REQUISITOS DE VALIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

Natália Cristina Chaves

Doutora e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com foco em Direito Empresarial. Professora Adjunta A, com dedicação exclusiva, na área de Direito Empresarial da Faculdade de Direito da UFMG.

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RESUMO: O objetivo deste artigo é identificar os requisitos de validade do plano de recuperação judicial, a partir do estudo da sua natureza jurídica, das normas legais aplicáveis e da análise jurisprudencial. Uma vez definidos os parâmetros de validade do plano de recuperação judicial, pretende-se minimizar os riscos de revisão e/​ou invalidação judicial do plano, o que pode culminar na decretação da quebra de empresários que não estão em situação de insolvência. Para tanto, a metodologia adotada parte da análise das regras e princípios aplicáveis ao plano, bem como da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, com Câmaras especializadas, e do Superior Tribunal de Justiça, que congrega as discussões oriundas de todas as regiões. Visando identificar um padrão nas decisões, foram examinados os Informativos do Superior Tribunal de Justiça, bem como seiscentos e cinquenta e cinco acórdãos de 2005 em diante, cuja pesquisa tomou por base os termos “recuperação judicial”, “plano” e “legalidade”. Ao final, ver-se-á que, enquanto negócio jurídico, de natureza contratual, mas com especificidades próprias, o plano de recuperação judicial sujeita-se aos requisitos gerais de validade de todos os negócios jurídicos (art. 104 do Código Civil). Apesar da identificação de critérios objetivos de fixação dos requisitos de validade do plano de recuperação judicial, sempre haverá um grau de subjetividade na sua avaliação, dado à ausência de limites claros na Lei n. 11.101/​2005.

PALAVRAS-CHAVE: recuperação judicial; falência; plano de recuperação judicial.

Validity requirements of the judicial reorganization plan

ABSTRACT: The objective of this article is to identify the validity requirements of the judicial reorganization plan, based on studies of its juridical nature, applicable legal provisions, and jurisprudence analysis. Once the validity parameters of the judicial reorganization plan are defined, it is intended to minimize the risks of judicial revision and/​or invalidation of the plan, which can culminate in the declaration of bankruptcy of businessmen that are not in an insolvency situation. For such purpose, the proposed methodology is based on the analysis of the rules and principles applied to the plan, as well as jurisprudence of São Paulo Court of Justice, with specialized Chambers, and of the Superior Court of Justice, which brings together discussions from all regions. In order to identify a pattern in the decisions, the Reports of the Superior Court of Justice, as well as six hundred and fifty five judgments from 2005 on were examined, whose research was based on the terms “judicial reorganization”, “plan” and “legality”. In the end, it will be shown that the judicial reorganization plan, as a legal transaction of contractual nature but with specific characteristics, is subjected to the general validity requirements of all other legal transactions (Brazilian Civil Code, article 104). Despite the identification of objective criteria to determine the validity requirements of the judicial reorganization plan, there is always a degree of subjectivity in its review given to the absence of clear limits in the Law 11.101/​2005.

KEYWORDS: judicial reorganization; bankruptcy; judicial reorganization plan.

Introdução

A Lei n. 11.101/​2005, ao regular a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do devedor empresário, representou um marco paradigmático no direito concursal brasileiro[1]. Abandonou-se a feição nitidamente liquidatória-dissolutória do antigo Decreto-Lei n. 7.661/​1945, voltado, predominantemente, para a satisfação dos direitos do credor e a tônica passou a ser a da preservação da empresa, em razão de sua função social, seja na manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, dos interesses dos credores e no fomento da própria economia.

Os avanços em relação à legislação anterior foram significativos, especialmente no tocante à recuperação judicial, com a ampliação dos meios de recuperação, bem como das classes de credores sujeitas ao procedimento recuperatório, até então restritas aos quirografários, flexibilização dos prazos e condições de soerguimento da crise econômico-financeira, profissionalização da figura do administrador judicial, além de uma maior participação dos credores no processo decisório.

Mas, nem tudo são flores. Decorridos pouco mais de 10 (dez) anos de vigência da Lei n. 11.101/​2005, verificou-se que ela não tem atendido, na íntegra, aos fins a que se destina.

Com efeito, o instituto da recuperação extrajudicial, da forma como regulado, não tem atraído muito a atenção dos empresários. O comitê de credores, concebido, essencialmente, para fiscalizar as atividades do devedor empresário e do administrador judicial, a execução do plano de recuperação e o bom andamento do processo, raramente tem sido constituído, porquanto, entre outros motivos, a remuneração de seus membros é custeada pelos próprios credores, já penalizados com o inadimplemento.

Como se não bastasse, a obrigação imputada ao devedor, nos processos de recuperação judicial, de apresentar certidão negativa de débito tributário para fins de deferimento do benefício colocou em risco o instituto. Todavia, atento à desproporcionalidade e à falta de razoabilidade dessa exigência legal, que poderia inviabilizar o acesso à recuperação judicial e não traria benefícios diretos ao fisco (não sujeito ao procedimento recuperatório), o Poder Judiciário tem afastado a aplicação do art. 57 da Lei n. 11.101/​2005[2]. Aliás, mesmo com a promulgação da Lei n. 13.043/​2014, que introduziu o parcelamento de dívida tributária federal para o devedor empresário que pleitear ou tiver deferido o processamento de sua recuperação judicial, ao que tudo indica, esse entendimento deverá ser mantido.

Adicionalmente, a exclusão de determinadas categorias de crédito dos efeitos da recuperação judicial, com a concessão de um tratamento privilegiado, tem dificultado a superação da crise econômico-financeira do devedor empresário[3]. Isso porque priorizou-se a recuperação do crédito financeiro investido em detrimento da salvaguarda da empresa em crise.

Nota-se, pois, que o cenário não é tão positivo como se alardeava ao tempo da promulgação da Lei n. 11.101/​2005.

Acrescente-se aos aspectos problemáticos mencionados, o fato de que, não raras as vezes, o devedor empresário, aproveitando-se, no âmbito da recuperação judicial, da sistemática legal de organização dos credores em classes, bem como da aprovação do plano por maioria, desvirtua o procedimento, obtendo ganhos financeiros com a situação de crise. Considerando que o deferimento do plano não se vincula à aceitação unânime, basta ao devedor empresário articular com credores estratégicos a que o plano seja aprovado, estabelecendo condições de pagamento privilegiadas a estes últimos, impondo aos demais credores um sacrifício maior. Com isso, deixa de existir uma distribuição equilibrada dos ônus e a recuperação judicial passa a ser um processo em que só os credores minoritários perdem.

