IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DA EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO DA SOJA NA REGIÃO DE SANTARÉM – PA E A CRISE DOS INSTRUMENTOS DE GOVERNANÇA AMBIENTAL.

Jonismar Alves Barbosa

Doutorando em Direito Ambiental e Sustentabilidade pela Universidade de Alicante, Espanha. Bolsista CAPES. Mestre em Direitos Humanos e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professor de Direito Ambiental. Advogado.

jonismar@hotmail.com.

Eliane Cristina Pinto Moreira

Pós-Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/​SP). Promotora de Justiça. Professora de Graduação e Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPA. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais” na UFPA.

moreiraeliane@hotmail.com.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a inserção do agronegócio da soja no município de Santarém, no Pará, Brasil a partir do Zoneamento Econômico Ecológico feito para a BR 163, revela que há uma ausência de aplicabilidade dos instrumentos de boa governança ambiental, destaca que esta monocultura trouxe inúmeros impactos socioambientais para a região, aumentou os índices de grilagem e violência no campo, fato este agravado pela instalação de um Porto graneleiro na cidade de Santarém, que se efetivou sob fortes questionamentos de descumprimento da legislação que rege o licenciamento ambiental, demonstra que a produção de soja amazônica leva os povos tradicionais a deixarem suas terras comunais, o que afeta diretamente, de modo negativo, os modos de fazer, criar e viver amazônico, revela que a política de ocupação territorial da Amazônia ainda é feita como na época do período colonial, onde vigora a ideia do desenvolvimento a qualquer custo, em detrimento da proteção e valorização de direitos fundamentais.

PALAVRAS-CHAVE: Agronegócio, Soja, Instrumentos de Governança Ambiental, Impactos, Socioambientais, Povos, Tradicionais, Amazônia.

Socio-environmental impacts of the expansion of soya agribusiness in the region of Santarém - PA and the crisis of instruments of environmental governance

ABSTRACT: This article aims to analyze the soybean agribusiness insertion in the city of Santarem, Para, Brazil, since the Ecological Economic Zoning made for BR 163, reveals that there is a lack of applicability of the instruments of good agro-environmental governance, points out that this monoculture brought numerous social and environmental impacts for the region aggravated deforestation rates, land grabbing and violence in the country, shows that the installation of the Port of Cargill in the city of Santarém for transportation of production to the export market was made in violation of the standards of environmental licensing, in place that soybean production Amazon requires that traditional people to leave their communal lands, which directly affect, negatively, the ways of doing, create and live the Amazonian man, reveals that Amazon land occupation policy is still made as at the time of the colonial period, where prevails the idea of development at any cost, to the detriment of the protection and enhancement of fundamental rights.

KEYWORDS: Agrobusiness, Soya, Environmental Governance Instruments, Impacts, Social, Environmental, People, Traditional, Amazon.

Introdução

O presente trabalho busca analisar a problemática da dinâmica de exploração do agronegócio da soja na Amazônia, especialmente, na região de Santarém, no Pará, evidenciando graves falhas na governança ambiental a partir da análise da implementação de dois instrumentos de governança ambiental: o Zoneamento Econômico-Ecológico e o Licenciamento Ambiental.

Estes instrumentos, essenciais à boa governança ambiental, não tem sido utilizados de modo eficiente, como será visto a partir do caso concreto, o que resulta em violações de direitos e garantias fundamentais descritos não só na norma constitucional brasileira, mas também em Tratados Internacionais de proteção de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

O artigo em questão é fruto da pesquisa de mestrado do primeiro autor, que foi orientado pela segunda autora, para a elaboração do mesmo fez-se uso de referências bibliográficas, por meio da leitura de livros, teses, dissertações e artigos de vários estudiosos sobre a temática de direitos humanos, povos tradicionais, geopolítica e agronomia e do trabalho de pesquisa de campo.

A pesquisa de campo foi realizada no mês de setembro de 2012, em Santarém-PA e contribuiu para a reflexão feita no estudo, pois foi por meio das visitas às comunidades afetadas e às entrevistas que foram realizadas, envolvendo dirigentes de diversas entidades, foi possível coletar informações relevantes e atuais sobre o agronegócio da soja e as violações de direitos humanos dos povos tradicionais no município de Santarém.

