Considera��es preliminares acerca do Conselho Nacional de Pol�tica Fazend�ria (Confaz): o Conv�nio ICMS n� 70/2014 como um sem sentido de�ntico

Preliminary considerations about the Nacional Finance Policy Council (�Confaz�): The ICMS Convention n 70/2014 as a no sense deontic

 

 

Denise Lucena Cavalcante*

Fernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba **

 

 

RESUMO: A sociedade brasileira tem enfrentado s�rias dificuldades na conforma��o do ICMS aos ditames previstos constitucionalmente. Isto se d� pela exacerba��o da chamada �guerra fiscal�, a qual leva os Estados e o Distrito Federal a descumprirem os acordos tomados no �mbito do Confaz, sob a alega��o de defenderem seus interesses locais. Entretanto, por se tratar de um tributo com configura��o nacional, caso o consenso n�o seja observado, n�o h� como se manter o necess�rio equil�brio estrutural. De outra ponta, tomada tal quest�o sob a �tica do Constructivismo L�gico-Sem�ntico, escola cujos maiores expoentes s�o Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, percebe-se que as normas emanadas pelo Confaz h�o de ser compreendidas a partir da utiliza��o do percurso gerador de sentido, a qual estrutura quatro planos distintos, com vistas � constru��o do sistema jur�dico. Entretanto, o Conv�nio ICMS n� 70/2014, o qual visa a p�r termo � �guerra fiscal�, parece n�o atingir sequer o terceiro desses planos, configurando-se em verdadeiro �sem sentido de�ntico�. Assim, o objetivo do presente trabalho � discutir acerca da juridicidade do Conv�nio ICMS n� 70/2014, indagando se se trata de norma jur�dica com sentido completo. Prop�e-se que o Constructivismo L�gico-Sem�ntico, a partir da no��o de que direito � linguagem, demonstre as infinitas possibilidades interpretativas, ao se preservar um conte�do de dever-ser, o qual � obrigat�rio em qualquer norma jur�dica em sentido estrito. Caso n�o seja estruturado tal conte�do de�ntico, n�o h� que se falar em norma, o que resulta da an�lise cient�fica do Conv�nio ICMS n� 70/2014.

 

PALAVRAS-CHAVE: Confaz; Conv�nio ICMS n� 70/2014; Constructivismo L�gico-Sem�ntico; Norma jur�dica; Percurso Gerador de Sentido.

 

ABSTRACT: Brazilian society has faced serious difficulties in conforming to constitutional rules related do ICMS [a state tax existing in Brazil, similar to sales tax]. This is due to exacerbation of the "war tax", which leads the Brazilian states and the Federal District to not comply with the agreements reached under the Confaz, claiming to defend their local interests. However, because it is a tax of national configuration, if the consensus is not observed, there is no way to maintain the necessary structural balance. From the other end, making this issue from the perspective of the Constructivism Logical-Semantic school, whose greatest exponents are Lourival Vilanova and Paulo de Barros Carvalho, one realizes that the rules issued by Confaz are to be understood under the perspective of the sense route generator, which structures four different levels with a view to the construction of the legal system. However, the ICMS Agreement n. 70/2014, which aims to end the "war tax", can not even reach the third of these plans. The objective of this paper is to discuss about the legality of the ICMS n. 70/2014, asking whether it is a legal rule with complete sense. It is proposed that the Constructivism logical-semantic, from the notion that the Law is language, demonstrate the endless interpretive possibilities, to preserve a must-be content which is binding in any rule of law in the strict sense. If not structured such deontic content, there is no need to talk about standard, which results from the scientific analysis of the ICMS Agreement n. 70/2014.

 

KEYWORDS: Confaz; ICMS Agreement n. 70/2014; Constructivism Logical-Semantic; Rule of Law; Sense Route Generator.

 

INTRODU��O

 

Ao se confrontar com a realidade brasileira, percebe-se o quanto a tem�tica fiscal tem ocupado as discuss�es dos especialistas, bem como as manchetes dos principais meios de comunica��o de massa. Nesse ponto, a linguagem dos juristas e a dos cidad�os comuns aponta para algumas deformidades que precisariam ser resolvidas. Normalmente, tais discursos indicam a reforma tribut�ria como a sa�da adequada para enfrentar os problemas.

Inserida nessa tem�tica, aquilo que se convencionou chamar de �guerra fiscal� do ICMS, configura-se a partir de severas agress�es ao princ�pio federativo, enquanto anomalia fratricida das mais perigosas. Isso porque, diante de um tributo de compet�ncia estadual, mas com marcante car�ter nacional, aparecem as fendas de uma Constitui��o Federal cujo conte�do prescritivo aponta para o reconhecimento da autonomia dos entes. Na pr�tica, contudo, ainda grassam as enormes disparidades entre os Estados e o Distrito Federal.

Nesse ponto, um �rg�o colegiado merece grande aten��o: trata-se do Conselho Nacional de Pol�tica Fazend�ria, f�rum pertinente �s discuss�es acerca da concess�o de incentivos e benef�cios fiscais em sede de ICMS. Tal �rg�o, cuja atua��o merece bastante considera��o na atualidade, � alvo de severas cr�ticas, especialmente pela sua incapacidade de solucionar algumas disparidades importantes que v�m se processando na afamada �guerra fiscal�.

Assim, o presente trabalho visa a aproximar-se do Confaz, perpassando a tem�tica da determina��o de sua natureza jur�dica, especialmente a partir da considera��o de sua cria��o com a promulga��o da Lei Complementar n� 24, de 7 de janeiro de 1975, e a controv�rsia de sua recep��o pela novel Constitui��o. Nessa toada, analisar-se-� uma de suas mais recentes manifesta��es normativas: o Conv�nio ICMS n� 70, de 29 de julho de 2014.

Para a an�lise de intricada mat�ria, sabe-se que muitos recortes diferenciados poderiam ser realizados, sendo infinitas as possibilidades interpretativas. Nesse ponto, a aproxima��o do objeto acima disposto ser� levada a cabo a partir da Escola do Constructivismo L�gico-Sem�ntico, cujos maiores expoentes s�o Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, enaltecendo-se a constru��o realizada por este jurista e que se revela por necess�ria � compreens�o do universo normativo: aqui se insere a utiliza��o do �percurso gerador de sentido�, o qual se revela como o instrumento necess�rio ao atingimento da plenitude do sistema jur�dico brasileiro.

