LIBERDADE COMO NÃO DOMINAÇÃO E POLÍTICAS ANTITRUSTE.

Leandro Martins Zanitelli

Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Adjunto na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

leandrozanitelli@gmail.com.

RESUMO: O artigo versa sobre as implicações do republicanismo de Philip Pettit para o mercado. Mais precisamente, testa-se a coerência da sugestão de que o ideal da liberdade como não dominação é compatível com o mercado, mas requer medidas de combate a monopólios. Apesar da originalidade da abordagem republicana para o tema do mercado (em sintonia com concepções relacionais de justiça), argumenta-se que as suas implicações para as políticas antitruste são duvidosas. Primeiro, não está claro que os monopólios sejam um caso de dominação. Segundo, mesmo que o sejam, há razões para duvidar que o republicanismo requeira políticas antitruste indiscriminadamente agressivas.

PALAVRAS-CHAVE: Republicanismo; Neorrepublicanismo; Liberdade como Não Dominação; Mercado; Monopólios; Antitruste; Pettit

Freedom as non-domination and antitrust policies

ABSTRACT: The paper deals with the consequences of Philip Pettit’s republicanism for the market. More particularly, it assesses the coherence of affirming that the ideal of freedom as non-domination, although compatible with the market, requires strong measures against monopolies. In spite of its originality, it is argued that the implications of the republican approach for antitrust policy are uncertain. First, it is not clear that monopolies give place to domination. Second, even if monopolies are dominating forces, there are reasons to challenge the view that republicanism would require indiscriminate and aggressive fighting against them.

KEYWORDS: Republicanism; Neo-Republicanism; Freedom as Non-Domination; Market; Monopolies; Antitrust; Pettit.

Introdução[1]

Nos últimos anos, autores como Philip Pettit (1997; 2012; 2014) e Quentin Skinner (1978; 1988) têm procurado reavivar o pensamento político republicano. Central para os novos republicanos[2] é o conceito de liberdade como não dominação, que difere tanto da liberdade (liberal) como não interferência quanto do que Benjamin Constant (1819) chamou de “liberdade dos antigos”, a liberdade de participação política.

Uma curiosidade despertada pelo ideal republicano de liberdade é sobre as suas implicações de política: o que deve ser feito para que a dominação seja, se não abolida, ao menos mitigada? Indaga-se, por exemplo, sobre as implicações do republicanismo para as atuais sociedades capitalistas de mercado caracterizadas pelas grandes corporações.

Este artigo recolhe algumas contribuições de autores simpáticos ao republicanismo sobre os temas da dominação e do mercado. Mais precisamente, testa-se a seguir a coerência de pontos-de-vista republicanos acerca dos monopólios. Para os fins da análise, considera-se como poder monopolista o poder de estipular preços acima dos competitivos. Esse poder se verifica de modo permanente, quando há um único fornecedor, ou uma colusão estável entre fornecedores, ou circunstancial, como, por exemplo, no caso do náufrago que só conta com um navio para socorrê-lo. Têm-se em vista aqui, portanto, tanto os monopólios ditos estruturais (isto é, permanentes) quanto os situacionais (ou circunstanciais).

Monopólios costumam ser tratados pelos republicanos com suspeita. Como os monopólios parecem constituir casos de dominação, um eventual endosso aos mercados teria de vir acompanhado de políticas antitruste robustas, possivelmente mais robustas, inclusive, do que as ditadas pela eficiência. O presente artigo avalia se a oposição aos monopólios é, de fato, coerente com o ideal de liberdade como não dominação. As seções seguintes a esta introdução são, então, organizadas da seguinte maneira. Na segunda seção, apresenta-se mais detalhadamente o conceito de liberdade como não dominação, tendo-se como referência a obra de Philip Pettit. A terceira seção recolhe pontos-de-vista republicanos quanto à justificação e aos limites a que o mercado deve se sujeitar. A quarta seção traz à baila um problema para a caracterização do poder monopolista como poder de interferência arbitrário, o problema da referência. A quinta seção faz ressalvas à suposição de que o republicanismo requer políticas antitruste agressivas, ainda que monopólios sejam tidos como casos de dominação. A sexta seção mostra que o conceito de liberdades básicas como não dominação, um conceito encontrado em trabalhos mais recentes de Pettit, também leva a uma relação mais nuançada entre o republicanismo e o poder monopolista. A seção final resume as conclusões do artigo.

Com a análise acerca dos monopólios, o artigo pretende contribuir para uma visão mais clara sobre a relação entre republicanismo e mercado. Quando comparado a concepções de justiça preocupadas apenas com resultados distributivos (seja a distribuição em questão a da riqueza, do bem-estar ou até mesmo de liberdades, o republicanismo promete uma abordagem inovadora, pois sugere uma análise voltada para as relações que se travam no mercado, em particular para as relações de dominação, ao invés de limitada aos seus resultados. Ao fazê-lo, o republicanismo mostra afinidade com teorias que preferem conceber a justiça e a igualdade em termos relacionais.[3] É interessante verificar, pois, o que o republicanismo é capaz de dizer de novo sobre a relação entre mercado, justiça e igualdade. Este artigo é um passo em tal sentido.

1  Liberdade como não dominação

Segundo Pettit, a liberdade deve ser entendida como não dominação. Desfrutar de liberdade em uma escolha (no sentido de não dominação) é não estar sujeito a um poder arbitrário de interferência de uma outra pessoa.

