A influência da tecnocracia industrial-empresarial na identificação entre desenvolvimento econômico e industrialização na Política de Planejamento Nacional

The influence of industrial-business technocracy on the identification between economy development and industrialization in National Planning Policy

 

Vera Lucia da Silva*

 

RESUMO: A revisão bibliográfica sobre planejamento econômico brasileiro indica que o primeiro plano de alcance nacional, o Plano de Metas elaborado por Juscelino Kubitschek (1955), previu medidas de estímulo à industrialização, via subsídios e isenções tributárias. O pressuposto era a substituição de importações pudesse acelerar o desenvolvimento nacional. A demanda era não somente pelo abastecimento do incipiente mercado interno, mas principalmente pelo incremento das exportações de produtos industriais. A identificação de desenvolvimento com industrialização foi constituída sob uma perspectiva comprometida com as elites empresariais e industriais, especialmente representadas por seus tecnocratas. Assim, a influência de grupos industriais sobre o planejamento econômico nacional comprometeu os investimentos públicos com o próprio sustento, bem assim com o desenvolvimento de grupos empresariais privados. O problema é verificar como a classe empresarial influenciou o entendimento da noção política de desenvolvimento nacional, justificativa para a transferência de recursos públicos para o capital privado das indústrias.

 

PALAVRAS-CHAVE: Tecnocracia industrial-empresarial; Planejamento nacional; Desenvolvimento econômico.

 

ABSTRACT: A bibliographic review on Brazil's economic planning indicates that the first national plan, best known as Plano de Metas, prepared by Juscelino Kubitschek (1955) provides measures to stimulate industrialization, as subsidies and tax exemptions. The assumption for those measures was that substituting imports could accelerate national development. The development demand was not for supplying the incipient domestic market, but mainly to increase exports of industrial products. The approach between business and industrial elites (especially represented by their technocrats), and the government founded the identity between industrialization and development. Thus, the influence of industrial groups on national economic planning settled public investments to support themselves, as well as it destined public money to maintain some private business groups. The issue is to verify how the business class politically influenced the national development concept, as basis to transfer public funds to private industries.

 

KEYWORDS: Industrial-corporate technocracy; National planning; Economic development.

 

 

INTRODUÇÃO

 

O planejamento econômico foi implementado no Brasil em meados do século XX com o propósito de alterar a estrutura produtiva nacional, destinando-se recursos públicos para a industrialização de uma economia majoritariamente agroexportadora[1]. A formação industrial no Brasil até a crise de 1929 estava diretamente atrelada à acumulação de capital nacional proveniente do mercado agroexportador, na qualidade de diversificação de investimentos. Essa é explicação corrente para a origem e o desenvolvimento das primeiras indústrias têxteis, alimentícias, de cimento e ferro nacionais, tendo, esta última, tornado o País autossuficiente em 1930 (SUZIGAN, 1986, p. 112-123).

Com a crise de 1929, entretanto, a dificuldade geral em exportar bens primários e em importar maquinaria industrial demandou alterações da estrutura produtiva, com o estímulo público à consolidação de indústrias de bens intermediários e de capital. A indústria brasileira passou a ser dinamizada não mais pelo capital ocioso proveniente do agronegócio, mas por investimentos públicos e privados empregados na substituição de importações[2].

O investimento público em empresas privadas, especialmente dedicadas à produção industrial, passou a caracterizar a ideia de planejamento público no Brasil. Tal relação entre o setor público e privado, portanto, antecede muito o contemporâneo termo de parcerias (PPPs).

Pretende-se o resgate histórico do ideário de planejamento, praticamente situado em meados do século XX, associando a influência dos empresários industriais nacionais (e estrangeiros) nos planos nacionais de desenvolvimento. Evidenciar esse fenômeno questiona a efetividade do livre comércio e concorrência na economia e na legislação brasileira de então. Ademais, desfaz também o mito de desenvolvimento industrial como resultado da acumulação primitiva de capital do setor primário, ou mesmo como sintoma de desenvolvimento nacional.

 

1 PLANEJAMENTO NACIONAL NO CONTEXTO DE ESTÍMULO PÚBLICO À INDÚSTRIA

 

Com relação ao papel do Estado na economia, o período de industrialização anterior à Primeira Guerra Mundial foi marcado pela atuação protecionista, com o estabelecimento de autênticas barreiras alfandegárias aos produtos importados. É de se mencionar, a título de ilustração, o caso do imposto sobre as cervejas importadas, estabelecido em 1892 em 60% (sessenta por cento), na expectativa de proteger empresas como a Companhia Antártica (LUZ, 1979, p. 87). A industrialização desse período foi bastante lenta e interrompida pela própria Guerra.

Já o período pós-Primeira Guerra foi caracterizado pelo investimento estatal direto nas indústrias instaladas no Brasil (de capital nacional ou estrangeiro), via empréstimos e isenções fiscais. Essa política de subsídios foi o prenúncio do processo dito substituição de importações, acelerado pela crise de 1929:

 

A ajuda governamental direta à indústria de transformação no período anterior à Primeira Guerra foi praticamente nula, com exceção daquela concedida à indústria do açúcar e das ocasionais isenções de direitos sobre matérias-primas e maquinaria industrial importadas. [...] A partir da Primeira Guerra o governo passou a estimular deliberadamente o desenvolvimento industrial em geral. No entanto, os incentivos e subsídios concedidos não eram sistemáticos e nem sempre foram eficazes (SUZIGAN, 1986, p. 350) (grifou-se).

 

Os investimentos públicos para a consolidação da indústria brasileira, realizados desde os anos 1920, representaram elevados valores e foram essenciais para a subsistência das empresas beneficiadas. Aqui, vale mencionar o exemplo do ramo siderúrgico, no qual companhias como a Belgo-Mineira e Brasileira de Usinas Metalúrgicas (CBUM) foram subsidiadas pelo Governo Federal por anos consecutivos: no caso da Belgo-Mineira, de 1920 a 1923[3], pelo menos; a CBUM usufruiu de benefícios desde sua instalação, em 1925, até fins de 1927[4]. Os subsídios incluíam isenção de impostos de importação sobre maquinaria e matérias-primas, isenção de impostos federais, redução nos custos dos fretes; no caso específico da Belgo-Mineira, foi ainda beneficiada com empréstimo a juros bastante módicos[5]. Considere-se que esses casos são meramente exemplificativos: os subsídios foram estendidos a diversos ramos produtivos nacionais, beneficiando indústrias de outros segmentos, ao menos, até os anos 1930.

Todos os esforços estatais em prol da industrialização nacional eram realizados por meio de medidas setoriais momentâneas. Embora houvesse investimento de cifras significativas, não havia um planejamento geral econômico que fundamentasse a escolha das empresas ou mesmo dos setores beneficiados. À época, indicava-se que somente o planejamento poderia conduzir a economia nacional ao efetivo progresso. Por outro lado, assuntos como a dependência econômica em relação ao capital financeiro estrangeiro, instabilidade monetária nacional e protecionismo inadequado só viriam a ser abordadas nos anos 1960 (PRADO JUNIOR, 1967). Até então, o problema da economia brasileira era o montante de investimentos públicos realizados sem planejamento.

A respeito do desenvolvimento industrial irregular e não planejado, Villela e Suzigan (1980) apontaram dados significativos: os setores tradicionais (têxteis e alimentos) representavam, em 1940, dois terços da produção industrial nacional. A maquinaria concentrada nessas empresas estava completamente defasada e obsoleta quando do término da Segunda Guerra Mundial. E, para completar o desequilíbrio do quadro industrial brasileiro, cerca de 40% (quarenta por cento) dessa antiquada aparelhagem encontrava-se em operação no Estado de São Paulo, dado este que revela o imenso desequilíbrio regional econômico (VILLELA; SUZIGAN, 1980, p. 67).