Assim, a partir da utiliza��o de tal m�todo, o objetivo deste trabalho ser� determinar a natureza jur�dica do Confaz, bem como construir a trajet�ria espec�fica do Conv�nio ICMS n� 70, de 2014, o qual tem por finalidade revestir-se de norma jur�dica, isto �, com conte�do de�ntico, a partir da qual ser� poss�vel solucionar a �guerra fiscal�.

Para tanto, o trabalho ser� dividido em duas partes: a primeira delas, adentrando na pol�mica que envolve a �guerra fiscal�, buscando com as suas origens proximamente. J� na segunda parte, mais extensa, abordar-se-�, especificamente, a natureza jur�dica do Confaz, envolvendo aspectos controversos e incontroversos sobre esse colegiado, bem como ser�o apresentados os fundamentos do Constructivismo L�gico-Sem�ntico, empregando-se o percurso gerador de sentido para questionar a natureza normativa do Conv�nio ICMS n� 70/2014.

Com tudo isso, enaltece-se todo o car�ter de prescritividade, �nsito � Ci�ncia do Direito, e que visa a confrontar-se com as normas jur�dicas v�lidas no ordenamento, investigando-lhes o essencial fundamento prescritivo e a sua adequa��o ao ordenamento jur�dico que se imputa harm�nico e coerente.

 

1 A POL�MICA EM TORNO DA GUERRA FISCAL DO ICMS: UM EMBATE QUE TOMA PROPOR��ES AVASSALADORAS NO CEN�RIO JUR�DICO BRASILEIRO

 

A fim de se iniciar a constru��o doutrin�ria que aqui se pretende, far-se-� o necess�rio recorte metodol�gico, o qual se configura em umas das medidas que identificam um trabalho cient�fico, deixando desde j� esclarecido que, para o que aqui se prop�e, partir-se-� do pressuposto de que a linguagem constitui a realidade e, em especial, o direito, na medida em que n�o se pode pensar neste signo fora da linguagem, em especial, da linguagem escrita. Defende-se que �o objeto do conhecimento � sempre criado por meio de um procedimento de corte ao qual poder�amos acrescer o adjetivo de gnosiol�gico� (BRITTO, 2014, p. 2).

Trata-se de uma das consequ�ncias trazidas pelo movimento intitulado �Giro Lingu�stico�, a qual altera profundamente o panorama estabelecido pela hermen�utica tradicional, e que tem, como um dos seus maiores expoentes, Ludwig Wittgenstein[1]. Nesse ponto, adotar-se-�o as premissas da Escola do Constructivismo L�gico-Sem�ntico, bem como fundamentos da Teoria Comunicacional do Direito, naquilo que n�o destoarem daquela escola (CARVALHO, P. B., 2013; CARVALHO, 2015; ROBLES, 2005).

Nesse ponto, o �Giro Lingu�stico� representou

 

um novo paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da reflex�o filos�fica para a �esfera dos fundamentos� de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa a poder levantar a pretens�o de ser �a filosofia primeira� � altura do n�vel de consci�ncia cr�tica de nossos dias. Isso significa dizer que a pergunta pelas condi��es de possibilidade do conhecimento confi�vel, que caracterizou toda a filosofia moderna, se transformou na pergunta pelas condi��es de possibilidade de senten�as intersubjetivamente v�lidas a respeito do mundo (OLIVEIRA, 2006, p. 12-13).

 

Tomar a linguagem como o meio necess�rio n�o o conhecimento n�o significa que n�o existam objetos f�sicos: do contr�rio, a filosofia da linguagem proposta por Ludwig Wittgenstein quer mostrar que � apenas pela linguagem que a realidade social � constru�da, propiciando a sua compreens�o, a partir da realidade objetiva do ser cognoscente (TOM�, 2011, p. 104).

Contudo, tendo em vista que o assunto que se pretende abordar traz facetas que desbordam do jur�dico, passar-se-� a inserir a tem�tica a partir de vieses que evidenciam a complexidade do tema, sem que, com isso, deixe de fundamentar-se normativamente, dando especial aten��o �s quest�es jur�dico-tribut�rias que envolvem a mat�ria. Parte-se do princ�pio de que o universo social � uma multiplicidade cont�nua, e n�o homog�nea, sendo que as intera��es sociais n�o s�o reflexivas (VILANOVA, 2015, p. 13).

Em assim sendo, pode-se afirmar que um dos assuntos que mais tem sido alvo de pol�micas na atualidade, abrangendo notadamente o Direito Tribut�rio, reside na chamada �guerra fiscal� que se deflagrou em torno do Imposto sobre a Circula��o de Mercadorias e sobre a Presta��o de Servi�os de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunica��es (ICMS).

Um aspecto que merece ser destacado, logo de in�cio, � que se tem a tend�ncia de, talvez at� mesmo pelo peso do significado do nome �guerra�, observar-se as dissens�es entre os Estados e o DF, no �mbito do ICMS, como um efeito de decis�es pol�ticas sempre negativas para os entes, como se se tratasse de uma guerra na qual s� houvesse perdedores.

Diferentemente disso, em parecer especializado acerca da concess�o de isen��es, incentivos ou benef�cios fiscais no �mbito do ICMS, Paulo de Barros Carvalho (2014, p. 25) defende que

 

A express�o assume indisfar��veis conota��es pol�ticas, mas reflete, tamb�m, no campo de sua amplitude sem�ntica, um plexo de rela��es jur�dicas n�o conciliadas segundo os princ�pios da harmonia que o constituinte de 1988 previu. Ali�s, diga-se de passagem, a �guerra fiscal� tem seu lado positivo, manifestado no empenho que as entidades tributantes realizam para atrair investimentos, buscando por esse meio acelerar o desenvolvimento econ�mico e social, com benef�cios significativos para a Administra��o e para os administrados. Sobremais, como tudo h� de pautar-se em conson�ncia com as diretrizes do direito posto, esse confronto de pol�tica tribut�ria acaba, muitas vezes, propiciando o aprofundamento cognoscitivo das legisla��es vigentes, desencadeando reformas que aperfei�oam institui��es e aprimoram os mecanismos de implanta��o dos tributos. (destacado)

 

Em assim sendo, n�o h� que se falar apenas nos efeitos nefastos da �guerra fiscal�, mas, antes, indicar tamb�m que tais quest�es acabam propiciando o aprofundamento em quest�es antes n�o discutidas, bem como alavancando investimentos em parcelas da federa��o que sequer atra�am os olhares do capital privado.