Comecemos com o conceito de interferência (PETTIT, 1997, p. 52-53). Uma interferência de A sobre B é um ato intencional ou quase intencional de A que piora a situação de B em relação a uma escolha qualquer. Em uma escolha, importam as opções, o seu resultado esperado e o resultado atual da opção escolhida. Atos de interferência são atos que pioram a situação de B em relação a alguma dessas variáveis. Um ato de interferência pode suprimir uma opção ou piorar seu resultado esperado, como nos casos, respectivamente, em que A impede que B escolha X ou ameaça com uma retaliação caso X seja escolhido. Atos de interferência podem, por fim, ser também manipulativos, como no caso em que A faz com que B tenha uma percepção errônea sobre as opções de que dispõe.

A liberdade como não dominação é liberdade contra interferências, mas apenas interferências arbitrárias. A interferência de A sobre B somente é arbitrária caso A não seja forçado a levar em consideração os interesses de B – interesses que o próprio B reconheça como tais (PETTIT, 1997, p. 55). Há diferentes fatores capazes de forçar A, em menor ou maior medida, a ter em vista os interesses de B, reduzindo a arbitrariedade da interferência de A sobre B: por exemplo, A pode estar juridicamente obrigado a seguir os interesses de B, ou ter a sua reputação abalada caso não o faça.

Por fim, uma distinção crucial entre os conceitos de liberdade como não dominação e o que Pettit chama de liberdade como não interferência é que aquela não se contenta com a mera ausência de interferência (PETTIT, 1997, p. 63). Para que B seja livre, no sentido de não dominação, não basta que A não interfira arbitrariamente consigo: é preciso também que A não possa interferir. Pode-se sofrer dominação, portanto, sem interferência, como no caso da esposa em cujas escolhas o marido benevolente não interfere, embora, segundo a lei e os costumes locais, estivesse apto a fazê-lo.

Dois pontos são ainda particularmente importantes quanto à relação entre o ideal republicano de liberdade como não dominação e o mercado. Primeiro, o conceito de liberdade como não dominação implica que nem toda atuação estatal antimercado constitui um cerceamento de liberdade. Medidas de regulação de preços e outros atos de interferência estatal só atentam contra a liberdade caso sejam atos de interferência arbitrária.[4] Ao contrário de um liberalismo de laissez-faire, portanto, o republicanismo não trata a atividade estatal disciplinadora do mercado como necessariamente inimiga da liberdade.

Segundo, a liberdade como não dominação é liberdade contra a dominação de agentes públicos e privados.[5] Embora o Estado seja um motivo de preocupação, devido ao perigo de o poder estatal se tornar dominador, esse não é o único motivo de preocupação para os republicanos, já que a dominação também pode ser exercida por agentes não estatais. A posição do Estado em relação à dominação é, em consequência, ambivalente. De um lado, o Estado ameaça com dominação, caso suas decisões não sejam controladas de maneira a evitar que a interferência estatal seja arbitrária. De outro, a atuação estatal é um meio de prevenir a dominação exercida por agentes privados.

2  Republicanismo e mercado

Esta seção procurará fazer uma apertada síntese de pontos-de-vista republicanos sobre o mercado. Esses pontos-de-vista se referem basicamente a duas questões: qual ou quais são as razões para que haja mercados e quais são as condições para que os mercados sejam admitidos.

Uma razão para que haja mercados é instrumental. Mercados são desejáveis pela sua capacidade de alocar bens eficientemente. Um Estado republicano, diz Pettit (1997, p. 163), preocupa-se com a prosperidade econômica não apenas porque ela previne a dominação, mas também pelas escolhas que essa prosperidade propicia ou facilita. O valor instrumental do mercado também é admitido, em linhas gerais, por Dagger (2006, p. 157).

Pettit (2006, p. 139) se esforça, ainda, por demonstrar que não há uma incompatibilidade de princípio entre o republicanismo e o mercado. Primeiro, ele afirma que a desigualdade de riqueza não é, em si mesma, um problema para os republicanos (embora possa se tornar um, caso a desigualdade seja grande o bastante para engendrar dominação). Essa afirmação é importante se reputarmos a desigualdade como uma inevitável consequência do mercado. Dada essa premissa, o republicanismo, se não pudesse compactuar com a desigualdade, teria que rejeitar o mercado. Pettit explica, porém, que não ofende o ideal republicano de liberdade como não dominação o fato de alguns desfrutarem de certas escolhas e outros não, contanto que as escolhas que cada um pode fazer não estejam sujeitas à interferência arbitrária de ninguém. Em si mesma, a desigualdade de propriedade é análoga, portanto, a características naturais que também determinam diferentemente o que cada um de nós pode fazer. Tal como estas características, diz Pettit (2006, p. 139), a desigualdade condiciona a liberdade (isto é, limita as escolhas que podem ser feitas), mas não a contraria.

Segundo, quanto ao mercado em si, o argumento de Pettit (2006, p. 142-144) se baseia na diferença entre ofertas e ameaças. Em geral, diz ele, operações de mercado ocorrem como resultado de ofertas, e não ameaças. A distinção é importante porque, enquanto ameaças limitam a escolha, sujeitando uma das opções a um certo ônus, ofertas, em contraste, adicionam às opções preexistentes uma nova, ampliando a escolha. Assim, como aquele a quem uma mera oferta é endereçada não sofre interferência, não há dominação que seja inerente ao mercado.