Por óbvio que, ao descortinar desse cenário, a intervenção do Poder Judiciário revela-se imprescindível, visto que lhe compete o controle de legalidade do plano de recuperação judicial, muito embora não possa adentrar aspectos relativos à viabilidade econômica da empresa[4]. Esse controle faz-se necessário principalmente em virtude da ausência de clareza quanto aos requisitos de validade do plano de recuperação judicial.

Sob essa ótica, é imprescindível a identificação desses requisitos de validade, orientando a conduta do devedor empresário e dos próprios credores, no sentido da propositura e aprovação de um plano de recuperação judicial que atenda a esses parâmetros de legalidade, minimizando a insegurança jurídica que paira sobre o tema.

Registra-se, por oportuno, que, por uma opção metodológica, não será abordado, neste trabalho, o plano especial para microempresas e empresas de pequeno porte, o qual apresenta especificidades próprias.

Feitas essas considerações, passa-se à análise da natureza jurídica do plano de recuperação judicial.

1  Natureza jurídica

A determinação da natureza jurídica do plano de recuperação judicial é indispensável para se delinearem os seus requisitos de validade, os quais se vinculam à categoria jurídica em que referido plano se enquadrar.

Conforme bem observa Amador Paes de Almeida, a Lei n. 11.101/​2005 criou uma polêmica no tocante à natureza jurídica do plano. Se, por um lado, houve um afastamento da concepção de favor legal concedido pelo Estado, que vigia sob a égide da concordata, por outro, houve a vinculação da minoria de credores à vontade da maioria, com a dispensa do consentimento da unanimidade. Para referido doutrinador, a despeito da existência de elementos próprios, a recuperação judicial teria natureza jurídica contratual. (ALMEIDA, 2008, p. 304-305).

Na mesma linha, Sérgio Campinho também entende que o plano de recuperação judicial tem índole contratual, com feição novativa, sendo que, ao seu ver, a vinculação do acordo à vontade da maioria e, não, à unanimidade, não afastaria essa natureza contratual[5].

Eduardo Secchi Munhoz (2005, p. 275), ao seu turno, pondera que, no âmbito da recuperação judicial, o processo negocial entre devedor empresário e seus credores detém características peculiares, estando fortemente sujeito à regulação da lei e ao controle do Judiciário, o que tornaria o plano incompatível com o regime contratual de direito privado. Ao seu ver, houve a manutenção de um processualismo ingênuo, na regulação do processo de negociação.

Não obstante referido posicionamento e ainda que se admita que o plano de recuperação judicial tenha especificidade próprias, entende-se que, na medida em que ele envolve a declaração de vontade do devedor empresário quanto aos meios de superação de sua crise econômico-financeira, destinando-se à produção de efeitos jurídicos por ele almejados (desde que de conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro), tal plano é, antes de mais nada, um negócio jurídico[6]. Ademais, como a sua aprovação vincula-se à declaração de vontade dos credores, por maioria (por cabeça e/​ou valor), não restam dúvidas quanto à sua bilateralidade e, por conseguinte, quanto à sua natureza contratual. Com efeito, somente mediante o consenso entre devedor, de um lado, e credores, de outro, é que o plano poderá produzir efeitos.

Definida a natureza jurídica do plano de recuperação judicial, torna-se imprescindível o exame das regras e dos princípios de direito contratual.

2  Regras e princípios de direito contratual

O caráter contratual do plano de recuperação judicial implica a sua subsunção às regras e princípios de direito contratual, identificados a partir do Código Civil. Por óbvio que a aplicação dessas regras e princípios deve ser conjugada com as normas jurídicas de direito concursal, dado às especificidades desse ramo do direito.

Princípios fundamentais do regime contratual são o da autonomia da vontade, o da obrigatoriedade dos contratos e o da relatividade de seus efeitos, os quais correspondiam às bases da teoria contratual sob a égide do Código Civil de 1916 e que tiveram a sua estrutura afetada pela nova filosofia introduzida pelo Código Civil de 2002 (MULHOLLAND, 2006, p. 257).

O princípio da autonomia da vontade liga-se à liberdade de contratar e, por conseguinte, ao poder de as partes fixarem o conteúdo do contrato e as normas que o regerão, vinculando-se, voluntariamente, aos seus efeitos. Tal princípio nunca foi absoluto, sendo que, mesmo à época do Código Civil anterior, já se vinculava aos preceitos de ordem pública e aos bons costumes, bem como ao dirigismo contratual, este último marcado pela intervenção estatal no âmbito do contrato.

No caso específico do plano de recuperação judicial, essa autonomia é ainda mais reduzida, não só pela necessária observância a preceitos legais estritos, mas, também, pelo fato de o plano repercutir na esfera de uma coletividade de credores e de terceiros que gravitam ao redor da empresa. Portanto, apesar de o devedor ter a liberdade para eleger os meios de recuperação que entender necessários ao seu soerguimento econômico-financeiro e de os credores sujeitos aos efeitos da recuperação judicial terem a liberdade para aprovar ou não o plano recuperatório, tal liberdade se submeterá a um rígido controle de legalidade por parte do Poder Judiciário que poderá culminar, inclusive, na decretação da quebra[7].

Outro aspecto que relativiza ainda mais a autonomia da vontade, no âmbito da recuperação judicial, é a vinculação dos credores sujeitos ao procedimento à vontade da maioria. Portanto, mesmo se determinados credores votarem contrariamente ao plano e ele for aprovado, estarão sujeitos aos efeitos desse plano, na hipótese de sua homologação judicial.

O princípio da obrigatoriedade dos contratos pode ser traduzido na máxima pacta sunt servanda, ou seja, o pactuado tem que ser cumprido. A partir do momento em que as partes (devedor e credores), valendo-se da autonomia da vontade, consentem em se vincular a determinadas estipulações, ainda que, no tocante aos credores, tal consentimento se dê por maioria e, não, por unanimidade, essas estipulações se tornam lei entre as partes, devendo ser respeitadas.