Partindo-se do pressuposto de que todos os signos s�o vagos e que a maior parte deles � amb�guo (ROSS, 2007, p. 143; GUASTINI, 1999, p. 202), e voltando-se mais especificamente aos significados mais frequentemente atribu�dos � palavra �guerra�, com o que se poderia apontar algumas defini��es lexicogr�ficas (GUASTINI, 1999, p. 201), recorre-se ao Dicion�rio Michaelis: �combate de paix�es, abusos, v�cios; conflito armado pelo controle pol�tico entre diferentes grupos dentro da mesma na��o; medidas de car�ter secreto adotadas por certos pa�ses contra seus advers�rios, no sentido de evitar-lhes qualquer fornecimento de mat�rias-primas, de cr�dito ou transporte�.

Nesse tocante, tal qual a multiplicidade de significados atribu�dos ao signo �guerra�, que envolve aspectos pol�ticos, econ�micos e sociais, existe uma multiplicidade de justificativas ofertadas pelos Estados para que a situa��o se encontre no atual patamar de (des)organiza��o. Aqui, h� de se enfatizar que �� s� na rela��o com o interpretante que o signo completa sua a��o como signo� (SANTAELLA, 2012a, p. 37). Contudo, como uma forma de estruturar o tema que aqui se prop�e, partir-se-� de uma an�lise hist�rico-evolutiva do fen�meno �guerra fiscal� do ICMS, a fim de que se possa chegar, adiante, � elucida��o da controvertida natureza jur�dica do Conselho Nacional de Pol�tica Tribut�ria (Confaz).

 

2 APONTAMENTOS SOBRE A NATUREZA JUR�DICA DO CONFAZ E O CONV�NIO ICMS N� 70/2014 COMO UM SEM SENTIDO DE�NTICO

 

Conforme j� indicado acima, o tema central do presente trabalho ser� estruturado em torno dos aspectos que envolvem a natureza jur�dica do Confaz, culminando com a an�lise do Conv�nio ICMS n� 70/2014. Para tanto, metodologicamente optou-se pela an�lise de tal assunto a partir de sua bipolariza��o: inicialmente, passar-se-� a apontar as caracter�sticas facilmente atribu�veis ao Confaz, em virtude das disposi��es legislativas acerca da mat�ria.

A posteriori, introduzir-se-�o os aspectos que evidenciam a natureza controvertida do Confaz, ou mesmo aqueles caracteres que, definitivamente, devem ser afastados de pronto, nos termos desta pesquisa.

 

2.1 O que parece ser evidente ao se buscar caracterizar a natureza jur�dica do Confaz?

 

De pronto, pode-se afirmar que alguns caracteres parecem contribuir positivamente para a elucida��o da controversa natureza jur�dica do Confaz. O primeiro deles diz respeito ao assento normativo que propiciou a cria��o de tal colegiado no cen�rio nacional. Para tanto, deve-se remontar � Lei Complementar n� 24, de 7 de janeiro de 1975 (LC n� 24/75), que disp�e sobre os conv�nios para a concess�o de isen��es do imposto sobre opera��es relativas � circula��o de mercadorias (ICM).

Em sede doutrin�ria, pode-se afirmar que a LC n� 24/75 � o instrumento normativo que propiciou o surgimento do que hoje se denomina Confaz. Neste diploma, fica evidenciado que o Confaz � o �ambiente institucionalizado� para que as reuni�es para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, sob a presid�ncia de representantes do Governo Federal (art. 2�), deliberem acerca dos benef�cios e incentivos relativamente ao ICMS.

Nesse ponto, conforme contido no art. 1� da LC n� 24/75, com a devida adapta��o ao ICMS, as isen��es relativas a esse imposto ser�o concedidas ou revogadas nos termos de conv�nios celebrados no CONFAZ, aplicando-se o mesmo procedimento �s redu��es de base de c�lculo, devolu��o total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou n�o, a contribuinte, a respons�vel ou a terceiro, � concess�o de cr�ditos presumidos e a quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base nesse imposto e dos quais resulte diminui��o ou elimina��o, direta ou indireta, do respectivo �nus.

Dessa forma, percebe-se que os conv�nios prestam-se a dispor acerca das isen��es, bem como outras modifica��es que propiciem um tratamento mais favor�vel aos contribuintes do ICMS. Nesse ponto, adotar-se-� o conceito de isen��o desenvolvido por Paulo de Barros Carvalho (2013, p. 601), para quem

 

O que o preceito de isen��o faz � subtrair parcela do campo de abrang�ncia do crit�rio do antecedente ou do consequente, podendo a regra de isen��o suprimir a funcionalidade da regra-matriz tribut�ria de oito maneiras distintas: (i) pela hip�tese: i.1) atingindo-lhe o crit�rio material, pela desqualifica��o do verbo; i.2) mutilando o crit�rio material, pela subtra��o do complemento; i.3) indo contra o crit�rio espacial; i.4) voltando-se para o crit�rio temporal; (ii) pelo consequente, atingindo: ii.1) o crit�rio pessoal, pelo sujeito ativo; ii.2) o crit�rio pessoal, pelo sujeito passivo; ii.3) o crit�rio quantitativo, pela base de c�lculo; e ii.4) o crit�rio quantitativo, pela al�quota.

