A
resolução do contrato por onerosidade excessiva no Código Civil Brasileiro de
2002 e sua aplicação no Superior Tribunal de Justiça
The closure of
contracts due to excessive costs in the Brazilian Civil Code of 2002 and its
aplication the Brazilian Superior Court of Justice
Larissa
Maria de Moraes Leal*
Roberto
Paulino de Albuquerque Júnior **
RESUMO. O artigo tem por
objetivo investigar a interpretação do Superior Tribunal de Justiça a respeito
da resolução dos contratos por onerosidade excessiva. Ao final, conclui-se que
o Tribunal ainda se atém à imprevisibilidade como critério e à resolução, ao
invés da extinção, como solução principal adotada.
PALAVRAS-CHAVE: Contratos;
Resolução; Onerosidade excessiva; Superior Tribunal de Justiça.
ABSTRACT: The paper aims to
investigate the interpretation of Brasil´s Superior Court of Justice regarding
the closure of contracts due to excessive costs. It concludes that the court
still embraces unpredictability as a criterion and closure, instead of revoking
the contracts, it is still the main applied solution.
KEYWORDS: Contracts; Extinction;
Excessive cost; Superior Tribunal de Justiça.
INTRODUÇÃO
As intrincadas relações
entre a vontade e o contrato, que alcançaram momento máxime de fusão a partir
das revoluções liberais, não resistiram aos desafios do século XX. Os reclames
contemporâneos de justiça social avançaram em todas as esferas do direito,
transformando o direito civil tradicional. Superada, parece, a ideia de
concepção da vontade como critério-base e, ao mesmo tempo, limite dos
contratos. Todavia, ainda é possível encontrar, aqui e ali, em nossa legislação
e decisões judiciais, resvalos da teoria da vontade e, por consequência, de
seus efeitos no ambiente negocial. Assim ocorre com o tratamento dado à
onerosidade excessiva no Código Civil Brasileiro de 2002, onde figura arrolada apenas
como mecanismo de extinção dos contratos.
O objetivo é investigar as razões dessa escolha do legislador, seus
reflexos na dimensão social dos pactos e sua incidência prática nas decisões do
Superior Tribunal de Justiça. Consideramos apenas o enfrentamento do tema da
onerosidade excessiva na seara de contratos civis e empresariais, excluindo-se
da presente pesquisa a revisão ou resolução dos contratos de consumo, haja vista
sua regulação por lei autônoma, o Código de Defesa do Consumidor.
No primeiro tópico,
serão abordadas as transformações que afastaram a teoria contratual da
soberania clássica dos contratos, assentada na prevalência da vontade como
núcleo central e intangível dos negócios, rumo à afirmação de uma base objetiva
dos pactos, fundada na justiça contratual.
A partir dessa
perspectiva de uma reformada teoria do contrato, avança-se no estudo da
onerosidade excessiva e suas implicações no ambiente contratual, tendo como
norte a diretriz de garantia contemporânea de equivalência material nos pactos.
Nessa ambiência, será dada especial atenção à força jurídica atribuída à
alteração das circunstâncias contratuais, que pode tanto conduzir à revisão do
conteúdo negocial, como à própria resolução do contrato.
O tratamento dado à
onerosidade excessiva pelo Código Civil Brasileiro de 2002 é objeto do terceiro
tópico deste trabalho. Sobreleva notar a opção do legislador em direcionar a
onerosidade excessiva à resolução do contrato, ainda que as demais figuras
hermenêuticas destinadas à revisão dos contratos, como a cláusula rebus sic stantibus e a teoria da
imprevisão constem do texto legal em comento.
Ao fim, as conclusões a
que se chega serão apresentadas por meio de comentários à aplicação da
onerosidade excessiva pelo Superior Tribunal de Justiça, onde serão analisadas
os efeitos da aludida escolha do legislador. O texto das decisões colacionadas será
confrontado com os elementos dispostos, no Código Civil Brasileiro, como
requisitos de aplicação da onerosidade excessiva no ambiente contratual e será
aferido se há, ou não, também nesta Corte Superior, uma visão mais voltada a
conferir eficácia resolutiva, em lugar de modificativa, à incidência de
alterações supervenientes das circunstâncias negociais.
1 Da Soberania Clássica do Contrato à Teoria da Base
Objetiva do Contrato
Os contratos,
tradicionalmente, apareciam revestidos pela súmula pacta sunt servanda, corolário necessário da autonomia da vontade, traduzida
pela força vinculante dos pactos, que, como tal, deviam ser cumpridos (LIMA,
2007, p. 153). Entretanto, nesta fórmula, a vontade ainda não era um elemento
conformador e causador dos contratos; pelo contrário, no direito romano, a
vontade ou o consenso apenas excepcionalmente formavam os pactos. Foi apenas
bem mais adiante, com o jusracionalismo, que a vontade passou a ser
compreendida como fonte máxima de obrigações. (ALMEIDA, 1992, p. 69)
No decorrer do século
XIX, uma convergência entre os juristas, então tida como universal, estabelecia
que o direito positivo seria norteado e dominado por uma ordem natural de
justiça. Essa convergência era tamanha, que foi considerada verdadeira religião
de Estado. (RIPERT, 2002, p. 16). A vontade, nesse período, avançava, sob a
égide dos princípios da liberdade e igualdade, como expressão máxima de fonte
legitimadora e conformadora dos contratos, sendo, portanto, intangível por
decreto e por crença.