Sob a ótica do devedor empresário, a força do pacto fica clara no art. 61 da Lei n. 11.101/​2005, ao estabelecer que, havendo o descumprimento de obrigações assumidas no plano e que se vencerem nos dois anos seguintes à sua concessão, a recuperação judicial é convolada em falência. Nessa hipótese, o pacto se resolve e os credores têm “reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados” na recuperação judicial (art. 61, § 2º, da Lei n. 11.101/​2005).

Ademais, de acordo com o art. 62 da Lei n. 11.101/​2005, decorridos mais de dois anos da concessão da recuperação judicial, qualquer credor poderá pedir a execução específica do plano ou a decretação da falência, com base no art. 94, inciso III, do referido Diploma.

Sob a perspectiva dos credores, o plano implica novação dos créditos anteriores ao pedido[8]. Nesse contexto, uma vez deferida a recuperação judicial, os credores sujeitos ao procedimento não mais poderão cobrar os seus créditos nas condições originais, mas em consonância com os termos assumidos pelo devedor empresário no plano. A exceção dar-se-á na hipótese de descumprimento do plano, nos dois primeiros anos de sua concessão, já que, nessa situação, como dito, ocorrerá a decretação da quebra e o retorno das partes ao status quo ante.

O terceiro princípio fundamental do regime contratual tradicional seria o da relatividade dos efeitos do contrato, no sentido de que esses se limitariam às partes, não afetando terceiros.

O princípio da relatividade dos efeitos do contrato não é absoluto. No caso da recuperação judicial, a aplicação desse princípio é ainda mais relativa, se considerado que os efeitos do plano extrapolam as partes (devedor e credores sujeitos ao plano), alcançando a esfera jurídica de terceiros que não participam diretamente do procedimento, cujos direitos e interesses são delimitados pelo princípio da preservação da empresa e por regras que visam ao resguardo da atividade econômica.

Os três princípios basilares do direito contratual em comento, hoje, não podem mais ser aplicados sem a ponderação de outros dois princípios positivados pelo Código Civil em vigor. Trata-se da boa-fé, ligada à eticidade, e da função social do contrato, ligada à socialidade[9].

A boa-fé comporta duas faces: a subjetiva e a objetiva. A primeira delas relaciona-se com um “estado de consciência ou convencimento individual de obrar a parte conforme o direito”. (FORGIONI, 2003, p. 26). Envolve a ideia de ignorância, de desconhecimento acerca de dada situação, cuja antítese é a má-fé (MARTINS-COSTA, 1999, p. 411-412). A faceta objetiva, por sua vez, liga-se a um padrão de comportamento, a um poder-dever de cada um no sentido de ajustar a sua conduta às exigências de honestidade, lealdade, probidade. Entre as inúmeras remissões à boa-fé, no seu perfil objetivo, interessam, no âmbito do direito concursal, os art. 113, 187 e 422 do Código Civil.

O art. 113 do Diploma Civil, ao dispor que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, não acrescentou nada de novo no que tange às relações jurídicas empresariais, haja vista o que já preceituava o revogado art. 131 do Código Comercial.

 O art. 187 do Código Civil, por sua vez, refere-se à ilicitude de um comportamento que exceda os limites impostos pela boa-fé e os bons costumes, vedando, por exemplo, o exercício abusivo do direito de voto relativo ao plano de recuperação judicial, por um ou mais credores, bem como a aprovação de planos que impliquem um locupletamento do devedor empresário em detrimento dos credores sujeitos à recuperação judicial[10].

Por fim, o art. 422 do Código Civil, ao dispor que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, cuida de uma função supletiva da boa-fé, na medida em que supre o “vínculo jurídico entre as pessoas com deveres de conduta que o tornam mais solidário, cooperativo”. (GODOY, 2006, p. 59).

Partindo-se dessas premissas, verifica-se servir o princípio da boa-fé objetiva, no âmbito do plano de recuperação judicial, a possibilitar uma divisão equilibrada dos ônus entre devedor empresário e credores, prestando-se ao controle de cláusulas e condições abusivas[11].

Registra-se que a boa-fé objetiva também deverá estar presente na conduta dos credores que, ao exercerem o direito de voto, não podem abusar de tal direito, sob pena de nulidade[12].

Outro princípio incorporado ao Código Civil, em seu art. 421, é o da função social do contrato, de acordo com o qual a “liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Trata-se de uma extensão do princípio da função social da propriedade, que coloca as avenças num plano que suplanta o individualismo, a fim de que atendam aos interesses das partes contratantes, mas sem conflitar com os interesses da coletividade.

Analisando tal princípio sob o prisma da recuperação judicial, vê-se que o objetivo é o de impedir que o plano de recuperação judicial se torne um instrumento de abuso, devendo resguardar não só os direitos e os interesses daqueles diretamente envolvido na avença (devedor e credores), mas, também, o de todos aqueles que gravitam ao redor da empresa[13]. Aludido princípio liga-se ao próprio princípio da preservação da empresa, a ser abordado no item subsequente, juntamente com as demais normas jurídicas atinentes ao plano de recuperação judicial, previstas na Lei n. 11.101/​2005.

3  Regras e princípios da Lei n. 11.101/​2005

Apesar de a Lei n. 11.101/​2005 não ser clara e conter lacunas quanto aos requisitos de validade do plano de recuperação judicial, é possível identificar regras e princípios que deverão ser considerados tanto na elaboração do plano, quanto na sua aprovação pelos credores.

Entre os princípios que regem a Lei n. 11.101/​2005, merecem posição de destaque o princípio da preservação da empresa, atrelado à sua função social, bem como o princípio da pars conditio creditorum.

A função social da empresa decorre de uma concepção mais ampla da função social da propriedade (art. 5º, inciso XXIII e art. 170, inciso III, ambos da Constituição brasileira), a qual abrange os bens de produção[14]. Tal princípio corresponde a uma imposição de deveres positivos ao condutor da empresa, no sentido dele usar do seu poder para realizar os interesses da coletividade, promovendo o bem-estar geral (COMPARATO, 1986, p. 76)[15].