 

Adotando-se o contorno acima, percebe-se que h� uma amplia��o no tradicional modelo desenvolvido pela doutrina tributarista, e que focava na velocidade da incid�ncia das normas jur�dicas como forma de definir a isen��o. Volvendo-se � LC n� 24/75, em seu art. 11[2], restou prevista a aprova��o de um regimento interno, o que se consubstancia, atualmente, no Conv�nio ICMS n� 133/97. Contudo, como se pode facilmente inferir, a LC n� 24/75 � anterior � promulga��o da CF/88, o que suscitou d�vidas quanto � recep��o daquele diploma pela nova ordem instaurada. Assim, no julgamento de alguns processos[3], o Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela recep��o, pela CF/88, da LC n� 24/75.

Nesse tocante, a leitura do art. 155, � 2�, inciso XII, al�nea g, CF/88[4], inserida pela Emenda Constitucional n� 3, de 1993, propicia o encontro do atual dispositivo constitucional que corresponde �quele contorno j� definido quando da elabora��o da LC n� 24/75. Tal afirmativa, contudo, n�o deve levar o leitor ao entendimento de que aqui se est� a defender que todos os enunciados normativos da LC n� 24/75 foram recepcionados pela CF/88, mas apenas que esta, ao exigir que uma lei complementar regulasse a forma como Estados e Distrito Federal deliberariam sobre incentivos e benef�cios fiscais no �mbito do ICMS, encontrou, j� posta no ordenamento, uma lei complementar que atendia razoavelmente a esse contorno pretendido.

Deve-se apontar, ainda, que a LC n� 24/75, em seu art. 8�, estabeleceu san��es que acabar�o sendo suportadas pelos contribuintes que gozarem de benef�cios ou incentivos fiscais que n�o tenham sido apreciados pelo Confaz: nulidade do ato e a inefic�cia do cr�dito fiscal atribu�do ao estabelecimento recebedor da mercadoria (inc. I) e exigibilidade do imposto n�o pago ou devolvido e a inefic�cia da lei ou ato que conceda remiss�o do d�bito correspondente (inc. II). Al�m destas, cabe inserir a presun��o de irregularidade das contas do Estado, bem como a suspens�o dos repasses a t�tulo de Fundo de Participa��o, Fundo Especial e reparti��o de impostos federais, nos termos do par�grafo �nico do art. 8�, da LC n� 24/75.

O apontamento das quest�es aparentemente incontroversas do Confaz continua a partir dos enunciados do Decreto federal n� 7.482, de 16 de maio de 2011, o qual aprova a estrutura regimental e o quadro demonstrativo dos cargos em comiss�o e das fun��es gratificadas do Minist�rio da Fazenda.

Nesse tocante, o Confaz hoje seria um �rg�o colegiado integrante da estrutura organizacional do Minist�rio da Fazenda, nos termos da al�nea b, inciso III, art. 2�, do citado decreto. Dessa forma, identicamente ao Conselho Monet�rio Nacional, ao Conselho Nacional de Seguros Privados e ao Comit� Gestor do Simples Nacional, o Confaz restou institucionalizado no �mbito da Uni�o, em aten��o ao mandamento de que a presid�ncia deste �rg�o � de compet�ncia federal.

Contudo, � no art. 33 do Decreto federal n� 7.482/2011, que constam as compet�ncias do Confaz, destacando-se, al�m da celebra��o de conv�nios para efeito de concess�o ou revoga��o de incentivos e benef�cios fiscais do ICMS e da celebra��o de atos visando o exerc�cio das prerrogativas previstas nos artigos 102[5] e 199[6] do CTN, as quais seriam um reflexo direto ou indireto da previs�o contida na LC n� 24/75, a gen�rica express�o �como tamb�m sobre outras mat�rias de interesse dos Estados e do Distrito Federal�.

Ultrapassando as disposi��es da LC n� 24/75, continua o art. 33 do Decreto n� 7.482/2011 com um rol de outras compet�ncias para o Confaz, n�o previstas em lei, destacando-se: sugest�o de medidas com vistas � simplifica��o e � harmoniza��o de exig�ncias legais, a gest�o a gest�o do Sistema Nacional Integrado de Informa��es Econ�mico-Fiscais (SINIEF), para coleta, elabora��o e distribui��o de dados b�sicos essenciais � forma��o de pol�ticas econ�mico-fiscais e ao aperfei�oamento permanente das administra��es tribut�rias, al�m da promo��o de estudos com vistas ao aperfei�oamento da Administra��o Tribut�ria e do Sistema Tribut�rio Nacional como mecanismo de desenvolvimento econ�mico e social, nos aspectos de inter-rela��o da tributa��o federal e estadual.

� interessante observar que, para al�m da previs�o contida na LC n� 24/75, que desenhava o Confaz exclusivamente como um espa�o de reuni�o dos entes, ao institucionaliz�-la em sua estrutura, a Uni�o acabou por acrescer-lhe outras compet�ncias por meio de decreto do Poder Executivo, incluindo medidas que possam afetar todo o Sistema Tribut�rio Nacional.

H� de se compreender, dessa forma, que essas outras compet�ncias devem ser harmonizadas com o interesse primeiro de estabelecimento de um f�rum altamente especializado para discorrer sobre assuntos que interessem aos Estados-membros e � Uni�o, reflexamente, notadamente em sede de ICMS.

No tocante �s disposi��es do Regimento Interno do Confaz, formalizado por meio do Conv�nio ICMS n� 133/97[7], o elenco de compet�ncias � mera repeti��o das disposi��es do Decreto federal n� 7.482/11, ultrapassando o desenho da LC n� 24/75, o qual pressupunha tal conselho exclusivamente com o fito de reunir os entes federativos com compet�ncia para instituir o ICMS, al�m da pr�pria Uni�o, enquanto �presidente� deste di�logo.

Dessa maneira, pode-se concluir que, mesmo os aspectos aparentemente incontroversos do Confaz acabam por transparecer algumas incoer�ncias na forma como foram estruturadas as compet�ncias desse �rg�o integrante do Minist�rio da Fazenda. Isto �, um f�rum federal de discuss�es acerca do ICMS, o que demonstra a fissura j� citada no cap�tulo antecedente de que, de fato, a l�gica desse tributo apenas comporta uma gest�o centralizada, sendo, normalmente, de compet�ncia do ente federal.

