O Desenvolvimento Sustentável no âmbito do marco legal de Ciência e Tecnologia no Brasil

Sustainable development under the legal framework of Science and Technology in Brazil

 

Reginaldo Pereira*

 

RESUMO: Analisa-se o novo marco legal de ciência e tecnologia adotado pelo Brasil para verificar se seus princípios, diretrizes, instrumentos e ações permitem inferir que segue critérios de sustentabilidade socioambiental. Como o foco principal do novo marco legal é flexibilizar e diminuir as barreiras burocráticas à ação integrada entre os agentes que atuam no setor de P&D, era de se esperar que outras questões ligadas à inovação e ao avanço tecnológico tivessem recebido menor importância. Dentre estas, foram elegidas como delimitação deste artigo aquelas relacionadas à relação entre o avanço da tecnologia e o desenvolvimento sustentável. As análises acerca das preocupações da legislação brasileira em garantir um ambiente de inovação que se volte também para as pesquisas sobre os impactos que as atividades econômicas causam sobre o meio ambiente serão mediadas pela teoria do “moinho da produção”, elaborada pelos sociólogos Kenneth Gould, Allan Schnaiberg e David Pellow. Com tal estratégia, busca-se, ao mesmo tempo, expressar uma teoria muito pouco conhecida no meio acadêmico brasileiro e, por seu intermédio, verificar como o Brasil perdeu a oportunidade de instituir um marco legal para a ciência e a tecnologia realmente preocupado com o desenvolvimento sustentável.

 

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Sustentável; Ciência da Produção; Ciência de Impacto; Processos de P&D; Lei de Ciência e Tecnologia Brasileiras.

 

ABSTRACT: This paper analyzes the new legal framework of science and technology adopted by Brazil. It verifies whether its principles, guidelines, tools and actions allow us to infer that it follows social and environmental sustainability criteria. As the main focus of the new legal framework is to speed up, reduce and make bureaucratic barriers more flexible to the integrated action among workers involved in the R&D sector, it is natural that other issues related to innovation and technological advancement have received minor attention. Among these, as the focus of this paper those related to the relationship between the advancement of technology and sustainable development. The analysis of the concerns of Brazilian legislation to ensure an environment of innovation that also go back to the research on the impact that economic activities have on the environment will be mediated through the theory of "production mill", formulated by sociologists Kenneth Gould, Allan Schnaiberg and David Pellow. With this strategy, we seek at the same time to present a very little known theory in the Brazilian academic community and, through it, to see how Brazil lost the opportunity to establish a science and tecnology legal framework actually concerned with sustainable development.

 

KEYWORDS: Sustainable Development; Science of Production; Science of Impact; R&D processes; Law of Brazilian Science and Technology.

 

 

INTRODUÇÃO

           

Não há maiores dúvidas acerca da centralidade que ciência, técnica e tecnologia adquiriram nas sociedades atuais. É notória a dependência do desenvolvimento e progresso econômico dos avanços proporcionados pelas inovações científicas.

  A maioria das nações procura promover o progresso social por meio da evolução econômica, que depende, em grande parte, da pujança da comunidade científica. Acrescente-se ainda, o fato de terem, tais campos da ação humana, há muito, extrapolado os domínios das atividades econômicas, para ditar o modo de vida das pessoas.

  O número de reconhecidos autores que se dedicam a analisar as sociedades tecnológicas (AGUIAR, 2009), da informação (RIFKIN, 2001), pós-industriais (CASTELLS e HIMANEM, 2007), informacionais (CARDOSO, 2007), reflexivas (GIDDENS, 1997) e “de risco”, (BECK, 1997) indica, por outro lado, a importância que o tema adquiriu na academia, nas últimas décadas.

            Além de gerarem inúmeras preocupações e dilemas aos diversos campos do saber, a ciência, a técnica e a tecnologia desafiam e impulsionam o Direito a oferecer respostas adequadas ao seu contínuo desenvolvimento dentro de padrões seguros e sustentáveis que garantam os direitos humanos dos riscos e efeitos adversos decorrentes de seu avanço.

            No âmbito interno, o Capítulo IV, do Título VIII – que trata da Ordem Social – da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, traça as diretrizes gerais para a promoção da ciência, da tecnologia e da inovação.

            Segundo o artigo 218 da Constituição, cabe ao Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação, conferindo tratamento prioritário para a pesquisa científica básica e tecnológica, que receberá tratamento prioritário, haja vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.

            O parágrafo segundo do referido artigo determina que a pesquisa tecnológica se voltará preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.

            Incumbe, ainda, ao Estado, por força do parágrafo terceiro, do artigo em apreço, o apoio à formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e a concessão aos que delas se ocupem de meios e condições especiais de trabalho.

            Ao determinar que a solução dos problemas brasileiros e o desenvolvimento dos sistemas produtivos em planos federal e regionais tenham prioridade, o Texto Constitucional indica uma opção clara pelo avanço tecnocientífico pautado em critérios de sustentabilidade econômica, social e ambiental, já que, desde o processo de ecologização (BENJAMIN, 2007) a Constituição Federal abandonou os antigos paradigmas de crescimento a qualquer custo com a exploração ilimitada dos recursos naturais e passou a adotar as diretrizes e premissas de um desenvolvimento baseado no tripé ambiente, sociedade e economia, como apregoam os defensores da sustentabilidade fraca ou na noção de que o meio ambiente é o fundamento que sustenta os pilares da economia e da sociedade, conforme defendem os propagadores da sustentabilidade forte, dentre os quais o jurista alemão Gerd Winter (2009).

            Como a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, inovação e tecnologia é condição essencial para o avanço tecnocientífico de qualquer organização, pode-se restringir, sem, com isso, incorrer em erro de hermenêutica, a presente análise ao cuidado tido pela legislação infraconstitucional em criar políticas e sistemas de inovação sustentáveis.

            Para que o ensaio não caia na superficialidade, é necessário que a análise proposta como objetivo principal seja precedida de ponderações acerca de dois fatores que, apesar da relevância para o debate, são quase sempre ignorados.

            O primeiro está relacionado ao conceito de desenvolvimento sustentável, o qual, ao contrário do que se apregoa, não é fruto de um consenso e, por isso mesmo, é por demais fluido e aberto, ao ponto de autores como Carla Amado Gomes (2007) o definirem como um rastro ziguezagueante.