A partir do material catalogado por meio de estudos dedutivos e empíricos foi possível demonstrar que existe um contexto de expansão do agronegócio da soja na região amazônica, ao qual se alia uma crise dos instrumentos de governança ambiental, em um cenário de agravamento dos problemas ocasionados por essa nova fronteira agrícola, que gera fortes impactos sociais e ambientais na área de sua abrangência, reproduzindo antigas dinâmicas como o desmatamento, a grilagem e a violência no campo.

Diante desse cenário, nota-se que a crise identificada nos instrumentos de governança ambiental ora tratados é resultado direto da política neo-desenvolvimentista vigente no Brasil desde o período colonial e que tem se revelado ainda mais danosa à região amazônica nas duas últimas décadas.

1  Contextualização da região e dos instrumentos jurídicos de governança ambiental

A Amazônia tem se configurado em palco de conflitos de uso do território que desafiam as políticas públicas para a região, cujos esforços para o estabelecimento de um desenvolvimento regional com sustentabilidade é algo inolvidável como já sinalizava Bertha Becker.

Tratando do espaço amazônico envolto às novas políticas globalizantes, Bertha Becker descreve os processos contemporâneos que atribuem significado às transformações na Amazônia brasileira, na qual se inclui o espaço geográfico de Santarém. A autora em sua análise dá ênfase à compreensão da dinâmica regional a partir do estudo das diversas manifestações de conflitos pelo uso da posse da terra, e examina o conceito de fronteira por meio do complexo contexto histórico e geopolítico da atualidade, deixando evidentes os riscos da inserção das novas fronteiras inseridas no espaço amazônico[1].

As antigas preocupações de Bertha se converteram em inquietudes atuais, de fato, não obstante a importância da manutenção da floresta em pé, algo que tem sido constantemente levantado pelo próprio Estado e organismos de proteção do meio ambiente, não se pode negar que esta tem sido cada vez mais explorada e impactada.

E nesse cenário de preocupações constantes a aplicabilidade dos instrumentos de governança ambiental voltados para a Amazônia recebem maior atenção, pois somente com o uso adequado e racional da floresta se pode preservá-la.

O conceito de governança ambiental criado pela doutrina e legislação brasileira não é algo novo, ao contrário, o arcabouço de normas e instituições que o caracterizam possui uma elaboração, com antecedentes que foram criados ainda no século passado, na década de 30, no entanto, a aplicação destas regras fora do mundo das leis, ou seja, na realidade, ilustra bem os conflitos entre a economia e a ecologia que se observam no país.

É fato notório que o Brasil possui uma avançada legislação sobre o meio ambiente permitindo inclusive uma participação ativa de atores sociais, o que pode ser visto nos âmbitos nacional e estadual. Todavia, ainda prevalece no país o pensamento de que o desenvolvimento só pode ser alcançado com crescimento ilimitado da economia, o que na maioria dos casos leva à perdas irreparáveis ao meio ambiente, ou seja, vigora a lei do crescimento econômico a qualquer custo.

A governança ambiental brasileira deve ser fruto da elaboração de uma política de responsabilidades em prol do meio ambiente, pautada em uma gestão na qual esteja presente a consciência coletiva dos impactos ambientais diante da tomada de decisões em matéria econômica, principalmente no caso da Amazônia.

Desde a Conferência de Estocolmo em 1972, o país tem avançado muito na criação de leis e organismos de proteção ambiental, o próprio sistema de repartição de competência em matéria ambiental é sem dúvidas algo louvável, sobretudo, porque oportuniza a participação de diversos atores sociais, mas ainda assim, vive-se a crise dos instrumentos de gestão ambiental no Brasil.

Para a adequada governança ambiental é fundamental que se associem fatores estruturantes tais como: legislação adequada, estruturação do Estado para seu cumprimento, efetiva participação da sociedade, e monitoramento constante para a avaliação da aplicabilidade, eficiência e eficácia dos instrumentos em busca de uma efetiva sustentabilidade.

Clóvis Cavalcanti (2004, p. 1-10) ressalta que no caso da governança ambiental brasileira houve uma feição orientada pela noção da sustentabilidade ecológica abarcando o capital natural, funções do ecossistema e serviços na natureza, registra também que o país dispõe efetivamente de um marco institucional vasto capaz de lidar com os problemas de gestão ambiental, todavia, destaca que, de um prisma mais concreto, deve-se dizer que faltam ao Brasil certos elementos necessários para a governança ambiental bem sucedida. Segundo ele, o ato de decidir questões ambientais no país, em geral, tende a ser dirigido no sentido do rápido crescimento da economia, com sérias consequências socioambientais, que de modo geral são deixadas de lado, em nome do “desenvolvimento”.

