Considerações preliminares acerca do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz): o Convênio ICMS nº 70/2014 como um sem sentido deôntico

Preliminary considerations about the Nacional Finance Policy Council (“Confaz”): The ICMS Convention nº 70/2014 as a no sense deontic

 

 

Denise Lucena Cavalcante*

Fernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba **

 

 

RESUMO: A sociedade brasileira tem enfrentado sérias dificuldades na conformação do ICMS aos ditames previstos constitucionalmente. Isto se dá pela exacerbação da chamada “guerra fiscal”, a qual leva os Estados e o Distrito Federal a descumprirem os acordos tomados no âmbito do Confaz, sob a alegação de defenderem seus interesses locais. Entretanto, por se tratar de um tributo com configuração nacional, caso o consenso não seja observado, não há como se manter o necessário equilíbrio estrutural. De outra ponta, tomada tal questão sob a ótica do Constructivismo Lógico-Semântico, escola cujos maiores expoentes são Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, percebe-se que as normas emanadas pelo Confaz hão de ser compreendidas a partir da utilização do percurso gerador de sentido, a qual estrutura quatro planos distintos, com vistas à construção do sistema jurídico. Entretanto, o Convênio ICMS nº 70/2014, o qual visa a pôr termo à “guerra fiscal”, parece não atingir sequer o terceiro desses planos, configurando-se em verdadeiro “sem sentido deôntico”. Assim, o objetivo do presente trabalho é discutir acerca da juridicidade do Convênio ICMS nº 70/2014, indagando se se trata de norma jurídica com sentido completo. Propõe-se que o Constructivismo Lógico-Semântico, a partir da noção de que direito é linguagem, demonstre as infinitas possibilidades interpretativas, ao se preservar um conteúdo de dever-ser, o qual é obrigatório em qualquer norma jurídica em sentido estrito. Caso não seja estruturado tal conteúdo deôntico, não há que se falar em norma, o que resulta da análise científica do Convênio ICMS nº 70/2014.

 

PALAVRAS-CHAVE: Confaz; Convênio ICMS nº 70/2014; Constructivismo Lógico-Semântico; Norma jurídica; Percurso Gerador de Sentido.

 

ABSTRACT: Brazilian society has faced serious difficulties in conforming to constitutional rules related do ICMS [a state tax existing in Brazil, similar to sales tax]. This is due to exacerbation of the "war tax", which leads the Brazilian states and the Federal District to not comply with the agreements reached under the Confaz, claiming to defend their local interests. However, because it is a tax of national configuration, if the consensus is not observed, there is no way to maintain the necessary structural balance. From the other end, making this issue from the perspective of the Constructivism Logical-Semantic school, whose greatest exponents are Lourival Vilanova and Paulo de Barros Carvalho, one realizes that the rules issued by Confaz are to be understood under the perspective of the sense route generator, which structures four different levels with a view to the construction of the legal system. However, the ICMS Agreement n. 70/2014, which aims to end the "war tax", can not even reach the third of these plans. The objective of this paper is to discuss about the legality of the ICMS n. 70/2014, asking whether it is a legal rule with complete sense. It is proposed that the Constructivism logical-semantic, from the notion that the Law is language, demonstrate the endless interpretive possibilities, to preserve a must-be content which is binding in any rule of law in the strict sense. If not structured such deontic content, there is no need to talk about standard, which results from the scientific analysis of the ICMS Agreement n. 70/2014.

 

KEYWORDS: Confaz; ICMS Agreement n. 70/2014; Constructivism Logical-Semantic; Rule of Law; Sense Route Generator.

 

INTRODUÇÃO

 

Ao se confrontar com a realidade brasileira, percebe-se o quanto a temática fiscal tem ocupado as discussões dos especialistas, bem como as manchetes dos principais meios de comunicação de massa. Nesse ponto, a linguagem dos juristas e a dos cidadãos comuns aponta para algumas deformidades que precisariam ser resolvidas. Normalmente, tais discursos indicam a reforma tributária como a saída adequada para enfrentar os problemas.

Inserida nessa temática, aquilo que se convencionou chamar de “guerra fiscal” do ICMS, configura-se a partir de severas agressões ao princípio federativo, enquanto anomalia fratricida das mais perigosas. Isso porque, diante de um tributo de competência estadual, mas com marcante caráter nacional, aparecem as fendas de uma Constituição Federal cujo conteúdo prescritivo aponta para o reconhecimento da autonomia dos entes. Na prática, contudo, ainda grassam as enormes disparidades entre os Estados e o Distrito Federal.

Nesse ponto, um órgão colegiado merece grande atenção: trata-se do Conselho Nacional de Política Fazendária, fórum pertinente às discussões acerca da concessão de incentivos e benefícios fiscais em sede de ICMS. Tal órgão, cuja atuação merece bastante consideração na atualidade, é alvo de severas críticas, especialmente pela sua incapacidade de solucionar algumas disparidades importantes que vêm se processando na afamada “guerra fiscal”.

Assim, o presente trabalho visa a aproximar-se do Confaz, perpassando a temática da determinação de sua natureza jurídica, especialmente a partir da consideração de sua criação com a promulgação da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, e a controvérsia de sua recepção pela novel Constituição. Nessa toada, analisar-se-á uma de suas mais recentes manifestações normativas: o Convênio ICMS nº 70, de 29 de julho de 2014.