            O segundo guarda ligação com a teoria do “moinho da produção”. Partindo da premissa de que o avanço ou desenvolvimento tecnocientífico sustentável é aquele no qual o montante investido em ciência de produção – que é a responsável ensejar dividendos e lucros aos agentes de inovação – seja igual ao investido em ciência de impacto – que é a responsável por produzir conhecimento e soluções para os problemas que os frutos da ciência de produção causaram ao meio ambiente e a direitos humanos, tal teoria procura evidenciar os motivos que levam os principais agentes da inovação tecnológica a investir, quase que exclusivamente, em pesquisas de novos produtos e serviços economicamente viáveis.

            A análise destes fatores dará condições para se adentrar o marco legal de ciência e tecnologia do Brasil, com o intuito de verificar o quão sustentável é.

             

1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O “MOINHO DA PRODUÇÃO”: CIÊNCIA, TÉCNICA E TECNOLOGIA SUSTENTÁVEIS

           

A noção de avanço tecnocientífico sustentável requer inicialmente a problematização acerca da definição de desenvolvimento sustentável e a ponderação sobre a interconexão deste com a garantia de padrões de segurança contra as externalidades negativas ensejadas pela introdução de novas tecnologias nas diversas cadeias de produção e consumo.

  Além disso, para que se possa verificar o comprometimento de qualquer marco legal de ciência e tecnologia, é necessário que se verifique o quanto está comprometido com a ciência de impacto, já que esta é a que melhor atende aos padrões de sustentabilidade social e ambiental.

 

1.1 Desenvolvimento sustentável: conceito e críticas

 

Iniciando-se pelo conceito de desenvolvimento sustentável, tem-se que este foi elaborado durante a segunda metade do século XX como resposta a propostas que propunham opções mais ‘radicais’ para frear a incansável escalada da crise ambiental.

  Foladori (2001, p. 114-119) enumera os fatos a seguir como significativos na construção do termo.

  i) A publicação, em 1972, do primeiro informe do Clube de Roma, intitulado “Os limites do Crescimento”, que abordou os problemas oriundos da acelerada utilização dos recursos naturais no mundo. O livro causou grande influxo ao demonstrar que se fossem mantidas as taxas de crescimento populacional e econômico, bem como os níveis de poluição e esgotamento de recursos, a capacidade de suporte máximo do Planeta seria atingida nos próximos cem anos.

  ii) A realização, no mesmo ano, em Estocolmo, da Primeira Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Homem, resultando desta uma Declaração que abordou aspectos relacionados a industrialização, explosão demográfica e crescimento urbano e seus impactos sobre o meio ambiente. Foram criados: o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e a CMMAD (Comissão Mundial para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento).

  iii) A elaboração, nos anos de 1980, de vários relatórios científicos abordando os efeitos da crise ambiental.

  iv) A criação, em 1986, do programa Global Change, para estudar as inter-relações geosfera-biosfera.

  v) A constituição, em 1987, pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (WCED) – de um grupo independente, liderado por Gro Brundtland, para elaborar uma “agenda global para a mudança”. Este grupo tornou público um informe denominado “Nosso Futuro Comum”. Nesse relatório, apareceu a expressão desenvolvimento sustentável, conceituada como aquela que atende igualitariamente às necessidades das gerações atuais sem comprometer as possibilidades de sobrevivência e prosperidade das gerações futuras.

  vi) A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, que teve como principais objetivos elaborar estratégias e medidas de reversão da degradação ambiental e, ainda, promover o desenvolvimento sustentável.

  Na Conferência foi elaborada uma série de documentos, e, dentre os oficiais, destacam-se: Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; Convenção sobre a Mudança Climática; Convenção sobre a Biodiversidade; Declaração de Princípios sobre o Manejo, a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável de Florestas e a Agenda 21, documento propositivo de implementação do desenvolvimento sustentável.

  Os Princípios 1, 2 e 3 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento fornecem os elementos que integram o conceito de desenvolvimento sustentável. O primeiro preconiza a ideia de que os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável, tendo direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza; o terceiro princípio anuncia que o desenvolvimento sustentável será atingido quando propiciar às presentes e às futuras gerações o atendimento equitativo de suas necessidades; no Princípio 2, é garantido aos Estados o direito soberano de explorarem seus próprios recursos segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento.

  Os principais objetivos buscados pelas políticas ambientais e desenvolvimentistas derivadas do conceito de desenvolvimento sustentável, de acordo com Pierri (2001, p. 59), são: retomar o crescimento; mudar a qualidade do desenvolvimento; atender às necessidades básicas de emprego, alimentação, energia, água e saneamento; manter um nível populacional sustentável; conservar e melhorar a base dos recursos; reorientar a tecnologia e administrar o risco; e incluir o meio ambiente e a economia no processo de tomada de decisões.

  As principais críticas tecidas ao desenvolvimento sustentável, esse “rastro ziguezagueante” (Dupuy Apud Gomes, 2007, p. 36), referem-se à sua liquidez conceitual, que privilegia as mais diversas concepções acerca do crescimento econômico e da defesa da qualidade do meio ambiente.

  Apesar de estar aparentemente alicerçado na sustentabilidade forte – aquela em que o meio ambiente é o locus sobre o qual são construídos os alicerces social e econômico que sustentarão o direito das futuras gerações a condições ecológicas semelhantes ou melhores do que as existentes atualmente (WINTER, 2009) – ou seja, capacidade de suporte ótima, o conceito de desenvolvimento sustentável, em hipótese alguma, desvincula-se da noção desenvolvimentista que embalou e embala os sonhos da Modernidade, fato este que, segundo alguns autores, limita e até impossibilita a sua efetiva aplicação.

  Além dessa, outras críticas merecem ser destacadas. Ribeiro (2000, p. 131-169) expressa as seguintes incongruências em relação à proposta de desenvolvimento sustentável: é um conceito em desenvolvimento pautado em visões harmônicas, não conflituosas, dos processos econômicos, políticos e sociais envolvidos no drama desenvolvimentista que está alicerçado em valores (categorias culturais, locais) que historicamente foram ignorados pelo modelo de desenvolvimento, o qual tem bases no século XIX; o conceito supõe uma fé na racionalidade de agentes econômicos articulados, que compatibilizam a busca do lucro, a lógica do mercado e a preservação ambiental; todos os documentos elaborados sobre o conceito – inclusive o Relatório Brundtland – não contestam o crescimento econômico e, pior, o situam como uma solução. Tal característica está relacionada à gênese do conceito que é o projeto desenvolvimentista liberal aplicado ao meio ambiente; a equidade intergeracional, uma das bases do conceito, exprime apenas aspecto moral; é um metarrelato com características utópicas (busca de um modelo que, ao mesmo tempo, satisfaça aos anseios dos ambientalistas e dos defensores do crescimento econômico).