A alteração das
condições contratuais, contudo, não obedecia aos decretos de satisfação dos
anseios de segurança jurídica dos modernos. Os fatos supervenientes se impunham
e o direito, até meados do século XX, ainda absorto das verdades
revolucionárias do liberalismo e já estático diante da necessidade de lidar com
as novas insurgências da sociedade, passou a indagar: pode o Estado intervir na
execução do contrato? Pode o Estado alterar as condições contratuais, impedir
ou retardar a execução de obrigações previamente dispostas em contrato?
A mitigação dos
princípios clássicos dos contratos – autonomia da vontade, liberdade contratual
e relatividade dos contratos – deu margem à composição de uma nova teoria dos
contratos, que passou a contemplar, também, os princípios da função social dos
pactos, da boa-fé objetiva, da equivalência material e, sobretudo, ofereceu ao
direito civil uma visão revolucionária de justiça contratual (LEAL, 2003, p.
26).
Mas a segurança
ilusória dos modernos, mesmo em uma nova ordem social, ainda permanecia, como
permanece até os tempos atuais, latente, tanto assim que não faltaram autores
que proclamaram ser ainda a vontade a base da revisão dos contratos.
As doutrinas que
colocam os instrumentos de revisão dos contratos, como a cláusula rebus sic stantibus e a teoria da
imprevisão, sob a análise da força da autonomia contratual, consideram que esta
revisão deriva, tacitamente, da vontade das partes. Para estas, a revisão
também é querida e esperada, dado que o estado de coisas no qual elas teriam
baseado sua declaração de vontade teria sido alterado de forma profunda e
imprevisível. Tendo se comprometido a uma prestação, mediante uma vontade
manifestada com base em um determinado estado de coisas, se houve modificação
na base da vontade, a revisão, assim, seria querida e pretendida como forma de
proteger a própria vontade das partes. (MORAES, 2003, p. 31-32) Em síntese
apertada, o que se oporia ao credor, em uma revisão nesses moldes, seria sua
própria vontade.
Se, na antiguidade, em princípio determinava-se a obrigação de
adimplemento a quem prometeu (se deve, pague), sem atenção aos possíveis
sacrifícios que esta diretriz gerava, foi o absolutismo dessa proposição que
levou à conclusão de que havia, ali, uma dissociação entre o modo de lidar com
o contrato e as necessárias adaptações que o direito reclamava. (PONTES DE
MIRANDA, 1971, p. 216).
A chamada crise do
contrato domiciliava-se justamente na inadequação entre uma dogmática ainda
assentada na vontade como centro irradiador das normas contratuais e os
reclames da contemporaneidade, que tornaram urgentes a funcionalização social
do contrato, a garantia de equivalência material nos pactos e, por decorrência
lógica, a revisão de seus conteúdos, em razão da ocorrência de fatos
supervenientes que alterassem a condição de cumprimento contratual.
Foram, então, ao longo do século XX, resgatados institutos geneticamente
dirigidos à revisão negocial, mas que ainda não haviam sido administrados de
modo a realizar seu desiderato, como a cláusula rebus sic stantibus, e sendo formulados os seus sucedâneos, como a
teoria da imprevisão, a teoria da base do negócio jurídico e, mais ao final, a
onerosidade excessiva. Esses institutos
foram trazidos para o ambiente da teoria dos contratos com vistas à realização
da função social dos pactos e efetivação da ideia contemporânea de justiça contratual.
Oriunda do trabalho dos
glosadores, a teoria da cláusula rebus
sic stantibus, reverenciada por autores como Hugo Grócio e Pufendorf, foi
implantada no direito civil por Eberhard, no final do século XVIII, sendo
introduzida na codificação territorial prussinana e no Código Civil austríaco.
Ao longo dos séculos XVIII, XIX e início do século XX, a cláusula rebus sic stantibus foi amplamente
criticada, sendo comum o argumento de que repugnaria à própria ciência do
direito, por sua imprecisão, e porque configuraria o elemento mais aparente de
uma teoria com que, sem lei ou norma geral, seria criada regra jurídica sobre a
base do contrato. (PONTES DE MIRANDA, 1971, p. 217-218). Discutia-se, então, a
própria concepção de base do negócio jurídico.
Mesmo dirigida à defesa
da possibilidade de revisão do contrato, a teoria da base do negócio jurídico
estava impregnada do princípio da autonomia da vontade. Se, a rigor, como
afirmava Pothier, a justiça contratual constituía uma exceção ao rigor dos
princípios do direito romano, não foi com facilidade que os juristas avançaram
rumo à lapidação de uma perspectiva de justiça negocial onde estejam
assegurados, ao mesmo tempo, o equilíbrio do contrato, seus fins econômicos e
sociais e sua execução de boa-fé, tudo o que seria, atualmente, a base
objetiva, e não mais subjetiva, do contrato. (RIPERT, 2002, p. 144).