Esse contexto de desequilibrada industrialização nacional, investimentos públicos e necessidade de substituir importações foi responsável pela identidade entre planejar e industrializar - contexto que contribuiu, inclusive, para constituir um ideário de planejamento científico tecnocrático nacional. A questão passou a ser a superação das pressões políticas internas e externas pelos governos, destinando os recursos públicos em prol de um projeto eficiente de progresso nacional. O progresso, na ocasião, era identificado com o incremento da produção industrial. Por isso, planejar tornou-se idêntico a industrializar, com direta influência das vertentes cientificistas de planejamento. Em um manual de história econômica, datado de 1950, encontra-se a seguinte passagem, que transparece a preocupação com a ausência de planejamento na aplicação dos recursos na indústria nacional:

 

O desenvolvimento das indústrias básicas será o único caminho capaz de nos levar à industrialização sistemática do Brasil. Mas, devemos reconhecer que esse caminho ainda não foi aberto: ‘Com efeito, as bases definitivas da industrialização do nosso país ainda não foram estabelecidas’. (CRUSIUS, 1950, p. 162)

 

O clamor técnico pela sistematicidade e eficiência da participação estatal na economia ganhou refinamento e tornou-se lugar comum nos anos 1960. O binômio cientificidade-progresso tornou-se recorrente nos textos de história econômica nacional. Essa época caracterizou-se pela grande expectativa de desenvolvimento econômico; o que, acreditava-se, só poderia acontecer por meio dos planejamentos nacionais:

 

A condição essencial para a prosperidade de qualquer país reside nas atividades da sua população e na maneira por que estas são orientadas e estimuladas pelos respectivos governos. [...] Deve prevalecer, em resumo, a mentalidade do mais inteligente e acurado esforço tendo em vista o ‘máximo resultado’.

[...] Procuremos tornar-nos mais inteligentes, não no sentido do preciosismo literário e das ocas manifestações de verbosidade que tanto têm malbaratado nossas energias mentais, mas no sentido de compreender as realidades brasileiras e de, mediante essa compreensão, promover uma organização racional de nossas atividades. (LOBO, 1968, p-200-201) (grifou-se).

 

De fato, a industrialização no Brasil durante a primeira metade do século XX foi julgada desequilibrada pelos técnicos economistas, em termos produtivos e regionais. Isso porque, como exposto anteriormente, a produção industrial era concentrada em alguns setores econômicos e em regiões específicas do território nacional. A doutrina a esse respeito é unânime quanto à ineficiência do padrão industrial fomentado, questionando o modelo de incentivos adotado pelos governos.

Apesar do consenso sobre os desequilíbrios da indústria nacional, as doutrinas de época apresentaram duas interpretações para esse fenômeno. Uma delas explicou o problema da industrialização desordenada pela ausência de um planejamento geral da economia, o que acarretava a concentração de investimentos estatais em ramos específicos. Por outro lado, Caio Prado Júnior defendeu que a desarticulação da indústria nacional deu-se em razão do imperialismo externo. Segundo o autor, para a compreensão da industrialização brasileira, era preciso considerar o desequilíbrio entre mercado interno e externo, sendo este muito mais atrativo ao produtor industrial. O incipiente mercado interno não articulava as necessidades básicas da população brasileira; de fato, a produção era destinada aos poucos consumidores. Assim, grande parte da produção industrial tinha como destino o mercado exportador. A formação da indústria brasileira destinou-se, portanto, a suprir as falhas de abastecimento do mercado externo; por isso, a industrialização deu-se de forma imediatista, desarticulada e desconectada, insuficiente para resolver os problemas de abastecimento do mercado interno (PRADO JUNIOR, 1967, p. 322).

A visão de Caio Prado Júnior (1967), portanto, descreveu o problema da indústria nacional a partir da dependência do Brasil em relação aos países desenvolvidos. A falha do processo de industrialização estava desatrelada do planejamento. Em outros termos, somente a fixação de um mercado interno viável tornaria a produção nacional independente do mercado internacional. A eficácia do planejamento econômico seria dependente de decisões políticas antecedentes, devotadas à consolidação do mercado consumidor interno[6].

 

2 DO PLANO DE METAS DE JUSCELINO KUBITSCHEK E A IDENTIDADE ENTRE DESENVOLVIMENTO E INDUSTRIALIZAÇÃO

 

Considerando que a intervenção estatal na economia foi, até então, contingente e setorizada, criou-se um relativo consenso em considerar como experiência inaugural de planejamento econômico nacional o Plano de Metas, base de campanha que elegeu o Presidente Juscelino Kubistchek, em 1955. Para Celso Lafer (1990), o incremento da participação política verificada no período motivou o Presidente eleito a sustentar, desde a campanha eleitoral, a proposta de planejamento econômico como alternativa viável para a melhoria do nível de vida da população.

Essa hipótese corrobora a interpretação de Weffort sobre o populismo: com o crescimento veloz e significativo da população urbana[7], a conciliação entre trabalhadores e elites tornou-se essencial à legitimação política. A maneira eficiente de promover esse consenso social e atingir a maioria dos eleitores era propor, a um só tempo, a unidade de interesses no desenvolvimento nacional. Se, por um lado, os investimentos públicos na indústria nacional eram de interesse das elites, passou a ser proposto também como proveito dos trabalhadores, pela perspectiva de maior oferta de postos de trabalho, elevação dos níveis salariais e acesso aos bens de consumo (WEFFORT, 1968, p. 130).

Esse novo arranjo político brasileiro, segundo Lafer, causou um dilema insolúvel dentro da estrutura econômica setorizada até então vigente. Não se tratava somente de atender aos apelos das elites industriais, muitas vezes opostos aos interesses dos agroexportadores. O crescimento acelerado da população urbana e as migrações inseriam outra variável no sistema de incentivos, a urbanização. Esta precisava ser considerada sob um aspecto de racionalidade administrativa. Por isso, a decisão de planejar, típica do governo Juscelino Kubitschek, foi resultado da dinâmica social e política brasileira.

O discurso do desenvolvimento econômico, naquele momento, era centrado na substituição de importações e dependente da industrialização nacional. O argumento comumente encontrado na literatura da técnica indicava que o desenvolvimento nacional era relativo ao patamar industrial atingido[8]; ou seja, quanto maior a produção da indústria nacional, maior o bem-estar da população[9]. A expectativa imediata era o incremento das exportações e a redução do nível de importações, o que significaria, em termos imediatos, maior credibilidade da economia nacional.

O objetivo declarado de alteração da estrutura produtiva brasileira garantiu ao Plano de Metas ser a primeira experiência nacional em planejamento. Até então eram predominantes formas de atuação estatal na economia, mas muito mais na forma de intervenções setoriais e assistemáticas, o que era insuficiente ante os propósitos e transformações sociais do período.

 

O período de 1956-1961, no entanto, deve ser interpretado de maneira diferente, pois o Plano de Metas, pela complexidade de suas formulações – quando comparado com as tentativas anteriores – e pela profundidade de seu impacto, pode ser considerado como a primeira experiência efetivamente posta em prática de planejamento governamental no Brasil (LAFER, op. cit., p. 32) (grifou-se).

 

Essa posição é também compartilhada por Luiz Orenstein e Antônio Carlos Sochaczewski, unânimes em reconhecer o Plano de Metas como o mais completo e coerente conjunto de objetivos e investimentos realizados até então (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990. p. 171). Há, contudo, a tese contrária, apresentada por Palazzo e endossada por Paulo Almeida, segundo a qual o Plano de Metas foi simplesmente um programa amplo. Ambos apontam o Plano de Metas como um programa carente de sistematicidade científica, esta indispensável a uma experiência de planejamento (ALMEIDA, 2006, p. 199-200).

 

Apesar de muitos identificarem o Plano de Metas como o primeiro plano brasileiro de programação global da economia, em realidade ele apenas correspondeu a uma seleção de projetos prioritários, mas evidentemente, desta vez, com visão mais ampla e objetivos mais audaciosos que os do Plano Salte, buscando inclusive uma cooperação mais estreita entre os setores público e privado. A sua ênfase recaía, fundamentalmente, no desenvolvimento da infra-estrutura e da indústria de base; não estava, no entanto, caracterizando um planejamento global, tanto que por falta de um esquema racional e adequado de financiamento, acabou por provocar um pesado surto inflacionário (PALAZZO, 1977, p.14) (grifou-se).