Assiste razão a Cavalcanti, pois as políticas públicas brasileiras voltadas ao meio ambiente amazônico tendem a contemplar a promoção do crescimento econômico sob o discurso de desenvolvimento da região, algo que tem se intensificado desde a década de 60 do século passado.

Nesse cenário de aberturas de fronteiras agrícolas, de exploração mineral desenfreada, de crescimento dos índices de desmatamento, de aumento da grilagem e violência no campo, se nota o desrespeito aos compromissos firmados pelo país depois de 1992, além de um distanciamento do discurso oficial voltado à sustentabilidade ecológica.

 A retomada do crescimento econômico brasileiro ao longo dos últimos vinte anos deixa evidente a falta de compromisso do Estado brasileiro com os instrumentos de governança ambiental, além de demonstrar o descaso dos governantes e entidades ambientais com aqueles que habitam a região amazônica, sobretudo de Santarém, como se verá mais adiante.

2  Os impactos no planejamento territorial e governança ambiental na região

O Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE)[2] tem sido utilizado pelas instâncias governamentais para dar base às decisões de planejamento socioeconômico e ambiental de maneira a facilitar o uso sustentável do território nacional brasileiro. E este tipo de procedimento foi também utilizado para a construção da BR 163, a chamada Santarém-Cuiabá.

O ZEE é um instrumento de suma importância para direcionar a formulação de políticas territoriais da União, estados membros e municípios, no sentido de fazer com estes possam aprimorar a toma de decisões a quando da realização de políticas públicas e de diretrizes de planejamento estratégico para o desenvolvimento sustentável do país. Por meio dele almeja-se induzir o desenvolvimento econômico de forma planejada, equiparado e respeitando de forma sustentável as potencialidades do patrimônio ambiental e sociocultural de determinado espaço geográfico[3].

No caso da Amazônia, mais precisamente do estado do Pará, registramos que este apresentou ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) uma proposta preliminar de um grande macrozoneamento do estado, baseado na presença de Unidades de Conservação e terras indígenas, históricos de ocupação humana das áreas, fragilidade ambiental e valor ecológico das áreas. Este macrozoneamento foi denominado de “Mapa de subsídios à gestão territorial do estado do Pará”[4].

Desta forma, o objetivo geral do ZEE da BR 163 seria a obtenção de informações sobre a distribuição de espécies existentes na região da BR-163 por meio da análise de dados primários e secundários a fim de propor ações pertinentes que permitam a conservação da biodiversidade no âmbito do Zoneamento Ecológico-Econômico da região.

As análises do relatório do ZEE da BR 163 foram divididas nas seguintes etapas básicas: análise de representatividade das áreas protegidas na área de abrangência do Projeto de Zoneamento Ecológico-Econômico da BR-163, a fim de sistematizar as referências para o estabelecimento, em bases objetivas, de uma hierarquia de prioridades para a conservação in situ; análise de lacunas e seus procedimentos para identificar o grau de representatividade do atual conjunto de áreas protegidas na área de abrangência do Projeto de Zoneamento Ecológico-Econômico da BR-163; identificar e quantificar a influência da infraestrutura humana na antropização na área de abrangência do Projeto de Zoneamento Ecológico-Econômico da BR-163, de forma a tentar preservar o máximo possível a biota local.

O ZEE da BR 163, sobretudo, no estado do Pará deu ênfase ao estudo do potencial dos agronegócios a serem implantados na região, de maneira que possibilitou a inserção deste em grande parte do território de Santarém e seus arredores. Nesse sentido, pode-se dizer que o ZEE da BR 163 foi feito de maneira a demonstrar as variáveis de desenvolvimento da região, e, por meio dele afirmar que a zona da BR 163 adstrita ao Pará estava apta à agricultura empresarial mecanizada, principalmente na região do planalto santareno.

