a hora diária ou 44a hora semanal, por exemplo (GONÇALVES, 2011, p. 37). Em contrapartida há uma segunda teoria contrária aos ensinamentos acima descritos. Ela apresenta a possibilidade da utilização do método de solução de conflitos extrajudiciais, nas relações trabalhistas, sob a justificativa de que a grande maioria dos direitos pleiteados na Justiça do Trabalho é patrimonial, logo, disponíveis e renunciáveis, conforme recomenda a lei de arbitragem de 1996 (CARMONA, 2006, p. 40).

Sendo assim, embora existam os defensores da arbitragem, que acreditam na eficácia do método para a solução de conflitos, esse meio ainda encontra obstáculos para aplicação aos conflitos individuais trabalhistas, dada à irrenunciabilidade dos direitos dos empregados. Quanto ao direito coletivo do trabalho, a Constituição de 1988, determina que, frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros. Por conseguinte, o processo trabalhista brasileiro, em âmbito coletivo, é arbitrável, não havendo necessidade de procurar na nova lei qualquer menção específica ao Direito do Trabalho para que o mecanismo de solução de controvérsias seja aplicável também às questões laborais (CARMONA, 2006, p. 58).

No âmbito internacional, mediante a Convenção nº 154, a Organização Internacional do Trabalho considerou a arbitragem como forma de incentivo à negociação de conflitos extrajudiciais entre os Estados. No ano de 1992, sob a influência dessa Convenção, o Brasil a ratificou com a Recomendação nº 92 que instituiu a Arbitragem voluntária como uma alternativa para resolução dos conflitos coletivos trabalhistas (DISSENHA, 2011, p. 68).

Assim, a ordem jurídica brasileira traz a possibilidade da arbitragem e sua validade, particularmente, aos conflitos coletivos trabalhistas. Essa referência é facultada às partes, quando frustradas as negociações coletivas, segundo os preceitos do art. 114 da Magna Carta. Do mesmo modo que também existe um incentivo a esse método na esfera internacional, entretanto em ambas as situações a arbitragem se aplica somente ao Direito Coletivo do Trabalho, sendo, os contratos individuais do trabalho, incompatíveis ao método adequado de solução de conflitos denominado arbitragem.

3. Estrutura Sindical Brasileira e as homologações dos contratos de trabalho

Para Delgado (2009, p. 50), os sindicatos são entidades associativas permanentes, que representam, respectivamente, trabalhadores e empregadores, visando à defesa de seus correspondentes interesses coletivos. Ao passo que Nascimento (2015, p. 35) define sindicato como uma organização social constituída para, segundo um princípio de autonomia privada coletiva, defender os interesses trabalhistas e econômicos nas relações coletivas entre os grupos sociais. Fundamentalmente, a organização sindical dos trabalhadores proporciona uma igualdade de forças quando das conversações com o patronato, constituindo um elemento de resistência ao poder da minoria sobre a maioria. É essencial a atuação dos sindicatos nas lutas cotidianas das categorias e, também, na organização dos trabalhadores, tencionando sua emancipação econômica, social e política, para que a dignidade humana do trabalhador seja observada, ou seja, este órgão pode contribuir na conciliação entre empregados e empregadores, para que possam se desenvolver reciprocamente (GARCIA, 2016, p. 115).

Na lei, antes da reforma trabalhista, quando um contrato de trabalho chegava ao fim, seja por vontade do empregador ou do trabalhador, se o empregado laborou na empresa por mais de um ano, era necessário fazer a homologação trabalhista junto ao sindicato de sua categoria (SANTOS, 2016, p. 95).

Era o sindicato, pela lei anterior à reforma, a entidade legalmente autorizada a reconhecer o fim da relação entre empregado e empregador, nesses casos, que tinha papel fundamental de assegurar ao trabalhador se os seus direitos estavam sendo cumpridos e se todos os valores pagos e descontados estavam corretos. Ocorre que, pela leitura da reforma trabalhista, essa obrigatoriedade não é mais necessária. A reforma trabalhista trouxe a faculdade a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria (incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017).

Essa possibilidade encontra obstáculos em tentativas similares totalmente infrutíferas. Cita-se, a título de exemplo, as comissões de conciliação prévia que, de modo extrajudicial, patrões e trabalhadores, com a participação do sindicato, realizavam a quitação de suas verbas trabalhistas recorrendo a um termo de eficácia geral das parcelas, com o objetivo de desafogar o Poder Judiciário do excessivo número de ações submetidas à sua apreciação. Na época, a passagem por essas Comissões de Conciliação era uma condição da ação trabalhista, sendo que, caso não houvesse a tentativa prévia de composição das partes pelo instituto extrajudicial, haveria a extinção do processo sem julgamento do mérito (BARROS, 2009).