2 A Onerosidade Excessiva e seus Efeitos no Ambiente
Contratual
2.1
A Onerosidade Excessiva
Sempre que às
circunstâncias nas quais o contrato foi celebrado sobrevierem fatos que as
alterem em substância, onerando excessivamente uma das partes contratantes, o
equilíbrio do contrato estará alterado. Esse é o ambiente onde deve incidir o
instituto da onerosidade excessiva que, se esteve originalmente ligado à ideia
de lesão contratual, destinando-se à resolução do contrato, rapidamente
orientou-se, na doutrina, rumo à revisão dos pactos.
É certo que todo contrato, dada a sua função econômica, implica
risco, que se avoluma quando este pacto projeta-se no tempo, tendo execução
diferida. Não é possível estabelecer o ponto exato do equilíbrio contratual ou
de sustentação de suas condições, mas sempre que a mudança de circunstâncias
ultrapassar o limite objetivo e razoável das expectativas das partes contratantes,
o risco do negócio perde importância. Neste caso, não será mais adequado exigir
que a parte devedora, não tendo responsabilidade na alteração de condições,
assuma a onerosidade excessiva decorrente. (LÔBO, 2011, p. 202).
A onerosidade excessiva
figurou em texto legal no Brasil apenas no final do século XX, por meio do
Código de Defesa do Consumidor. Ali, no artigo 6º, inciso V, sempre que um fato
superveniente torne excessivamente onerosas as obrigações contraídas pelos
consumidores, lhes foi atribuído o direito de reivindicarem a modificação dessas
obrigações majoradas, reconduzindo-se o contrato a um ambiente de
proporcionalidade aceitável.
A linha de constituição
da ideia de onerosidade excessiva como mecanismo hermenêutico destinado à revisão
ou à resolução dos contratos, sem embargos de opiniões distintas, pode ter como
marco inicial as construções doutrinárias acerca da cláusula rebus sic stantibus. Como visto
anteriormente, o cumprimento dos pactos estaria adstrito, implicitamente, ao
conteúdo da cláusula geral de continuidade e permanência das condições da
avença; alteradas essas condições por fato superveniente, o cumprimento das
obrigações decorrentes do contrato estaria em xeque.
Na França, a evolução
da cláusula rebus sic stantibus conduziu
os doutrinadores a concebê-la em um enfoque diferenciado. Sob a égide de seu Code, ao longo de todo o século XIX, a
jurisprudência civil francesa, dirigida pela máxima da completa intangibilidade
do conteúdo contratual, entendia ser impossível a revisão dos pactos. (MORAES,
2003, p. 31-32). Já a doutrina francesa, talvez por estar vinculada a esse
sistema judiciário, tratou de mitigar a abrangência da cláusula rebus sic stantibus, reduzindo o espaço
da revisão judicial do contrato e tornando exigível mais um requisito para a
sua realização: a imprevisibilidade do evento superveniente que teria gerado a
alteração das condições contratuais. Essa doutrina francesa foi denominada
teoria da imprevisão e teve larga influência no direito civil pátrio. (LÔBO,
2011, p. 203-204).
Na Itália, em 1942, o
então Novo Codice Civile, nos artigos
1467 a 1469, adotou a onerosidade excessiva, já assim expressa, como causa de
resolução contratual. Os italianos optaram por aplicá-la aos contratos de
execução continuada, periódica ou diferida, agravados pela ocorrência de
eventos extraordinários e imprevisíveis, onde a alteração de circunstâncias
houvesse gerado uma excessiva onerosidade para uma das partes. A onerosidade
não seria considerada no âmbito da álea natural de cada contrato e, assim como
ficou consolidado no texto do Código Civil Brasileiro de 2002, a resolução somente
poderia ser evitada pela parte contra a qual fosse demandada, por meio de
proposição de modificação equitativa das condições do pacto. (MORAES, 2001, p.
83).
A vinculação da
onerosidade excessiva com a teoria da imprevisão, na Itália, justifica-se tanto
por seu momento político-econômico, como em razão das influências das
discussões francesas sobre o tema. Mas no Brasil, tal justificativa não há.
Os autores de
anteprojeto do Código Civil Brasileiro de 2002 conheciam os tratamentos
sucedâneos dados à cláusula rebus sic
stantibus, à teoria da imprevisão e à onerosidade excessiva. A revisão,
assentada na principiologia revisionista da teoria da imprevisão, foi
justificada por Miguel Reale, supervisor da comissão elaboradora e revisora do
Código, como sendo um dos muitos exemplos de atendimento à socialidade do
direito, tendo por objetivo imbuir nos pactos negociais estrutura e função
social. (MORAES, 2003, p. 208). Mas não foi mencionada qualquer justificativa
razoável para que a onerosidade excessiva constasse do texto apenas em sua
vertente produtora de eficácia resolutiva dos pactos. Perdeu, portanto, o
legislador brasileiro um momento bastante oportuno para estabelecer, em claras
linhas, um novo programa de revisão dos contratos, mais objetivo, mais dinâmico
e em consonância com as demandas sociais.