Taylor (2013) vai além de negar a oposição entre republicanismo e mercado. Para ele, a atitude que republicanos devem ter em relação ao mercado é, mais do que meramente aquiescente, celebratória, porque o mercado está entre as instituições essenciais para a proteção dos cidadãos contra interferências arbitrárias (TAYLOR, 2013, p. 594). Taylor se refere a um mercado no qual a concorrência previne certos abusos, entre eles a dominação. Consideremos, primeiro, o caso em que um empregador seja um monopsonista. Como tal, o empregador em questão está à vontade para explorar os trabalhadores, pagando-lhes menos do que o produto marginal do trabalho que realizam. O monopsônio também permite que o empregador discrimine os trabalhadores pagando a cada um de acordo com seu salário de reserva (o mínimo pelo qual cada um está disposto a trabalhar), desde que, é claro, possua informação para tanto. O empregador dispõe ainda, por fim, de um poder discricionário sobre os trabalhadores, cujo exercício pode dar lugar a várias espécies de abuso, até mesmo sexual (TAYLOR, 2013, p. 595-596). Em contraste, empregadores submetidos a concorrência são forçados a pagar o equivalente ao produto marginal do trabalho e não têm poder algum sobre salários e modo de tratar os trabalhadores, os quais, em caso de mau tratamento, podem ir trabalhar em outro lugar (TAYLOR, 2013, p. 596).

Poder-se-ia objetar que um mercado concorrencial não é a única alternativa ao poder monopolista e à dominação que ele traz consigo. Taylor, porém, descarta o planejamento central por sua “brutal inadequação” (gross inadequacy) e acrescenta que um mercado competitivo não apenas previne interferências arbitrárias, mas também atende aos interesses de todos graças à sua eficiência produtiva e alocativa (TAYLOR, 2013, p. 597).

O fato de não haver incompatibilidade entre o republicanismo e o mercado e até mesmo – se Taylor estiver certo – de o mercado ser necessário à liberdade como não dominação não quer dizer, por óbvio, que o mercado seja tolerado (ou celebrado) pelos republicanos sob quaisquer condições. Segundo Dagger (2006, p. 158), o republicanismo deve considerar os riscos que o mercado oferece contra a igualdade política, a liberdade como autogoverno, a política deliberativa e a virtude cidadã. Em relação à igualdade política, para começar, o problema é que a desigualdade de riqueza que o mercado engendra se traduz em desigualdade de influência política (DAGGER, 2006, p. 158).

Em relação à liberdade como autogoverno, Dagger (2006, p. 158-159) chama a atenção para três problemas. Primeiro, há o fato de a desigualdade de riqueza ser também uma desigualdade de liberdade (ou do que Rawls chamaria de “valor da liberdade”). Segundo, há as falhas de mercado, que um republicano pode ver como óbice a que o mercado seja um meio de autorrealização. Em terceiro vem o que Dagger chama de “vulnerabilidade de mercado”. Aqui não se trata apenas do fato de o mercado não colaborar para o autogoverno daqueles que nada têm a oferecer (isto é, os pobres, sem aptidões inatas e com baixa escolaridade): há também o problema de pessoas que necessitam de algo serem condenadas a relações de dependência, como a que tem lugar entre monopolista e consumidores. Outro exemplo são as relações de trabalho: para evitar que trabalhadores se sujeitem aos desmandos de empregadores, Pettit (2012, p. 115) defende restrições ao direito de despedida.[6]

Em relação à política deliberativa e à virtude cidadã, o receio é que o mercado “contamine” a política, fazendo com que o debate sobre o bem comum seja substituído pela barganha. O “cidadão-consumidor”, que atua para a maximização da própria utilidade, é, segundo Dagger (2006, p. 159), “a corruption of what a citizen should be.[7]

As seções seguintes se concentrarão sobre o problema dos monopólios. Como visto acima, a defesa republicana do mercado é geralmente acompanhada por uma rejeição aos monopólios e à dominação que eles ensejam. Essa rejeição é patente nas considerações de Dagger (2006, p. 158-159) sobre a relação entre mercado e autogoverno e mais ainda na apologia de Taylor (2013) ao mercado competitivo como instituição antipoder.[8] A seção subsequente versará sobre um problema para a caracterização dos monopólios como uma violação à liberdade como não dominação, o problema da referência. A seguir, na seção 4, veremos alguns problemas relacionados às implicações de política de um ideal republicano de liberdade como não dominação entendido como liberdade contra os monopólios.

3  O problema da referência

Monopólios ensejam dominação? Monopolistas podem estipular preços supracompetitivos, isto é, superiores aos que seriam praticados sob perfeita concorrência. Chamemos de P o preço competitivo e de Pm o preço monopolista. Se o monopolista atuar de maneira a maximizar o lucro, a diferença x (a renda monopolista) entre P e Pm (a renda monopolista) é uma função inversa da elasticidade da demanda: quanto mais elástica a demanda, menor será x. Para caracterizar a relação entre monopolista e consumidores como relação de dominação, contudo, é irrelevante que o monopolista maximize, de fato, seu lucro aumentando o preço em conformidade com a demanda. Importante é que possa fazê-lo sem ter de levar em consideração o interesse dos consumidores. Tal como o marido em uma sociedade patriarcal, o monopolista benévolo, que se abstém de aumentar o preço em atenção ao interesse dos consumidores (e não ao seu próprio), é tão dominador quanto o que tira máximo proveito da sua posição.