Ao n�o agir dessa forma, o Brasil acaba por tentar instituir mecanismos formais de conten��o dos Estados-federados, como medida tendente a harmonizar interesses t�o divergentes, as quais refletem os desn�veis de desenvolvimento regional e buscam garantir que os objetivos fundamentais n�o sejam vilipendiados de forma t�o evidente por entes que deveriam estar irmanados.

A �nica coisa que se deve ter em mente � que a Uni�o findou por institucionalizar o Confaz em sua estrutura, ampliando sobremaneira os ditames da LC n� 24/75 e elevando-o a verdadeiro �rg�o balizador do funcionamento de todo o Sistema Tribut�rio Nacional.

Pode-se questionar, por fim, se toda essa estrutura tem conseguido se manter �ntegra e cumprindo o seu papel de equil�brio da federa��o. E tal resposta, infelizmente, � not�ria para toda a sociedade, em uma luta fratricida que envergonha o Sistema Tribut�rio Nacional e proporciona pol�ticas extremamente desiguais entre os entes, que tentam sobreviver a partir de alian�as com a iniciativa privada que, muitas vezes, n�o correspondem aos reais anseios da sociedade brasileira, insertos na CF/88.

 

2.2 Outras reflex�es acerca da natureza jur�dica do Confaz

 

Muitos aspectos relativos ao Confaz mostram-se controversos, o que tem provocado s�rias cr�ticas da doutrina[8] acerca da legitimidade desse �rg�o para dispor sobre medidas que geram reflexos extremamente s�rios na estrutura��o da tributa��o brasileira. Na verdade, tais dificuldades resultam de uma constru��o equivocada das normas do sistema, relativas ao ICMS, conforme se ver� a seguir.

Contudo, a despeito de tudo isso, o que impressiona n�o � a estrutura formal do Conselho, mas o alcance que se tem conferido aos diplomas normativos dele emanados. Conforme estabelecido no Conv�nio ICMS n� 133/97, o Confaz pode aprovar tr�s tipos distintos de documentos normativos: conv�nios, protocolos e ajustes SINIEF.

Quanto aos conv�nios, os quais justificam toda a estrutura��o do conselho, devem ser o instrumento pertinente para a celebra��o de isen��es, incentivos e benef�cios fiscais, nos termos do art. 1� da LC n� 24/75. Para aprova��o desses documentos, � previsto o qu�rum da unanimidade dos Estados representantes[9], isto � os 26 Estados e o Distrito Federal.

Na pr�tica, os conv�nios celebrados no �mbito do Confaz assumem verdadeira fei��o de �lei ordin�ria� nos Estados-membros e no Distrito Federal, sendo utilizados por estes como os instrumentos h�beis a conceder incentivos e benef�cios fiscais em sede de ICMS, sem que haja qualquer aprecia��o pelas casas legislativas. Como exce��o a essa regra, cite-se a sistem�tica prevista na Constitui��o do Estado do Rio Grande do Sul, a qual prev� a manifesta��o da assembleia estadual por meio de decreto legislativo.

Ora, a se admitir a fei��o de �lei ordin�rias� sem que haja a ratifica��o pelo legislativo estadual, questiona-se se n�o haveria afronta ao art. 150, �6� da CF/88, bem como ao art. 176 do CTN[10], admitindo-se que isen��es (e outras formas de benef�cios fiscais), possam ser deliberadas pelos Secret�rios da Fazenda dos Estados e do Distrito Federal, em colis�o ao princ�pio democr�tico e sem que toda a sociedade possa discutir, por meio do Poder Legislativo, quais as consequ�ncias de se adotar imposi��es menos gravosas a determinado setor produtivo da economia.

Com a exce��o do Estado do Rio Grande do Sul, acima indicada, ocorre uma multiplicidade de entendimentos quanto ao papel dos conv�nios no sistema normativo tribut�rio, gerando conclus�es absolutamente dissonantes sobre o papel desses instrumentos, por falta da gera��o de um percurso coerente de interpreta��o de normas. Assim, alguns Estados preveem a aprova��o de leis ordin�rias nos casos de concess�o de anistia e remiss�o, submetendo as demais hip�teses a ratifica��o por decretos executivos[11].

Outras unidades preveem a ratifica��o por decreto do Poder Executivo em todas as hip�teses[12], culminando com o Estado do Rio de Janeiro, o qual ratifica as manifesta��es do Confaz por mera resolu��o do Secret�rio da Fazenda. O que se percebe, em todos esses casos, � que se procede a uma leitura isolada das disposi��es do art. 155, � 2�, inc. XII, al�nea g, da Constitui��o Federal[13].

Assim, a interpreta��o da LC n� 24/75, � luz da realidade constitucional vigente, leva � compreens�o dos conv�nios como regras t�cnicas ou procedimentais que visam a compor o iter procedimental do exerc�cio da compet�ncia legislativa por parte dos Estados e do Distrito Federal no que tange � concess�o ou revoga��o de benef�cios ou incentivos fiscais (CARVALHO; MARTINS, 2014, p. 63), diferentemente da disposi��o do art. 4� da LC n� 24/75, a qual previa um mero decreto do Poder Executivo para a ratifica��o dos conv�nios aprovados no Confaz.

Conforme jurisprud�ncia do STF, os conv�nios seriam meras etapas pr�vias da aprecia��o pelo Poder Legislativo estadual ou distrital, devendo este ser o respons�vel por sua ratifica��o, o que parece desenhar um car�ter de regra de estrutura para a aprova��o de leis ordin�rias estaduais e distritais que disponham acerca de isen��es no ICMS (ADIs n�s 1.247-MC, 2.357-MC, 3.312 e RE n� 539.130).

Representa, assim, mat�ria pol�mica e ainda n�o foi enfrentada pelo STF, e que parece sugerir os seguintes questionamentos: a jurisprud�ncia do STF tem o cond�o de criar norma de estrutura espec�fica que integre outra norma de estrutura, constante da CF/88, a qual trata do procedimento a ser observado para aprova��o de leis ordin�rias? No caso, ao indicar um iter para que o benef�cio seja julgado constitucional, estaria o STF criando regra espec�fica para o procedimento de leis ordin�rias estaduais concessivas de incentivos e benef�cios fiscais em sede de ICMS? Ou, ao rev�s, isso n�o afeta a validade da norma, mas seria apenas um v�cio de vig�ncia ou de efic�cia? Pela complexidade de tais mat�rias, as mesmas n�o poderiam ser apreciadas neste contexto.