  Para Carvalho (apud RIBEIRO, 2000, p. 157), o principal problema da noção está ligado à sua gênese: Para entender melhor ao que veio e a quem atende o conceito de desenvolvimento sustentável, é preciso fazer a sua genealogia, reconstituindo as relações de força que o produziram.

  Sua matriz é o projeto desenvolvimentista liberal aplicado ao meio ambiente. Desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, ficou evidente que a preocupação dos organismos internacionais quanto ao meio ambiente, era a de produzir uma estratégia da gestão desse ambiente, em escala mundial, que atendesse a sua preservação dentro de um projeto desenvolvimentista.

  Sob tal perspectiva produtivista, o que se queria preservar de fato era um modelo de acumulação de riquezas em que o patrimônio natural passava a ser um bem. O apelo à humanidade e ao bem-estar dos povos era usado como álibi, sempre citado ao lado dos objetivos de crescimento econômico, emprestando uma preocupação humanista a intenções nem tão nobres.

  Outro ponto a ser destacado é o falso paradoxo conceitual. Falso, na medida em que aparenta conciliar desenvolvimento econômico e preservação ambiental, quando, na verdade, possibilita a continuidade do projeto civilizatório da Modernidade e procura calar, quando parece atender aos seus reclames, as vozes do movimento ambientalista que, desde o início da segunda metade do século XX, vinha questionando o modelo desenvolvimentista.

Por derradeiro, Foladori (2001, p. 119),

 

No fim das contas, nas duas conferências de países em âmbito mundial e no informe encomendado, fica claro que a preocupação manifesta se dá em torno de como reduzir os níveis de poluição, de depredação e de pobreza e superpopulação, sem tocar na forma social de produção, ou seja, no capitalismo. Em que medida essas melhorias, que vão, aparentemente, contra a lógica da própria dinâmica capitalista, conseguem ser suficientemente eficazes é algo que somente dentro de algumas décadas poderemos saber.

 

Foladori (2001, p. 119-133) sustenta que os principais limites ao desenvolvimento sustentável não são, como a princípio possam aparentar, de natureza física com pauta na noção errônea e facilmente perceptível de que se cuida de equacionar necessidades infinitas e recursos finitos.

Para o autor, o problema é, antes de tudo, sociológico, de conflito de classes e de suas representações mentais que impedem a discussão acerca da maneira capitalista de produção e centralizam o debate em torno das formas de correção dos efeitos negativos que a produção de bens acarreta à sociedade.

Além do mais, o próprio Planeta, enquanto local propício à vida, é finito e, se for considerado o fato de que atualmente existe apenas 1% do total de espécies que algum dia povoou a Terra, o problema dos limites passa a ser de velocidade de utilização.

O problema não é mais determinar se um bem ambiental findará e sim quando. Antes ou depois da espécie humana não mais existir? Antes ou depois de ser desenvolvida uma nova tecnologia ou bem substituto?

Por esta óptica, nos termos em que a questão é expressa pelos defensores do desenvolvimento sustentável, a noção de capacidade de suporte é desviada de um ponto ótimo, ecologicamente dado, e passa a ser relacionada a critérios temporais, como, por exemplo, a estimação de esgotamento de um determinado recurso natural e de sua substituição por outro que possa atender com eficiência às necessidades ditadas por padrões de consumo, que não são ecologicamente e sim social e culturalmente definidos, já que a “[...] maioria dos humanos tem dificuldade em determinar quando o bastante é suficiente [...]” (ODUM; BARRET, 2007, p. 94), pois o ser humano “[...] carece de instruções genéticas que determinem seu uso exossomático de energia [...]” (ALIER; JUSMET, 2001, p. 23).

Apesar das críticas, as propostas e os objetivos das teorias que defendem o desenvolvimento sustentável são as atualmente possíveis. Nesse sentido, impende verificar como a ponderação, a proteção e a mitigação dos impactos negativos do avanço tecnocientífico é a proposta que mais se coaduna com a noção de desenvolvimento sustentável, no campo da ciência e da tecnologia.

 

1.2 O avanço tecnocientífico como um vórtice

 

O avanço da ciência, da técnica e da tecnologia é um fenômeno paradigmático para demonstrar um dos grandes paradoxos das sociedades atuais: o fato de ter a inovação tecnológica[1], principalmente desde a segunda metade do século XX, se convertido em um dos seus principais objetivos, um vórtice e, ao mesmo tempo, um dos seus mais significativos problemas.

  Se, ao seu avanço, é possível creditar o desenvolvimento e as expansões das comunicações, das interdependências, das solidariedades, das reorganizações, das homogeneizações, que levam adiante o projeto da globalização, não se pode esquecer de que os seus efeitos são responsáveis pelos desregramentos atuais e, em grande medida, pela crise ambiental.

  A centralidade da tecnologia decorre do sucesso da ciência moderna, a qual, por meio de um diálogo experimental estabelecido com a Natureza, encontra meios de melhorar sua disposição, conforme o sentido cunhado ao termo por Martin Heidegger.        

  Prigogine e Stengers (1991, p. 17-20) enumeram os caracteres que definem a ciência moderna como tal e que permitiram o seu êxito: a ciência faz parte do complexo cultural que fornece coerência intelectual a determinada geração.

  Esta coerência intelectual está ligada à concepção das relações homem natureza e influencia a forma de se fazer ciência, qualificando esta última como uma prática social.

  A ciência moderna constituiu-se e constitui-se em uma tentativa de estabelecer diálogo com a Natureza como foram e são várias outras práticas científicas ou não que a antecederam ou lhe são contemporâneas – para os autores uma bactéria vive em constante comunicação com o seu meio, procurando decifrar os sinais químicos que a orientam.

  O que diferencia a ciência moderna das demais práticas é o diálogo experimental pautado no binômio compreender e modificar. A experimentação visa a submeter um processo natural a uma hipótese teórica. Para tanto, o cientista vai preparar, purificar o processo (modificação) para, então, interrogá-lo (conhecimento).

  A possibilidade de, por meio do diálogo experimental, reduzir-se qualquer processo, por mais complexo que seja a uma mathesis universalis, afasta o objeto do cientista, que passa a visualizá-lo como algo estendido (res extensa), autômato, sem vontade própria, que sempre se comportou e comportará em conformidade com leis gerais matematizáveis e aplicáveis a qualquer sistema em qualquer nível.