Uma dificuldade com a caracterização do monopolista como dominador é a seguinte. Monopolistas somente podem ser tratados como dominadores se a estipulação de Pm for uma interferência, e, para tanto, é uma condição necessária que Pm piore a situação dos consumidores (PETTIT, 1997, p. 52). Esse será o caso, poderíamos dizer, sempre que Pm seja maior do que P, porque um preço maior aumenta o custo do ato de compra, ainda que não o impeça. É de indagar, contudo, por que devemos nos referir a um estado de coisas em que P é praticado a fim de avaliar se Pm é uma interferência. Considere o caso de consumidores aos quais um produto Z nunca foi oferecido.[9] Um dia, um empresário começa a vender Z a esses consumidores ao preço monopolista Pm. Não seria mais natural dizer que o empresário aumenta as escolhas dos consumidores (que agora podem comprar Z ao preço Pm) ao invés de ter como referência um estado de coisas (de concorrência perfeita) que, no caso, nunca existiu?

Esse problema será doravante designado como problema da referência. Pettit não diz muito a esse respeito. Ele afirma que o contexto é importante para avaliar se um determinado ato piora a situação de escolha de alguém (PETTIT, 1997, p. 53). Afirma também que omissões podem ser, em certos contextos, atos de interferência, como no exemplo de um farmacêutico que se recuse a vender um medicamento de que alguém precisa com urgência, ou se recuse a vendê-lo por um preço justo (PETTIT, 1997, p. 53-54). Sobre esse caso, Pettit (1997, p. 54) acrescenta que o farmacêutico “interferes in the patient's choice to the extent of worsening what by the received benchmark are the expected payoffs for the options they face”. Em outras palavras, reputa-se como estado de coisas de referência um no qual o paciente tem a opção de comprar o medicamento por um preço justo. A recusa em vender por um preço justo piora a situação de escolha do paciente porque aumenta o custo de uma das opções.[10]

Não há nenhuma justificativa, todavia, para que o estado de coisas de referência inclua a opção de comprar o que quer que seja a um preço competitivo (ou justo), inclusive bens que nunca foram vendidos a um preço assim (tal como seria o caso de um medicamento cuja fórmula só é conhecida pelo farmacêutico) ou que jamais puderam, de fato, ser comprados pelas pessoas às quais essa opção é atribuída (como no caso de bens oferecidos pela primeira vez). No entanto, é essa a premissa da qual teríamos que partir para tratar toda a recusa a vender por um preço competitivo como um ato de interferência.[11]

Outra dificuldade relacionada ao problema em análise é que muitos monopolistas conseguem ganhos de escala. Graças a esses ganhos, o preço praticado pelo monopolista, apesar de incluir uma renda, pode não ser superior ao que se verificaria em um mercado com muitos fornecedores concorrendo entre si. Poderíamos afirmar, em tal hipótese, que, ao estipular um preço Pm que lhe permite auferir uma renda, o monopolista comete uma interferência? Essa afirmação dependeria de termos como referência a escolha de comprar a um preço Pg – ao mesmo tempo sensível à queda do custo de produção por unidade que o aumento da escala traz consigo mas não ao abrandamento da concorrência que lhe é correlato.

A caracterização do ato de estipular Pm como ato de interferência depende, portanto, de uma solução que pode parecer um tanto ad hoc para o problema da referência, a saber, a de partir de um estado de coisas no qual os consumidores dispõem da opção de comprar o que quer que seja a um preço competitivo (ou, de qualquer maneira, inferior a Pm) – inclusive bens que esses consumidores nunca puderam, de fato, comprar. Depende, também, de que o preço de referência seja inferior a Pm, a despeito dos ganhos de escala da produção sob monopólio.

4  Republicanismo e políticas antitruste

Admitamos que a solução apresentada acima para o problema da referência seja correta, e que, portanto, empresários monopolistas dominem consumidores porque são capazes de estipular preços acima dos competitivos, definindo-se como tais os que se verificariam sob concorrência perfeita e a custos de produção reduzidos pelos ganhos de escala possíveis. O que isso implica para o republicanismo?

Se monopólios engendram dominação, então um ideal de justiça baseado no valor da liberdade como não dominação deve recomendar políticas agressivas contra monopólios, sejam eles estruturais ou situacionais. Taylor (2013, p. 597), por exemplo, defende políticas que combatam monopólios “by recreating competitive conditions or at least requiring market actors to behave in competitive ways”.

Há, no entanto, três problemas com a ideia de que o republicanismo prescreva políticas antitruste agressivas. O primeiro é que essas políticas podem não ser eficientes (problema da eficiência). O segundo é que elas não são necessárias para combater a dominação (problema da necessidade) O terceiro é que, diferentemente de um mundo ideal, no qual os monopólios tenham sido completamente abolidos, políticas antimonopolistas aqui e agora são fadadas a ter um sucesso apenas parcial (problema da idealização).

Comecemos com o problema da eficiência. Não há nenhuma dúvida de que políticas antimonopolistas podem ser ineficientes. Além do custo da atividade estatal envolvida, deve-se considerar que, ao eliminar monopólios, eliminam-se também os eventuais benefícios que monopólios trazem consigo, como os já referidos ganhos de escala. Outro exemplo são os monopólios propiciados por patentes, que, como se sabe, incentivam a pesquisa e o desenvolvimento.[12] Mesmo, pois, que os monopólios sejam em si mesmos uma causa de ineficiência, políticas de combate indiscriminado a monopólios tampouco são eficientes.

Evidentemente, a ineficiência de certas políticas antitruste não encerrará a questão caso a nossa preocupação maior seja não a eficiência, mas um valor como a liberdade como não dominação. Pode-se esperar que republicanos motivados por esse ideal de liberdade endossem políticas antidominação ainda que com um certo sacrifício para a eficiência. O problema é saber o quão longe eles estariam dispostos a seguir por esse caminho.