Esse estudo revela as nuances dos aspectos particulares da expansão do agronegócio como atividade econômica em Santarém, assim como da dinâmica social a ela associada, o que pode ser visualizado por meio da análise dos produtos que o constituem - a soja, o arroz e o milho - na sua área de maior concentração, o planalto santareno[5].

Santarém e Belterra possuem grandes Unidades de Conservação, como a Floresta Nacional do Tapajós e a Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, nestes locais vivem grande parte dos povos tradicionais da Amazônia paraense, que a consolidaram em uma zona de produção familiar forte e diversificada, tal produção é feita por vários segmentos sociais também miscigenados, com larga tradição regional, tais como as famílias de migrantes nordestinos, que vivem do roçado, da produção de farinha e da fruticultura, algumas comunidades indígenas em fase de reconhecimento, cujos integrantes se auto reconhecem como indígenas, as comunidades ribeirinhas e quilombolas, que vivem do extrativismo e da pesca (TURA; CARVALHO, 2006, p. 01).

O ZEE do estado do Pará indica várias metas a serem perseguidas e a execução dessas seria de extrema importância para o desenvolvimento sustentável do mesmo, todavia, em Santarém, o que se tem observado é o surgimento de múltiplas políticas públicas feitas sem o adequado planejamento que tome por base estudos sobre seus efeitos futuros, o que tem afetado a dinâmica do uso e a forma de apropriação da terra, com danos irreversíveis para a população local[6].

Em virtude dessa diversidade populacional, das regras de uso do território, referentes às diversas modalidades de assentamentos existentes na região, se pode dizer que enquanto as normas do ZEE não sejam implementadas em sua totalidade, a tendência é o contínuo avanço da agricultura de grãos nessas áreas, causando o aumento do desflorestamento e a ocupação por agricultores empresariais, nas quais as condições biofísicas se mostrem adequadas (em especial áreas de relevo plano).

Na região santarena, os programas de colonização e os programas agropecuários existentes foram parte das políticas implementadas pelo Governo Militar brasileiro com o intento de trazer o desenvolvimento e ocupar a Amazônia, os quais estimularam a imigração para a esta nova fronteira agrícola no final dos anos 1960 e nos anos 1970. Todavia, a efetividade de tais programas em mantê-la de modo sustentável é ainda muito questionável (FEARNSIDE, 2006, p. 281).

No entanto, o ingresso do novo colonizador, seja da época do período áureo da borracha ou mesmo ao longo da instalação da Transamazônica, do “integrar para não entregar”, acabou por incentivar o crescimento desordenado dos grandes projetos agropecuários, e, em várias situações veio a culminar com a expulsão de ribeirinhos, seringueiros, povos indígenas ou descendentes destes e pequenos posseiros, que historicamente já ocupavam a região (CASTRO, 2010, p. 163-165).

Diante disso, se nota que a dinâmica de ocupação do solo na Amazônia tem se alterado, principalmente no município de Santarém, onde se percebe que os colonos assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) ou pequenos posseiros deixaram suas terras e migraram para novas fronteiras agrícolas ou para a cidade, enquanto seus antigos lotes passam a pertencer a produtores mais capitalizados, novos ocupantes vindos de outras regiões do país, que trabalham o solo de forma mecanizada, com pouca mão de obra, usando o capital a seu favor[7].

A atual estrutura fundiária em Santarém se pauta em grandes propriedades, em lotes pertencentes a posseiros, ribeirinhos e demais membros de comunidades tradicionais, algumas ainda em fase de titulação (como é o caso das terras indígenas), no entanto, a introdução da agricultura de grãos na região concorre para a diminuição das áreas florestadas e, principalmente, para a redução dos territórios agrícolas tradicionais, além disso, favorece uma maior concentração fundiária.

E, caso as regras de uso do território, referentes às diversas modalidades de assentamentos existentes na região, não sejam implementadas o quanto antes, a tendência é o contínuo avanço da agricultura de grãos na mesma, causando o aumento do desflorestamento e a ocupação por agricultores empresariais, em locais cujas condições biofísicas se mostrem adequadas, em especial, as áreas do planalto santareno.

O planalto santareno congrega os municípios de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, que é na atualidade o mais novo município paraense, mas que conta com um grande problema fundiário, a concentração de terras, oriunda justamente desse tipo de política agrícola descontrolada[8].