  Os autores (1991, p. 17-20), com base em Popper, atribuem a singularidade da ciência moderna ao seu sucesso em descobrir uma linguagem teórica habilitada a decifrar inúmeros processos. Tal sucesso constitui-se em um fato histórico que determinou uma transformação sem retorno nas relações estabelecidas entre o homem moderno e a natureza.

  Dessa forma, a ciência moderna propicia o fabrico técnico, uma das características da técnica moderna. Este, para Heidegger, é uma forma de desocultamento e seria mal-entendido como mera produção ou fabricação (Herstellung), já que parte da concepção moderna da natureza:

O homem põe (stellt) o mundo como o objetivado (gegenständige) no todo à sua frente e põe-se mesmo frente ao mundo, o homem põe o mundo na sua direção e a natureza para si. Temos que pensar este por (herstellen) na sua essência ampla e multifacetada. O homem demanda (Bestellt) a natureza onde ela não satisfaz sua imaginação (vorstellen). O homem fabrica (stellt her) coisas novas onde lhe faltam. O homem rearranja (stellt um) as coisas onde elas perturbam. O homem desarranja (verstellt) as coisas onde elas dificultam a realização de um plano. O homem mostra (stellt aus) as coisas quando ele demonstra (herausstellt) seu próprio desempenho e propaga seu negócio. Na fabricação (herstellen) múltipla o mundo para e torna-se parado. O aberto transforma-se em objeto voltado desta maneira para o ser humano. Diante do mundo como objeto o próprio homem demonstra-se e se põe (stellt sich auf) como alguém pretensiosamente impõe (durchsetzt) toda essa fabricação. (HEIDEGGER Apud BRÜSEKE, 2001, p. 74).

 

            O mundo natural aristotélico, desde essa perspectiva, povoado de seres poderosos e ativos em excesso, que não se submeteriam facilmente a um soberano absoluto, por ser demasiado complexo e qualitativamente diferenciado, perde o encantamento. E, por conviver com algo estúpido, o homem se isola, já que é o único ser dotado de racionalidade. Esta coerência intelectual alimenta a forma moderna de fazer ciência, fechando assim um círculo vicioso que somente se romperá com uma quebra de paradigmas advinda do insucesso da ciência (PRIGOGINE; STENGERS, 1991, p. 20).

            Ocorre que a ciência moderna é multidimensional, não é passível de redução a modelo único. Não obstante, a pretensa neutralidade a desvincula de outros campos, como o da política e o da ética, e a torna inatingível pelas consequências que, em nome da ciência e em função das novas tecnologias que a ciência aplicada à técnica possibilita, atingem o meio ambiente, a humanidade e seus direitos; como, por exemplo, é o caso do uso bélico dado a uma série de invenções e inovações ocorridas no final do século XIX e no início do século XX.

            A ciência moderna, todavia, pode ser utilizada, graças a sua multidimensionalidade, para a obtenção de dados que embasam as denúncias relativas aos efeitos negativos da própria ciência, da técnica e da tecnologia.

            Verifica-se, dessa forma, a possibilidade de repartir, pelo menos para fins didáticos, a ciência em diversas modalidades. Uma das diferenciações cabíveis, e que interessa para os fins do ensaio, é a realizada em função da capacidade da ciência moderna em produzir capital e entender os choques causados pelas externalidades negativas correlatas à produção de capital.

 

 

 

 

 

1.3 Ciência, sustentabilidade e o “moinho da produção”

 

Considerando as tensões entre os sistemas social e natural, Kenneth Gould (2012), por meio de uma perspectiva da Sociologia Ambiental, trata do papel da ciência na implementação do desenvolvimento sustentável.

O grande desafio do desenvolvimento sustentável é fazer com que os sistemas sociais e os ecossistemas mantenham relação dinâmica de apoio mútuo.

Para tanto, cada sistema deve ser entendido, na medida do possível, de modo que a interação desses dois sistemas complexos possa ser apreendida. Mais importante ainda, os mecanismos pelos quais as mudanças em um sistema afetam o outro devem ser conhecidos e cada sistema há de ser monitorado para identificar essas alterações precocemente, mantendo assim um feedback sistemático entre os sistemas. A detecção precoce e de reação rápida e eficaz pode ser a chave para a manutenção da saúde de ambos os sistemas. Nossa capacidade social para compreender e monitorar as mudanças ambientais vai depender em grande parte da quantidade e qualidade do nosso conhecimento científico (GOULD, 2013).

Nesse sentido, a ideia de sustentabilidade passa por uma melhor compreensão dos sistemas natural e social e da interação de ambos, ou seja, por uma boa ciência de impacto, que poderá guiar as ações, no sentido de evitar e mitigar choques oriundos da ciência de produção.

A fim de estabelecer os limites da ciência – e o mesmo vale para a técnica e a tecnologia – como mecanismo sincronizador do tempo humano ao ecológico, Gould (2012) parte da dicotomia articulada em torno do conceito de “moinho da produção” – “the treadmill of production” – (Gould; Pellow; Schnaiberg, 2008) entre a “ciência de produção” e a “ciência de impacto”.

A ciência de produção, para o autor (2012), é a que, ligada tão-somente aos componentes do sistema social, visa, em último caso, à geração de lucro.

 

Ciência de produção é a que leva a um aumento na produção, distribuição e consumo de bens e serviços (inclusive militares). Independentemente dos níveis em que é aplicada, a ciência da produção visa gerar resultados. Estes podem vir na forma de novos bens de consumo, novos sistemas de armas, novos processos de produção, ou novos materiais. (SCHNAIBERG Apud GOULD, 2013).

 

A ciência de impacto procura entender aqueles produzidos pelas linhas de produção, estando, portanto, ligada as inter-relações que se estabelecem entre o sistema natural e o social, razão por que é a que melhor atende aos imperativos do desenvolvimento sustentável (GOULD, 2012). De acordo com Schnaiberg (Apud GOULD, 2013): “[...] a ciência de impacto é o que aumenta a nossa compreensão dos impactos dos processos produtivos e suas externalidades sobre o meio ambiente e a saúde humana.”

O problema reside no fato da diferença entre os aportes financeiros que viabilizam a ciência de produção e as verbas destinadas à ciência de impacto.