J� no que tange aos protocolos, os mesmos estabelecem procedimentos comum para dois ou mais Estados e Distrito Federal, visando � implementa��o de pol�ticas fiscais, � permuta de informa��es e fiscaliza��o conjunta, � fixa��o de crit�rios para elabora��o de pautas fiscais, al�m de outros interesses das unidades federativas.[14]

Por fim, quanto aos ajustes, estes visam a dar efetividade ao Sistema Nacional Integrado de Informa��es Econ�mico-Fiscais (SINIEF), o qual tem por objetivos a obten��o e permuta de informa��es de natureza econ�mica e fiscal entre os signat�rios, bem como a simplifica��o do cumprimento das obriga��es por parte dos contribuintes.

Com tudo isso, percebe-se o quanto a mat�ria relativa aos conv�nios celebrados no �mbito do Confaz apresenta desconformidade quanto � interpreta��o realizada pelas unidades federadas. Para superar tal dificuldade, � que se propugna a utiliza��o do Constructivismo L�gico-Sem�ntico, enquanto m�todo que permite gerar construir os sentidos a partir do texto normativo, o que ser� oportunizado a partir do Conv�nio ICMS n� 70/2014.

 

 

 

2.3 O Conv�nio ICMS n� 70/2014 � um sem sentido de�ntico?

 

Caixa de texto: 32Ao se debru�ar sobre o substrato f�sico do Conv�nio ICMS n� 70/2014, percebe-se que o mesmo se trata de uma norma diferenciada em rela��o �s demais emana��es do Confaz. Isso porque, diversamente dos demais instrumentos desta esp�cie, os quais normalmente estabelecem benef�cios ou incentivos fiscais, tal conv�nio comp�e-se de um anexo que visa a trazer um modelo para um outro conv�nio que venha a dispor sobre a solu��o das situa��es decorrentes de legisla��es estaduais, que tenham concedido benef�cios ou incentivos fiscais, sem ter havido a aprecia��o por parte do colegiado de Estados e do Distrito Federal.

Tal conv�nio foi aprovado por vinte Estados, mais o Distrito Federal, n�o o tendo aprovado os Estados do Amazonas, Cear�, Esp�rito Santo, Goi�s, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Como se n�o trata propriamente de norma que estabelece benef�cios e incentivos fiscais, mas apenas estabelece um modelo a ser aplicado caso se venha a tentar solucionar a �guerra fiscal�, defende-se que n�o haveria a exig�ncia da unanimidade em sua aprova��o, pugnando-se pela maioria dos representantes presentes, nos termos do inciso III do art. 30 do Conv�nio ICMS n� 133/97.

Ainda mais, pelo fato de propriamente o Conv�nio ICMS n� 70/2014 n�o conceder incentivos ou benef�cios fiscais, n�o haveria a necessidade de ser encaminhado �s assembleias legislativas, para cumprimento do disposto no art. 155, � 2�, inciso XII, al�nea g, da CF/88, e conforme j� tem decidido reiteradamente o STF.

Diante de tudo isso, h� de se perguntar: afinal, a que se presta o Conv�nio ICMS n� 70/2014? Seria poss�vel, a partir da utiliza��o do percurso gerador de sentido, construir uma norma com sentido de�ntico completo? Poder-se-ia indicar uma norma prim�ria e uma norma secund�ria, ou se trataria de uma norma sem san��o, isto �, para o que aqui se pretende, e dentro da Escola do Constructivismo L�gico-Sem�ntico, uma norma sem sentido de�ntico?

Para Lourival Vilanova, a norma prim�ria[15], tamb�m chamada de endonorma na classifica��o de Carlos Cossio, seria aquela que prescreve um dever, se e quando acontecido o fato previsto no suposto. Trata-se da norma que �estatui direitos correlativos de deveres em se verificando a realiza��o da situa��o f�ctica prevista como hip�tese� (VILANOVA, 2010, p. 64). Nesta, �estatuem-se as rela��es de�nticas direitos/deveres, como consequ�ncia da verifica��o de pressupostos, fixados na proposi��o descritiva de situa��es f�cticas ou situa��es j� juridicamente qualificadas� (VILANOVA, 2010, p. 73).

A rela��o jur�dica prevista na norma prim�ria configura-se como sendo de �ndole material. Em termos exemplificativos, ao se vislumbrar o Conv�nio ICMS n� 70/2014, poder-se-ia apontar para o dever de se utilizar do modelo de norma proposto em seu Anexo �nico, caso se venha a solucionar (ou ao menos tentar isso) a �guerra fiscal� por meio de um instrumento pertinente do Confaz, pertinente a incentivos e benef�cios fiscais do imposto, o que aponta para a utiliza��o de um conv�nio.

J� a secund�ria, tamb�m chamada de perinorma para Cossio, seria aquela que prev� uma provid�ncia sancionat�ria a ser aplicada pelo Estado-juiz, no caso de descumprimento da conduta estatu�da na norma prim�ria. A rela��o jur�dica prevista na norma secund�ria configura-se como sendo de formal, ou processual, ou adjetiva. Nesta, norma secund�ria, �preceituam-se as consequ�ncias, no pressuposto do n�o-cumprimento do estatu�do na norma determinante da conduta juridicamente devida� (VILANOVA, 2010, p. 73).

Continuando o exemplo acima, acerca do Conv�nio ICMS n� 70/2014, em uma rela��o de ordem n�o sim�trica (VILANOVA), descumprido o dever de ado��o do modelo de conv�nio previsto no Anexo �nico, implica uma san��o, que nada mais representa do que uma rela��o jur�dica entre dois sujeitos distintos: �o Estado-Juiz interv�m como sujeito passivo da rela��o de�ntica, sendo sujeito ativo a pessoa que postula a aplica��o coativa da presta��o descumprida� (CARVALHO, 2012, p. 66).