Há razões para supor que, mesmo para republicanos, haja um limite no sacrifício a impor à eficiência na busca por eliminar a dominação a que os monopólios dão lugar. Uma delas é que é muito difícil atender a certas condições de concorrência perfeita, como falta de barreiras à entrada e homogeneidade de bens. É muito difícil atender, portanto, às condições para que os empresários não tenham poder algum sobre preços (isto é, reduzam-se a price-takers), o que faz do poder monopolista algo um tanto comum.[13] Outra é que, se Dagger (2006, p. 158) estiver certo, republicanos defendem o mercado porque reconhecem o seu valor (instrumental) de prover bens. Essa capacidade de prover bens, entretanto, seria consideravelmente diminuída em um mercado no qual as condições de concorrência perfeita se verificassem, seja na hipótese ideal em que tais condições ocorram naturalmente, seja em outra, mais realista, em que a concorrência perfeita tenha de ser assegurada pela atuação estatal – em tal caso com o agravante dos recursos consumidos para o custeio das políticas antitruste.[14]

Passemos ao problema da necessidade. Eliminar monopólios não é a única maneira de eliminar a dominação que os monopólios engendram. Sobre isso, deve-se lembrar que a dominação não é caracterizada pela mera interferência, mas apenas pela interferência arbitrária. Consideremos então um empresário que, graças à sua posição de monopolista, pode estipular Pm, um preço superior ao competitivo. A decisão sobre o preço a praticar somente será arbitrária à medida que o empresário não seja forçado a atender aos interesses dos consumidores. Ora, há maneiras de fazer com que esse seja o caso sem sujeitar o empresário à concorrência. Por exemplo, a decisão sobre o preço pode ser regulada por uma agência governamental ou se submeter à chancela de um órgão interno à empresa no qual os consumidores estejam representados. À medida que esses ou outros meios de controle, tenham sucesso, consumidores não serão dominados pelo empresário monopolista.[15] Talvez fosse então o caso de dizer que há monopólio, mas não poder monopolista, ou não, ao menos, um poder arbitrário.

O controle do poder monopolista por agências governamentais e a divisão do poder no interior da empresa não são, é claro, uma panacéia. Em certos casos ou além de uma certa medida, esses controles também serão, a exemplo das políticas antitruste, ineficientes. Eles bastam, não obstante, para contrariar a afirmação de Taylor (2013, p. 594) de que um mercado competitivo é essencial para prevenir a interferência arbitrária, ao menos se “essencial” for entendido como “necessário”.[16]

Por fim, o problema da idealização. Esse problema é o de um descompasso entre o ideal republicano de um mercado sem dominação e o que é realizável. Um mercado sem dominação não é realizável, tendo em vista a onipresença do poder monopolista, o custo em que teríamos de incorrer para eliminá-lo e, se quisermos, até mesmo a falta de disposição das autoridades (em um mundo não ideal no qual as decisões governamentais atendam apenas parcialmente aos interesses do público) para as medidas necessárias. Afligidos pelo problema da idealização, republicanos podem prescrever políticas que não farão mais do que nos aproximar de um estado de coisas ideal não de todo realizável.[17]

Uma resposta a objeção recém enunciada é que a irrealizabilidade de um mercado sem poder não conspira contra políticas antipoder como as políticas antimonopolistas. Mesmo que um estado ideal não seja atingível, menos dominação é sempre melhor do que mais. Uma cruzada antipoder fadada a ser apenas parcialmente bem-sucedida seria, pois, ainda assim, desejável, contanto, é claro, que logre diminuir a dominação.

Não há nada absurdo em pensar que menos dominação é melhor do que mais, sobretudo se todo o restante for igual. Mesmo assim, pode ser perigoso ter em vista um ideal não realizável como o de um mercado sem dominação. O perigo é esquecer que, não sendo esse ideal de todo realizável, torna-se importante eleger prioridades. Movidos pela ilusão de que dispomos dos recursos necessários para abolir toda e qualquer dominação, podemos ser levados a aprovar qualquer medida que nos aproxime do ideal. Quando, ao contrário, lembramos que nossos recursos são limitados, isto é, que o custo para eliminar o poder monopolista é alto demais, o que salta aos olhos é a necessidade de eleger prioridades.

Eleger prioridades requer reconhecer que nem todos os casos de dominação têm a mesma gravidade. Da maneira como Pettit a concebe, a dominação certamente não é uma questão de tudo ou nada. A importância do poder de interferir varia, por exemplo, segundo a medida com que o custo de uma opção é aumentado (PETTIT, 1997, p. 53). Além disso, uma interferência somente é arbitrária se o agente puder desconsiderar os interesses da vítima impunemente, entendendo-se impunemente como livre de diversos constrangimentos (morais, inclusive) que podem se verificar com maior ou menor intensidade.[18] No caso dos monopólios, além de ter em vista a medida com que o poder monopolista é cerceado (por normas sociais, por exemplo), parece plausível aferir a gravidade da dominação de acordo com o bem comercializado. Em relação a bens essenciais como água, luz e transporte, por exemplo, um eventual poder monopolista é alegadamente um caso de dominação comparativamente mais grave.