Em virtude dos interesses dos grandes agentes indutores e operacionalizadores da pesquisa científica e tecnológica e do alto custo destas, há notável canalização de recursos para o financiamento da ciência de produção, já que esta proporciona maiores níveis de competitividade e lucro para as empresas, aumenta o poder econômico, geopolítico e militar dos Estados e financia as pesquisas nas universidades (GOULD, 2012).

- Quem, nessa realidade, estaria interessado em custear e/ou realizar a ciência de impacto? - Questiona Gould (2012).

Utilizando-se de estratégia semelhante àquela da qual se vale Etzkowitz (2009) para analisar cada uma das pás que movem a “tríplice hélice” da pesquisa e inovação tecnológicas[2], Gould (2013), com suporte em indicadores veiculados no Relatório Main Science and Technology Indicators, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1998, analisa a forma como cada um dos três principais agentes na área de pesquisa e inovação tecnológica – governo, empresa e universidade – vem se pautando em relação à realização da ciência de produção e da ciência de impacto, principalmente no panorama dos Estados Unidos.

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em sua área de abrangência, cerca de dois terços de toda a investigação científica são conduzidos pela indústria privada (OCDE, 1998). Para as empresas de capital industrial que financiam a maior parte da pesquisa científica e empregam a maioria dos cientistas, o investimento em ciência de produção oferece potencial para grandes ganhos financeiros (GOULD, 2013).

A ciência de impacto, por outro lado, oferece potencial para gerar obstáculos sociais para a inovação na produção. Além da possibilidade de evitar importantes questões de cunho legal, no âmbito das responsabilidades, há pouco incentivo para as empresas financiar estudos que poderão denunciar os impactos que geram. Quando realizam estudos sobre os impactos da ciência de produção, as empresas têm grande tendência a concluir pela ausência de impactos negativos ao meio ambiente e à saúde pública (GOULD, 2013).

As corporações, além de não vislumbrarem motivos para despender com ciência de impacto, pela ameaça que essa representa aos seus próprios interesses – já que trariam à tona impactos que melhor estariam se ocultados – acabam, em nome de tais interesses, persuadindo as universidades e os Estados a não fazerem pesquisa de impacto ou, em muitas situações, se valem do expediente de utilizar da ciência de impacto para causar incerteza científica, evitando, assim, ações políticas emergenciais ou reparatórias (GOULD, 2012). A ciência de impacto, portanto, acaba ficando a encargo dos Estados, das universidades e dos cientistas que empregam.

No âmbito da OCDE, cerca de 10% da pesquisa científica é conduzida diretamente pelos Estados (OCDE 2008).

Como a ciência de produção acelera o crescimento econômico e fortalece o poderio militar dos Estados, o apoio destes para a ciência de impacto permanece limitado à medida do necessário para cumprir suas funções mínimas de legitimação política, pelo simples motivo de as preocupações com os índices de crescimento econômico e as funções de segurança do Estado invariavelmente superarem as funções de legitimação, como a proteção da saúde pública e do meio ambiente. Em tempos de estresse econômico ou militar, o entusiasmo dos Estados com a ciência de impacto, já atenuado, tende a diminuir (GOULD, 2013).

No âmbito da OCDE, cerca de 20% da pesquisa científica e de desenvolvimento são realizados realizada dentro das universidades (OCDE, 2008).

As universidades, por temerem reduções nos fluxos financeiros provenientes das empresas, da mesma forma, não se dedicam à pesquisa de impacto. Isto se explica pela dependência que têm em relação às empresas e pela inibição que a realização da ciência de impacto produz no financiamento da pesquisa, inclusive na de produção, o que, no final das contas, atinge a autonomia dos pesquisadores (GOULD, 2012).

Historicamente, os cientistas das universidades tiveram um pouco mais de autonomia para buscar linhas independentes de pesquisa. Embora, via de regra, o apoio institucional e o financiamento externo sejam pré requisitos para a investigação científica efetiva, as linhas de pesquisa foram principalmente julgadas por seus méritos científicos, ainda que no contexto das instituições de ensino em grande parte concebido para servir os interesses do Estado e do capital privado. Com a retirada do apoio estatal substancial às universidades públicas, no entanto, e o aumento da dependência das instituições acadêmicas do financiamento privado, as agendas de investigação universitária são cada vez mais capturadas por empresas de capital privado. Além disso, o patrocínio das empresas a instalações de investigação (e outras instalações das universidades) inibe-as ao apoio a ciência de impacto, pelos problemas que podem criar para os seus financiadores, causando o declínio vertiginoso da pesquisa de impacto independente e reduzindo a capacidade da sociedade para avaliar os riscos a que é exposta (GOULD, 2013).

Para Gould (2012), há um subdimensionamento da ciência de impacto em relação à de produção, em virtude da ausência de interesse dos principais agentes responsáveis pelo fomento e/ou desenvolvimento da pesquisa científica:

 

Sabemos muito pouco sobre os impactos ambientais, porque o estudo científico dos impactos sociais sobre o meio ambiente está subfinanciado pelos Estados. Há, também, oposição pelo capital privado, e cada vez mais resistência por parte de universidades. As agendas de investigação científica são definidas pelas instituições que empregam os cientistas e financiam as pesquisas e a infra-estrutura própria para a pesquisa. Nosso estoque total de conhecimentos científicos disponíveis sobre que decisões de política ambiental devem ser tomadas reflete os interesses das instituições que geram o conhecimento científico. As agendas dessas instituições de apoio à ciência são em grande parte incompatíveis com os objetivos de atingir socialmente e ecologicamente as trajetórias do desenvolvimento sustentável. O resultado é que há um descompasso crescente entre o que seria preciso saber para avaliar nosso progresso em direção à sustentabilidade e nosso estoque total de conhecimento científico como uma civilização global. (GOULD, 2012)

 

            Essa realidade faz com que se acredite, cada vez mais, na superação dos efeitos negativos da ciência da produção por meio de soluções advindas dela própria. Essa aposta cega na ciência de produção confere-lhe centralidade cada vez maior, criando um vórtice tecnocientífico, aparentemente sem fim.

            O défice apresentado pela ciência de impacto tem como principais consequências, segundo Gould (2012): a dependência do conhecimento da ciência de produção, pois o que se conhece se encontra preponderantemente baseado nela; a preponderância do ‘saber como manipular’ sobre ‘os resultados da manipulação’; o afastamento, a cada round, da ciência em relação ao desenvolvimento sustentável; e o distanciamento contínuo das preocupações sobre os impactos, em virtude de se saber mais como fazer e menos sobre o que está sendo feito.