 

A escolha de cinco áreas de investimento e a determinação de, inicialmente, 30 objetivos[10] não foi suficiente para estabelecer um planejamento econômico racional, segundo Palazzo. A comprovação disso seria o resultado inflacionário, que teria avançado de 12,5% em 1956 para mais de 30% no final do período (TAVARES, 1002, p. 86). Essa falha estrutural, entretanto, reputada ao Plano de Metas por Palazzo, é questionável, especialmente quando se consideram os custos de produção. Os salários no período não pressionaram tanto a emissão monetária, recurso este que foi utilizado para a manutenção do câmbio nos patamares anteriores ao governo de Juscelino Kubitschek[11].

Ao lado da crítica de Palazzo, Werner Baer (2005, p. 75-77) ainda ressaltou que o Plano de Metas não pode ser considerado efetivamente uma experiência de planejamento, porquanto “não se tratava de um programa de desenvolvimento global”. Essa afirmação se sustenta nas características do Plano, que não conciliava os 30 setores envolvidos, nem mesmo investimentos públicos e privados. Ademais, a falta de sistematicidade do Plano fez com que algumas metas em infraestrutura fossem demasiadamente detalhadas, enquanto outras foram simplesmente formuladas em termos gerais.

Contrariando as conclusões de Palazzo e Baer, há, no campo teórico, a defesa da hipótese de sucesso do Plano, haja vista a realização da maior parte das metas industriais e de infraestrutura estabelecidas para o período. Ao sucesso no implemento das metas, atribui-se a aceleração no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em média de 7% ao ano (LAFER, op. cit., p. 42). Deve-se também considerar, ao lado desse incremento do PIB, outro fator positivo do Plano de Metas: o intenso impulso ao desenvolvimento industrial brasileiro, viabilizado pelas ações e investimentos públicos determinados pelo Plano[12]. Essas duas interpretações de resultados do Plano de Metas indicam, além de seu sucesso (ao menos parcial), sua índole de planejamento geral. Isso porque a realização do Plano promoveu profundas alterações na estrutura produtiva brasileira, com a consolidação da indústria em Território Nacional[13].

 

Apesar da oposição ao governo, o Plano de Metas obteve relativo sucesso, e, grosso modo, seus objetivos foram alcançados. É fato que o papel do BNDE na formulação e execução desse programa foi decisivo para o sucesso do Plano. Mas talvez uma das razões do êxito se assentasse na capacidade de coordenação centralizada, adquirida com o seu desenrolar, e na supervisão direta feita pelo presidente da República, que, em última instância, determinava prioridades e tomava decisões. (TAVARES, op. cit., p. 47) (grifou-se).

 

Há, portanto, boas razões para situar o Plano de Metas como a primeira experiência nacional em planejamento econômico, independentemente de seus resultados; estes só confirmam a generalidade com que a economia havia sido considerada na formação do Plano. Se a generalidade pode ser indicada como característica do Plano de Metas, mais ainda o marcou a centralização das decisões. Embora a autoridade responsável pelas decisões relativas ao planejamento tenha sido o próprio Presidente da República, portanto, autoridade política, o delineamento das metas a serem realizadas foi estabelecido e legitimado pelo discurso de autoridades técnicas econômicas.

Dentre as autoridades técnicas responsáveis pela formulação do Plano de Metas, encontra-se Lucas Lopes, um dos idealizadores do Plano, que teria participado de tentativas anteriores de planejamento econômico. Enquanto Lucas Lopes foi responsável pela formulação das Diretrizes Gerais do Plano de Metas, publicadas durante a campanha presidencial, em 1955, Celso Furtado foi o técnico incumbido de situar as metas no plano macroeconômico, dotando o Plano de sistematicidade[14].

Nas quase 250 páginas publicadas como Diretrizes Gerais do Plano, foram expostos os motivos e as pretensões para as inicialmente 30 metas a serem realizadas. Estas estavam distribuídas pelos cinco setores considerados economicamente estratégicos: energia, transportes, alimentação, indústria e educação (OLIVEIRA, op. cit., p. 9-24). O objetivo primordial era orientar o investimento estatal em infraestrutura, compreendida como essencial para o desenvolvimento brasileiro. Na versão inicial, a meta n. 31, que se referia à construção de Brasília, ainda não estava prevista. Pela globalidade dos setores atingidos e pela previsão das políticas econômicas a serem empreendidas, Anita Kon (1994, p. 50) considerou o Plano de Metas a primeira e autêntica experiência de planejamento no Brasil.

As formas de fomento industrial previstas incluíam tanto o investimento direto estatal como o estímulo à iniciativa privada. Os investimentos diretos de recursos públicos foram essencialmente destinados às obras de infraestrutura, tais como a construção de portos e a ampliação da malha viária brasileira (LAFER, op. cit., 48). Além disso, vultosas somas de capital foram empregadas na criação das empresas públicas nacionais, dirigidas aos setores de estrangulamento para os quais a iniciativa privada não destinava investimentos. Tais setores passaram a ser denominados genericamente como indústrias de base, por serem completamente indispensáveis ao desenvolvimento industrial brasileiro. Nessa categoria foram consideradas as empresas de geração de energia, como a CEMIG.

Durante a campanha presidencial de 1955, o Plano de Metas foi concebido unicamente como diretrizes gerais de governo, carecendo de uma análise efetivamente econômico-científica. Posteriormente, com a vitória de Juscelino Kubitschek no pleito presidencial, as metas do Plano foram desdobradas em diversos projetos, elaboradas e coordenadas pelo então recém-criado Conselho do Desenvolvimento. A composição interministerial do Conselho, com o comprometimento de todos os ministros de Estado, em associação com os chefes das Casas Civil e Militar, além dos presidentes do Banco do Brasil e do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), possibilitou a formação de grupos de estudo. Esses grupos foram articulados conforme as metas estabelecidas e as especificidades de cada área, sendo responsáveis pela elaboração dos projetos setoriais. Eventualmente, empresários dos setores destinatários dos projetos eram incluídos na discussão das metas. Foi o caso de empresas como a ALCAN e a Belgo-Mineira, ambas participantes do processo de elaboração dos projetos destinados aos seus setores de exploração: mineração e siderurgia, respectivamente (LUCAS, op. cit., p. 172).

Esse fato indica a abertura do governo Kubitschek para a participação do capital privado no desenvolvimento da infraestrutura necessária à industrialização nacional. Em verdade, mais do que o capital, as grandes indústrias participantes da consolidação do Plano de Metas apresentaram suas demandas e projetos para o investimento público necessário ao desenvolvimento de suas atividades[15]. Essa formação de lobbies comprometeu a cientificidade do Plano; entretanto, como o planejamento científico é uma tipologia ideal, é possível a interpenetração de vários agentes sociais. O essencial é que o discurso da técnica seja a razão preponderante pela qual as decisões políticas foram arregimentadas, em torno de um projeto comum de desenvolvimento econômico.

Outra perspectiva faz observar que a concessão de subsídios a determinados setores econômicos por meio do Plano de Metas não foi resultado isolado da atuação de grupos de poder. Mais que isso, foi também o método encontrado para superar limitações ao desenvolvimento econômico, essencialmente dadas pela grave carência de investimentos em infraestrutura. O inquérito sobre tais limitações já teria sido realizado pelas Missões Brasil-Estados Unidos, bem como indicados pelos relatórios da CEPAL.[16]

Apesar do discurso técnico empregado no Plano de Metas, amparado pelas comissões técnicas de investigação, é preciso considerar a crítica de Palazzo, na qual foi seguido por Orenstein: a falta de previsão de mecanismos de financiamento suficientes para execução das metas. Essa lacuna técnica contribuiu para a aceleração do processo inflacionário, via única encontrada para o financiamento. A elevação da carga tributária não era uma via possível, dada previsível resistência do setor empresarial em relação a tal medida. Ao longo da execução do Plano, tentativas de retração de crédito foram implementadas por breves períodos, pois a medida produziu igualmente insatisfação dos industriais. Por fim, o incremento da produção industrial foi acompanhado pela elevação inflacionária e pela política salarial restritiva, tida como verdadeiro arrocho. (ORENSTEIN; SOSHACZEWSKI, op. cit., p. 191).