Vimos nesta seção que a preferência republicana por mercados competitivos carece de reparos, por três razões. Primeiro, a apologia à competição põe de lado o fato de que há um ponto a partir do qual políticas antimonopolistas deixam de ser eficientes. Embora seja de esperar que republicanos deem prioridade à liberdade como não dominação sobre a eficiência, não é plausível que estejam dispostos a incorrer em qualquer sacrifício desta pelo bem daquela. Políticas antitruste republicanas podem não se diferenciar consideravelmente, portanto, de políticas antitruste governadas pela eficiência. Segundo, a apologia à competição também ignora soluções de regulação e governança corporativa que levem os preços de monopólios a serem estipulados de acordo com os interesses de consumidores, prevenindo, pois, o exercício arbitrário do poder monopolista. Terceiro, tendo em vista que o poder monopolista não pode ser eliminado de todo, eleger prioridades parece uma estratégia superior a uma cruzada indiscriminada contra a dominação no mercado.

5  Monopólios e liberdades básicas

Veremos nesta seção se a indeterminação do republicanismo quanto às políticas antimonopolistas pode ser em parte, ao menos, superada com a prioridade atribuída às liberdades básicas. O conceito de liberdades básicas aparece em obras mais recentes de Pettit (por exemplo, PETTIT, 2012; 2014). Com ele, Pettit parece ter dois propósitos. O primeiro é evitar certas consequências contraintuitivas do ideal de liberdade como não dominação.[19] O segundo é orientar mais claramente as políticas republicanas de defesa da liberdade, as quais passam a ser entendidas como políticas de defesa das liberdades básicas como não dominação.

De acordo com Pettit (2012, p. 93), as liberdades básicas são constituídas pelas escolhas que atendem a dois critérios: o da coexercibilidade (co-exercisability) e o da cossatisfatoriedade (co-satisfying). Atender a ambos os critérios é também uma condição suficiente para que uma liberdade seja tida como básica e tenha de ser salvaguardada.

Uma liberdade é coexercível se todos os cidadãos podem exercê-la, e exercê-la mais ou menos ao mesmo tempo (PETTIT, 2012, p. 94-97). A condição de coexercibilidade impõe, portanto, limites de duas ordens, uma individual, outra coletiva. Quanto à primeira, não serão consideradas liberdades básicas escolhas que alguns não possam fazer. Escalar o Everest, por exemplo, não é uma liberdade básica. Em particular, inclui-se entre o que uma pessoa não pode fazer o que depende de outra – por exemplo, a liberdade para mudar sua opinião ou levá-lo ao cinema comigo não é coexercível, porque não se trata de algo que eu possa fazer por meus próprios meios. A consequência, diz Pettit (2012, p. 94), é que as liberdades básicas são autorreferenciadas ou agente-relativas. Em relação aos limites coletivos, também não se contam como liberdades básicas escolhas que as pessoas não possam fazer ao mesmo tempo. A liberdade para consumir ilimitadamente recursos naturais finitos, por exemplo, não é uma liberdade básica.

Uma liberdade é cossatisfatória se o seu exercício, de acordo com critérios socialmente aceitos, promove, no longo prazo, o bem-estar dos que a exercem (PETTIT, 2012, p. 98-101). Aqui também há limites de ordem individual e coletiva. Em relação aos primeiros, diz-se que uma liberdade não é cossatisfatória se o seu exercício é danoso para a pessoa mesma que a exerce. Para não incorrer em paternalismo, contudo, Pettit evita concluir que uma liberdade não seja merecedora de proteção por essa razão.[20] Os limites coletivos se referem a casos em que o exercício de uma certa liberdade é coletivamente indesejável, por se tratar de escolhas danosas (por exemplo, mentir ou roubar), que ensejem dominação (por exemplo, a liberdade de enriquecer ilimitadamente) ou que, quando feitas por várias pessoas ao mesmo tempo, revelem-se contraproducentes (por exemplo, a liberdade de falar a qualquer tempo em uma assembleia).[21]

Vejamos agora se a liberdade contra monopólios atende aos dois requisitos recém citados. Em relação à coexercibilidade, convém lembrar que a liberdade que nos interessa é a liberdade de compra, e que essa liberdade (entendida como não dominação) sofre interferência caso o vendedor possa arbitrariamente se recusar a vender o bem por um preço competitivo. Sendo assim, é evidente que a liberdade contra monopólios não passa no teste de coexercibilidade. Mesmo que todos os bens fossem oferecidos à venda por um preço competitivo, a escolha de comprá-los a esse preço é uma escolha que alguns consumidores não poderão fazer, por não disporem de recursos suficientes para tanto. Isso parece correto até mesmo nas circunstâncias de uma sociedade republicana ideal em que a dominação tenha sido completamente abolida. É de presumir que diferenças de renda em uma sociedade assim sejam menores do que costuma haver em sociedades reais (à medida que diferenças consideráveis de renda ensejem dominação), mas não que essas diferenças sejam abolidas a ponto de permitir que qualquer consumidor compre o que quer que seja oferecido à venda. Para atender ao critério da coexercibilidade, seria preciso, portanto, reduzir o âmbito da liberdade contra monopólios, limitando-a à liberdade contra monopólios para comercialização de bens que, a preços competitivos, todos possam comprar (senão de fato, ao menos nas circunstâncias ideais de uma sociedade sem dominação).