            O que fazer com esses problemas se a eles for acrescentado o défice democrático nas decisões sobre os rumos da ciência e da tecnologia?

            Para Goul (2012), a opinião pública é facilmente manipulada em decorrência da legitimação social da ciência de produção.

            Como a ciência de produção se mostra exitosa, pois entrega mercadorias para as pessoas, enquanto a ciência de impacto, ao revelar os problemas da ciência e apontar apenas um mundo possivelmente com menores impactos negativos, não oferece o melhor do que há no mundo, ocorre o que o autor denomina de legitimação da ciência de produção pela sociedade, baseada na seguinte premissa: ainda que se desconfie da ciência, se é para duvidar, que seja daquela que não satisfaça.

            A legitimidade social da ciência de produção diminui o valor que as pessoas conferem à prova científica, o que causa um interessante anacronismo: em uma sociedade fortemente marcada pela tecnociência, a opinião política é intensivamente baseada em outros valores que não científicos - fato que espantaria qualquer antropólogo que se dispusesse a realizar uma etnografia do que se denomina sociedade tecnológica. O efeito mais perverso da legitimidade social da ciência de produção, no entanto, talvez seja o de afastar, por meio da apatia, o público das decisões políticas sobre ciência, inclusive das relacionadas aos investimentos em ciência e tecnologia, mesmo em sociedades altamente democráticas (GOULD, 2012).

            Por outro lado, o afastamento dos grandes agentes institucionais científicos da ciência de impacto aumenta a dependência da sua realização por organizações não governamentais sem fins lucrativos (ONGs) e pelo cidadão-ciência. Tais organizações, contudo, dependem da captação de recursos e/ou de financiamento por fundações que apoiam a ciência de impacto. Esse financiamento é necessariamente muito limitado. Além disso, a ciência leiga e as ONGs ressentem-se com os baixos níveis de legitimidade social (GOULD, 2013).

            Tais fatores, somados à tendência de menor utilização dos dados científicos em ambientes de tomada de decisão nos Estados Unidos, levam Gould (2013) a concluir que mudanças substanciais na alocação institucional de financiamento em estruturas de pesquisa científica são fundamentais para o aproveitamento do esforço científico em prol do desenvolvimento sustentável.

            A mudança de interesse sobre o avanço tecnológico, das corporações para os Estados, tomando-se o Brasil como exemplo, não é novidade alguma, pois, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, o Estado brasileiro exerce papel relevante como ente fomentador da produção científica, quando comparado com as corporações privadas, o que não garante uma situação diferenciada daquela sobre a qual Gould desenvolve sua teoria, o que leva à necessidade de relativizar esta sugestão, tendo-se, é claro, o cuidado de contextualizá-la com a origem no local de onde fala o autor.

            Gould (2012) preconiza, ainda, a necessidade de mudanças no controle público, por meio da politização para a ciência. O autor ressalta o fato de que, nos Estados Unidos, a tendência é contrária. As universidades estão cada vez mais dependentes das corporações e os conhecimentos científicos do público estão sempre menores, o que torna a sociedade vulnerável a manipulação do conhecimento e encerra, ressaltando que é necessário o trabalho conjunto para mudar o foco da pesquisa e democratizar a tecnologia.

            Verifica-se, com suporte nas preocupações de Kenneth Gould, o fato de que o domínio da ciência de produção – a prima rica – sobre a ciência de impacto – a prima pobre – favorece o que poderia ser designado como tecnocracia, mediante a qual, as decisões sobre a tecnologia, como fator de mudança social, ocorrem fora do ambiente democrático e são dominadas por interesses vinculados à ciência de produção.

            O desatamento da ciência de produção e da técnica, por ela aperfeiçoada, de outros valores que não estejam ligados à geração de capital torna o sistema tecnocientífico não condizente com as premissas e objetivos do desenvolvimento sustentável, cabendo ao Direito corrigir tal distorção, por meio de leis e políticas públicas que privilegiem a ciência de impacto.

            Resta analisar o marco legal de ciência e tecnologia brasileiro, para verificar se tal cuidado foi considerado.

 

2 O MARCO LEGAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL SOB A ÓPTICA DA TEORIA DO MOINHO DA PRODUÇÃO

 

Publicada no Diário Oficial da União no dia 12 de janeiro de 2016, a Lei nº 13.243/16 influenciou nove leis federais direta e indiretamente relacionadas aos processos de inovação e transferência de tecnologia no Brasil.

A nova Lei promoveu alterações parciais: i) na Lei nº 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil; ii) na Lei nº 8.666/93, que institui norma para licitações e contratos da Administração Pública; iii) na Lei nº 12.462/12, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC); iv) na Lei nº 8.745/93, que dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; v) na Lei nº 8.958/94, que dispões sobre as relações entre as instituições federais de Ensino Superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio; vi) na Lei nº 8.010/90, que dispõe sobre importações de bens destinados à pesquisa científica e tecnológica; vii) na Lei nº 8.032/90, que dispõe sobre a isenção ou redução de impostos de importação e; viii) na Lei nº 12.772/12, que trata da estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal.

Além dessas, a Lei nº 13.243/16 impactou significativamente na Lei nº 10.974/04, que estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. Dessa forma, o marco legal de ciência e tecnologia do Brasil é constituído pela Lei nº 10.974/04, com as alterações da Lei nº 13.243/16.

            Cabe alertar para a noção de que as referidas leis regulamentam apenas alguns aspectos dos artigos 218, 219, 219A e 219B da Constituição Federal de 1988 foram alterados ou foram incluídos no Texto Constitucional por meio da EC 85 de fevereiro de 2015.  Tais artigos estabelecem as diretrizes constitucionais para a ciência, a tecnologia e a inovação.

            Reside aí a primeira incoerência, pois, de forma alguma, as leis nº 13.243/16 e nº 10.973/04 podem ser denominadas de marco legal de ciência e tecnologia brasileiro, como foi propalado pelos órgãos oficiais ligados à matéria e pelos veículos de comunicação coletiva.

            Tal restrição, todavia, não é empecilho para a tarefa proposta neste artigo. Pelo contrário, pois é por meio do levantamento e da análise das diretrizes que indicarão quais modalidades de pesquisa receberão estímulos governamentais, as pautadas na lógica da ciência de produção ou as que visam a mitigar os efeitos negativos da ciência da produção e, por isso mesmo, se coadunam com a proposta de desenvolvimento sustentável.