Para a análise de intricada matéria, sabe-se que muitos recortes diferenciados poderiam ser realizados, sendo infinitas as possibilidades interpretativas. Nesse ponto, a aproximação do objeto acima disposto será levada a cabo a partir da Escola do Constructivismo Lógico-Semântico, cujos maiores expoentes são Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, enaltecendo-se a construção realizada por este jurista e que se revela por necessária à compreensão do universo normativo: aqui se insere a utilização do “percurso gerador de sentido”, o qual se revela como o instrumento necessário ao atingimento da plenitude do sistema jurídico brasileiro.

Assim, a partir da utilização de tal método, o objetivo deste trabalho será determinar a natureza jurídica do Confaz, bem como construir a trajetória específica do Convênio ICMS nº 70, de 2014, o qual tem por finalidade revestir-se de norma jurídica, isto é, com conteúdo deôntico, a partir da qual será possível solucionar a “guerra fiscal”.

Para tanto, o trabalho será dividido em duas partes: a primeira delas, adentrando na polêmica que envolve a “guerra fiscal”, buscando com as suas origens proximamente. Já na segunda parte, mais extensa, abordar-se-á, especificamente, a natureza jurídica do Confaz, envolvendo aspectos controversos e incontroversos sobre esse colegiado, bem como serão apresentados os fundamentos do Constructivismo Lógico-Semântico, empregando-se o percurso gerador de sentido para questionar a natureza normativa do Convênio ICMS nº 70/2014.

Com tudo isso, enaltece-se todo o caráter de prescritividade, ínsito à Ciência do Direito, e que visa a confrontar-se com as normas jurídicas válidas no ordenamento, investigando-lhes o essencial fundamento prescritivo e a sua adequação ao ordenamento jurídico que se imputa harmônico e coerente.  

 

1 A POLÊMICA EM TORNO DA GUERRA FISCAL DO ICMS: UM EMBATE QUE TOMA PROPORÇÕES AVASSALADORAS NO CENÁRIO JURÍDICO BRASILEIRO

 

A fim de se iniciar a construção doutrinária que aqui se pretende, far-se-á o necessário recorte metodológico, o qual se configura em umas das medidas que identificam um trabalho científico, deixando desde já esclarecido que, para o que aqui se propõe, partir-se-á do pressuposto de que a linguagem constitui a realidade e, em especial, o direito, na medida em que não se pode pensar neste signo fora da linguagem, em especial, da linguagem escrita. Defende-se que “o objeto do conhecimento é sempre criado por meio de um procedimento de corte ao qual poderíamos acrescer o adjetivo de gnosiológico” (BRITTO, 2014, p. 2).

Trata-se de uma das consequências trazidas pelo movimento intitulado “Giro Linguístico”, a qual altera profundamente o panorama estabelecido pela hermenêutica tradicional, e que tem, como um dos seus maiores expoentes, Ludwig Wittgenstein[1]. Nesse ponto, adotar-se-ão as premissas da Escola do Constructivismo Lógico-Semântico, bem como fundamentos da Teoria Comunicacional do Direito, naquilo que não destoarem daquela escola (CARVALHO, P. B., 2013; CARVALHO, 2015; ROBLES, 2005).

Nesse ponto, o “Giro Linguístico” representou

 

um novo paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da reflexão filosófica para a “esfera dos fundamentos” de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa a poder levantar a pretensão de ser “a filosofia primeira” à altura do nível de consciência crítica de nossos dias. Isso significa dizer que a pergunta pelas condições de possibilidade do conhecimento confiável, que caracterizou toda a filosofia moderna, se transformou na pergunta pelas condições de possibilidade de sentenças intersubjetivamente válidas a respeito do mundo (OLIVEIRA, 2006, p. 12-13).

 

Tomar a linguagem como o meio necessário não o conhecimento não significa que não existam objetos físicos: do contrário, a filosofia da linguagem proposta por Ludwig Wittgenstein quer mostrar que é apenas pela linguagem que a realidade social é construída, propiciando a sua compreensão, a partir da realidade objetiva do ser cognoscente (TOMÉ, 2011, p. 104).

Contudo, tendo em vista que o assunto que se pretende abordar traz facetas que desbordam do jurídico, passar-se-á a inserir a temática a partir de vieses que evidenciam a complexidade do tema, sem que, com isso, deixe de fundamentar-se normativamente, dando especial atenção às questões jurídico-tributárias que envolvem a matéria. Parte-se do princípio de que o universo social é uma multiplicidade contínua, e não homogênea, sendo que as interações sociais não são reflexivas (VILANOVA, 2015, p. 13).

Em assim sendo, pode-se afirmar que um dos assuntos que mais tem sido alvo de polêmicas na atualidade, abrangendo notadamente o Direito Tributário, reside na chamada “guerra fiscal” que se deflagrou em torno do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (ICMS).

Um aspecto que merece ser destacado, logo de início, é que se tem a tendência de, talvez até mesmo pelo peso do significado do nome “guerra”, observar-se as dissensões entre os Estados e o DF, no âmbito do ICMS, como um efeito de decisões políticas sempre negativas para os entes, como se se tratasse de uma guerra na qual só houvesse perdedores.