Essa alternativa para desafogar as demandas judiciais não impediu que os casos mais simples e passíveis de acordo fossem submetidos ao crivo do Judiciário. Pelo contrário, estatisticamente as reclamatórias trabalhistas aumentaram, uma vez que, nesses órgãos, era intensa a coação para que o empregado aceitasse a conciliação, mesmo porque, a maioria pensava que se tratava da própria Justiça do Trabalho.

As mesmas intenções vem no parágrafo único do novo artigo 507-B da CLT que prevê um termo que discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.

Ocorre que, em atenção ao princípio constitucional da indisponibilidade, o acesso à justiça não pode ser condicionado, ou seja, o mencionado termo de eficácia liberatória, certamente não dará a quitação geral de todas as verbas efetivamente trabalhadas. Assim, o mesmo que ocorreu com as Comissões de Conciliação Prévia provavelmente acontecerá com essa nova função atribuída ao sindicato, muito mais com o fito de obter um aval para a quitação do que de fortalecê-lo com novas atribuições. Ou seja, mesmo após a quitação anual, certamente, esses contratos de trabalho serão novamente discutidos em reclamatórias trabalhistas encaminhadas ao Judiciário, como já aconteceu no passado.

4. As alterações da Reforma Trabalhista nos contratos de trabalho à luz dos artigos 507-A e 507-B da Nova Lei nº 13.467/​2017

A nova redação do artigo 507-A, da Consolidação das Leis Trabalhistas preceitua que nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

Conforme análise da desembargadora Vólia Bomfim Cassar tal previsão normativa se esqueceu que os direitos trabalhistas previstos em lei, devido à sua característica pública, são irrenunciáveis e intransacionáveis. Logo, são direitos indisponíveis. Desse modo, o valor do salário recebido pelo empregado não altera a natureza jurídica do direito (CASSAR, 2017).

Verdadeiramente a necessidade dessa alteração é dispensável e sem qualquer eficácia jurídica. Os direitos trabalhistas, especialmente, os de natureza individual, não devem ser objeto de transação, pois são indisponíveis, uma vez que essa concessão da arbitragem aos empregados que recebem mais que R$ 11.063,00 (onze mil e sessenta e três reais) é desconhecer a Lei nº 9.307/​96, que só permite a arbitragem em direitos patrimoniais disponíveis (art. 1º, p. 01) (CASSAR, 2017).

Ademais a lei de arbitragem pressupõe a igualdade entre as partes, o que é incompatível com as causas trabalhistas que predominam a desigualdade. Esse novo dispositivo considera que os empregados que recebem duas vezes o limite máximo da Previdência, não precisam da tutela do Estado ou do Sindicato, portanto têm autonomia para negociar diretamente com seus empregadores (DE LIMA, p. 79, 2017).

Essa possibilidade da arbitragem somente para esses empregados coloca-os em pé de igualdade com seus patrões, o que, no entanto, não se trata de uma relação de igualdade, e coloca esses trabalhadores vulneráveis aos vícios de consentimento, os quais invalidarão a opção e terão que recorrer ao Judiciário.

Assim, não há que se falar em quaisquer benefícios a esses trabalhadores, em específico, embora na nova norma conste a obrigatoriedade da anuência desses empregados à arbitragem, na prática, nenhum deles realmente terá esta opção, visto que a ameaça de demissão do cargo falará mais alto e a concordância desses funcionários será praticamente compulsiva. É forte a dependência econômica deste trabalhador ao seu empregador. Sabe-se que com os descontos atribuídos aos salários, o salário líquido será ainda inferior ao bruto, sendo insuficiente para dar segurança a estes empregados categorizados na reforma, como hiperssuficientes.

Outro dispositivo alterado pela reforma foi o artigo 507-B que faculta a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria. Embora seja uma previsão normativa recente, existem diversas críticas em relação à eficácia deste dispositivo, visto que, não há que se falar em quitação de valores que ainda não estão pagos, portanto, o empregado será totalmente prejudicado, pois, uma vez mais renunciará seus direitos trabalhistas.