O princípio da preservação da empresa encontra-se positivado no art. 47 da Lei n. 11.101/​2005, o qual visa incentivar a superação da crise econômico-financeira do devedor empresário, permitindo a preservação da atividade econômica, cuja função social conduz ao resguardo da pluralidade de interesses envolvidos ao seu redor (credores, trabalhadores, consumidores e toda uma coletividade). Não se trata aqui de preservar o devedor empresário, mas de viabilizar a continuidade no próprio exercício da atividade econômica recuperável, ainda que isso implique o afastamento ou a mudança do seu titular.

O princípio da pars conditio creditorum, por sua vez, apregoa o tratamento igualitário entre os credores, estando respaldado no caput do art. 5º da Constituição brasileira de 1988, o qual visa resguardar a igualdade material e não apenas a isonomia formal. No plano infraconstitucional, o Código Civil, em seu art. 957, consagra referido princípio, ao estabelecer que, na ausência de “título legal à preferência, terão os credores igual direito sobre os bens do devedor comum”.

No tocante à Lei n. 11.101/​2005, dito princípio é refletido, no âmbito da falência, no art. 126, que estabelece a conformidade da decisão judicial à igualdade de tratamento dos credores, naquelas relações patrimoniais não reguladas expressamente na aludida Lei[16]. Tal igualdade de tratamento é aplicada a partir da distribuição dos credores em classes, para fins de pagamento, de acordo com a natureza dos respectivos créditos e, em especial, a partir do critério da proporcionalidade de pagamento, acaso não haja recursos suficientes à completa satisfação dos créditos de uma mesma classe.

Com relação à recuperação judicial, o art. 58, § 2º, do aludido Diploma Legal veda o tratamento diferenciado entre credores da classe que houver rejeitado o plano[17]. Por outro lado, o art. 54 da citada Lei concedeu tratamento privilegiado aos créditos derivados da legislação do trabalho e decorrentes de acidentes de trabalho, estabelecendo que o prazo de pagamento não poderá ser superior a 1 (um) ano. Ademais, quanto aos créditos estritamente salariais, vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação, a previsão de pagamento não poderá ultrapassar 30 (trinta) dias.

À exceção de tais dispositivos, houve uma omissão legislativa no tocante ao princípio da pars conditio creditorum na recuperação judicial, sendo que, ao contrário do que ocorreu na falência, a distribuição dos credores em classes não se deu para fins de pagamento, mas para o exercício do direito de voto. Em acréscimo e a não ser pelo disposto no mencionado art. 58 da Lei em comento, não há qualquer proibição expressa de tratamento desigual entre os credores (COELHO, 2012, p. 108-109).

Isso gera um problema grave quanto à recuperação judicial, visto que essa lacuna dá margem a abusos, já tendo sido identificados casos de planos que previam tratamento diferenciado entre credores de mesma classe, sem qualquer critério justificável, beneficiando a maioria necessária à sua aprovação, em detrimento da minoria dispensável para tal fim[18].

A despeito dessa omissão, doutrina e jurisprudência têm entendido pela aplicação do princípio aqui tratado na recuperação judicial, sendo que, como regra, credores titulares de créditos de uma mesma classe, que tenham características homogêneas, devem receber tratamento igualitário. A propósito, o Tribunal de Justiça de São Paulo, em reiterados acórdãos, tem repudiado a criação de subclasses, dentro de uma mesma classe, em condições gerais, o que serviria à manipulação de quórum para viabilizar a aprovação artificiosa do plano. Com efeito, como regra, a distinção somente deverá ser permitida na hipótese de credores parceiros, em que o tratamento diferenciado representa uma contrapartida a um benefício ao próprio devedor empresário, que contribua para o exercício de sua atividade e, por conseguinte, à superação de sua crise econômico-financeira (SÃO PAULO, 2016a).

Além dos princípios ora abordados, a Lei n. 11.101/​2005 estabelece algumas regras relativas ao plano de recuperação judicial, entre as quais a do mencionado art. 54, que cuida do crédito trabalhista e decorrente de acidente de trabalho, bem como a do art. 58, § 2º, ligado ao princípio da isonomia dos credores.

Ainda sobre o plano, o art. 53 da citada Lei dispõe que ele deverá conter: “I – discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados; II – demonstração de viabilidade econômica; e III – laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor empresário, devidamente subscrito por profissional habilitado ou empresa especializada”.

De acordo com o art. 49 da mencionada Lei, o plano deverá abranger “todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. As exceções estão nos §§ 3º e 4º do aludido artigo. Ainda em consonância com o art. 49 aqui tratado, os “credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”.

Embora se discorde da limitação dos efeitos novativos do plano ao próprio devedor empresário, porquanto a novação representa modalidade extintiva da obrigação, partindo-se da exegese desse art. 49, bem como do art. 59 da Lei n. 11.101/​2005, a jurisprudência tem reconhecido a nulidade de cláusula que estabeleça a extinção das garantias pessoais prestadas pelo devedor empresário ou por seus sócios/​titulares, por entender que seria contra legem[19]. De igual modo, em se tratando de credor com garantia real, qualquer previsão, no plano, de alienação, supressão ou substituição da garantia vincula-se à aprovação de referido credor e qualquer cláusula que exclua tal aprovação também será invalidada[20]. A exceção, segundo recente orientação jurisprudencial, dá-se quando o credor titular da garantia fidejussória ou real se sujeitar ao procedimento recuperatório, hipótese em que, mesmo sem a sua aceitação, se a alienação, supressão ou substituição da garantia for aprovada em assembleia geral de credores, no âmbito do plano de recuperação judicial, estará autorizada[21]. A justificativa liga-se ao art. 49, § 2º, da Lei n. 11.101/​2005, segundo o qual as obrigações contraídas antes da recuperação judicial “observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei”, a não ser que “de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial”.

Com relação aos créditos em moeda estrangeira, “a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano”[22].

Já na assembleia geral de credores, voltada para a deliberação acerca do plano, ele poderá ser modificado, desde que haja o consentimento do devedor empresário e a alteração não implique “diminuição dos direitos exclusivamente dos credores ausentes”[23].