Diferentemente disso, em parecer especializado acerca da concessão de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no âmbito do ICMS, Paulo de Barros Carvalho (2014, p. 25) defende que

 

A expressão assume indisfarçáveis conotações políticas, mas reflete, também, no campo de sua amplitude semântica, um plexo de relações jurídicas não conciliadas segundo os princípios da harmonia que o constituinte de 1988 previu. Aliás, diga-se de passagem, a “guerra fiscal” tem seu lado positivo, manifestado no empenho que as entidades tributantes realizam para atrair investimentos, buscando por esse meio acelerar o desenvolvimento econômico e social, com benefícios significativos para a Administração e para os administrados. Sobremais, como tudo há de pautar-se em consonância com as diretrizes do direito posto, esse confronto de política tributária acaba, muitas vezes, propiciando o aprofundamento cognoscitivo das legislações vigentes, desencadeando reformas que aperfeiçoam instituições e aprimoram os mecanismos de implantação dos tributos. (destacado)

 

Em assim sendo, não há que se falar apenas nos efeitos nefastos da “guerra fiscal”, mas, antes, indicar também que tais questões acabam propiciando o aprofundamento em questões antes não discutidas, bem como alavancando investimentos em parcelas da federação que sequer atraíam os olhares do capital privado.

Partindo-se do pressuposto de que todos os signos são vagos e que a maior parte deles é ambíguo (ROSS, 2007, p. 143; GUASTINI, 1999, p. 202), e voltando-se mais especificamente aos significados mais frequentemente atribuídos à palavra “guerra”, com o que se poderia apontar algumas definições lexicográficas (GUASTINI, 1999, p. 201), recorre-se ao Dicionário Michaelis: “combate de paixões, abusos, vícios; conflito armado pelo controle político entre diferentes grupos dentro da mesma nação; medidas de caráter secreto adotadas por certos países contra seus adversários, no sentido de evitar-lhes qualquer fornecimento de matérias-primas, de crédito ou transporte”.

Nesse tocante, tal qual a multiplicidade de significados atribuídos ao signo “guerra”, que envolve aspectos políticos, econômicos e sociais, existe uma multiplicidade de justificativas ofertadas pelos Estados para que a situação se encontre no atual patamar de (des)organização. Aqui, há de se enfatizar que “é só na relação com o interpretante que o signo completa sua ação como signo” (SANTAELLA, 2012a, p. 37). Contudo, como uma forma de estruturar o tema que aqui se propõe, partir-se-á de uma análise histórico-evolutiva do fenômeno “guerra fiscal” do ICMS, a fim de que se possa chegar, adiante, à elucidação da controvertida natureza jurídica do Conselho Nacional de Política Tributária (Confaz).

 

2 APONTAMENTOS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DO CONFAZ E O CONVÊNIO ICMS Nº 70/2014 COMO UM SEM SENTIDO DEÔNTICO

 

Conforme já indicado acima, o tema central do presente trabalho será estruturado em torno dos aspectos que envolvem a natureza jurídica do Confaz, culminando com a análise do Convênio ICMS nº 70/2014. Para tanto, metodologicamente optou-se pela análise de tal assunto a partir de sua bipolarização: inicialmente, passar-se-á a apontar as características facilmente atribuíveis ao Confaz, em virtude das disposições legislativas acerca da matéria.

A posteriori, introduzir-se-ão os aspectos que evidenciam a natureza controvertida do Confaz, ou mesmo aqueles caracteres que, definitivamente, devem ser afastados de pronto, nos termos desta pesquisa.

 

2.1 O que parece ser evidente ao se buscar caracterizar a natureza jurídica do Confaz?

 

De pronto, pode-se afirmar que alguns caracteres parecem contribuir positivamente para a elucidação da controversa natureza jurídica do Confaz. O primeiro deles diz respeito ao assento normativo que propiciou a criação de tal colegiado no cenário nacional. Para tanto, deve-se remontar à Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975 (LC nº 24/75), que dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICM).

Em sede doutrinária, pode-se afirmar que a LC nº 24/75 é o instrumento normativo que propiciou o surgimento do que hoje se denomina Confaz. Neste diploma, fica evidenciado que o Confaz é o “ambiente institucionalizado” para que as reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presidência de representantes do Governo Federal (art. 2º), deliberem acerca dos benefícios e incentivos relativamente ao ICMS.

Nesse ponto, conforme contido no art. 1º da LC nº 24/75, com a devida adaptação ao ICMS, as isenções relativas a esse imposto serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados no CONFAZ, aplicando-se o mesmo procedimento às reduções de base de cálculo, devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, a contribuinte, a responsável ou a terceiro, à concessão de créditos presumidos e a quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base nesse imposto e dos quais resulte diminuição ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus.

Dessa forma, percebe-se que os convênios prestam-se a dispor acerca das isenções, bem como outras modificações que propiciem um tratamento mais favorável aos contribuintes do ICMS. Nesse ponto, adotar-se-á o conceito de isenção desenvolvido por Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 601), para quem

 

O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do consequente, podendo a regra de isenção suprimir a funcionalidade da regra-matriz tributária de oito maneiras distintas: (i) pela hipótese: i.1) atingindo-lhe o critério material, pela desqualificação do verbo; i.2) mutilando o critério material, pela subtração do complemento; i.3) indo contra o critério espacial; i.4) voltando-se para o critério temporal; (ii) pelo consequente, atingindo: ii.1) o critério pessoal, pelo sujeito ativo; ii.2) o critério pessoal, pelo sujeito passivo; ii.3) o critério quantitativo, pela base de cálculo; e ii.4) o critério quantitativo, pela alíquota.