Passemos ao critério da cossatisfatoriedade. Ao se preocupar com o efeito sobre o bem-estar de certas escolhas, Pettit atenua a oposição entre republicanismo e monopólios. Mesmo que coexercível, a escolha de comprar a preços competitivos tem, como visto, efeitos deletérios para a eficiência, porque poder comprar a preços competitivos pressupõe um mercado sem diferenciação de bens e sem incentivos à inovação que assegurem aos inovadores poder monopolista. Ainda que não seja o caso de subordinar a liberdade republicana a um critério welfarista, não resta dúvida de que o custo de bem-estar de um mercado sem dominação monopolista é alto o suficiente para que uma liberdade contra monopólios tout court seja reprovada no teste de cossatisfatoriedade. Uma das implicações disso é que, em oposição a Taylor (2013, p. 599-600), uma liberdade geral contra monopólios que inclua a liberdade contra o monopólio de trabalhadores atuando coordenadamente por meio de sindicatos não é uma liberdade básica. Políticas republicanas não são, pois, necessariamente, políticas que favoreçam a competição no mercado de trabalho em detrimento da organização sindical.

Conclusão

A ideia de que os limites e a própria justificação do mercado devem se basear no ideal de liberdade como não dominação é à primeira vista atraente. O que se constatou neste artigo, todavia, é que há certas dificuldades para deduzir do republicanismo implicações claras sobre uma parte das políticas de mercado, as políticas antitruste. A novidade que o republicanismo promete trazer, em relação a essas políticas, é a substituição do critério da eficiência pelo da liberdade como não dominação. Se o poder monopolista infringe essa liberdade, então se poderia esperar uma defesa republicana de políticas antitruste em um ponto além do ótimo em termos de eficiência.

Há problemas, contudo. Um deles é que a caracterização mesma do poder monopolista como poder de interferência arbitrária depende de ter como referência um estado de coisas no qual os consumidores possuam no mínimo a escolha de comprar o bem em questão a um preço competitivo, porque é preciso um estado de coisas como esse para que o poder de que dispõe o monopolista (de se recusar a vender pelo preço competitivo) seja tido como poder de interferência arbitrária.

Além disso, mesmo que aceitemos a caracterização do poder monopolista como poder de interferência, há problemas com supor que o seu corolário sejam políticas antitruste mais agressivas. Um desses problemas é que um mercado em que os monopólios sejam completamente abolidos tem um custo de eficiência enorme. Mesmo que republicanos queiram levar o combate aos monopólios além do ponto ótimo, é difícil que não haja algum limite na disposição a sacrificar a eficiência, já que a ineficiência também é danosa à liberdade como não interferência (uma liberdade quiçá secundária, mas não destituída de valor para os republicanos). Outro problema é que monopólios não implicam poder arbitrário caso as decisões sobre preços estejam sujeitas a algum controle que as faça ter em vista os interesses dos envolvidos, dentre eles os consumidores. Políticas de livre concorrência não são, portanto, o único meio de evitar que monopólios engendrem dominação. Outro problema, ainda, é que o ideal de um mercado sem poder corre o risco de desviar a nossa atenção dos casos em que abolir a dominação é mais urgente. Ao invés de ambicionar a eliminação pura e simples de todo o poder monopolista, seria mais conveniente procurar critérios para eleger prioridades, como, por exemplo, o combate ao poder monopolista arbitrário em relação a bens essenciais.

A substituição de um ideal de liberdade como não dominação em geral por um ideal de liberdades (como não dominação) básicas pode marcar uma inflexão da oposição republicana aos monopólios. As liberdades básicas são, segundo Pettit (2012, p. 94-101), apenas as que satisfazem conjuntamente aos requisitos da coexercibilidade e da cossatisfatoriedade. Uma liberdade geral contra monopólios não atende a nenhum desses requisitos. A escolha de comprar quaisquer bens a preços competitivos não é coexercível, já que, mesmo em uma sociedade ideal republicana na qual diferenças de riqueza tenham sido consideravelmente atenuadas, não é plausível que todos pudessem comprar tudo o que é oferecido à venda, ainda que a preços competitivos. Essa escolha não é, tampouco, cossatisfatória, tendo em vista a ineficiência de um estado de coisas em que os monopólios sejam completamente abolidos. Assim, se são as liberdades básicas que de fato importam, é preciso admitir que a rejeição republicana aos monopólios é relativa, e que políticas republicanas antitruste precisam de alvos mais limitados.

Referências

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. Recebido em: 3 abr. 2017. Avaliado em: 02 e 09 maio 2017.

[1]  Este artigo é resultado de projeto de pesquisa apoiado pela FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais).

[2]  Como ficará claro, o artigo fará referência à versão contemporânea do republicanismo, em especial às obras de Philip Pettit. Designar-se-ão os autores contemporâneos simplesmente como “republicanos”, ao invés de “neorrepublicanos”, como também é comum. Entre os republicanos clássicos estão, entre outros, Cícero, Maquiavel, Rousseau e Adam Smith.

[3]  Sobre a ideia de igualdade relacional ou social, ver, por exemplo, Anderson (1999) e Scheffler (2003).

[4]  Ver Pettit (1997, p. 41): “The well-ordered law does not deprive subjects of their freedom, interfering with those subjects but not dominating them.

[5]  Pettit (1997, p. 13) designa a dominação exercida pelo Estado e por agentes privados como imperium e dominium, respectivamente.

[6]  Restrições ao direito de despedida vão, contudo, na contramão da políticas defendidas por Taylor (2013), que se propõem a acirrar a concorrência tanto entre empregadores como entre empregados. Em uma nota, Pettit (2014, p. 218, nota 44) explica que sua divergência com Taylor é apenas aparente. Para Pettit, limites ao direito de despedida são adequados para circunstâncias não ideais de mercados imperfeitamente competitivos. Em circunstâncias mais ideais (por exemplo, em que a demanda por trabalho não enfrente barreiras à entrada), as políticas em favor da concorrência prescritas por Taylor seriam preferíveis.