            Segundo o parágrafo único do artigo primeiro da Lei nº 10.973/04, com as alterações da Lei nº 13.243/16, as medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo deverão observar, dentre outros, os seguintes princípios: i) promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégicas para o desenvolvimento econômico e social; ii) promoção e continuidade dos processos de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação, assegurados os recursos humanos, econômicos e financeiros para tal finalidade; iii) redução das desigualdades regionais; iv) descentralização das atividades de ciência, tecnologia e inovação em cada esfera de governo, com desconcentração em cada ente federado; v) promoção da cooperação e interação dos entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas; vi) estímulo à atividade de inovação nas Instituições Científicas, Tecnológica se de Inovação (ICTs) e nas empresas, inclusive para a atração, a constituição e a instalação de centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação e de parques e polos tecnológicos no País;  vii) promoção da competitividade empresarial nos mercados nacional e internacional; viii) incentivo à constituição de ambientes favoráveis à inovação e às atividades de transferência de tecnologia; ix) promoção e continuidade dos processos de formação e capacitação científica e tecnológica; x) fortalecimento das capacidades operacional, científica, tecnológica e administrativa das ICTs; xi) atratividade dos instrumentos de fomento e de crédito, bem como sua permanente atualização e aperfeiçoamento; xii) simplificação de procedimentos para gestão de projetos de ciência, tecnologia e inovação e adoção de controle pelos resultados em sua avaliação; xiii) utilização do poder de compra do Estado para fomento a inovação; e xiv) apoio, incentivo e integração dos inventores independentes às atividades das ICTs e ao sistema produtivo.  

            Três dos princípios trazidos pela Lei guardam pertinência com a delimitação temática do ensaio: o que trata da promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégicas para o desenvolvimento econômico e social; o que impõe a redução das desigualdades regionais; e o que determina a descentralização e a desconcentração das atividades de ciência, tecnologia e inovação em cada esfera de governo e em todo ente federado.

            Além de não haver princípio algum a determinar a alocação preferencial de recursos em pesquisas baseadas na ciência de impacto, verifica-se que os três princípios acima poderiam ter avançado e prestigiado a variável ambiental.

            Por exemplo: no princípio I – que preconiza a promoção das atividades de pesquisa e tecnologia como estratégias para o desenvolvimento econômico e social, a simples substituição da expressão “desenvolvimento econômico e social” pela dicção “desenvolvimento sustentável” já daria um indicativo de que o marco de ciência e tecnologia estaria comprometido com pesquisas que visassem a promover o desenvolvimento econômico, a distribuição de riquezas e a garantia da qualidade do meio ambiente.

            O mesmo raciocínio vale para o princípio iii. Não basta que o avanço da ciência reduza as desigualdades regionais, pois é preciso se declarar que os problemas socioambientais das regiões mais carentes sejam solucionados.

            A descentralização e a desconcentração das atividades de ciência, tecnologia e inovação em cada esfera de governo e em todo ente federado é um princípio muito bem-vindo, já que, se for posto em prática, diminuirá a centralidade do Ministério da Ciência e Tecnologia no âmbito de políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação, a na contextura federal, e permitirá que as fundações estaduais de fomento à pesquisa científica possam ter maior autonomia para definir que tipo de pesquisa será financiado, o que, em tese, possibilitará a alocação de maiores aportes a pesquisas baseadas na ciência de impacto, em razão da diversidade de problemas socioambientais existentes no Brasil.

            O artigo 27 da Lei nº 10973/04 estabelece as diretrizes que orientarão a aplicação do marco de ciência e tecnologia. Segundo os incisos I, II, IV e VI, do referido artigo, os agentes envolvidos com os processos de P&D deverão: i) priorizar, nas regiões menos desenvolvidas do País e na Amazônia, ações que visem a favorecer a pesquisa e o sistema produtivo regional de maiores recursos humanos e capacitação tecnológica; ii) atender a programas e projetos de estímulo à inovação na indústria de defesa nacional e que ampliem a exploração e o desenvolvimento da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e da Plataforma Continental; iv) dar tratamento preferencial, diferenciado e favorecido, na aquisição de bens e serviços pelo poder público e pelas fundações de apoio para a execução de projetos de desenvolvimento institucional às empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País e às microempresas e empresas de pequeno porte de base tecnológica, criadas no ambiente das atividades de pesquisa das ICTs e; vi) promover o desenvolvimento e a difusão de tecnologias sociais e o fortalecimento da extensão tecnológica para a inclusão produtiva e social.

            Infere-se da análise de tal artigo que a aplicação da lei segue diretrizes que privilegiam pesquisas voltadas ao desenvolvimento ao crescimento da exploração econômica de áreas específicas. Não há uma diretriz preocupada com questões ambientais.

            A exceção encontra-se no inciso VI, que determina a promoção do desenvolvimento e da difusão de tecnologias sociais. Como se sabe, as tecnologias sociais além de incluírem as pessoas economicamente excluídas, têm o potencial de trazer grandes benefícios ao meio ambiente.

            Iniciativas como as incubadoras tecnológicas sociais são exemplos dos benefícios que investimentos em tecnologia social podem trazer para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e para a preservação do meio ambiente, como um todo, sendo essa uma das premissas básicas da ciência que contribui para a promoção do desenvolvimento sustentável.

            O marco legal de ciência e tecnologia estimula a inovação nas empresas brasileiras e em entidades nacionais sem fins lucrativos, mediante a concessão de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infraestrutura a serem ajustados em instrumentos específicos e destinados a apoiar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, para atender às prioridades das políticas industrial e tecnológica nacional. (Lei nº 10.973/04, art. 19) 

            Apesar de o parágrafo primeiro do artigo em tela remeter o estabelecimento das prioridades da política industrial e tecnológica nacional a regulamento, percebe-se a nítida vinculação de tais políticas aos interesses econômicos e tecnológicos, ou seja, à ciência da produção. Já as questões socioambientais são claramente relegadas a segundo plano.

            Por fim, a Lei nº 10.973/04 trata do estímulo ao inventor independente. Segundo o Inciso IX, do artigo 2º da Lei nº 10973/04, inventor independente é a pessoa física, não ocupante de cargo efetivo, cargo militar ou emprego público, que seja inventor, obtentor ou autor de criação.