 

Adotando-se o contorno acima, percebe-se que há uma ampliação no tradicional modelo desenvolvido pela doutrina tributarista, e que focava na velocidade da incidência das normas jurídicas como forma de definir a isenção. Volvendo-se à LC nº 24/75, em seu art. 11[2], restou prevista a aprovação de um regimento interno, o que se consubstancia, atualmente, no Convênio ICMS nº 133/97. Contudo, como se pode facilmente inferir, a LC nº 24/75 é anterior à promulgação da CF/88, o que suscitou dúvidas quanto à recepção daquele diploma pela nova ordem instaurada. Assim, no julgamento de alguns processos[3], o Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela recepção, pela CF/88, da LC nº 24/75.

Nesse tocante, a leitura do art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, CF/88[4], inserida pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993, propicia o encontro do atual dispositivo constitucional que corresponde àquele contorno já definido quando da elaboração da LC nº 24/75. Tal afirmativa, contudo, não deve levar o leitor ao entendimento de que aqui se está a defender que todos os enunciados normativos da LC nº 24/75 foram recepcionados pela CF/88, mas apenas que esta, ao exigir que uma lei complementar regulasse a forma como Estados e Distrito Federal deliberariam sobre incentivos e benefícios fiscais no âmbito do ICMS, encontrou, já posta no ordenamento, uma lei complementar que atendia razoavelmente a esse contorno pretendido.

Deve-se apontar, ainda, que a LC nº 24/75, em seu art. 8º, estabeleceu sanções que acabarão sendo suportadas pelos contribuintes que gozarem de benefícios ou incentivos fiscais que não tenham sido apreciados pelo Confaz: nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecimento recebedor da mercadoria (inc. I) e exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e a ineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débito correspondente (inc. II). Além destas, cabe inserir a presunção de irregularidade das contas do Estado, bem como a suspensão dos repasses a título de Fundo de Participação, Fundo Especial e repartição de impostos federais, nos termos do parágrafo único do art. 8º, da LC nº 24/75.

O apontamento das questões aparentemente incontroversas do Confaz continua a partir dos enunciados do Decreto federal nº 7.482, de 16 de maio de 2011, o qual aprova a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comissão e das funções gratificadas do Ministério da Fazenda.

Nesse tocante, o Confaz hoje seria um órgão colegiado integrante da estrutura organizacional do Ministério da Fazenda, nos termos da alínea b, inciso III, art. 2º, do citado decreto. Dessa forma, identicamente ao Conselho Monetário Nacional, ao Conselho Nacional de Seguros Privados e ao Comitê Gestor do Simples Nacional, o Confaz restou institucionalizado no âmbito da União, em atenção ao mandamento de que a presidência deste órgão é de competência federal.

Contudo, é no art. 33 do Decreto federal nº 7.482/2011, que constam as competências do Confaz, destacando-se, além da celebração de convênios para efeito de concessão ou revogação de incentivos e benefícios fiscais do ICMS e da celebração de atos visando o exercício das prerrogativas previstas nos artigos 102[5] e 199[6] do CTN, as quais seriam um reflexo direto ou indireto da previsão contida na LC nº 24/75, a genérica expressão “como também sobre outras matérias de interesse dos Estados e do Distrito Federal”.

Ultrapassando as disposições da LC nº 24/75, continua o art. 33 do Decreto nº 7.482/2011 com um rol de outras competências para o Confaz, não previstas em lei, destacando-se: sugestão de medidas com vistas à simplificação e à harmonização de exigências legais, a gestão a gestão do Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais (SINIEF), para coleta, elaboração e distribuição de dados básicos essenciais à formação de políticas econômico-fiscais e ao aperfeiçoamento permanente das administrações tributárias, além da promoção de estudos com vistas ao aperfeiçoamento da Administração Tributária e do Sistema Tributário Nacional como mecanismo de desenvolvimento econômico e social, nos aspectos de inter-relação da tributação federal e estadual.

É interessante observar que, para além da previsão contida na LC nº 24/75, que desenhava o Confaz exclusivamente como um espaço de reunião dos entes, ao institucionalizá-la em sua estrutura, a União acabou por acrescer-lhe outras competências por meio de decreto do Poder Executivo, incluindo medidas que possam afetar todo o Sistema Tributário Nacional.

Há de se compreender, dessa forma, que essas outras competências devem ser harmonizadas com o interesse primeiro de estabelecimento de um fórum altamente especializado para discorrer sobre assuntos que interessem aos Estados-membros e à União, reflexamente, notadamente em sede de ICMS.

No tocante às disposições do Regimento Interno do Confaz, formalizado por meio do Convênio ICMS nº 133/97[7], o elenco de competências é mera repetição das disposições do Decreto federal nº 7.482/11, ultrapassando o desenho da LC nº 24/75, o qual pressupunha tal conselho exclusivamente com o fito de reunir os entes federativos com competência para instituir o ICMS, além da própria União, enquanto “presidente” deste diálogo.

Dessa maneira, pode-se concluir que, mesmo os aspectos aparentemente incontroversos do Confaz acabam por transparecer algumas incoerências na forma como foram estruturadas as competências desse órgão integrante do Ministério da Fazenda. Isto é, um fórum federal de discussões acerca do ICMS, o que demonstra a fissura já citada no capítulo antecedente de que, de fato, a lógica desse tributo apenas comporta uma gestão centralizada, sendo, normalmente, de competência do ente federal.