Por fim, consoante o art. 61, § 1º, da Lei n. 11.101/​2005, já abordado anteriormente, na hipótese de descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação judicial, nos dois primeiros anos da concessão do benefício, haverá a convolação da recuperação judicial em falência, o que independe de deliberação assemblear. Sob essa ótica, qualquer previsão no plano que vincule a convolação em falência à prévia aprovação da deliberação em assembleia também é considerada nula. Além disso, também será considerada nula qualquer disposição que estipule a convolação em falência somente após o inadimplemento ou a mora quanto a um determinado número de parcelas de pagamento, o que viola, frontalmente, o dispositivo legal em comento.

Portanto, é a partir da conjugação das normas jurídicas que regem a Lei n. 11.101/​2005 com aquelas do direito contratual que se identificam os requisitos de validade do plano de recuperação judicial abordados a seguir, cuja não observância, a depender da extensão, pode implicar a invalidação do próprio plano.

4  Requisitos de validade

Como mencionado, o plano de recuperação judicial tem natureza jurídica contratual, submetendo-se aos requisitos de validade dos negócios jurídicos em geral. Segundo o art. 104 do Código Civil, a “validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei”.

No que se refere à capacidade de fato, está ligada à aptidão do devedor para exercer, pessoalmente, os seus direitos e contrair obrigações. O fato de o devedor ser capaz, sob a ótica da legislação civil, não significa, necessariamente, que esteja legitimado a requerer sua recuperação judicial.

Isso porque somente o devedor que se enquadre no conceito de empresário, à luz do art. 966, caput, do Código Civil, se sujeita à disciplina da Lei n. 11.101/​2005 e, portanto, poderá requerer o benefício da recuperação judicial[24].

Aliás, mesmo que se enquadre no conceito de devedor empresário, a Lei n. 11.101/​2005 excluiu do seu âmbito de abrangência, total ou parcialmente, as entidades previstas em seu art. 2º, a saber: I - empresa pública e sociedade de economia mista; II - instituição financeira, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

Ressalta-se, ainda, que o art. 48 da Lei n. 11.101/​2005 estabelece requisitos adicionais ao pedido de recuperação judicial pelo devedor empresário, a saber: exercício regular da atividade há mais de 2 (dois) anos; não ser falido e, se o foi, ter declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial especial para microempresas e empresas de pequeno porte; não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei n. 11.101/​2005.

Observa-se, pois que, mesmo com o enquadramento do devedor no conceito de empresário, o não preenchimento de qualquer dos requisitos acima implicará o afastamento do benefício da recuperação judicial.

Interessa, mais, no escopo deste trabalho, o segundo requisito previsto no art. 104 do Código Civil, qual seja, “objeto lícito, possível, determinado ou determinável”. Isso porque é precisamente no tocante ao objeto do plano que reside o maior problema para a concessão da recuperação judicial, dado à alardeada falta de clareza da Lei n. 11.101/​2005. E, a despeito da aprovação do plano em assembleia geral de credores ou da ausência de objeção por parte dos credores, ao exercer o controle de legalidade, o Poder Judiciário poderá declarar a nulidade de determinadas cláusulas e condições do plano ou do próprio plano, a depender da extensão da ilicitude do objeto.

Por óbvio que, naquelas situações em que a afronta for direta a uma regra jurídica prevista na Lei n. 11.101/​2005, não será difícil a identificação da ilegalidade. A complexidade maior ocorre nos casos em que a possível violação se dá em relação a princípios, em especial aos princípios da boa-fé objetiva, da função social da empresa, da sua preservação, bem como ao princípio da isonomia, na medida em que a análise deverá se dar de forma casuística.

De todo modo, partindo-se de uma análise jurisprudencial, é possível fixar alguns parâmetros mínimos a nortear tanto a conduta do devedor empresário quanto a dos credores, no que se refere ao plano de recuperação judicial, minimizando a insegurança jurídica ao redor do tema.

Como mencionado, a primeira regra a ser observada pelo devedor empresário é no sentido de não incluir qualquer cláusula ou condição que seja contrária ao disposto na Lei n. 11.101/​2005, o que, inevitavelmente, conduzirá à invalidação pelo Poder Judiciário. É o caso, por exemplo, da previsão que submeta, à prévia deliberação assemblear, a decretação da quebra do empresário na eventualidade de descumprimento do plano, já abordada. Tal determinação implicaria usurpação de atribuição judicial, com violação ao disposto nos arts. 61 e 73 da Lei n. 11.101/​2005[25]. Da mesma forma, a estipulação de extinção das ações e execuções em curso quanto à recuperanda, relativamente a créditos sujeitos ao plano, é nula, já que extrapola os limites da lide. Tal pedido deverá ser formulado perante os juízos em que tramitam ditas ações e execuções.

Quanto ao princípio da boa-fé objetiva, a tônica é o repúdio à fraude e ao abuso de direito. Nesse contexto, qualquer condição que vise à manipulação de quórum de votação para a aprovação do plano de recuperação judicial, enquanto fraudulenta, será combatida. Registra-se, ainda, que a fraude aos interesses dos credores é causa não só de afastamento do devedor empresário individual e de administradores da pessoa jurídica devedora da gestão empresarial, mas, também, configura crime, nos termos do art. 168 da Lei n. 11.101/​2005[26].

Quanto ao abuso de direito, estará presente sempre que não observada a justa distribuição dos ônus da recuperação judicial, de modo a se impor um sacrifício excessivo aos credores em benefício do próprio devedor empresário. A recuperação judicial não pode se prestar ao enriquecimento do devedor empresário, mas é um processo em que tanto devedor quanto credores perdem em prol de um interesse maior, que é o da preservação da empresa economicamente viável. E, com a preservação da empresa, paradoxalmente, todos ganham.

Portanto, deverão ser invalidadas as cláusulas que estabelecem: deságios injustificados; perpetuação da dívida e/​ou o seu alongamento para além do prazo necessário ao soerguimento econômico-financeiro do devedor empresário; vinculação do pagamento a um percentual de faturamento, sem delimitação do prazo para a satisfação integral dos créditos; exclusão de correção monetária sem que haja uma contrapartida, como, por exemplo, a previsão de juros ou a própria redução do prazo de pagamento; modificação do plano a qualquer tempo; carência excessiva e imotivada para o início dos pagamentos. As cláusulas aqui tratadas são meramente exemplificativas, de modo que podem ocorrer outras situações de abuso.