Mesmo esse resultado, tem-se que o Plano de Metas foi efetivo em iniciar o esforço de estabelecer nova estrutura produtiva nacional, industrializada. Ademais, o Plano representou amplo diagnóstico técnico da economia brasileira. Essas são boas razões que justificam indicar o Plano de Metas como a primeira experiência nacional de efetivo planejamento.

Por outro lado, isto não significa negar a importância das intervenções estatais no setor produtivo anteriores ao Plano de Metas. A intervenção na economia promovida por governos antecedentes foi essencial para o diagnóstico setorial, base das medidas a serem incorporadas no Plano. Dada a característica descontínua e assistemática das intervenções estatais, estas não chegam a compor um planejamento científico; mas deixaram, por legado, instituições e projetos setoriais suficientes para constituir a base do Plano de Metas.

 

 

 

3 DAS MEDIDAS DE PLANEJAMENTO HISTORICAMENTE ANTERIORES AO PLANO DE METAS E SUA INFLUÊNCIA SOBRE A IDENTIDADE, DESENVOLVIMENTO E INDUSTRIALIZAÇÃO

 

Dentre as medidas interventivas anteriores ao Plano de Metas, deve-se reunir os primeiros esforços empreendidos pelo Departamento Administrativo de Serviço Público (DASP)[17], durante o Estado Novo de Vargas. Este órgão foi o responsável por elaborar o que é considerado, segundo Fernando Rezende, o primeiro plano quinquenal da história do planejamento brasileiro: o Plano Especial de Obras Públicas e Reaparelhamento da Defesa Nacional (1939-1943)[18]. Este Plano logo foi substituído pelo Plano de Obras e Equipamentos (POE 1944-1948), ambos logo revistos e abandonados com a perspectiva do fim da Segunda Guerra.

O DASP foi o primeiro órgão técnico nacional, com atribuições para planejamento estratégico da intervenção pública na economia. Tenha-se em mente a noção de que o financiamento de ambos os planos anteriormente mencionados foi completamente público, por via, principalmente, do imposto sobre operações cambiais. Foi por intermédio do primeiro plano que surgiu a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Fábrica Nacional de Motores, além de se verificar a expansão da incipiente malha viária nacional.

Além da relevância imediata dos planos e dos resultados da atuação do DASP, a atuação do órgão inseriu, no âmbito da Administração Pública Federal, preceitos de racionalidade administrativa, meritocracia e cientificidade das decisões. Esse seria outro legado duradouro, por meio do qual a autoridade técnica começava a ser decisiva nas questões políticas e no modo de organizar o serviço público. (RABELO, 2011, p. 135)

No âmbito internacional, convém mencionar a cooperação estabelecida entre Brasil e Estados Unidos quando do início da Segunda Guerra, por meio dos Acordos de Washington (1939). Essa aliança foi decisiva não somente para estabelecer esforços comuns de guerra, mas essencialmente para determinar os termos em que investimentos externos seriam aplicados na industrialização nacional. O planejamento foi precedido pelo diagnóstico econômico, possibilitado pelas missões técnicas conjuntas Brasil-Estados Unidos.

A existência de quatro missões técnicas para diagnósticos da economia nacional não apenas confirmou os termos de cooperação mútua entre as nações: foi também essencial para consolidar informações até então dispersas. A primeira foi conhecida como Missão Taub, realizada em 1941-1942, cujo relatório permaneceu secreto no Brasil. Os efeitos da cooperação técnica começaram a surgir em 1943, com a divulgação do relatório da Missão Cooke (op. cit., 24), no qual foram identificados os obstáculos ao desenvolvimento das indústrias brasileiras. Dentre as dez principais fragilidades, foram indicados o sistema de transportes, de abastecimento de combustíveis, de educação técnica e de produção fabril.

Ao lado dessas, é curioso perceber a menção à ausência de uma tradição e fundos nacionais para investimentos industriais, bem como a regulamentação que restringe o afluxo de capital alienígena e de imigrantes. (COOKE, op. cit., p. 24). Muito possivelmente, as medidas estatais posteriores, inclusive previstas no POE, tiveram em vista a superação das dificuldades apontadas pelo relatório dessa segunda missão.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o liberalismo econômico de matriz não intervencionista preponderou sobre a política nacionalista e protecionista vigente até então, como reflexo da derrota dos nacionalismos europeus. A Comissão de Planejamento Econômico do DASP, reunida em 1944 e 1945, foi influenciada por essa tendência liberal, representada por Eugênio Gudin, em oposição ao intervencionismo que Roberto Simonsen defendia (REZENDE, op. cit., p. 2).

Essa tendência contrária à intervenção estatal na economia resultou na eleição do liberal Presidente Dutra, que assumiu o poder em 1946. As tendências liberais também influenciaram a formulação do Plano SALTE (1948)[19] de investimentos públicos para o período 1949-1953. Deste Plano, muito pouco foi posto em prática. Isso porque somente foi aprovado pelo Congresso Nacional no último ano do mandato presidencial de Dutra, além de ser carente em previsões de fontes de financiamento. Vale lembrar que uma das primeiras medidas do Presidente Dutra ao assumir o governo, em 1946, foi extinguir o imposto sobre operações cambiais, a principal fonte de recursos que sustentou os planos anteriores. Essa dificuldade de financiamento, associada ao défice orçamentário, fez com que as obras previstas no Plano SALTE fossem suspensas. Ademais, o Plano não era global, segundo a conclusão de Werner Baer; como não comprometia a iniciativa privada com projetos, continuou sendo um programa de gastos públicos, como todas as experiências.

 

A natureza do Plano Salte não era realmente global, pois não dispunha de metas para o setor privado ou de programas que o influenciassem. Tratava-se, basicamente, de um programa de gastos públicos que cobria um período de cinco anos. Ele conseguiu, entretanto, chamar atenção para outros setores da economia defasados em relação à indústria e que poderiam, consequentemente, impedir um futuro desenvolvimento. (BAER, op. cit., p. 79).

 

Na continuidade da cooperação econômica entre Brasil e Estados Unidos, a terceira missão conjunta, conhecida como Missão Abbink, apresentou relatório final em 1949. Naquela ocasião, os técnicos indicaram a necessidade de medidas ortodoxas de ajuste fiscal, bem como sugeriram ações desenvolvimentistas, prevendo investimentos públicos nacionais e estrangeiros (PAGNUSSAT, 2006, p. 199-200). Em verdade, a Missão Abbink foi eficiente em identificar os pontos sensíveis e carentes de investimento da economia brasileira (conhecidos como pontos de estrangulamento), embora não tenha sido executado nenhum projeto específico. Constituiu-se como verdadeiro diagnóstico, o que possibilitou à última missão apresentar sugestões mais sistemáticas para a economia – como a criação de um banco público para estimular o desenvolvimento nacional.

A Missão Abbink desempenhou seu diagnóstico durante 1948, com a conclusão do relatório no ano seguinte, ainda sob o governo Dutra. Apesar da proximidade política do então Presidente da República com os Estados Unidos, indicada pelas diversas oportunidades em que esteve em universidades e centros de pesquisas situados em território estadunidense, não era possível efetivar as recomendações da Missão Abbink. Seja isso por falta de recursos para o financiamento das obras indicadas, como pela omissão dos setores privados na consecução dos projetos.