2.2
A Eficácia Modificativa ou Revisional da Alteração de Circunstâncias
A apreensão do sentido
de eficácia modificativa das alterações de circunstâncias na esfera contratual
remonta à Idade Média. O direito romano primitivo, apegado ao formalismo que
lhe era peculiar, pouco cuidou em lidar com os pactos de trato sucessivo ou com
os possíveis desequilíbrios posteriores à formação dos contratos. Cabia às
partes o dever de precaução contra o perigo de superveniência de fatos que
alterassem o equilíbrio do contrato. Foram os canonistas que, revendo o direito
romano, cunharam a máxima non servanti
fidem, non est fides servanda, julgando imoral que um contratante pudesse
exigir o cumprimento das promessas do outro quando não tivesse disposição ou
não tivesse condições, ele mesmo, de manter suas próprias promessas. (RIPERT,
2002, p. 143).
Atribuir efeito
modificativo ou revisional à alteração das circunstâncias contratuais persiste
como problemática sensível na teoria dos contratos. É comum a agregação, a tais
situações, das discussões próprias dos chamados conflitos entre os princípios
gerais que informam o Direito. “Fala-se, assim, de conflito entre o valor da segurança, que exige a manutenção dos
contratos e o da justiça, que impede
benefícios injustificados para uma pessoa, à custa de outra”. (MENEZES
CORDEIRO, 1999, p. 142).
Entrementes, apenas um
giro de 180 graus, como o ocorrido na teoria geral dos contratos, absorvendo
uma nova ideologia principiológica, tornou possível estabelecer que, por
justiça contratual, os pactos devem ser revistos ou extintos, a depender da
possibilidade ou não de sua continuidade, em razão da ocorrência de fatos
supervenientes que os tornem desequilibrados e dissociados de seus valores
econômicos e sociais.
Nesse sentido dispõe o
Código Civil Português, em seu artigo 437, no 1, apontado como sendo de
significativa clareza:
Se as circunstâncias
em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração
anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato ou à modificação
dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela
assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos
riscos próprios do contrato.
Seria, portanto, na
legislação portuguesa, um juízo de equidade o fundamento para atribuição de
eficácia revisional, ou não, à alteração das circunstâncias, diretriz contrária
à determinada no Código Civil Brasileiro de 2002, que, como veremos, optou por
restringir o papel do juiz no tratamento dos fatos supervenientes hábeis a
alterar as condições dos pactos.
2.3
A Eficácia Resolutiva da Alteração das Circunstâncias
A eficácia resolutiva
da modificação de circunstâncias contratuais é conhecida, no Brasil, pela
jurisprudência, desde 1930. Neste ano, Nelson Hungria, ainda na condição de
magistrado de primeira instância, com base na cláusula rebus sic stantibus, determinou a resolução de uma promessa de
compra e venda de imóvel, firmada 18 anos antes. O valor do objeto da avença
havia sido decuplicado nesse intervalo de tempo, como resultado de alterações
imprevisíveis do mercado de imóveis, ocasionadas por empreendimentos realizados
pela Prefeitura do Município do Rio de Janeiro. Foi com base nos princípios
gerais do direito, na equidade e no reconhecimento dessas alterações de
circunstâncias, que a promessa de compra e venda foi declarada resolvida,
sendo-lhe negados todos os efeitos jurídicos. (MORAES, 2003, p. 21).
Em síntese, a eficácia
resolutiva da alteração de circunstâncias está assentada na seguinte premissa:
o contrato era respeitável quando concluído porque correspondia a fins
legítimos; posteriormente à sua conclusão, quer por culpa de uma das partes, de
terceiro ou por um acontecimento fortuito, desequilibrou-se, tornando a sua
execução indevida. Não obstante, como se trata de quebra de contrato, a
intervenção do judiciário é necessária por dois motivos: para avaliação do grau
de inexecução, se parcial, acessória ou tardia; e porque não deve haver
extinção de pleno direito de obrigação legitimamente contratada em decorrência
de alteração das circunstâncias contratuais. (RIPERT, 2002, p. 144-145).
Contudo, o que deveria
ser residual ou excepcional, a terminação do contrato, no Código Civil
Brasileiro passou à condição de regra. Em seu texto, o Código dirige os
contratos impactados por fatos supervenientes - e tornados excessivamente
onerosos – diretamente à resolução, olvidando-se de que a própria ideia de
função social dos contratos reside, preliminarmente, em sua existência.
A eficácia resolutiva
da alteração de condições deveria ser reconhecida somente nas hipóteses em que
não fosse possível salvar o contrato, garantir a continuidade da relação
jurídica contratual, resgatando seu equilíbrio. Como veremos, o texto
escorreito do Código conduz, em uma interpretação literal, ao resgate do pacto
apenas, e somente apenas, quando a parte beneficiada pela alteração de
condições, voluntariamente, oferecer-se para alterar o conteúdo contratual.
3 A Onerosidade Excessiva no Código Civil Brasileiro
de 2002 e sua aplicação no Superior Tribunal de Justiça
Em uma clara
manifestação de sobrepujança dos efeitos extintivos das alterações de condição
contratual, como vimos, nosso Código Civil optou por tratar a Onerosidade
Excessiva no capítulo destinado à extinção dos contratos.