Ao lado do princípio da boa-fé objetiva, os princípios da preservação da empresa e de sua função social também têm balizado o controle de legalidade que é promovido pelo Poder Judiciário, reforçando a possibilidade de desconsideração de votos dos credores que desaprovam o plano, em razão do abuso de direito.

Tais princípios também têm servido de embasamento para a admissão da figura do credor colaborador. Com efeito, a concessão de privilégios a credores que contribuem para a manutenção da atividade produtiva e a superação da crise econômico-financeira da empresa não tem sido considerada uma violação ao princípio da isonomia, mas, ao contrário, uma efetivação da igualdade substancial, fazendo valer os princípios da preservação da empresa e sua função social.

É, ainda, com base nos princípios da preservação da empresa e sua função social, que o juiz concederá a recuperação judicial, mediante a aplicação do quórum alternativo previsto no art. 58, § 1º, da Lei n. 11.101/​2005[27].

Não obstante o entendimento jurisprudencial pacificado seja no sentido de que o Poder Judiciário não pode adentrar a viabilidade econômica da empresa, por óbvio que se o plano não for voltado para a preservação da atividade econômica, mas, sim, para o encerramento das atividades do devedor empresário, a recuperação judicial não poderá ser deferida, porquanto a sua finalidade essencial terá sido descumprida. Todavia, nessa hipótese, a falência não deverá ser decretada, sendo que o processo deverá ser julgado extinto, sem resolução do mérito, por ausência de pressuposto processual de desenvolvimento válido e regular do processo (art. 485, inciso IV, do Código de Processo Civil).

Por fim, vale mencionar que os princípios da preservação da empresa e de sua função social são relativos e devem ser contrabalanceados com outros valores e princípios, não autorizando, por exemplo, a imposição de um sacrifício excessivo aos credores.

Com relação ao princípio da pars conditio creditorum, viu-se que a principal discussão diz respeito à criação de subclasses, com condições distintas de pagamento. Como regra, essa medida não tem sido tolerada, especialmente quando a distinção de tratamento é suscitada entre credores homogêneos. A exceção tem se dado em função dos credores colaboradores que, efetivamente, contribuem para a superação da crise. O tratamento privilegiado aqui se justifica ante a existência de uma contrapartida pelos próprios credores, o que resguardaria a lógica aristotélica do princípio da igualdade. É claro que esse tratamento privilegiado não pode implicar a imposição de um demasiado sacrifício aos demais credores, visto que se instauraria um desiquilíbrio na distribuição dos ônus da recuperação judicial.

Nota-se, portanto, que a aferição da legalidade ou não do plano de recuperação judicial não é tarefa simples, demandando uma análise casuística e um sopesamento de princípios que regem o instituto.

Ressalta-se, por fim, quanto a esse ponto, que, sempre que possível, o Poder Judiciário manterá a validade do plano, decretando tão somente a nulidade daquelas cláusulas e condições que estejam em desacordo com o ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, naqueles casos em que as nulidades são da essência do plano, deverá ser oportunizada ao devedor empresário a apresentação de novo plano, em consonância com as exigências legais, ao invés de se decretar diretamente a sua falência, em respeito aos princípios da preservação da empresa e de sua função social. Tanto que o art. 73 da Lei n. 11.101/​2005 não prevê essa hipótese como ensejadora da convolação da recuperação judicial em falência[28].

O último requisito de validade previsto no art. 104 do Diploma Civil refere-se à “forma prescrita ou não defesa em lei”. No caso do plano de recuperação judicial, a exigência é de que ele seja apresentado por escrito (instrumento público ou particular), devendo conter a discriminação dos meios de recuperação judicial, a demonstração de sua viabilidade econômica e o laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativo do devedor.

Uma vez presentes todos os requisitos e cumpridas as exigências legais, a recuperação judicial deverá ser concedida ao devedor empresário.

Conclusão

Ante a natureza jurídica contratual do plano de recuperação judicial, verificou-se que a sua validade vincula-se aos requisitos previstos para os negócios jurídicos, insculpidos no art. 104 do Código Civil.

Entre tais requisitos, o desafio maior reside na licitude do objeto, uma vez que o seu atendimento depende da observância das regras jurídicas previstas na Lei n. 11.101/​2005, bem como dos princípios de direito contratual e de direito concursal, que devem ser contrabalanceados, resguardando-se o equilíbrio dos direitos e interesses de todos aqueles que gravitam ao redor da empresa, com o consequente abandono ao foco exclusivo na relação devedor-credores.

Por envolver o balanceamento de princípios e não só a aferição de regras objetivas, sempre haverá um grau de subjetividade no controle de legalidade exercido pelo Poder Judiciário.

Contudo, o devedor empresário minimizará os riscos de invalidação do seu plano de recuperação judicial se pautar a sua proposta no respeito à igualdade material entre os credores, bem como na justa distribuição dos ônus, de modo que tanto ele quanto os credores façam concessões em relação aos seus direitos, para que possam ganhar com a preservação de um interesse maior, que é a empresa.

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. Recebido em: 3 abr. 2017. Avaliado em: 12 maio e 02 jun. 2017.

[1]   Para fins deste trabalho, incluem-se, no conceito de devedor empresário, o empresário individual, a sociedade empresária e a empresa individual de responsabilidade limitada que exerça atividade empresária (art. 966 do Código Civil).

[2]  O art. 57 da Lei n. 11.101/​2005 preceitua o seguinte: “Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional”.

[3]   Sobre a exclusão de determinados créditos dos efeitos da recuperação judicial, o art. 49, § 3º e 4º, da Lei n. 11.101/​2005, assim estabelece: “Art. 49. […] § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. § 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei. […]”.

[4]  A esse respeito, vale registrar que, na I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, foram aprovados os Enunciados ns. 44 e 46, que traduzem esse entendimento. De acordo com o primeiro deles, “A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle de legalidade”. Consoante o Enunciado n. 46, “Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores”. Nesse sentido, consultar o Agravo de Instrumento n. 2174259-81.2016.8.26.0000, da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo acórdão faz alusão a diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, sintetizando essa orientação jurisprudencial. (SÃO PAULO, 2016b).