Por fim, o retorno de Getúlio Vargas ao poder, em 1951, reavivou o modelo interventivo de Estado, então legitimado com as bases científicas expressas no relatório da Missão Abbink. Contribuindo com essa tendência de maior presença do Estado na economia, somam-se as recomendações da última missão, conhecida como Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU)[20], que operou de 1951 a 1953[21]. Com suporte nas sugestões de melhoria na infraestrutura apresentadas por ambas as missões técnicas, foi elaborado o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico (ou Plano Lafer), com financiamento por um Fundo próprio, gerido pelo recém-criado Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)[22].

Data da mesma época, em 1951, correspondente ao segundo mandato presidencial de Vargas, a formação do grupo misto composto pelos técnicos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e do BNDE. Essa cooperação tinha por objetivo o estudo e a promoção do desenvolvimento no Brasil. Com base em relatórios estatísticos próprios, a equipe técnica envolvida ensejou mais recomendações, indicando a necessidade de uma mais intensa participação do Estado no processo de substituição de importações e constituição do mercado interno.

Por isso, diz-se que o Governo Kubitschek contou com vasto material de inquérito e de sugestões para o desenvolvimento industrial brasileiro. O Plano de Metas reuniu as experiências dos programas setoriais anteriores com os diagnósticos das missões conjuntas de estudos. Assim, as trinta metas do Plano estavam relacionadas aos pontos sensíveis (ou pontos de estrangulamento) da economia brasileira e com sua demanda derivada, os quais impediam o desenvolvimento nacional. 

Esse conhecimento agregado possibilitou o grande diferencial do Plano de Metas, que o caracterizou como primeira experiência nacional em planejamento econômico. De posse dos inquéritos econômicos brasileiros, foi possível elaborar, além de projeções econômicas, metas físicas de produtividade a serem alcançadas (LAFER, op. cit., p. 43). As metas previam a atuação do Estado e da iniciativa privada, pelo financiamento conjunto de projetos via grupos executivos, sendo este mais um aspecto da amplitude do plano.

Mesmo considerado amplo, o Plano de Metas era pautado por previsões setoriais. Enquanto o setor de energia abrangia 43% do investimento inicialmente planejado, ao setor de transportes foi destinado quase 30% dos recursos. As indústrias de base, conceito que compreendia siderurgia, indústria automobilística e naval, de metais e celulose, tiveram destinados um percentual de 20,4% dos investimentos. O restante dos recursos foi distribuído entre projetos nas áreas de educação e alimentação. (LAFER, op. cit., p. 48)

Os resultados positivos no incremento da produção industrial, durante os anos do Plano de Metas, não foram suficientes para suprir os pontos de estrangulamento em alguns setores, como o alimentar[23]. Ademais, o predomínio de decisões  pelas autoridades técnicas e os entraves à institucionalização da participação política constituiu-se como outro ponto de estrangulamento. Certamente, além do crescimento industrial e do problema da avalanche inflacionária, o Plano de Metas consolidou o discurso tecnocrático na esfera política brasileira.

Marcado o início do planejamento econômico no Brasil pelo Plano de Metas, restou ao governo sucessor, do Presidente Jânio Quadros, apresentar novas diretrizes, a fim de conter o processo inflacionário acelerado durante a administração de Juscelino Kubitschek. Com a renúncia de Jânio Quadros e a ascensão de seu vice, o presidente João Goulart, o planejamento foi dirigido pela perspectiva reformista, por meio das chamadas reformas de base.

 

4 O PLANEJAMENTO NACIONAL POSTERIOR AO PLANO DE METAS E SUA INFLUÊNCIA TECNOCRÁTICA: O PODER DA INDÚSTRIA SOBRE OS DESTINOS DA ECONOMIA BRASILEIRA

 

Para coordenar e prever as reformas de base, foi elaborado o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, cuja meta era promover reformas administrativa, monetária, tributária e, especialmente, agrária. As condições econômicas, no entanto, não foram propícias para a efetivação do Plano, com índices inflacionários de 82% (PAGNUSSAT, op. cit., p. 32), enquanto a taxa de crescimento do PIB despencou para 0,6% em 1963 (ABREU, 1990. p. 208). A situação política piorou sensivelmente com a renúncia do técnico responsável pela formulação do Plano Trienal e Ministro do Planejamento, Celso Furtado. Mesmo que não tenham sido efetivadas as reformas, contudo, a experiência de planejamento econômico nacional foi reforçada.

O período militarista no Brasil iniciou com o mesmo problema a ser solucionado: o agravamento da inflação. Os militares utilizaram a mesma técnica anterior, ou seja, racionalização via planejamento econômico. A finalidade essencial era o controle do processo inflacionário e a reativação do crescimento, para o que foram adotadas estratégias ortodoxas, dentre elas controle do crédito, redução dos gastos públicos, paralisação das reformas de base e controle salarial. Sob essas diretrizes, foi elaborado o PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo), tendo como objetivo orientar os investimentos públicos durante o período de 1964 a 1966. Embora os índices inflacionários tenham recuado para 25% em 1967, o País vivenciou período de severa estagnação econômica. O controle da inflação, entretanto, conferiu condições para elaborar o primeiro plano de longo prazo para a economia brasileira – o Plano Decenal (1967-1976), com a retomada dos investimentos públicos para o desenvolvimento.

O Plano Decenal representou o auge da técnica em planejamento: foi elaborado pela equipe de economistas do recém-criado EPEA (Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada, posteriormente transformado no Instituto IPEA). O caráter técnico da instituição revelou-se na previsão detalhada das medidas a serem executadas nos primeiros quatro anos do Plano. Foi a primeira experiência de planejamento de longo prazo e que, embora também não tenha sido concretizada em virtude da instabilidade política e institucional, consolidou o padrão de elevada qualificação da burocracia estatal.

Em substituição ao Plano Decenal, a equipe de governo de Costa e Silva foi incumbida de elaborar novo planejamento, resultando no Programa Estratégico de Desenvolvimento para o período 1967-1970. A meta desse novo Programa era a mesma dos planos antecedentes: estimular o crescimento econômico, com estabilidade monetária. A política econômica era ainda ortodoxa, pautada no controle inflacionário e em medidas de ajuste fiscal. Era necessário, entretanto, considerar o novo contexto da economia nacional, vislumbrando o encerramento do processo de substituição de importações e o estreitamento do mercado interno.

A sequência do planejamento é concomitante com o recrudescimento do sistema político. Com a hegemonia do Poder Executivo, o planejamento previsto pelas Metas e Bases para a Ação do Governo (1970-1972) reforçou a ênfase no crescimento econômico, ainda que as questões relativas às disparidades regionais não tenham sido consideradas. Aos poucos, o planejamento englobou todos os setores da economia, com a formação do I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), válido para o período 1972-1974. Educação técnica, energia e transportes foram os setores prioritários. Ao lado desses, as metas de integração nacional e de estímulo às indústrias de base justificaram vultosos investimentos. Destaque-se o fato de que o conceito de indústrias de base, originariamente utilizado no Plano Trienal do governo João Goulart, tomou uma dimensão alargada, privilegiando insumos básicos, inclusive alimentos.

O PND contou com outras duas edições: o II PND, válido para o período de 1975 a 1979 e o III PND, com medidas previstas para os anos de 1980-1985. Ambos foram caracterizados pelo intenso estímulo ao crescimento, com ênfase na substituição de importações dos bens de capital. O investimento industrial continuou sendo majoritariamente estatal, a despeito dos elevados índices inflacionários e da pressão representada pela dívida externa. Com atenção e investimentos voltados para a infraestrutura nacional, a inflação e a dívida externa assumiram proporções tais que foi inviabilizada a efetivação do último plano (III PND).

Em razão das dificuldades econômicas determinadas pelo descontrole inflacionário, o PND pós-redemocratização política brasileira foi pautado pela distribuição de renda e erradicação da pobreza. O governo, entretanto, também não teve sucesso em efetivar suas metas. O combate à inflação foi prioritário no governo do presidente José Sarney ao que, por meio do plano monetário Cruzado e dos planos econômicos Bresser e Verão, lançou infrutíferos esforços. Assim, o primeiro PND da Nova República teria sido praticamente abandonado.