Dispõe o artigo 478, do
Código Civil Brasileiro:
Art. 478. Nos
contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes
se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude
de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a
resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data
da citação.
São requisitos legais,
portanto, para a resolução por onerosidade excessiva: a- que o contrato seja de
execução diferida ou continuada; b- que a alteração de circunstâncias se dê em
virtude de acontecimento extraordinário e imprevisível; c- que, em razão de
tais acontecimentos, a prestação de uma das partes se torne excessivamente
onerosa e que, concomitantemente, haja extrema vantagem para a outra parte. Ao
lado desses requisitos legais, temos também um requisito que se impõe em razão
do sistema de direito civil: d- que a parte beneficiada pelo fato superveniente
não seja culpada ou responsável por sua ocorrência, dado que a ninguém é
permitido beneficiar-se de sua própria torpeza.
Pelo texto do Código
Civil, a imprevisibilidade figura como requisito não apenas à revisão dos
contratos, mas também à resolução dos mesmos. O fato previsível, em princípio,
excluiria a alegação de onerosidade excessiva.
Em outro sentido, o
Código de Defesa do Consumidor avançou ao não exigir a imprevisibilidade ou
irresistibilidade do fato superveniente, exigindo, tão somente, a quebra da
base objetiva o pacto, caracterizada pela fratura de seu equilíbrio e abalo na
relação de equivalência material das prestações. (CARDOSO, 2007, p. 556).
O elemento autorizador
da revisão, no Código Civil Brasileiro que deveria ser objetivo, o
desequilíbrio gerado pelo fato superveniente, foi tratado subjetivamente. A
exigência de imprevisibilidade, além de ser eminentemente subjetivista e
apegada ao corolário da autonomia da vontade, negligencia todo o
desenvolvimento da chamada nova teoria dos contratos e desafia, frontalmente, seus
princípios sociais.
A doutrina,
alternadamente, aponta dois modelos que teriam servido de inspiração ao
legislador nacional: para alguns, a comissão de Miguel Reale teria seguido as
diretrizes que compunham o Código Civil italiano de 1942, em seus artigos 1467
a 1469, já aventados anteriormente. Para a maioria, contudo, o modelo parece ainda
mais remoto: a Lei Failliot, de 1918, que propôs, na França, a rescisão
contratos anteriores à guerra porque sua execução havia se tornado
excessivamente onerosa. Ali, ainda apegados à vontade, não se cogitava a
possibilidade de revisão dos conteúdos contratuais. Em seu artigo 2º, a Lei Failliot
tinha como caráter essencial a intervenção do Juiz no desenlace contratual
porque as partes não poderiam, sozinhas, desligar-se de uma obrigação que se
tornara ruinosa para uma delas. O juiz não poderia rever o pacto para lhe
modificar as cláusulas estabelecidas; os juristas consultados antes da edição
desta lei, afastaram a proposta de revisão, afirmando que esta somente poderia
resultar de entendimento entre as partes. (RIPERT, 2002, p. 145).
Nesse mesmo sentido, o
legislador dispôs, no artigo 479 do Código Civil Brasileiro: “A resolução
poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as
condições do contrato”.
Apesar de o legislador ter absorvido as ideias próprias da cláusula
rebus sic stantibus e da teoria da
imprevisão, a exemplo da disposição constante do artigo 317 do Código Civil[1], e independentemente do modelo seguido,
italiano ou francês, o fato é que o Código Civil Brasileiro não avançou quanto
podia no tratamento da onerosidade excessiva. A partir da segunda metade do século
XX, já havia amplo consenso doutrinário na Europa sobre a inspiração da
onerosidade excessiva: afastando a perspectiva de imprevisibilidade, a revisão
do contrato seria inspirada no conceito de equilíbrio objetivo entre as
prestações, de garantia de um sinalagma funcional nos pactos. Seria, pois, um
retorno à objetividade originária da cláusula rebus sic stantibus, com maior intimidade com os princípios sociais
dos contratos.
O Superior Tribunal de Justiça julgou menos de uma dezena de
pedidos nos quais houve alegação de resolução dos contratos decorrente de
alteração das circunstâncias, com base nas disposições do Código Civil
Brasileiro de 2002. As razões para tanto assentam-se em três fatores: os
filtros processuais que determinam quais os pedidos que serão conhecidos e
julgados em nossos Tribunais Superiores; a evidência de que, na grande maioria
das situações, é na seara dos contratos de consumo que se tem requerido a
incidência da onerosidade excessiva; e, por fim, a rigidez dos critérios impostos
pela legislação civil brasileira para a aplicação da onerosidade excessiva, com
especial destaque à escolha do legislador em dirigir o contrato que teve suas
condições alteradas por fato superveniente à resolução e não à revisão dos
pactos, bem como o requisito de imprevisibilidade do fato superveniente, este
que tem sido o maior óbice à resolução dos contratos por onerosidade excessiva.