O atual contexto deixa claro que em alguns casos, o desenvolvimento trazido à região e o aglutinamento de diversas de áreas de colonização também favoreceram a rotatividade dos que cultivam a terra, pois a elevação do preço desta tornou a venda do lote mais rentável para os primeiros habitantes daquela do que a agricultura em si.

Diante disso, aumentou-se a especulação e a pressão dos novos colonizadores por maiores áreas de terras, uma vez que necessitavam estar cada vez mais perto dos centros de transporte dos grãos, a exemplo da BR 163 e do Porto da Cargill, o que fez com que o processo de apropriação pelos grandes produtores se intensificasse, ocasionando a redução do número de lotes destinados à agricultura de subsistência.

A inserção dos novos polos produtores de grãos em Santarém fez com que houvesse uma maior rotatividade no uso do solo, sai o agricultor tradicional, praticante da agricultura de subsistência e entra o grande produtor, que usa a mecanização e extensas áreas para produzir, tal rotação é oriunda tanto da venda da terra como do abandono desta por parte do primeiro.

Neste contexto o campesinato local é invisibilizado e sua antiga forma de vida e a rotatividade no uso das pequenas propriedades rurais podem ser acompanhados pela concentração fundiária e pelas mudanças no uso da terra. Campari, escrevendo sobre a temática, assinala que “A transferência de um lote de um indivíduo para outro e a concentração de terras ao longo do tempo – sobretudo pela aglutinação de lotes vizinhos que acabam constituindo grandes estabelecimentos agropecuários – constituem a base da hipótese de rotatividade e desmatamento, do inglês turnover hypothesis of deforestation” (CAMPARI, 2002, p. 7).

Nesse sentido, o uso da terra em Santarém sofre mudanças radicais, que vão desde a abertura das fronteiras aos diferentes modos de uso do solo e nos modos de exploração, o mesmo ocorre com a apropriação da cobertura vegetal desta, sendo estes distintos com a chegada dos pioneiros (tidos como precursores do processo de desmatamento da região) até a chegada dos novos proprietários, que foram os que mais contribuíram para o aumento dos índices de desmatamento em função da pecuária ou da agricultura destinada ao agronegócio de grãos.

Bertha Becker (2009, p. 86) reconhece uma tendência ao esgotamento da Amazônia como fronteira móvel; a autora destaca a “falência do arco do fogo”, ou seja, ressalta uma transformação da cadeia produtiva local; assevera que o homem do campo perde importância e ganha mais visibilidade aquele que vive nas cidades, isso devido a uma incorporação da Amazônia ao tecido produtivo nacional, que dá prioridade aos grandes produtores, pode-se perceber o alinhamento desta leitura com a realidade local observada no que tange aos efeitos das práticas capitalistas implantadas em Santarém na última década, onde os mecanismos de governança ambiental revelam-se falidos e sem nenhum valor diante da busca incessante pelo suposto crescimento econômico da região.

O cenário de ocupação da Amazônia, de Santarém, foi e está sendo pautado em conflitos resultantes de interesses antagônicos pela terra, onde os detentores de capital, vindos de outras regiões e incentivados de diversas formas pelo Estado acabam por fazer uso do território amazônico sem levar em conta os interesses das pessoas que já viviam ali antes. Isso tem se tornado na atualidade um dos desafios às políticas públicas para a Amazônia, coadunar os interesses dos novos migrantes com os das populações locais, além, é claro, de ter que medir esforços para o estabelecimento de um desenvolvimento regional sustentável para a região (BECKER, 2009, p. 125-126).

Para Bertha, existe um novo significado geopolítico da Amazônia no sentido de fronteira do capital natural com importância mundial, nesse cenário, se deve ressaltar a importância de pensar e agir na escala da Amazônia Transnacional, e que existe uma tendência ao esgotamento desta como fronteira de expansão demográfica e econômica nacional justamente devido aos conflitos desencadeados na região em virtude desse tipo de apoderamento da terra, que é feito sem levar em conta os interesses e direitos das comunidades locais (BECKER, 2009, p. 53).

Soma-se a isso, o fato de que atualmente se nota uma maior organização e resistência por parte das populações tradicionais diante da expropriação de suas terras, florestas e identidades. Estes povos buscam formas de desenvolvimento sustentável, e isso sempre deve ser levado e consideração pelo Estado. Deste modo, percebe-se que a voz da sociedade civil regional é algo que merece maior atenção e não deve ser renegada a um segundo plano, sob a desculpa de se desenvolver a região a qualquer custo.