Ainda, existem estudiosos do Direito do Trabalho que afirmam que bastam os recibos para a comprovação das obrigações trabalhistas, logo, não cabe ao sindicato a quitação anual dessas verbas, uma vez que, na prática, a maioria dos direitos do trabalhador serão ocultados pelos empregadores, que poderão encerrar quaisquer pagamentos pendentes com o termo de eficácia liberatória das parcelas. Ademais, o empregado que está subordinado, dependente economicamente do seu empregador, se este solicitar que assine um recibo de quitação de horas extras, adicionais etc., como o sindicato poderá adivinhar que o recibo não correspondente à realidade? Será o empregado hipossuficiente que denunciará o seu empregador no momento da homologação?

5. A identidade do trabalhador e os direitos da personalidade

Historicamente, a maioria das propostas das reformas justificam que os tempos mudam e as leis não conseguem acompanhar suas evoluções. Ocorre que a primeira legislação trabalhista, desde sua vigência, tem sido constantemente modificada adaptando-se ao contexto das relações de trabalho, especialmente no tocante à dignidade do trabalhador. Para que haja alterações nos dispositivos de uma legislação, ou a inclusão de outras normas no mesmo corpo jurídico, todos os sujeitos relacionados a ele devem ser notados, desde os mais favorecidos até os hipossuficientes (DE LIMA, 2017, p. 15). Essa ordem não foi respeitada pela reforma trabalhista; pelo contrário, nessas mudanças normativas os interesses dos trabalhadores foram desconsiderados, especialmente em relação à sua dignidade humana, na mesma proporção que a classe empresária foi elevada e seus direitos assegurados. Pouco foram discutidas estas mudanças e, ainda que discutidas, não foram ouvidos os interesses reais de todos os atores envolvidos.

É importante lembrar que o labor é essencial para a vida do homem, seja como fazendo parte de um todo, seja na busca de sua identidade de trabalhador. Ao longo desse caminho, a garantia dos direitos da personalidade representam a preservação da dignidade do indivíduo, além de serem indispensáveis ao seu crescimento (VÁLIO, 2006, p. 10). Durante todo o contrato de trabalho, o empregado constrói sua identidade enquanto trabalhador, dentro do estabelecimento comercial. Os direitos da personalidade desse trabalhador devem ser sempre observados e respeitados, principalmente a dignidade humana dos empregados considerada, para a elaboração das leis trabalhistas. Essa dignidade se manifesta no direito à vida, à honra, à integridade física, à saúde, à integridade moral, à intimidade, bem como à garantia da afirmação social do trabalhador no recinto laboral.

Ainda que o Direito Trabalhista, antes da reforma, não mencionasse expressamente os direitos da personalidade convencionados em nossa Carta Magna, esses direitos são oponíveis contra o empregador, por conseguinte devem ser respeitados, independentemente de encontrar-se o titular desses direitos dentro do estabelecimento empresarial (BARROS, 1997, p. 56). Destaque-se, que este aspecto merece reflexão, entretanto, não se fará nesse artigo por não fazer parte do seu objeto, mas a reforma ao inserir os direitos da personalidade no seu texto, o faz de forma tímida, mais para limitá-los que para salvaguardá-los.

Essencialmente, o Direito do Trabalho busca a preservação e proteção da dignidade da pessoa humana, seja físico, material, mental ou psíquico, intelectual, moral e existencial, caso contrário, a legislação trabalhista perde o seu papel de proteger o ser humano. Para que todo homem realize-se enquanto pessoa, é imprescindível que o princípio da dignidade humana e os direitos de personalidade constituam a satisfação de um mínimo existencial, que não pode ser garantido sem um trabalho, um emprego digno.

Os novos dispositivos acrescentados à CLT com a Reforma Trabalhista não deixarão escolhas aos trabalhadores senão abrir mão desse mínimo existencial para assegurar o seu sustento e de sua família. Por exemplo, a arbitragem aos contratos individuais de empregados que recebem duas vezes o maior benefício da previdência não traz a ideia de igualdade entre as partes, mas a submissão forçada desses trabalhadores ao instituto para garantia de seus empregos. Uma verdadeira afronta à sua liberdade de expressão e ao direito de livre acesso ao judiciário, pois pretende limitar a sua iniciativa e não incentivar que o mesmo não abra mão de seus direitos fundamentais.

A classe empresária fortalecida pela reforma trabalhista possivelmente utilizará o novo dispositivo da quitação anual dos direitos trabalhistas para se eximir de suas responsabilidades contratuais, tais como pagamento de horas extras, adicionais, ou até mesmo desobrigar-se de eventuais acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais acometidas na vigência do contrato de trabalho. O direito à saúde e à integridade física estará leiloado ao sabor da boa-fé do contratante.