A opção do legislador, afastando no texto do Código o juízo de
equidade do magistrado, negando-lhe a opção entre rever ou resolver o contrato,
gerou consequências imediatas. As turmas do Superior Tribunal de Justiça
competentes para processar e julgar feitos dessa natureza, a terceira e a quarta,
têm julgado casos de onerosidade excessiva, incidente em contratos civis e empresariais,
de modo uniforme. A opção, no STJ, segue a diretriz do legislador e, diante de
onerosidade excessiva incidente nos contratos, a opção tem sido a de buscar o
preenchimento literal de todos os requisitos arrolados no artigo 478 já
referido.[2]
Não é demais ratificar, o requisito de imprevisibilidade,
dissonante da teoria da onerosidade excessiva hodierna, aparece com força total
nos julgados do Tribunal da Cidadania. Se não resta provada a imprevisibilidade
do evento que alterou as condições contratuais, prejudicada ficará a parte
excessivamente onerada, a quem caberá o cumprimento ordinário das obrigações
que contraiu no momento da contratação.
Dirimindo conflito de onerosidade excessiva em contratos de safra,
os quais têm alta carga de aleatoriedade, o STJ negou aplicação da onerosidade
excessiva aos mesmos, assentado na premissa de que este instituto reclama a
superveniência de evento extraordinário e impossível de ser antevisto pelas
partes contratantes. Não houve argumentação pautada na possível vulnerabilidade
jurídica de uma das partes; houve simples aplicação escorreita do texto legal,
conforme julgou a quarta turma, em 28 de fevereiro de 2012:
RESP 945166–GO
Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO.
INEXISTÊNCIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA DE SOJA. CONTRATO
QUE TAMBÉM TRAZ BENEFÍCIO AO AGRICULTOR. FERRUGEM ASIÁTICA. DOENÇA QUE
ACOMETE AS LAVOURAS DE SOJA DO BRASIL DESDE 2001, PASSÍVEL DE CONTROLE PELO
AGRICULTOR. RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA. IMPOSSIBILIDADE.
OSCILAÇÃO DE PREÇO DA "COMMODITY". PREVISIBILIDADE NO PANORAMA
CONTRATUAL. 1. A prévia fixação de preço da soja em
contrato de compra e venda futura, ainda que com emissão de cédula de produto
rural, traz também benefícios ao agricultor, ficando a salvo de oscilações
excessivas de preço, garantindo o lucro e resguardando-se, com considerável
segurança, quanto ao cumprimento de despesas referentes aos custos de
produção, investimentos ou financiamentos. 2. A
"ferrugem asiática" na lavoura não
é fato extraordinário e imprevisível, visto que, embora reduza a
produtividade, é doença que atinge as plantações de soja no Brasil desde
2001, não havendo perspectiva de erradicação a médio prazo, mas sendo
possível o seu controle pelo agricultor. Precedentes. 3. A resolução contratual pela onerosidade
excessiva reclama superveniência de evento extraordinário, impossível às
partes antever, não sendo suficiente alterações que se inserem nos riscos
ordinários. Precedentes. 4. Recurso
especial parcialmente provido para restabelecer a sentença de improcedência.
(destacou-se). |
No mesmo sentido, e
com base em fundamentos idênticos, já havia julgado a terceira turma do STJ, caso
semelhante que envolvia contrato de safra, em 18 de maio de 2010: |
|
RESP 835498 –
GO Ementa: CIVIL E PROCESSO CIVIL. COMPRA DE SAFRA FUTURA DE SOJA.
CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. CONTRATO ALEGADO COMUTATIVO. RECURSO
ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO IMPROCEDENTE. |
I - Não se
viabiliza o especial pela indicada ausência de prestação jurisdicional,
porquanto a matéria em exame foi devidamente enfrentada, emitindo-se
pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à
pretensão dos recorrentes. A jurisprudência desta Casa é pacífica ao
proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar o concluído
na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos
utilizados pela parte. II - Na
hipótese dos autos o Tribunal de origem aludiu ao contrato de compra de safra
futura (aleatório), referindo-se a ele como um contrato comutativo. Isso não
significa concluir, porém, que a execução do contrato não se daria de forma
diferida no tempo, igualando-se, pois, o caso, aos inúmeros casos semelhantes
a este já julgados por este Tribunal. Muito ao revés, o acórdão é bastante
claro em afirmar que as partes contrataram a entrega de safra de soja para
momento posterior à celebração do negócio. Impertinente, por isso, o
argumento de que a resolução contratual com fundamento no artigo 478 do
Código Civil estaria desautorizada, devendo-se, no caso, seguir a
jurisprudência já pacificada nesta Corte em casos idênticos. III - Tendo o
aresto recorrido determinado a resolução do contrato com base na onerosidade
excessiva superveniente (artigo 478 do Código Civil), revela-se impertinente,
também, a alegação de ofensa ao artigo 157, § 1º, do Código Civil, segundo o
qual a desproporção entre as obrigações para efeito da aplicação do instituto
da lesão deve ser apurada ao tempo em que celebrado o contrato. Isso porque o Acórdão está ancorado na
teoria da imprevisão e não no instituto da lesão. Incidência da Súmula
284 do Supremo Tribunal Federal. IV - No caso
concreto, os autores buscam a resolução do contrato por onerosidade excessiva
e não pelo inadimplemento de alguma contraprestação a que se obrigou a parte
contrária. Dessa forma, a expressão 'interpelação judicial" contida no
artigo 474 do Código de Processo Civil
deve ser compreendida como a própria propositura da ação judicial, não
havendo sentido exigir uma interpelação judicial prévia (procedimento de
jurisdição voluntária) para a constituição de uma mora que não se verificou.