Ao não agir dessa forma, o Brasil acaba por tentar instituir mecanismos formais de contenção dos Estados-federados, como medida tendente a harmonizar interesses tão divergentes, as quais refletem os desníveis de desenvolvimento regional e buscam garantir que os objetivos fundamentais não sejam vilipendiados de forma tão evidente por entes que deveriam estar irmanados.

A única coisa que se deve ter em mente é que a União findou por institucionalizar o Confaz em sua estrutura, ampliando sobremaneira os ditames da LC nº 24/75 e elevando-o a verdadeiro órgão balizador do funcionamento de todo o Sistema Tributário Nacional.

Pode-se questionar, por fim, se toda essa estrutura tem conseguido se manter íntegra e cumprindo o seu papel de equilíbrio da federação. E tal resposta, infelizmente, é notória para toda a sociedade, em uma luta fratricida que envergonha o Sistema Tributário Nacional e proporciona políticas extremamente desiguais entre os entes, que tentam sobreviver a partir de alianças com a iniciativa privada que, muitas vezes, não correspondem aos reais anseios da sociedade brasileira, insertos na CF/88.

 

2.2 Outras reflexões acerca da natureza jurídica do Confaz

 

Muitos aspectos relativos ao Confaz mostram-se controversos, o que tem provocado sérias críticas da doutrina[8] acerca da legitimidade desse órgão para dispor sobre medidas que geram reflexos extremamente sérios na estruturação da tributação brasileira. Na verdade, tais dificuldades resultam de uma construção equivocada das normas do sistema, relativas ao ICMS, conforme se verá a seguir.

Contudo, a despeito de tudo isso, o que impressiona não é a estrutura formal do Conselho, mas o alcance que se tem conferido aos diplomas normativos dele emanados. Conforme estabelecido no Convênio ICMS nº 133/97, o Confaz pode aprovar três tipos distintos de documentos normativos: convênios, protocolos e ajustes SINIEF.

Quanto aos convênios, os quais justificam toda a estruturação do conselho, devem ser o instrumento pertinente para a celebração de isenções, incentivos e benefícios fiscais, nos termos do art. 1º da LC nº 24/75. Para aprovação desses documentos, é previsto o quórum da unanimidade dos Estados representantes[9], isto é os 26 Estados e o Distrito Federal.

Na prática, os convênios celebrados no âmbito do Confaz assumem verdadeira feição de “lei ordinária” nos Estados-membros e no Distrito Federal, sendo utilizados por estes como os instrumentos hábeis a conceder incentivos e benefícios fiscais em sede de ICMS, sem que haja qualquer apreciação pelas casas legislativas. Como exceção a essa regra, cite-se a sistemática prevista na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, a qual prevê a manifestação da assembleia estadual por meio de decreto legislativo.

Ora, a se admitir a feição de “lei ordinárias” sem que haja a ratificação pelo legislativo estadual, questiona-se se não haveria afronta ao art. 150, §6º da CF/88, bem como ao art. 176 do CTN[10], admitindo-se que isenções (e outras formas de benefícios fiscais), possam ser deliberadas pelos Secretários da Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, em colisão ao princípio democrático e sem que toda a sociedade possa discutir, por meio do Poder Legislativo, quais as consequências de se adotar imposições menos gravosas a determinado setor produtivo da economia.

Com a exceção do Estado do Rio Grande do Sul, acima indicada, ocorre uma multiplicidade de entendimentos quanto ao papel dos convênios no sistema normativo tributário, gerando conclusões absolutamente dissonantes sobre o papel desses instrumentos, por falta da geração de um percurso coerente de interpretação de normas. Assim, alguns Estados preveem a aprovação de leis ordinárias nos casos de concessão de anistia e remissão, submetendo as demais hipóteses a ratificação por decretos executivos[11].

Outras unidades preveem a ratificação por decreto do Poder Executivo em todas as hipóteses[12], culminando com o Estado do Rio de Janeiro, o qual ratifica as manifestações do Confaz por mera resolução do Secretário da Fazenda. O que se percebe, em todos esses casos, é que se procede a uma leitura isolada das disposições do art. 155, § 2º, inc. XII, alínea g, da Constituição Federal[13].

Assim, a interpretação da LC nº 24/75, à luz da realidade constitucional vigente, leva à compreensão dos convênios como regras técnicas ou procedimentais que visam a compor o iter procedimental do exercício da competência legislativa por parte dos Estados e do Distrito Federal no que tange à concessão ou revogação de benefícios ou incentivos fiscais (CARVALHO; MARTINS, 2014, p. 63), diferentemente da disposição do art. 4º da LC nº 24/75, a qual previa um mero decreto do Poder Executivo para a ratificação dos convênios aprovados no Confaz.

Conforme jurisprudência do STF, os convênios seriam meras etapas prévias da apreciação pelo Poder Legislativo estadual ou distrital, devendo este ser o responsável por sua ratificação, o que parece desenhar um caráter de regra de estrutura para a aprovação de leis ordinárias estaduais e distritais que disponham acerca de isenções no ICMS (ADIs nºs 1.247-MC, 2.357-MC, 3.312 e RE nº 539.130).