[5]  De acordo com referido doutrinador: “Na recuperação judicial prevalece a autonomia privada da vontade das partes interessadas para alcançar a finalidade recuperatória. O fato de o plano de recuperação encontrar-se submetido a uma avaliação judicial não lhe retira essa índole contratual. A concessão, por sentença, da recuperação judicial, não tem qualquer repercussão sobre o conteúdo do plano estabelecido entre as partes interessadas (devedor e seus credores), porquanto a decisão encontra-se vinculada a esse conteúdo. Com efeito, o controle judicial do plano de recuperação judicial possibilita excluir eventuais objeções em face de sua validade. O procedimento de concessão judicial contribui para a redução das fontes de erros durante a sua celebração, bem como permite aos credores a oportunidade de verificar se seus interesses não foram prejudicados, além de dotá-lo de força executiva. […] Por isso, em nossa visão, o instituto da recuperação judicial deve ser visto com a natureza de contrato judicial, com feição novativa, realizável através de um plano de recuperação, obedecidas por parte do devedor, determinadas condições de ordens objetiva e subjetiva para sua implementação. A perfectibilidade do acordo não exige a manifestação unânime das vontades dos credores, capaz de obrigar a minoria. (CAMPINHO, 2006, p. 12-13).

[6]  Sobre os negócios jurídicos, vale transcrever os ensinamentos de Zeno Veloso: “Negócio jurídico não é, somente, ato voluntário, mas ato que decorre da declaração de vontade, que pode ser unilateral ou bilateral. Declaração de vontade é manifestação de vontade qualificada, destinada a produzir efeitos jurídicos. Nenhum outro instituto expressa, com tanta nitidez, a liberdade humana quanto o negócio jurídico, dando sentido, concretude (ou concretitude, como prefere o mestre Miguel Reale) e efeitos práticos à autonomia da vontade, à auto-regulamentação de interesses privados. Os contratos, por excelência, são negócios jurídicos. Dentre os atos unilaterais, exemplo capital de negócio jurídico é o testamento”. (VELOSO, 1995).

[7]  De acordo com o caput do art. 58 da Lei n. 11.101/​2005: “Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia geral de credores na forma do art. 45 desta Lei”.

[8]  Nesse sentido, o caput do art. 59 da Lei n.11.101/​2005 preceitua que: “O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei”.

[9]  Os princípios basilares que nortearam o Código Civil de 2002 foram os princípios da eticidade, socialidade e operabilidade, os quais refletem uma dimensão social, em contraposição à visão individualista que marcou o Código Civil de 1916.

[10] A esse respeito, é elucidativo o acórdão proferido nos autos do Recurso Especial n. 1.359.311, assim ementado: “DIREITO EMPRESARIAL. PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. APROVAÇÃO EM ASSEMBLEIA. CONTROLE DE LEGALIDADE. VIABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. CONTROLE JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Cumpridas as exigências legais, o juiz deve conceder a recuperação judicial do devedor cujo plano tenha sido aprovado em assembleia (art. 58, caput, da Lei n. 11.101/​2005), não lhe sendo dado se imiscuir no aspecto da viabilidade econômica da empresa, uma vez que tal questão é de exclusiva apreciação assemblear. 2. O magistrado deve exercer o controle de legalidade do plano de recuperação - no que se insere o repúdio à fraude e ao abuso de direito -, mas não o controle de sua viabilidade econômica. Nesse sentido, Enunciados n. 44 e 46 da I Jornada de Direito Comercial CJF/​STJ”. (BRASIL, 2014).

[11] A esse respeito, vale transcrever os ensinamentos de Daniel Carnio Costa: “A recuperação judicial deve ser boa para o devedor, que continuará produzindo para o pagamento de seus credores, ainda que em termos renegociados e compatíveis com sua situação econômica. Mas também deverá ser boa para os credores, que receberão os seus créditos, ainda que em novos termos e com a possibilidade de eliminação desse prejuízo no médio ou longo prazo, considerando que a recuperanda continuará a negociar com seus fornecedores”. (COSTA, 2015, p. 25).

[12] Sobre esse assunto, é esclarecedor o seguinte trecho do acórdão proferido pela 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Verifica-se, outrossim, que os credores que rejeitaram o plano somente três dentre os vinte e cinco presentes representam 73,86% dos créditos presentes na AGC, a revelar a dificuldade de aprovação de qualquer plano sem a concordância dos mesmos. Disso resulta que o voto desses credores na Assembleia Geral de Credores realizada decidiria o destino da empresa recuperanda, aprovando o plano apresentado e concedendo a recuperação ou rejeitando-o, com a consequente decretação de sua quebra. Conclui-se, portanto, que as objeções ao plano apresentadas pelas instituições financeiras devem ser analisadas com cautela. Isso porque o direito de voto a ser exercido pelos credores não pode ultrapassar o limite imposto pelos fins social, econômico, a boa-fé ou os bons costumes, revelando-se, nestes casos, abuso de direito. […] O instituto do abuso de direito positivado no artigo 187 do Código Civil/​2002, configura como ato ilícito, o exercício de um direito pelo titular que excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. E ainda, conforme o entendimento esposado no Enunciado no 45 da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (CJF), O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito. […] A própria dificuldade financeira que fundamenta o pedido de recuperação judicial revela, de per si, a impossibilidade de pagamento dos credores na forma e tempo contratados, não sendo possível, a qualquer dos credores, supor que as obrigações serão cumpridas conforme indicado nos contratos celebrados. Assim considerado, a rejeição injustificada somente por parte das instituições financeiras revela-se abusiva, uma vez que impede a recuperação da empresa que apresenta condições mínimas de se manter produtiva e em atividade, cumprindo o seu papel social e econômico”. (SÃO PAULO, 2014).

[13] Sobre a pluralidade de interesses que gravitam ao redor da empresa, Sheila Christina Neder Cerezetti esclarece: “Não cabe dizer, ademais, que o procedimento de recuperação judicial só envolveria interesses privados. Conforme demonstrado acima, importante alteração no sistema concursal brasileiro refere-se justamente à valorização conferida ao conjunto de interesses abrangidos pela sociedade empresária, os quais não se resumem a interesses particulares, e ao reconhecimento de um verdadeiro interesse público na preservação da empresa. Além disso, a repercussão social e econômica decorrente dos procedimentos tendentes a superar uma situação de crise econômica empresarial alcança níveis de grande amplitude. Os interesses da comunidade e da economia como um todo bem como a possibilidade de se atingir uma cadeia de crédito e indivíduos ou grupos não diretamente ligados à empresa demonstram a existência de relevantes interesses abrangidos pela recuperação de uma empresa viável – o que dá ensejo à legitimidade da intervenção do Ministério Público no processo”. (CEREZETTI, 2012, p. 340).