Ora, tomada sob tal �tica, estabelecer-se-ia um v�nculo implicacional entre tais normas do qual decorreria que �inexistem regras jur�dicas sem as correspondentes san��es, isto �, normas sancionat�rias� (CARVALHO, P. B., 2013, p. 139). Entretanto, aqui faz transparecer o sem sentido de�ntico que se pretende apontar no trabalho: o Conv�nio ICMS n� 70/2014, por n�o ter sido aprovado pela unanimidade dos Estados e pelo DF, e ainda que tivesse sido, n�o pode prever uma estrutura que deva ser observada, isto �, que obrigue a aprova��o pelos mesmos entes, quando estes resolverem tentar p�r fim � �guerra fiscal�.

Ademais como o pressuposto l�gico da exist�ncia da norma secund�ria � o descumprimento da norma prim�rias, o que implica que n�o h� que se falar em norma secund�ria sem norma prim�ria, haveria uma �rela��o-de-ordem n�o-sim�trica, a norma sancionadora pressup�e, primeiramente, a norma definidora da conduta exigida. Tamb�m, cremos, com isso, n�o ser poss�vel considerar a norma que n�o sanciona como sup�rflua. Sem ela, carece de sentido a norma sancionadora� (destacado) (VILANOVA, 2010, p. 73-74).

Caixa de texto: 34Da�, a op��o pelo disjuntor includente (�v�), quando da representa��o formal das duas entidades, formando a norma completa e expressando �a mensagem de�ntica-jur�dica na sua integridade constitutiva, significando a orienta��o da conduta, juntamente com a provid�ncia coercitiva que o ordenamento prev� para seu descumprimento� (CARVALHO, 2013, p. 139).

A representa��o formal, conforme aponta Paulo de Barros Carvalho seria: D{(p→q) v [(p→ -q)→S]}. Tal disjuntor includente, em l�gica, aponta para o trilema: uma pode ser aplicada, a outra pode ser aplicada, ou ambas podem ser aplicadas, mas que �a utiliza��o desse disjuntor tem a propriedade de mostrar que as duas regras s�o simultaneamente v�lidas, mas que a aplica��o de uma exclui a da outra�.

Finalizando, sabe-se que, diante da autonomia dos entes federativos, quando da discuss�o propriamente do conv�nio que venha a dispor sobre os incentivos e benef�cios concedidos sem aprova��o do Confaz, os Estados e o DF ser�o absolutamente livres para estabelecer as normas que entendam pertinentes � quest�o, n�o se vinculando aos termos propostos no Anexo �nico do Conv�nio ICMS n� 70/2014. Mesmo para um ente que o tenha aprovado, pode ser a proposta desse anexo n�o lhe seja a mais adequada ou que fira algum interesse que lhe seja fundamental, podendo este, livremente, n�o votar favoravelmente ao modelo, o que desconstituiria a unanimidade necess�ria.

Diante de tudo isso, a indaga��o acerca da serventia do Conv�nio ICMS n� 70/2014 como norma com sentido completo, de conte�do essencialmente prescritivo, padece de conte�do, posto que n�o h� como se estabelecer san��o pela n�o utiliza��o do modelo de conv�nio previsto em seu Anexo �nico, posto que n�o se trata de conduta a ser observada pelos Estados e pelo DF, o que acaba por redundar em um completo sem sentido de�ntico. O Conv�nio ICMS n� 70/2014, em termos prescritivos, n�o teria serventia, demonstrando ser apenas, no m�ximo, um documento de conte�do essencialmente pol�tico e n�o jur�dico.

 

CONCLUS�O

 

Ao se enfrentar temas inquietantes da realidade jur�dico-tribut�ria brasileira, percebe-se que algumas incongru�ncias s�o imediatamente evidenciadas: uma das mais marcantes, certamente, relaciona-se � chamada �guerra fiscal� do ICMS, a qual tem gerado agressivas cr�ticas por parte da doutrina, decis�es marcantes em termos de jurisprud�ncia, al�m de contar com a antipatia de grande parte da popula��o.

Contudo, a forma de se recortar a realidade, bem como se se aproximar do objeto de estudo, deve guardar coer�ncia, e ser, desde logo, preordenada por aquele que se prop�e a fazer Ci�ncia do Direito: nesse ponto, adotou-se a Escola do Constructivismo L�gico-Sem�ntico, a qual possui uma posi��o normativista do direito e compreendendo as normas a partir da linguagem.

Nesse ponto, a problematiza��o que aqui se prop�s enfeixou uma an�lise acerca da pol�mica em torno da �guerra fiscal�, enaltecendo seus aspectos controversos e incontroversos. Aqui, verificou-se que se trata de um colegiado com assento constitucional e que se encontra previsto na Lei Complementar n� 24/75, a qual possui alguns dispositivos que n�o teriam sido recepcionados pelo ordenamento constitucional de 1988. Sua estrutura organizacional est� prevista em um decreto federal, mas se trata de f�rum de discuss�o no qual t�m assento os Secret�rios de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal.

A seguir, aproximando-se mais do Constructivismo L�gico-Sem�ntico, utilizando-se deste m�todo para determinar a natureza jur�dica do Confaz e identificar sua import�ncia na constru��o do sistema tribut�rio nacional. Nesse sentido, mereceu destaque a an�lise do Conv�nio ICMS n� 70/2014, o qual teria por finalidade p�r fim � �guerra fiscal�.

Utilizando-se do substrato f�sico deste conv�nio, al�m de alguns outros, necess�rios � constru��o de norma jur�dica com sentido completo, concluiu-se que n�o se afigura poss�vel visualizar norma jur�dica enquanto unidade m�nima e irredut�vel de significa��o do de�ntico, posto que as disposi��es do Anexo �nico do Conv�nio ICMS n� 70/2014 n�o tem conte�do obrigat�rio a ser observado pelos Estados e pelo Distrito Federal, caso estes venham a realmente tentar acabar com a �guerra fiscal� pela utiliza��o de um conv�nio.

Assim, tendo em vista que a estrutura da norma jur�dica completa carece da identifica��o de uma norma prim�ria e de uma norma secund�ria, na esteira do que defende Lourival Vilanova, n�o se consegue identificar a norma secund�ria pelo descumprimento do modelo proposto no Conv�nio ICMS n� 70/2014, o que contraria a Escola que aqui se defende, posto que, nesta �tica, � inaceit�vel norma jur�dica desprovida de san��o.