Representa, assim, matéria polêmica e ainda não foi enfrentada pelo STF, e que parece sugerir os seguintes questionamentos: a jurisprudência do STF tem o condão de criar norma de estrutura específica que integre outra norma de estrutura, constante da CF/88, a qual trata do procedimento a ser observado para aprovação de leis ordinárias? No caso, ao indicar um iter para que o benefício seja julgado constitucional, estaria o STF criando regra específica para o procedimento de leis ordinárias estaduais concessivas de incentivos e benefícios fiscais em sede de ICMS? Ou, ao revés, isso não afeta a validade da norma, mas seria apenas um vício de vigência ou de eficácia? Pela complexidade de tais matérias, as mesmas não poderiam ser apreciadas neste contexto.

Já no que tange aos protocolos, os mesmos estabelecem procedimentos comum para dois ou mais Estados e Distrito Federal, visando à implementação de políticas fiscais, à permuta de informações e fiscalização conjunta, à fixação de critérios para elaboração de pautas fiscais, além de outros interesses das unidades federativas.[14] 

Por fim, quanto aos ajustes, estes visam a dar efetividade ao Sistema Nacional Integrado de Informações Econômico-Fiscais (SINIEF), o qual tem por objetivos a obtenção e permuta de informações de natureza econômica e fiscal entre os signatários, bem como a simplificação do cumprimento das obrigações por parte dos contribuintes.

Com tudo isso, percebe-se o quanto a matéria relativa aos convênios celebrados no âmbito do Confaz apresenta desconformidade quanto à interpretação realizada pelas unidades federadas. Para superar tal dificuldade, é que se propugna a utilização do Constructivismo Lógico-Semântico, enquanto método que permite gerar construir os sentidos a partir do texto normativo, o que será oportunizado a partir do Convênio ICMS nº 70/2014.

 

 

 

2.3 O Convênio ICMS nº 70/2014 é um sem sentido deôntico?

 

Caixa de texto: 32Ao se debruçar sobre o substrato físico do Convênio ICMS nº 70/2014, percebe-se que o mesmo se trata de uma norma diferenciada em relação às demais emanações do Confaz. Isso porque, diversamente dos demais instrumentos desta espécie, os quais normalmente estabelecem benefícios ou incentivos fiscais, tal convênio compõe-se de um anexo que visa a trazer um modelo para um outro convênio que venha a dispor sobre a solução das situações decorrentes de legislações estaduais, que tenham concedido benefícios ou incentivos fiscais, sem ter havido a apreciação por parte do colegiado de Estados e do Distrito Federal.

Tal convênio foi aprovado por vinte Estados, mais o Distrito Federal, não o tendo aprovado os Estados do Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Como se não trata propriamente de norma que estabelece benefícios e incentivos fiscais, mas apenas estabelece um modelo a ser aplicado caso se venha a tentar solucionar a “guerra fiscal”, defende-se que não haveria a exigência da unanimidade em sua aprovação, pugnando-se pela maioria dos representantes presentes, nos termos do inciso III do art. 30 do Convênio ICMS nº 133/97.

Ainda mais, pelo fato de propriamente o Convênio ICMS nº 70/2014 não conceder incentivos ou benefícios fiscais, não haveria a necessidade de ser encaminhado às assembleias legislativas, para cumprimento do disposto no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, da CF/88, e conforme já tem decidido reiteradamente o STF.

Diante de tudo isso, há de se perguntar: afinal, a que se presta o Convênio ICMS nº 70/2014? Seria possível, a partir da utilização do percurso gerador de sentido, construir uma norma com sentido deôntico completo? Poder-se-ia indicar uma norma primária e uma norma secundária, ou se trataria de uma norma sem sanção, isto é, para o que aqui se pretende, e dentro da Escola do Constructivismo Lógico-Semântico, uma norma sem sentido deôntico?

Para Lourival Vilanova, a norma primária[15], também chamada de endonorma na classificação de Carlos Cossio, seria aquela que prescreve um dever, se e quando acontecido o fato previsto no suposto. Trata-se da norma que “estatui direitos correlativos de deveres em se verificando a realização da situação fáctica prevista como hipótese” (VILANOVA, 2010, p. 64). Nesta, “estatuem-se as relações deônticas direitos/deveres, como consequência da verificação de pressupostos, fixados na proposição descritiva de situações fácticas ou situações já juridicamente qualificadas” (VILANOVA, 2010, p. 73).

A relação jurídica prevista na norma primária configura-se como sendo de índole material. Em termos exemplificativos, ao se vislumbrar o Convênio ICMS nº 70/2014, poder-se-ia apontar para o dever de se utilizar do modelo de norma proposto em seu Anexo Único, caso se venha a solucionar (ou ao menos tentar isso) a “guerra fiscal” por meio de um instrumento pertinente do Confaz, pertinente a incentivos e benefícios fiscais do imposto, o que aponta para a utilização de um convênio.

Já a secundária, também chamada de perinorma para Cossio, seria aquela que prevê uma providência sancionatória a ser aplicada pelo Estado-juiz, no caso de descumprimento da conduta estatuída na norma primária. A relação jurídica prevista na norma secundária configura-se como sendo de formal, ou processual, ou adjetiva. Nesta, norma secundária, “preceituam-se as consequências, no pressuposto do não-cumprimento do estatuído na norma determinante da conduta juridicamente devida” (VILANOVA, 2010, p. 73).