[14] O art. 5º, inciso XXII da Constituição brasileira preceitua que “a propriedade atenderá a sua função social”.

[15] No início do referido artigo, às fl. 71, o aludido autor explica que a ideia de função social da propriedade foi incorporada ao direito positivo pela Constituição Weimar, em 1919, que, em seu art. 153, dispunha que “a propriedade obriga”. Raquel Sztajn chama a atenção para outra faceta da expressão “função social da empresa” que, no ordenamento italiano, à época do fascismo, servia como um facilitador à intervenção e/​ou controle do Estado sobre a atividade econômica. A função social, portanto, historicamente, estaria ligada a regimes não-democráticos. (SZTAJN, 2005, p. 31).

[16] O art. 126 da Lei n. 11.101/​2005 dispõe que: “Nas relações patrimoniais não reguladas expressamente nesta Lei, o juiz decidirá o caso atendendo à unidade, à universalidade do concurso e à igualdade de tratamento dos credores, observado o disposto no art. 75 desta Lei”.

[17] O art. 58, § 2º, da Lei n. 11.101/​2005 dispõe que: “A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1o deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado”.

[18] Sobre esse risco, alertaram Felipe Evaristo dos Santos e Igor Silva de Lima: “Assim, os credores minoritários permanecem sujeitos ao risco de terem imposto contra si um plano que lhes confira injustificadamente tratamento desfavorável em comparação com aquele concedido a outros credores que, agindo em concerto entre si e com o devedor para atingirem as maiorias legais, venham a aprovar o referido plano. Deste modo, em uma concepção moderna e adequada às modificações promovidas pela LFR, o princípio da par conditio creditorum passaria a funcionar também como mecanismo de proteção de credores dissidentes contra eventuais abusos ou fraudes que credores majoritários pretendam perpetrar no curso da recuperação judicial, notadamente em relação ao conteúdo do plano”. (GALEA; LIMA, 2015, p. 150).

[19] O § 1º do art. 49 da Lei n. 11.101/​2005 dispõe que “Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”. O caput do art. 59, por sua vez, preceitua que: “O plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1º do art. 50 desta Lei”. A propósito, a Súmula 581 do Superior Tribunal de Justiça tem o seguinte enunciado: “A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.

[20] O § 1º do art. 50 da Lei n. 11.101/​2005 estabelece que: “Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”.

[21] A propósito, cita-se recente acórdão do Superior Tribunal de Justiça, proferido nos autos do Recurso Especial n. 1.532.943 e que restou assim ementado: “RECURSO ESPECIAL. CONTROLE JUDICIAL DE LEGALIDADE DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APROVADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. POSSIBILIDADE, EM TESE. PREVISÃO DE SUPRESSÃO DAS GARANTIAS FIDEJUSSÓRIAS E REAIS NO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DEVIDAMENTE APROVADO PELA ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES. VINCULAÇÃO, POR CONSEGUINTE, DA DEVEDORA E DE TODOS OS CREDORES, INDISTINTAMENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. […] 3. Inadequado, pois, restringir a supressão das garantias reais e fidejussórias, tal como previsto no plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia geral, somente aos credores que tenham votado favoravelmente nesse sentido, conferindo tratamento diferenciado aos demais credores da mesma classe, em manifesta contrariedade à deliberação majoritária. 3.1 Por ocasião da deliberação do plano de recuperação apresentado, credores, representados por sua respectiva classe, e devedora procedem às tratativas negociais destinadas a adequar os interesses contrapostos, bem avaliando em que extensão de esforços e renúncias estariam dispostos a suportar, no intento de reduzir os prejuízos que se avizinham (sob a perspectiva dos credores), bem como de permitir a reestruturação da empresa em crise (sob o enfoque da devedora). E, de modo a permitir que os credores ostentem adequada representação, seja para instauração da assembleia geral, seja para a aprovação do plano de recuperação judicial, a lei de regência estabelece, nos arts. 37 e 45, o respectivo quórum mínimo. 4. Na hipótese dos autos, a supressão das garantias real e fidejussórias restou estampada expressamente no plano de recuperação judicial, que contou com a aprovação dos credores devidamente representados pelas respectivas classes (providência, portanto, que converge, numa ponderação de valores, com os interesses destes majoritariamente), o que importa, reflexamente, na observância do § 1o do art. 50 da Lei n. 11.101/​2005, e, principalmente, na vinculação de todos os credores, indistintamente. 5. Recurso especial provido”. (BRASIL, 2016).

[22] Nesse sentido, o art. 50, § 2º, da Lei n. 11.101/​2005.

[23] É o que estipula o art. 56, § 3º, da Lei n. 11.101/​2005.

[24] O art. 966 do Código Civil estipula o seguinte: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.

[25] O art. 73 da Lei n. 11.101/​2005 trata das hipóteses de convolação da recuperação judicial em falência, a saber: I - por deliberação da assembleia geral de credores; II - pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo legal; III - pela não aprovação do plano de recuperação; IV - por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1º do art. 61 da Lei n. 11.101/​2005.

[26] O art. 64 da Lei n. 11.101/​2005 dispõe que: “Durante o procedimento de recuperação judicial, o devedor ou seus administradores serão mantidos na condução da atividade empresarial, sob fiscalização do Comitê, se houver, e do administrador judicial, salvo se qualquer deles: […] III - houver agido com dolo, simulação ou fraude contra os interesses de seus credores; […].” O art. 168, ao seu torno, estabelece o seguinte: “Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. […]”.

[27] O art. 58 da Lei n. 11.101/​2005 dispõe o seguinte: “Art. 58. […] § 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa: I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/​3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei. […]”.

[28] A propósito, consultar o Recurso Especial n. 1.587.559, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão. (BRASIL, 2017).