[7]  Sandel (2012) também se refere a um efeito corruptor do mercado. A sua oposição, contudo, não é ao mercado em geral, mas à sujeição ao mercado de certos bens – com bebês, órgãos humanos e serviços comunitários – que põe em risco certas normas e atitudes.

[8]  Pettit não faz mais do que aludir ao problema dos monopólios (por exemplo, Pettit (2012, p. 111). Como comentado em nota anterior (nota 7), ele concorda com a defesa que Taylor faz de um mercado competitivo, muito embora a considere adequada apenas para circunstâncias mais ideais (PETTIT, 2014, p. 218, n.44).

[9]  Pettit não o diz, mas é de supor que o farmacêutico seja o único capaz de prover o medicamento com a rapidez desejada. O farmacêutico está, portanto, em posição de monopólio, senão estrutural, situacional.

[10] O exemplo do farmacêutico dá a entender que a distinção feita por Pettit entre oferta e ameaça é apenas parte da história. Como visto anteriormente, Pettit (2006, p. 144) afirma que o ideal republicano de liberdade trata ofertas e ameaças diferentemente, porque somente as segundas privam o agente de certo controle sobre seus atos. O exemplo do farmacêutico, contudo, sugere algo mais nuançado, porque nele a oferta de venda do medicamento por um preço exorbitante é considerada uma interferência. A julgar pelo que diz Pettit sobre esse caso, portanto, ofertas podem se equiparar a ameaças.

[11] E por que não poderíamos ter como referência a opção de receber o medicamento gratuitamente? Em tal hipótese, o farmacêutico pioraria a situação de escolha do paciente com a mera recusa a doar o medicamento (e mesmo, portanto, que estivesse disposto a vendê-lo a um preço justo). Em resposta, Pettit (1997, p. 22) poderia dizer que, em tal caso, a interferência, mesmo que caracterizada, não seria arbitrária, porque não se trata de uma escolha que o farmacêutico pode fazer impunemente, uma vez que fica sujeito a falência caso doe o medicamento ao invés de vendê-lo. Mas se a opção de receber a droga gratuitamente fosse referencialmente atribuída apenas a algumas pessoas (como as mais pobres), poderia ser o caso de a decisão sobre doar ou vender (para essas pessoas) não trazer consigo maiores consequências para o farmacêutico.

[12] As mesmas reservas não se aplicam ao combate de monopólios situacionais. Ver, por exemplo, Shavell (2007).

[13] Ver, por exemplo, Norman (2015, p. 39): “market failures are as much a fact of life in a post-industrial, post-commodity, high-tech consumer economy as value pluralism is in an open democratic society. You cannot have a perfectly competitive market for iPhones, or even for smartphones.Quando usa maçãs em seu exemplo de monopólio, Dagger (2006, p. 157-158) faz com que o poder monopolista soe bem menos comum do que de fato é.

[14] Nos termos de Pettit, enquanto um mercado no qual empresários dispõem de poder monopolista é uma afronta à liberdade como não dominação, um mercado com menor diferenciação de bens, como aquele no qual as condições de concorrência perfeita se verificariam, cercearia tão-somente a liberdade como não interferência. Pettit (2002) atribui a Skinner a opinião de que restrições a essas liberdades são igualmente deploráveis, ao passo que, para ele, Pettit, a liberdade como não dominação é prioritária. Não está claro, porém, se essa prioridade é absoluta.

[15] A decisão que mais atende aos interesses dos consumidores não é necessariamente a de estipular preços competitivos. Manter preços acima do patamar competitivo por algum tempo pode ser a melhor estratégia para acumular capital e atender a interesses dos consumidores a mais longo prazo.

[16] A discussão acima é paralela à de Taylor (2013) sobre estratégias para conter a dominação de empresários sobre trabalhadores. Uma estratégia é aumentar a concorrência por mão-de-obra, facilitando a saída (exit) dos trabalhadores, enquanto outra é dar voz (voice) aos trabalhadores nas decisões da empresa. Taylor (2013, p. 599) manifesta reservas quanto à segunda estratégia, sob a alegação de que, para ser bem-sucedida, ela requereria uma atuação regulatória intensa a ponto de engendrar dominação ela mesma, desta vez por parte do Estado. Com essa afirmação, porém, Taylor parece subestimar a intervenção regulatória que a preservação da concorrência (necessária à estratégia de exit) requer.

[17] Um exemplo é Taylor (2013, p. 597), que defende o fim da associação sindical obrigatória e a liberdade de despedida como parte de políticas antipoder no mercado de trabalho.

[18] Sobre limites impostos por normas sociais ao poder de estipular preços, ver Kahneman, Knetsch e Thaler (1986).

[19] Como, por exemplo, a de que o ideal republicano de liberdade tem algo a opor ao fato de a minha escolha de ir ao cinema com você se sujeitar ao seu poder (arbitrário) de não querer ir ao cinema comigo.

[20] Em Pettit (2014, p. 66), ele termina por admitir que uma escolha individualmente insatisfatória possa ser, não obstante, cossatisfatória. “(I)n the absence of any other objection – for example, a threat to public order – it is not clear that choices of this kind should be ruled out of the class of the basic liberties.

[21] Os critérios da coexercibilidade e da cossatisfatoriedade mitigam o problema da referência. Em relação à minha escolha de ir ao cinema com você, por exemplo, o fato de ela não ser coexercível dispensa recorrer ao argumento de que tal escolha não faz parte do estado de coisas de referência à base do qual a sua recusa a ir ao cinema comigo deve ser ou não tida como uma interferência.