Continuando o exemplo acima, acerca do Convênio ICMS nº 70/2014, em uma relação de ordem não simétrica (VILANOVA), descumprido o dever de adoção do modelo de convênio previsto no Anexo Único, implica uma sanção, que nada mais representa do que uma relação jurídica entre dois sujeitos distintos: “o Estado-Juiz intervém como sujeito passivo da relação deôntica, sendo sujeito ativo a pessoa que postula a aplicação coativa da prestação descumprida” (CARVALHO, 2012, p. 66).

Ora, tomada sob tal ótica, estabelecer-se-ia um vínculo implicacional entre tais normas do qual decorreria que “inexistem regras jurídicas sem as correspondentes sanções, isto é, normas sancionatórias” (CARVALHO, P. B., 2013, p. 139). Entretanto, aqui faz transparecer o sem sentido deôntico que se pretende apontar no trabalho: o Convênio ICMS nº 70/2014, por não ter sido aprovado pela unanimidade dos Estados e pelo DF, e ainda que tivesse sido, não pode prever uma estrutura que deva ser observada, isto é, que obrigue a aprovação pelos mesmos entes, quando estes resolverem tentar pôr fim à “guerra fiscal”.

Ademais como o pressuposto lógico da existência da norma secundária é o descumprimento da norma primárias, o que implica que não há que se falar em norma secundária sem norma primária, haveria uma “relação-de-ordem não-simétrica, a norma sancionadora pressupõe, primeiramente, a norma definidora da conduta exigida. Também, cremos, com isso, não ser possível considerar a norma que não sanciona como supérflua. Sem ela, carece de sentido a norma sancionadora” (destacado) (VILANOVA, 2010, p. 73-74).

Caixa de texto: 34Daí, a opção pelo disjuntor includente (“v”), quando da representação formal das duas entidades, formando a norma completa e expressando “a mensagem deôntica-jurídica na sua integridade constitutiva, significando a orientação da conduta, juntamente com a providência coercitiva que o ordenamento prevê para seu descumprimento” (CARVALHO, 2013, p. 139).

A representação formal, conforme aponta Paulo de Barros Carvalho seria: D{(p→q) v [(p→ -q)→S]}. Tal disjuntor includente, em lógica, aponta para o trilema: uma pode ser aplicada, a outra pode ser aplicada, ou ambas podem ser aplicadas, mas que “a utilização desse disjuntor tem a propriedade de mostrar que as duas regras são simultaneamente válidas, mas que a aplicação de uma exclui a da outra”.

Finalizando, sabe-se que, diante da autonomia dos entes federativos, quando da discussão propriamente do convênio que venha a dispor sobre os incentivos e benefícios concedidos sem aprovação do Confaz, os Estados e o DF serão absolutamente livres para estabelecer as normas que entendam pertinentes à questão, não se vinculando aos termos propostos no Anexo único do Convênio ICMS nº 70/2014. Mesmo para um ente que o tenha aprovado, pode ser a proposta desse anexo não lhe seja a mais adequada ou que fira algum interesse que lhe seja fundamental, podendo este, livremente, não votar favoravelmente ao modelo, o que desconstituiria a unanimidade necessária.

 Diante de tudo isso, a indagação acerca da serventia do Convênio ICMS nº 70/2014 como norma com sentido completo, de conteúdo essencialmente prescritivo, padece de conteúdo, posto que não como se estabelecer sanção pela não utilização do modelo de convênio previsto em seu Anexo único, posto que não se trata de conduta a ser observada pelos Estados e pelo DF, o que acaba por redundar em um completo sem sentido deôntico. O Convênio ICMS nº 70/2014, em termos prescritivos, não teria serventia, demonstrando ser apenas, no máximo, um documento de conteúdo essencialmente político e não jurídico.

 

CONCLUSÃO

 

Ao se enfrentar temas inquietantes da realidade jurídico-tributária brasileira, percebe-se que algumas incongruências são imediatamente evidenciadas: uma das mais marcantes, certamente, relaciona-se à chamada “guerra fiscal” do ICMS, a qual tem gerado agressivas críticas por parte da doutrina, decisões marcantes em termos de jurisprudência, além de contar com a antipatia de grande parte da população.

Contudo, a forma de se recortar a realidade, bem como se se aproximar do objeto de estudo, deve guardar coerência, e ser, desde logo, preordenada por aquele que se propõe a fazer Ciência do Direito: nesse ponto, adotou-se a Escola do Constructivismo Lógico-Semântico, a qual possui uma posição normativista do direito e compreendendo as normas a partir da linguagem. 

Nesse ponto, a problematização que aqui se propôs enfeixou uma análise acerca da polêmica em torno da “guerra fiscal”, enaltecendo seus aspectos controversos e incontroversos. Aqui, verificou-se que se trata de um colegiado com assento constitucional e que se encontra previsto na Lei Complementar nº 24/75, a qual possui alguns dispositivos que não teriam sido recepcionados pelo ordenamento constitucional de 1988. Sua estrutura organizacional está prevista em um decreto federal, mas se trata de fórum de discussão no qual têm assento os Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal.

A seguir, aproximando-se mais do Constructivismo Lógico-Semântico, utilizando-se deste método para determinar a natureza jurídica do Confaz e identificar sua importância na construção do sistema tributário nacional. Nesse sentido, mereceu destaque a análise do Convênio ICMS nº 70/2014, o qual teria por finalidade pôr fim à “guerra fiscal”.