A redemocratização política foi marcada pelos esforços de estabilização econômica, com a necessidade premente de controle inflacionário e equilíbrio do balanço de pagamentos da dívida externa. Assim, o período de 1979 a 1994 foi caracterizado por planos de estabilização, relegando a segundo plano o crescimento econômico. Foram, no total, 13 planos majoritariamente ortodoxos, finalizando com o Plano Real, de junho de 1994 (PAGNUSSAT, op. cit., p. 39).

Com a previsão constitucional desde 1988 dos Planos Plurianuais (PPA) e com o controle do processo inflacionário, a discussão política (permeada pelo discurso técnico) voltou a ser o planejamento. Entenda-se como duas vertentes opostas: investimento público para o desenvolvimento ou controle inflacionário. O primeiro PPA, válido para o período de 1991 a 1995, foi elaborado pela equipe do presidente Collor de Mello. Ali, a previsão de menor intervenção estatal era fundamentada na abertura comercial e financeira ao capital internacional, medida atribuída ao Consenso de Washington. De fato, o que ocorreu foi o desmonte do planejamento, com a extinção do ministério responsável[24]. A tentativa de reorganizar o planejamento nacional decorreu esforço do presidente Itamar Franco, com a rearticulação parcial do extinto Ministério do Planejamento por meio da Secretaria do Planejamento e Coordenação da Presidência da República.

O segundo PPA só viria a ser elaborado para o período de 1996 a 1999, já no mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Os objetivos eleitos foram a modernização e a eficiência do Estado. Sobre esses fundamentos, a privatização de empresas públicas foi acelerado, priorizando a redução de gastos públicos e a estabilização econômica. O planejamento foi praticamente reduzido a metas fiscais e compromissos orçamentários, tornando-se cada vez mais presente o domínio do embate técnico, neutralizando a ação política.

Desde 2000, a técnica de planejamento é apurada, com maior especificidade em relação às metas, ao financiamento e ao público-alvo. Com previsões mais abrangentes em relação ao desenvolvimento econômico e participação estatal em projetos, a elaboração dos PPA aparenta mudanças técnicas nos últimos governos federais. Na prática, os Planos Plurianuais exprimem objetivos políticos somente realizáveis por meio de complexas medidas técnicas.

Por todo o histórico do planejamento nacional, inclusive por sua herança desenvolvimentista, há quem exprima a ideia de que se instaurou a tecnocracia no Brasil. Um dos efeitos do domínio tecnocrático é que as decisões políticas são definidas como meramente técnicas, especialmente na discussão econômica. A consequência é a naturalização e, portanto, a despolitização das decisões econômicas.

 

O discurso tecnocrático e a naturalização do status quo, que se tornaram dominantes, contribuem a desincentivar ainda mais os indivíduos e a suscitar neles a ideia de que a política é um campo reservado aos técnicos, no qual não há espaço para novidades e experimentos sociais. Nesse contexto, a participação se limita à escolha de políticos que possuam as qualidades necessárias para implementar as medidas técnicas inevitáveis. (PINZANI, 2013, p. 160).

 

Nesse esquema, o que se há são decisões políticas técnica ou cientificamente justificadas; as quais deixam de ser decisões e adquirem a característica de conclusão racional. Opor-se a tais conclusões é ato considerado irracional, demonstrando o completo desconhecimento das regras naturais do sistema, político ou econômico. As lideranças políticas absorvem o discurso técnico e se justificam por tais argumentos; as decisões tornam-se, pois, inquestionáveis. Assim, a opção por uma política econômica mais ou menos ortodoxa passa a ser uma determinação necessária da economia, refugiando-se no campo da pura técnica.

Em contrapartida, os técnicos são revestidos pelo poder político para a tomada de decisões. O que se confirma é o esvaziamento do domínio da política, dado que as decisões são naturalizadas e necessárias. Com efeito, a tecnocracia se consolida pelo poder conferido aos experts. Dado o pressuposto de pleno conhecimento científico do sistema, os experts têm um conhecimento neutro e objetivo; por isso, são os mais qualificados para a orientar as decisões, sobretudo econômicas.

Essa foi a relação descrita por Bourdieu e Boltanski, quando estudaram o sentido do termo Parlamentarismo nos textos produzidos pela École Nationale d’Administration (ENA), em 1966. Para os técnicos da ENA, o parlamentarismo era considerado obsoleto e inadequado a um sistema eficiente de governo, dada a necessidade de debater e discutir as decisões consideradas políticas em sua maioria. Era necessário, para os técnicos, superar essa fase da política francesa, em prol de um governo técnico, capaz de maior eficiência, celeridade e neutralidade. Pinzani, quando referenciou esse estudo, demonstrou como a cientificidade do discurso técnico (no caso, dos técnicos da ENA) é utilizada para a elaboração de um discurso de neutralidade política[25].

A análise estrutural da tecnocracia e sua participação na política nacional, entretanto, são insuficientes para que se possa afirmar o domínio tecnocrático no Brasil. Para Marshall Eakin, por exemplo, a tecnocracia brasileira não se tornou independente das elites tradicionais, sendo sempre por elas determinada. Essa dependência dos tecnocratas em relação às elites tradicionais se reafirmou, dado que o sistema de meritocracia não determinou o funcionamento institucional brasileiro. Por isso, não é possível garantir que a tecnocracia tenha se consolidado no Brasil. Ainda que os tecnocratas desde os anos 1960 sejam influentes, isso não significa que detenham poder, o qual advém dos políticos. As relações de dependência entre tecnocratas e elites políticas fez surgir um novo clientelismo. Assim, a despeito do prestígio conferido aos técnicos e de sua importância decisiva nos processos de planejamento, não emergiu efetivamente no Brasil a tecnocracia (EAKIN, 2012, p. 156).

Sob tal perspectiva, engenheiros, juristas e economistas compõem categorias que legitimam as decisões políticas por meio do discurso técnico, o que não significa, no caso brasileiro, poder decisório. Esse divórcio - técnicos / poder político - faz o discurso científico dependente e direcionado pelas lideranças políticas. E, assim, o posicionamento técnico é legitimador, mas de forma alguma independente das autoridades já constituídas.

Assim, o discurso técnico e neutro é duplamente determinado pelas posições políticas – não apenas dos experts, mas também das autoridades que lhes conferem um locus de atuação.  Ocorre que essa dimensão de poder é obscurecida pela elaboração neutra das decisões científicas. O discurso científico adquire função instrumental em relação à política. Isso ocorre com o planejamento que, embora justificado pelas leis da economia reveladas pela técnica econômica, é vinculado às autoridades políticas constituídas. Tanto sucede de tal modo as mudanças de governo acarretaram diretamente, no Brasil, alterações de políticas a serem implementadas no campo econômico.

Seguindo ainda essa mesma hipótese de submissão da técnica à política, é possível articular a relação instrumental do Direito Econômico em relação ao planejamento. Ora, pelo viés de análise apontado, o planejamento deriva de decisões políticas, aparentemente neutralizadas pelo discurso técnico-econômico. Para garantir maior grau de eficácia e de neutralidade, o planejamento é revestido por um discurso jurídico. A normatividade jurídica conferida ao planejamento garante a previsibilidade e a equidade na aplicação das medidas indicadas. Assim, no segundo momento, a juridicidade do planejamento o reafirma no seu caráter neutro e científico, sem, no entanto, eliminar as influências diretas dos investidores privados sobre a destinação de recursos públicos.

 

CONCLUSÃO

 

O tema do desenvolvimento nacional permeou o debate político por todo o século XX. A negação do caráter político desse debate, entretanto, o acompanhou; autoridades e empresários revestiram o assunto do desenvolvimento nacional com uma discursividade técnica. E, pela técnica, identificaram desenvolvimento com a necessidade de industrialização.

A um primeiro momento, as medidas de estímulo industrial não detinham um caráter geral, abrangendo somente determinadas empresas. Com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, em 1955, as medidas de incentivo auferiram um caráter mais abrangente e geral, embora limitadas a determinados setores econômicos, abrangidos pelas cinco principais metas do Plano. A unidade da previsão das medidas de incentivo permitiu sistematizá-las minimamente, dentre as espécies subsídios e isenções fiscais.