Com tudo isso, percebe-se que o Confaz, com a sinaliza��o deste conv�nio, quando muito, exarou um documento de cunho meramente pol�tico, apesar de ter-se utilizado de uma estrutura normativa. Contudo, tendo em vista que a norma jur�dica � sempre constru��o do int�rprete, este, em sua tarefa intelectiva, n�o consegue alcan�ar o plano S3 e, em decorr�ncia, atingir o plano S4, o qual representa a plenitude do sistema, espelhando as rela��es de coordena��o e subordina��o existentes.

Por fim, em casos como estes, imputa-se como existente o chamado �sem sentido de�ntico�, visto que estaria infringido o principal caractere que h� de se fazer presente em qualquer norma jur�dica: seu conte�do prescritivo, que n�o pode ser olvidado em hip�tese alguma, sob pena de vilipendiar o tra�o caracter�stico do dever-ser.

 

REFER�NCIAS

 

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* P�s-Doutora pela Universidade de Lisboa. Doutora pela PUC/SP. Professora de Direito Tribut�rio e Financeiro dos cursos de gradua��o e p�s-gradua��o da UFC e da FA7. L�der do Grupo de Pesquisa em Tributa��o Ambiental (GTA-UFC). Procuradora da Fazenda Nacional. E-mail: [email protected].

** Doutoranda em Direito Tribut�rio pela Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo (PUC-SP). Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Professora dos cursos de gradua��o e p�s-gradua��o da Universidade de Fortaleza. E-mail: [email protected].

Data de recebimento do artigo: 15/01/2016 � Data de avalia��o: 11/02/2016 e 13/02/2016.

[1] Dentre todas as contribui��es de Wittgenstein, deve-se enaltecer a caracter�stica de tratar a linguagem como um jogo, da� se empregando a express�o jogos de linguagem. Dessa forma, este fil�sofo prop�e as seguintes indaga��es, desde logo respondidas: �Quantas esp�cies de frases existem? Afirma��o, pergunta e comando, talvez? � H� in�meras de tais esp�cies: in�meras esp�cies diferentes de emprego daquilo que chamamos de �signo�, �palavras�, �frases�. E essa pluralidade n�o � nada fixo, um dado para sempre; mas novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, como poder�amos dizer, nascem e outros envelhecem e s�o esquecidos. (Uma imagem aproximada disto pode nos dar as modifica��es da matem�tica). O termo �jogo de linguagem� deve aqui salientar que o falar da linguagem � uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida� (WITTGENSTEIN, 1999, p. 35).

[2] Art. 11 � O Regimento das reuni�es de representantes das Unidades da Federa��o ser� aprovado em conv�nio.

[3] Dentre todos, citem-se os julgamentos dos seguintes processos: ADI n� 2175-5/BA, ADI n� 1179-MC/SP e ADI n� 2155-MC/PR.

[4] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II - opera��es relativas � circula��o de mercadorias e sobre presta��es de servi�os de transporte interestadual e intermunicipal e de comunica��o, ainda que as opera��es e as presta��es se iniciem no exterior; [...] � 2.� O imposto previsto no inciso II atender� ao seguinte: [...] XII - cabe � lei complementar: [...] g) regular a forma como, mediante delibera��o dos Estados e do Distrito Federal, isen��es, incentivos e benef�cios fiscais ser�o concedidos e revogados. [...].

[5] Art. 102. A legisla��o tribut�ria dos Estados, do Distrito Federal e dos Munic�pios vigora, no Pa�s, fora dos respectivos territ�rios, nos limites em que lhe reconhe�am extraterritorialidade os conv�nios de que participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela Uni�o.

[6] Art. 199. A Fazenda P�blica da Uni�o e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Munic�pios prestar-se-�o mutuamente assist�ncia para a fiscaliza��o dos tributos respectivos e permuta de informa��es, na forma estabelecida, em car�ter geral ou espec�fico, por lei ou conv�nio. Par�grafo �nico. A Fazenda P�blica da Uni�o, na forma estabelecida em tratados, acordos ou conv�nios, poder� permutar informa��es com Estados estrangeiros no interesse da arrecada��o e da fiscaliza��o de tributos.

[7] Dispon�vel em: www.fazenda.gov.br/Confaz.

[8] Cite-se o palestrante Marcelo Salom�o que, no X Congresso Nacional de Estudos Tribut�rios, realizado entre os dias 4 a 6 de dezembro de 2013, em S�o Paulo/SP, chegou a afirmar que o Confaz n�o existia, n�o aceitando a largueza de compet�ncias que lhe vem sendo atribu�das rotineiramente.

[9] Nos termos do inciso I, art. 30, do Conv�nio ICMS n� 133/97.

[10] Art. 176. A isen��o, ainda quando prevista em contrato, � sempre decorrente de lei que especifique as condi��es e requisitos exigidos para a sua concess�o, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua dura��o.

[11] Como exemplos, podem-se citar os Estados da Bahia, do Esp�rito Santo e de S�o Paulo.

[12] Como exemplos, podem-se citar os Estados de Alagoas, Santa Catarina e Minas Gerais.

[13] Dentre todos, citem-se os Estados do Amazonas e Rio Grande do Sul, bem como o Distrito Federal. Alguns Estados, como Esp�rito Santo, Goi�s, e S�o Paulo, aprovam leis no caso de anistia e remiss�o do ICMS, e se utilizam de decreto do Poder Executivo para os demais incentivos e benef�cios fiscais. Por fim, outros entes, como Maranh�o, Santa Catarina e Pernambuco, utilizam-se do decreto do Poder Executivo para toda e qualquer forma de benef�cio fiscal, inclusive nos casos de anistia e isen��o.��

[14] Nos termos do art. 38 do Conv�nio ICMS n� 133/97.

[15] Para se melhor compreender a estrutura bimembre da norma jur�dica, al�m dos pr�prios escritos de Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho, cite o Cap�tulo Primeiro da obra �O lugar e o tributo�, de Lucas Galv�o de Britto, que esclarece o assunto de forma � luz do Constructivismo L�gico-Sem�ntico.