Tendo em vista que, tamanha a necessidade de manter o seu emprego, diante do notório desemprego registrado historicamente em nossa sociedade, é que o trabalhador se sujeitará à violação dos direitos de personalidade, privacidade e intimidade, bem como à dignidade da pessoa humana. Abrirá mão do seu mínimo civilizatório, do seu mínimo existencial, em prol da sobrevivência.

Conclusões

Afinal, os dispositivos da reforma trabalhista de modo geral inverteram a ordem trabalhista, transformando a classe empresária em hipossuficiente e a classe trabalhadora em hiperssuficiente. A reforma, como posta, trouxe benefícios e garantias aos empregadores, na mesma proporção que os trabalhadores foram desfavorecidos e seus direitos da personalidade esquecidos, especialmente, a dignidade humana desses empregados que, a partir de agora abrirão mão de seu mínimo existencial para garantia de seus empregos.

A análise específica dos dois dispositivos: 507-A e 507-B permitiu conclusões importantes, inicialmente, no método de solução de conflitos extrajudicial denominado arbitragem, no qual nomeia-se um terceiro imparcial para proferir um laudo arbitral, com a mesma eficácia jurídica de uma sentença judicial, em que julgará a controvérsia trazida, arbitrando uma sentença condenatória ou absolutória. Esse instituto tem como regra clara que somente se arbitrará bens patrimoniais disponíveis. Portanto, o presente estudo concluiu a total incompatibilidade desta prática com o Direito do Trabalho, em que os bens são indisponíveis.

Assim, o novo dispositivo que prevê a arbitragem aos contratos individuais trabalhistas daqueles empregados que recebem o dobro do maior benefício da previdência social, provavelmente não logrará êxito. Primeiro pelo antagonismo dos bens trabalhistas, que jamais podem ser renunciados, segundo porque o grupo de trabalhadores que recebem esse teto remuneratório, pelo simples fato de perceberem um valor acima dos demais empregados não devem ser considerados aptos, nem mesmo autônomos para celebrarem com igualdade sua rescisão contratual com seus empregadores, sem provavelmente atingir seus direitos da personalidade, especialmente, dignidade da pessoa humana. O mesmo ocorre com a quitação anual prevista pelo novo artigo 507-B da CLT, essa é uma nova função atribuída ao sindicato, com o intuito de bloquear que as demandas cheguem à justiça do trabalho e fazê-lo mero carimbador da pretensa quitação.

Nessa direção, o presente estudo observou que em experiências anteriores houve essa tentativa de desafogar as reclamatórias trabalhistas por meio de órgãos extrajudiciais que na época eram chamadas Câmaras de Conciliação Prévia. A passagem por essa conciliação era obrigatória e, caso houvesse acordo, seria emitido um termo de eficácia liberatória geral das verbas transacionadas. Em caso negativo, na ausência de transação entre as partes, a demanda chegava ao Judiciário. Na realidade, salvo honrosas exceções, essas comissões não foram eficazes, uma vez que, mesmo em acordos, não raras vezes, terminavam na Justiça do Trabalho, pois não ficavam bem resolvidos pelas partes ou mesmo não havia segurança jurídica alguma do mencionado termo de eficácia geral das parcelas.

A partir da análise deste antigo instituto e suas experiências, este estudo concluiu que, provavelmente, o legislador teve a mesma intenção das Comissões de Conciliação Prévia, quando da elaboração do novo artigo 507-B, parágrafo único, exatamente no momento em que atribui ao sindicato a função de emitir o termo de eficácia geral das parcelas que, supostamente, já teriam sido quitadas ao longo do ano pelo empregador.

Assim, conclui-se que, como em experiências precedentes, possivelmente a aplicação deste novo dispositivo da Reforma Trabalhista não será eficaz para a quitação de todas as verbas trabalhistas, aliás, certamente, a maioria dos trabalhadores, após o termo de eficácia das parcelas trabalhadas abrirão mão de seu mínimo existencial negociando seus direitos da personalidade para garantia de seus empregos e sustento próprio e de seus familiares. Conclui-se ainda que todo trabalhador deve ter sua dignidade humana respeitada durante o contrato de trabalho. O empregado constrói sua identidade no meio ambiente laboral e ela deve ser preservada, visto que esse é o princípio basilar da legislação trabalhista “deformado” nessa suposta “reforma”.

Referências

BARCELLAR, Roberto Portugal. Mediação e arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2016.

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Recebido em: 25 mar. 2018.

Aceito em: 8 out. 2018.