A determinação dos setores a serem beneficiados pelas medidas de incentivo foi estabelecida por critérios políticos. A força dos lobbies e da atuação da tecnocracia foi bastante decisiva no momento de formulação dos planos econômicos nacionais, inclusive do Plano de Metas. Os argumentos técnicos justificaram medidas de cunho político, com decisões que, por ganharem justificativa técnica, estavam afastadas da discussão democrática e pública.

Por tal via de uma discursividade crescentemente técnica, o desenvolvimento econômico continua sendo marcado por decisões políticas não democráticas; e isto não implica que as medidas adotadas sejam efetivamente neutras e científicas (se é que a neutralidade possível em um ato de decisão). Assim, o discurso técnico encobre as decisões públicas e políticas, o que se evidencia pelo planejamento econômico nacional. Tal discurso tecnocrata encobre é justamente a teia de interesses políticos na determinação dos setores e das modalidades de incentivos aplicados. A modalidade de investimentos públicos efetivados desde meados do século XX e os setores mais beneficiados foram, evidentemente, determinados dentre os que denotavam maior organização e força política. Portanto, a identidade entre desenvolvimento nacional e industrialização foi bastante influenciada pelas elites industriais nacionais, em alguns momentos aliadas ao capital estrangeiro.

A retomada dessa abordagem historiográfica da noção de desenvolvimento no Brasil permite não apenas relacionar as forças sociais e econômicas que determinaram as decisões e os investimentos públicos em certo período. Antes, é possível sustentar o caráter político da noção de desenvolvimento, apesar do tecnicismo com o qual se reveste tal conceito.

    

REFERÊNCIAS

 

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* Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected].

Data de recebimento do artigo: 15/02/2016 – Data de avaliação: 30/01/2016 e 03/02/2016.

[1] “Depois de permanecer estagnada por três quartos de século, a economia brasileira iniciou uma era de progresso a partir de meados do século XIX. Pelo menos até o final da década de 1920 esse progresso baseou-se na expansão do setor agrícola-exportador”. (SUZIGAN, 1986, p. 12.)

[2] Esse fenômeno de alteração da estrutura produtiva só vai ser efetivamente comprovado pela composição do produto nacional nos anos de 1930. Segundo Villela e Suzigan (1980, p. 221-222), “deve-se destacar também que só na década dos trinta é que se pode falar de industrialização no sentido de estar ocorrendo uma modificação na estrutura produtiva da economia. Assim, em 1939, o produto industrial já representava 43% do produto físico, quando, em 1919, tinha-se mantido em proporção idêntica a 1907, isto é, 21%. Isso se deveu à alta taxa de crescimento da produção industrial nos anos 1933-1939, em média, de 11,2% a.a.”.

[3] Por meio do Decreto n.16.203, de 18 de julho de 1923, do qual se extrai os artigos II e IV:

II - A Companhia Siderurgica Belgo-Mineira serão concedidos os seguintes favores:

1 - Isenção de impostos de importação e de expediente, durante o prazo de 40 annos, para:

a) machinismos, materiaes e materias primas destinados a novas construcções e ampliações de suas installações;

b) machinismos e materiaes destinados á carbonização de madeiras e utilização dos sub-productos;

c) machinismos e materiaes destinados á captação transmissão de energia hydro-electrica indispensavel ao funccionamento das usinas e suas dependencias;

d) machinismos e matcriaes para pesquizas e exploração de pedreiras de construcção, material refractario, minerios e combustiveis necessarios aos serviços das minas e suas dependencias;

e) machinismos e materiaes destinados á construcção, conservação e funccionamento de estradas de ferro de pequeno percurso, estradas de rodagem, cabos aereos e outros meios de transporte necessarios ao abastecimento das usinas o escoamento de seus productos.

2 - Isenção, durante o prazo de 40 annos, de todos os impostos federaes que porventura incidirem sobre a construcção, ampliação e exploração das usinas e suas dependencias.

3 - Direito de desapropriação, nos termos da lei era vigor, para os terrenos e bemfeitorias necessarios ás construcções de estradas de ferro de pequeno percurso, estradas de rodagem, cabos aereos e linhas de transmissão de energia hydro-electrica, de accôrdo com os plannos approvados pelo Governo.

4 - Fretes reduzidos, durante o prazo de 40 annos, nas estradas de ferro e linhas de navegação do Governo Federal, para machinismos, materias primas e materiaes necessarios aos trabalhos das usinas, bem como para o transporte dos seus productos.

[4] Subsídios semelhantes aos oferecidos à Companhia Belgo-Mineira foram concedidos pelo governo federal à CBUM, por meio do Decreto n.16.775, de 13 de janeiro de 1925.

[5] IV - O Governo Federal emprestará á Companhia Siderurgica, Belgo-Mineira a, quantia de mil e oitocentos contos de réis (1.800:000$000), ao juro de cinco por cento (5%) ao anno, amortizavel em dez prestações annuaes, iguaes, de accôrdo com o que estabelece o decreto n. 12.944, de 30 de março de 1918, e desde que ella satisfaça ás condições estipuladas no mesmo decreto.

[6] “Em suma, o problema da indústria brasileira está sobretudo na natureza do seu mercado, que não é apenas quantitativamente acanhado por força do baixo padrão dominante no País, mas sobretudo qualitativamente mal disposto e coordenado por efeito da defeituosa estruturação da nossa economia, que, organizada essencialmente como fornecedora de produtos primários para os mercados exteriores, não se apoia e articula nas necessidades e atividades fundamentais e essenciais da massa da população brasileira e do País em geral. Sem um largo mercado em que aquelas necessidades e atividades se intercomuniquem e entrosem estreitamente entre si, estimulando-se mutuamente, não haverá como esperar um desenvolvimento industrial de amplas perspectivas, propagando-se e difundindo extensiva e intensivamente pelo conjunto da coletividade brasileira”. PRADO JÚNIOR (1967, p. 327).

[7] Aponta o IBGE que a população urbana em 1950 era de 36,16%; já em 1960, esse percentual atingiu 45,08%. Esse salto torna-se numericamente expressivo quando se confronta o percentual de crescimento da população geral, fixado em 3% durante o mesmo período. Assim, a transferência populacional campo-cidade foi um fato relevante e que pressionou o sistema de planejamento. (IBGE, 2015)

[8] A identidade entre industrialização e desenvolvimento econômico é o pressuposto que se coleta do relatório de pesquisa do IPEA (Instituto de Planejamento Econômico e Social) a respeito do financiamento de projetos industriais, datado de 1974. Interessante notar que tal ponto de partida era comumente aceito na literatura de época. A explicação era que “os mais importantes estudos empíricos sobre o desenvolvimento e o crescimento econômico mostram que, regra geral, o último se caracteriza por um aumento persistente na produção real por habitante, enquanto que o desenvolvimento econômico se distingue pelo crescimento econômico acompanhado por mudança substancial na estrutura de produção econômica. Especificamente, o desenvolvimento econômico implica um aumento da proporção do Produto Nacional gerada pelo setor industrial e numa correspondente diminuição da importância relativa do setor primário. Justifica-se, assim, falar em desenvolvimento industrial como sinônimo de desenvolvimento econômico” (grifou-se). (SUZIGAN; PEREIRA, 1974, p. 25).