Utilizando-se do substrato físico deste convênio, além de alguns outros, necessários à construção de norma jurídica com sentido completo, concluiu-se que não se afigura possível visualizar norma jurídica enquanto unidade mínima e irredutível de significação do deôntico, posto que as disposições do Anexo único do Convênio ICMS nº 70/2014 não tem conteúdo obrigatório a ser observado pelos Estados e pelo Distrito Federal, caso estes venham a realmente tentar acabar com a “guerra fiscal” pela utilização de um convênio.

Assim, tendo em vista que a estrutura da norma jurídica completa carece da identificação de uma norma primária e de uma norma secundária, na esteira do que defende Lourival Vilanova, não se consegue identificar a norma secundária pelo descumprimento do modelo proposto no Convênio ICMS nº 70/2014, o que contraria a Escola que aqui se defende, posto que, nesta ótica, é inaceitável norma jurídica desprovida de sanção.

Com tudo isso, percebe-se que o Confaz, com a sinalização deste convênio, quando muito, exarou um documento de cunho meramente político, apesar de ter-se utilizado de uma estrutura normativa. Contudo, tendo em vista que a norma jurídica é sempre construção do intérprete, este, em sua tarefa intelectiva, não consegue alcançar o plano S3 e, em decorrência, atingir o plano S4, o qual representa a plenitude do sistema, espelhando as relações de coordenação e subordinação existentes.

Por fim, em casos como estes, imputa-se como existente o chamado “sem sentido deôntico”, visto que estaria infringido o principal caractere que há de se fazer presente em qualquer norma jurídica: seu conteúdo prescritivo, que não pode ser olvidado em hipótese alguma, sob pena de vilipendiar o traço característico do dever-ser.

 

REFERÊNCIAS

 

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* Pós-Doutora pela Universidade de Lisboa. Doutora pela PUC/SP. Professora de Direito Tributário e Financeiro dos cursos de graduação e pós-graduação da UFC e da FA7. Líder do Grupo de Pesquisa em Tributação Ambiental (GTA-UFC). Procuradora da Fazenda Nacional. E-mail: deniluc@fortalnet.com.br.

** Doutoranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Professora dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade de Fortaleza. E-mail: fernandamacedo@unifor.br.

Data de recebimento do artigo: 15/01/2016 – Data de avaliação: 11/02/2016 e 13/02/2016.

[1] Dentre todas as contribuições de Wittgenstein, deve-se enaltecer a característica de tratar a linguagem como um jogo, daí se empregando a expressão jogos de linguagem. Dessa forma, este filósofo propõe as seguintes indagações, desde logo respondidas: “Quantas espécies de frases existem? Afirmação, pergunta e comando, talvez? – Há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies diferentes de emprego daquilo que chamamos de ‘signo’, ‘palavras’, ‘frases’. E essa pluralidade não é nada fixo, um dado para sempre; mas novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer, nascem e outros envelhecem e são esquecidos. (Uma imagem aproximada disto pode nos dar as modificações da matemática). O termo ‘jogo de linguagem’ deve aqui salientar que o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida” (WITTGENSTEIN, 1999, p. 35).

[2] Art. 11 – O Regimento das reuniões de representantes das Unidades da Federação será aprovado em convênio.

[3] Dentre todos, citem-se os julgamentos dos seguintes processos: ADI nº 2175-5/BA, ADI nº 1179-MC/SP e ADI nº 2155-MC/PR.

[4] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...] XII - cabe à lei complementar: [...] g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. [...].

[5] Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União.

[6] Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio. Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.

[7] Disponível em: www.fazenda.gov.br/Confaz.

[8] Cite-se o palestrante Marcelo Salomão que, no X Congresso Nacional de Estudos Tributários, realizado entre os dias 4 a 6 de dezembro de 2013, em São Paulo/SP, chegou a afirmar que o Confaz não existia, não aceitando a largueza de competências que lhe vem sendo atribuídas rotineiramente.

[9] Nos termos do inciso I, art. 30, do Convênio ICMS nº 133/97.

[10] Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua duração.

[11] Como exemplos, podem-se citar os Estados da Bahia, do Espírito Santo e de São Paulo.

[12] Como exemplos, podem-se citar os Estados de Alagoas, Santa Catarina e Minas Gerais.

[13] Dentre todos, citem-se os Estados do Amazonas e Rio Grande do Sul, bem como o Distrito Federal. Alguns Estados, como Espírito Santo, Goiás, e São Paulo, aprovam leis no caso de anistia e remissão do ICMS, e se utilizam de decreto do Poder Executivo para os demais incentivos e benefícios fiscais. Por fim, outros entes, como Maranhão, Santa Catarina e Pernambuco, utilizam-se do decreto do Poder Executivo para toda e qualquer forma de benefício fiscal, inclusive nos casos de anistia e isenção.  

[14] Nos termos do art. 38 do Convênio ICMS nº 133/97.

[15] Para se melhor compreender a estrutura bimembre da norma jurídica, além dos próprios escritos de Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, cite o Capítulo Primeiro da obra “O lugar e o tributo”, de Lucas Galvão de Britto, que esclarece o assunto de forma à luz do Constructivismo Lógico-Semântico.