            O artigo 22 da indigitada lei determina que, ao inventor independente que comprove depósito de pedido de patente é facultado solicitar a adoção de seu invento por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) pública, que decidirá quanto à conveniência e à oportunidade da solicitação e à elaboração de projeto voltado a avaliar a criação para futuro desenvolvimento, incubação, utilização, industrialização e inserção no mercado. 

            Neste caso, a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios, as agências de fomento e as instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação ICTs públicas poderão apoiar o inventor independente que comprovar o depósito de patente de sua criação, entre outras formas, por meio de: i) análise da viabilidade técnica e econômica do objeto de sua invenção; ii) assistência para transformação da invenção em produto ou processo com os mecanismos financeiros e creditícios dispostos na legislação; iii) assistência para constituição de empresa que produza o bem objeto da invenção; e iv) orientação para transferência de tecnologia para empresas já constituídas.   

            Apesar de parecer periférica, a inovação do artigo 22 da Lei nº 10.973/04 é a proposição do marco legal de ciência e tecnologia que mais se aproxima das propostas de desenvolvimento sustentável, haja vista possibilitar ao inventor independente que receba de de ICTs públicas apoios técnicos e econômicos que lhe possibilitarão inserir seu invento no mercado.

            Com isso, abrem-se possibilidades para viabilizar os esforços do cidadão-ciência que se dedicam a pesquisas baseadas na ciência de impacto.

            Resta verificar se as ICTs públicas estarão dispostas a incubar, utilizar, industrializar ou inserir tais inventos no mercado e, com isso, garantir que invenções e inovações que auxiliem a compreender, reverter e/ou mitigar os impactos negativos da ciência de produção sejam inseridas no meio ambiente e na sociedade. 

 

CONCLUSÃO

           

No século XVII, um acontecimento daria condições para a grande revolução que aconteceria no século vindouro. Ao afirmar que tudo no mundo tem um fundamento, o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz, dava início à Revolução Científica, sem a qual a Revolução Industrial seria impensável.

Pela eficácia em apreender e reduzir os fenômenos naturais a termos matemáticos, a ciência moderna possibilitou o aprimoramento da técnica – a qual, até a Modernidade era apenas uma forma de saber fazer – dando início a uma era que mudaria definitivamente a história, a era tecnocientífica, em que ciência e técnica se retroalimentam continuamente para ensejar novas tecnologias.

O contínuo avanço e o aprimoramento da ciência e da técnica foram fundamentais para o desenvolvimento das formas de produção modernas e forneceram as bases para o surgimento das sociedades de massa, no primeiro momento, e, posteriormente, para as sociedades tecnológicas, cobrando, para isso, um alto preço: a crescente dependência das sociedades e dos campos da ação humana da ciência, da técnica e das novas tecnologias.

Por outro lado, a ciência foi posta a serviço dos interesses econômicos, dando aso a novas fronteiras para a expansão do capital e, no fim das contas, lucro. Esta inter-relação faz com que se dê mais importância à ciência de produção.

Esta, no entanto, enseja a existência de externalidades negativas que precisam ser conhecidas, tratadas ou mitigadas, o que demanda maiores investimentos em ciência de impacto. Nesse sentido, o estabelecimento o de um marco legal de ciência e tecnologia é por demais valioso.

Ocorre que há marcos e marcos legais. Nem todo marco legal de ciência e tecnologia é comprometido com as premissas e princípios da sustentabilidade socioambiental.

No caso brasileiro, as Leis nº 10.973/04 e 13.243/16 pouco avançam no sentido de estabelecer critérios para o financiamento de pesquisas de impacto, o que comprova a hipótese formulada na introdução do artigo.

Em todo o caso, a previsão de incentivo à figura do inventor independente por Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) Públicas abre possibilidades para se pensar em um modelo de ciência e tecnologia que vislumbre o desenvolvimento sustentável, já que este – o cidadão ciência – estaria, a princípio, livre das amarras do moinho da produção.na apenas uma forma de saber fazer - dando toa a grande revoluç

REFERÊNCIAS

 

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* Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor do PPGD da Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó). E-mail: rpereira@unochapeco.edu.br.

Data de recebimento do artigo: 27/01/2016 – Data de avaliação: 02/02/2016 e 02/02/2016.

[1]  Apesar de ser um dos fatores de avanço da tecnociência, pois este se dá, também, por meio da invenção, a inovação que pode ser definida como a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas (OCDE, 2011), adquire, na atualidade, relevante papel econômico e social; afinal, experimenta-se a consolidação de uma sociedade pós-industrial, na qual o principal vetor de organização passa a ser a geração e (em) consumo de informação mediada por sofisticados meios de transmissão e processamento de dados. A inovação tecnológica leva a – e é gerada por – processos de pesquisa e desenvolvimento – P&D (ou investigação e desenvolvimento – ID). Tais processos incluem o trabalho criativo levado a cabo de forma sistemática para aumentar o campo dos conhecimentos, incluindo o conhecimento do homem, da cultura e da sociedade, e a utilização desses conhecimentos para criar mais aplicações. A pesquisa e o desenvolvimento de tecnologia englobam três atividades: investigação básica, investigação aplicada e desenvolvimento experimental. A investigação básica consiste em trabalhos experimentais ou teóricos iniciados principalmente para obter novos conhecimentos sobre os fundamentos dos fenômenos e fatos observáveis, sem ter em vista qualquer aplicação ou utilização particular. A investigação aplicada consiste também em trabalhos originais realizados para adquirir novos conhecimentos; no entanto, está dirigida fundamentalmente para um objetivo prático específico. O desenvolvimento experimental consiste em trabalhos sistemáticos baseados nos conhecimentos existentes obtidos pela investigação e/ou pela experiência prática, e dirige-se à produção de materiais, produtos ou dispositivos, à instalação de processos, sistemas e serviços, ou à melhoria substancial dos já existentes. A ID engloba tanto a ID formal realizada nas unidades de ID como a ID informal ou ocasional realizada noutras unidades. (MANUAL DE FRASCATI, 2011).

[2] A abordagem da Hélice Tríplice caracteriza a dinâmica da inovação em um contexto de evolução, onde as relações se estabelecem entre três esferas institucionais, envolvendo três agentes distintos: a universidade, a iniciativa privada e o governo, configurando três pás distintas de uma mesma hélice. As relações decorrentes das transformações internas em cada hélice exercem influência sobre as demais, criando novas redes decorrentes da interação das três hélices, produzindo um efeito recursivo dessas redes, tanto nas espirais de onde elas emergem, como na sociedade como um todo. (ABDALLA; CALVOSA; BATISTA, 2009, p. 8).