Incidência da Súmula 284/STF. V - "A
compra e venda de safra futura, a preço certo, obriga as partes se o fato que
alterou o valor do produto agrícola (sua cotação no mercado internacional)
não era imprevisível." (REsp 722130/GO, Rel. Ministro ARI PARGENDLER,
TERCEIRA TURMA, DJ 20/02/2006); VI - Recurso
Especial provido, cancelada a imposição da multa do artigo 538 do Código de
Processo Civil. (destacou-se). A
confusão entre institutos operada pelo legislador desaguou nas decisões judiciais.
Na decisão acima, pode-se inferir que o julgador identifica a onerosidade
excessiva com a teoria da imprevisão. O
resultado, quando se investigam os efeitos da disposição do artigo 478 do
Código Civil nos contratos aleatórios submetidos a fatos supervenientes, é
uniforme no Superior Tribunal de Justiça: por entenderem que a sorte lhes é
própria, o julgador afasta da incidência da onerosidade excessiva aos mesmos,
negando-lhe eficácia modificativa ou resolutiva, por entender que a alea, ou sorte, afasta qualquer
possibilidade de discussão acerca do equilíbrio do contrato ou da
equivalência das obrigações das partes contratantes. Máxime,
nesse entendimento, o julgamento da terceira turma, no recurso especial
866414, de 06 de março de 2008: |
|
RESP 866414 –
GO - E M E N T A: CIVIL. CONTRATO. COMPRA E VENDA. SOJA. PREÇO FIXO. ENTREGA
FUTURA. OSCILAÇÃO DO MERCADO. RESOLUÇÃO. ONEROSIDADE EXCESSIVA. BOA-FÉ
OBJETIVA. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. NULIDADE. - Nos contratos agrícolas de venda para
entrega futura, o risco é inerente ao negócio. Nele não se cogita em
imprevisão. - É nula a
emissão de cédula de produto rural, pois desviada de sua finalidade típica, qual
seja, a de servir como instrumento de crédito para o produtor rural. |
Acórdão:
|
Vistos,
relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça na
conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria,
conhecer do recurso especial e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Vencidos os
Srs. Ministros Nancy Andrighi e Castro Filho (art. 162, IV, b do RISTJ). Os
Srs. Ministros Ari Pargendler e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro
Relator. (grifos nossos). |
Na decisão acima, o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça ainda não estava firmado. Tanto
assim que os votos de divergência, da lavra dos Ministros Fátima Nancy
Andrighi e Castro Filho argumentaram em outro sentido, entendendo ser cabível
e oportuna a aplicação da onerosidade excessiva, in casu, decorrente do desequilíbrio contratual patente e por
violação do princípio da boa-fé objetiva. Argumentaram também, anteriormente,
em divergência, os Ministros citados em sede do Recurso Especial 783520,
julgado em 07 de maio de 2007, situação na qual também foram vencidos. Desde 2008, em
síntese, o Superior Tribunal de Justiça, por entender que a imprevisibilidade
do fato superveniente é requisito para a aplicação da onerosidade excessiva
aos contratos, tem negado incidência da mesma nos pactos aleatórios. |
4 Revisão
por onerosidade excessiva após o Código Civil de 2002 Muito embora o
legislador de 2002 tenha optado pela resolução contratual como consequência
natural da onerosidade excessiva, a técnica de revisão não é estranha ao
direito privado comum e encontra fundamento no sistema para além da
literalidade do art. 478 do Código. As decisões do
Superior Tribunal de Justiça, como visto, ainda se apegam à extinção do
negócio desequilibrado, mas a doutrina tem explorado as possibilidades da
revisão, o que sinaliza para a reconstrução da jurisprudência nas instâncias
inferiores. As bases desta
discussão doutrinária são, por certo, bem anteriores ao próprio Código Civil
de 2002. Pontes de Miranda
(1971, p. 262), por exemplo, ao estudar o poder de resolução contratual, já
salientava que há situações em que o contratante prejudicado pela alteração
de circunstâncias precisa necessariamente recorrer ao pedido de modificação
da contraprestação. A interpretação que
nega o poder de intervenção contratual em decorrência das limitações da regra
codificada viola o velhíssimo princípio da conservação do negócio jurídico,
que hoje assume nova roupagem à luz da tutela da função do contrato e do sentido
finalista do processo obrigacional.[3] Por isso, quando do
exame da experiência jurídica brasileira a respeito da onerosidade excessiva
após o novo Código, verifica-se que a doutrina procurou de imediato inserir a
revisão como uma faculdade implícita, [4]
de modo a ajustar a lei às necessidades do sistema. Essa interpretação
construtiva, como dito anteriormente, acaba por se fazer sentir também na
jurisprudência. Neste sentido, vale conferir
o seguinte julgado, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: TJSP –
Apelação nº 3002130-07.2010.8.26.0439 – julg. 24/05/12. Revisão de contrato bancário. Possibilidade que
decorre do próprio sistema jurídico (arts. 478 e 480 do CC e art. 6º, V, do
CDC).