[9] “A industrialização é a diretriz correta para o desenvolvimento econômico de um País de população crescente, com um grande mercado potencial e dotado de adequados recursos naturais. Além de representar, em si, um estágio econômico evoluído, ela permite a substituição de importações e a diversificação dos artigos de exportação. Mais ainda, ela determina o progresso da agricultura pela valorização dos mercados de alimento e matérias-primas, pelo estímulo à introdução de tecnologia agrícola avançada e pela absorção dos excedentes de mão-de-obra que se formam nos campos. [...] Cabe, por fim ao Estado a missão de árbitro no livre jogo da economia, para impedir o desapreço das regras de moral e de justiça social que fundamentam a estabilidade de uma economia sólida e sadia. O processo de desenvolvimento econômico deve ser realizado sem sacrifícios exclusivos das classes trabalhadoras, mas, ao contrário, transformando-as em participantes diretas dos benefícios do progresso. A margem de poupanças da coletividade dependerá em última análise de um progressivo acréscimo de produtividade do trabalhador, e isto se dará na medida em que o trabalho deixar de ser castigo e um desalento. para se tornar uma esperança de melhores dias. Existirão sacrifícios coletivos, que só se tornarão toleráveis se distribuídos com justiça por todas as classes. Cabe ao Estado dar sentido social à riqueza (sic). O Desenvolvimento econômico terá como consequência a eliminação da pobreza”. (OLIVEIRA, 1955, p. 18-19). 

[10] A meta “construção da Capital Nacional – Brasília” foi inserida posteriormente à apresentação do Plano. (LOPES, 1991, p.162.)

[11] “As elevadas taxas de crescimento do produto assim como a aceleração inflacionária são características marcantes do período 1946-1964 e a concomitância dessas duas variáveis pode induzir à existência de uma causalidade entre elas. E essa relação foi proposta na literatura econômica pelo argumento de poupança forçada”. Entretanto, tal hipótese pode ser invalidada pela análise empírica do período, que revelou que a aceleração inflacionária deu-se pela persistente desvalorização cambial, mais do que pelos gastos públicos. “Assim, a causalidade se constrói a partir das pressões oriundas das desvalorizações cambiais, e o processo inflacionário que surge como conseqüência era acompanhado, com uma certa defasagem por aumentos no salário nominal”. Os grandes vilões da economia não eram os salários, mas a manutenção de uma política cambial de desvalorização da moeda nacional, útil ao setor exportador. (PEREIRA, 2007, p. 84).

[12] A esses fatores que indicam o sucesso do Plano de Metas, há ainda que se considerar o fato de que o ambiente político em que se deu o crescimento econômico era aberto e democrático. Esse elemento importante foi destacado por Orenstein e Sochaczwski. (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, op. cit., p. 178).

[13] “Não é fácil proceder-se a uma avaliação final das consequências do PM. Sem dúvida representou um impulso extraordinário ao desenvolvimento. A estrutura econômica modificou-se rapidamente com o crescimento do setor industrial, sua modernização e a implantação de novos ramos”. (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, op. cit., p. 180).

[14]Tanto as Diretrizes gerais do Plano como essa definição das metas, que mais tarde seria publicada como o Documento nº 3 do Conselho do Desenvolvimento, representavam um programa de governo sem qualquer análise macroeconômica, sem qualquer preocupação com índices etc. A formulação macroeconômica estava sendo feita por Celso Furtado, em acordo com a CEPAL”. (LOPES, op. cit., p. 167).

[15] “Ao contrário dos planos anteriores, no entanto, o PM (Plano de Metas) foi levado adiante com o total comprometimento do setor público. [...] Ao setor público caberia 50% do desembolso. Os fundos privados contribuiriam com 35% e o restante viria de agências públicas para os programas tanto públicos como privados. Os recursos externos não eram detalhados no plano”. (ORENSTEIN; SOSHACZEWSKI, op. cit., p. 176 – 178).

[16] “A limitação dos subsídios às áreas prioritárias eliminava os incentivos a uma série de setores cuja rentabilidade era mais elevada do que a dos setores favorecidos. Estes eram subsidiados exatamente pela ausência de interesse do setor privado, como era o caso da infraestrutura, ou porque restrições tecnológicas e/ou de capital mínimo impediam o investimento de capitais domésticos, e que teriam aumentado a taxa de investimento se tivessem os incentivos estendidos a estes”. (ORENSTEIN; SOSHACZEWSKI, op. cit., p. 172).

[17] Criado pelo Decreto-lei nº 579, de 30 de julho de 1938, durante o período denominado “Estado Novo”, sob o governo de Getúlio Vargas. (RABELO, 2011, p. 132).

[18] “Instituído pelo Decreto-lei 1058, de 19 de janeiro de 1939, o Plano Especial foi o primeiro plano com alcance quinquenal (1939-1943). Os objetivos desse plano eram implantar indústrias voltadas para o aproveitamento da riqueza natural do país, expandir e melhorara a infraestrutura de transportes e comunicações, e prover os recursos minerais necessários à defesa nacional e à ordem interna”. (REZENDE, op. cit., p. 19)

[19] Sigla que corresponde às áreas de investimento: saúde, alimentação, transportes e energia.

[20] Esta foi a última missão de cooperação entre Brasil e Estados Unidos. Operou de 1951 a 1953, viabilizando uma série de projetos em infraestrutura. Além da infraestrutura, os trabalhos da CMBEU resultaram na criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, em 1952. (LOPES, op.cit., p. 120)

[21] A partir dos anos 1940, várias foram as tentativas de coordenar, controlar e planejar a economia brasileira. O que se pode dizer, entretanto, a respeito dessas tentativas até 1956 é que elas foram mais propostas, como é o caso do relatório Simonsen (1944-1945); mais diagnósticos, como é o caso da Missão Cooke (1942-1943), da Missão Abbink (1948), da Comissão Mista Brasil-EUA (1951-1953); mais de esforços no sentido de racionalizar o processo orçamentário, como é o caso do Plano Salte (1948); mais medidas puramente setoriais, como ocorre com o petróleo e o café do que experiências que pudessem ser enquadradas na noção de planejamento propriamente dito. (LAFER, op. cit., p. 39-40)

[22] O BNDE foi criado em 20 de junho de 1952, pela Lei n. 1.628. Com relação ao Plano Lafer, vale a consulta ao texto de Fernando Rezende (op. cit., p. 2). 

[23] “O índice médio de execução das metas contempladas nos cinco setores que as agrupavam, compilado por Costa (1971) aponta para um razoável grau de sucesso: cerca de 70% de alcance das propostas, com índices mais elevados para os setores de transporte e indústrias de base, e menores para alimentação e educação, exatamente naqueles setores que mais dependiam da Administração Direta e da colaboração dos governos estaduais para avançarem no cumprimento das metas estipuladas”. (REZENDE, op. cit., p. 24).

[24] Em verdade, o Ministério do Planejamento passou a ser denominado SEPLAN (Secretaria de Planejamento) em 1º de maio de 1974, pela Lei 6.036. Essa Secretaria permaneceu autônoma, vinculada diretamente à Presidência da República. Apesar das diversas reformulações pelas quais passou, a SEPLAN foi um órgão independente até 1990, quando o governo Collor de Mello subordinou-a ao Ministério da Economia. Somente com o governo Itamar Franco a SEPLAN foi recriada, com status de Ministério. “Em 1995, com a reforma administrativa realizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a SEPLAN foi transformada no Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO). Em 1º de janeiro de 1999, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, com a modificação feita pela Medida Provisória nº 1.795, o MPO passa a se chamar Ministério do Orçamento e Gestão - MOG. A partir de 30 de julho de 1999, com a Medida Provisória nº 1.911-8, o MOG recebeu o nome atual de Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG”. (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, 2015)

[25] “Os tecnocratas da ENA criticam o parlamentarismo em nome de uma forma mais eficiente de governo, a saber, em nome do governo dos especialistas, que não precisa submeter-se a negociações desgastantes que custam tempo e energia, mas tomar suas decisões conforme critérios científicos objetivos. Esse último ponto é decisivo. Para Bourdieu e Boltanski (1976), a ideologia dominante é produzida em lugares que se apresentam como neutros – universidades, institutos de pesquisa, mídia – que dão a ela o aspecto de ser científica e imparcial, o qual deveria negar o caráter ideológico do sabe produzido em tais lugares. Destarte, o expert, em seus vários avatares, se torna o protótipo do sábio imparcial, que se situa acima dos conflitos cotidianos e cuja posição se funda sobre uma avaliação neutra de fatos objetivos”. (PINZANI, op. cit., p. 156 – 157).