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Súmula 297 do STJ). Adesividade.
Hipervulnerabilidade do consumidor temperada por sistemática de cláusulas
principiológicas de equilíbrio e equidade. Adesão que em si mesma não é
antijurídica. Contrato de abertura de conta corrente. Capitalização mensal
dos juros remuneratórios. Inocorrência. Hipótese em que os novos juros
incidiram somente sobre o capital. Depósitos que amortizam o saldo devedor.
Imputação do pagamento. Aplicabilidade do art. 354 do CC. Anatocismo
afastado. Contrato de empréstimo. Juros prefixados, calculados quando da
celebração da avença e diluídos ao longo do negócio jurídico. Capitalização
mensal dos juros remuneratórios inocorrente. Juros remuneratórios.
Inaplicabilidade da Lei de Usura. Vedação consubstanciada na Súmula 596 do
STF. Inaplicabilidade do art. 192, §3º, da CF, revogado pela EC 40/03.
Inexistência de limitação legal ou constitucional. Incidência da Súmula
Vinculante n.º 7 do STF. Abusividade não comprovada. Spread bancário
legítimo. Tarifas e encargos bancários. Legitimidade. Desnecessidade de
previsão contratual. Autorização do Banco Central. Possibilidade de
verificação nas próprias agências bancárias e por meio eletrônico. Direito de
informação não violado. Sucumbência. Ônus devidos à parte vencida.
Improcedência da demanda. Honorários advocatícios impostos integralmente ao
autor. Princípio da causalidade. Recurso desprovido. (g.n.) O precedente é
interessante porque, mesmo tratando de hipótese de revisão em relação de
consumo, remete ao art. 478, assentando que em relações privadas não
submetidas ao CDC também existe a possibilidade de intervenção no conteúdo do
contrato. Percebe-se, assim,
que o nosso sistema dispõe de recursos técnicos necessários para tratar a
questão da onerosidade excessiva de forma bem mais adequada e efetiva do que
pode sugerir uma leitura restrita do dispositivo em questão. Mais do que
simplesmente prever a possibilidade de revisão, entretanto, é preciso privilegiá-la,
tê-la como solução prioritária a ser adotada nos casos de desequilíbrio
contratual. Essa interpretação
parece estar em plena consonância com os fundamentos da teoria contratual
brasileira contemporânea, e alinha o modelo nacional com as propostas mais
atuais colhidas no direito comparado, como os Princípios do Direito
Contratual Europeu e os Princípios do UNIDROIT. (MARTINEZ, 2005, p. 58-60). CONCLUSÃO A revisão contratual
constitui tema indiscutivelmente complexo. Na interpretação das regras jurídicas
e seus suportes fáticos, o jurista dogmático se vê às voltas com
fundamentações teóricas muito díspares e influências alopoiéticas que revelam
concepções de estado e economia particularmente sensíveis. Se um acordo
doutrinário parece longe de ser alcançável, resta ao intérprete fundamentar
as suas escolhas e proceder a uma análise crítica dos limites do direito
posto e da forma como ele vem sendo aplicado pelos tribunais. Esse foi o
objetivo que o presente artigo pretendeu
alcançar. A jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, como se viu, representa um importante
referencial para o debate a respeito dos pontos polêmicos da matéria no
Código Civil de 2002. O texto buscou, assim, fomentar o debate, que mostra
ainda significativo potencial para o desenvolvimento nos próximos anos. |
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* Doutora em
Direito Privado pela UFPE. Professora Adjunta de Direito Civil da Faculdade de
Direito do Recife – UFPE. Advogada e Leiloeira Pública Oficial. E-mail: [email protected].
** Doutor
em Direito Privado pela UFPE. Professor Adjunto de
Direito Civil da Faculdade de Direito do Recife – UFPE. Tabelião de Notas.
E-mail: [email protected].
Data de recebimento do
artigo: 10/01/2016 – Data de avaliação: 30/01/2016 e 17/02/2016.
[1] Art. 317. Quando, por motivos
imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação
devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da
parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
[2] Sobre o tema, confira-se
FERREIRA, 2014, p. 27-39.
[3] Neste sentido: “E se la regola di conservazione e di
adeguamento del contenuto esprime un´esigenza generale, riferibile
all´autonomia privata nel suo complesso, a maggior ragione, se diceva, essa
deve operare laddove – come ci è stato spiegato – lo svolgimento del rapporto è
funzionalmente connesso all´interesse dei contraenti ala continuità
dell´esecuzione, cioè nei contratti a lungo termine. Il riferimento è alle
circostanze sopravvenute atte ad alterare, nel tempo, l´equilibrio di assetti
programmato ab origine dai contraenti.” (CRISCUOLO, 2008, p. 284)
[4] Entre outros: ASSIS, 2007, p.
728-729; TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2006, p. 133.