Com o incentivo estatal às grandes propriedades agropecuárias, o aumento do êxodo rural desde a década de 80 em todo o Brasil e a continuidade do processo de substituição da ocupação pioneira da Amazônia, nota-se que tem havido a substituição de pequenos agricultores por produtores mais capitalizados, de maneira a dar uma nova roupagem à estrutura fundiária local, caracterizada, sobretudo, pela dinâmica demográfica (mobilidade e distribuição da população) e pela diversidade dos usos da terra na Amazônia, que por muitas vezes tem fomentado novos desmatamentos[9].

A partir de 2011, um estudo revelou que a concentração fundiária na região de Santarém e Belterra decorre de dois tipos de mudanças nos limites dos lotes originais, a saber:

a) fragmentação de lotes, ou seja, a divisão de lotes amostrados em estabelecimentos menores (alguns deles dificilmente poderiam ser denominados como estabelecimentos agropecuários, dadas as suas dimensões (em torno de 250m², semelhante à de lotes urbanos), localização (em vilas/​comunidades) e uso (servem geralmente como local de moradia); b) consolidação de lotes, ou seja, a incorporação de vários lotes originais em estabelecimentos maiores, grandes unidades não familiares, muitas das quais sem residentes, geralmente destinadas à pecuária e ao plantio mecanizado de arroz e soja[10].

Na pesquisa em questão, os estudiosos demonstraram que:

de 587 lotes, 131 (22%) mantiveram os mesmos limites originais; 39 (7%) foram divididos em estabelecimentos menores; 389 (67%) foram incorporados a estabelecimentos maiores; e 23 (4%) foram fragmentados e parcialmente incorporados a estabelecimentos maiores. O estudo evidencia que em termos absolutos, houve aumento no número de estabelecimentos com até 5ha (de 20 para 127) e na área ocupada por eles (de 59ha para 113ha); diminuição no número de estabelecimentos entre 5 ha e menos de 200ha (de 546 para 270) e na área ocupada por eles (de 22.934ha para 13.226 ha); e aumento no número de estabelecimentos com 200 ha ou mais (de 16 para 63) e na área ocupada por eles (de 4.988 ha para 46.528 ha)[11].

Nota-se, por conseguinte, que houve a diminuição no número de estabelecimentos agropecuários familiares, havendo, em contrapartida o aumento de grandes estabelecimentos agropecuários não familiares, o que revela um novo modo de trabalhar a terra na região santarena. Em razão desta alteração, percebe-se que as peculiaridades de atuação na terra desses novos atores agrícolas ajudam a pensar sobre a transformação do meio rural santareno para além dos modelos usualmente adotados.

 As mudanças no modo de ocupação do solo revelam expressiva mobilidade populacional interna ao município e a redistribuição humana na área ao longo do decurso do tempo, principalmente a partir dos anos 90, quando então a soja se instalou no planalto santareno[12].

O Gráfico abaixo sugere que a rotatividade dos lotes existe ao longo do tempo, fato que não se restringe só aos grandes estabelecimentos agropecuários, mas também alcança pequenos proprietários, que substituem alguns antigos donos de terras em pequenas e médias propriedades rurais.

Gráfico 1: Tempo de ocupação de terras zona rural da Amazônia

Fonte: Alvaro, Vanwey e Ludewigs, 2011.

No município de Santarém, as pequenas propriedades rurais próximas umas das outras tem a maior concentração de residências e de edificações para a prestação de serviços (postos de saúde, escolas e igrejas), o que as deixam com ares de comunidades, agrovilas do que de propriedades agropastoris; nelas algumas famílias mantêm pequenas roças (no geral de mandioca, arroz e feijão), plantam alguns pés de pimenta ou café, cultivam uma horta e árvores frutíferas; o gado é pouco, sendo usado para a produção de leite; rebanhos maiores, somente existem em áreas alugadas ou cedidas pelos pequenos agricultores, que servem de tratadores deste, geralmente na várzea, formando uma fonte de renda extra para as famílias[13].

Alguns lotes de terra são fruto da colonização do INCRA feita na década de 70, quando não, se resumem à mera posse. Grande parte das terras do município ainda está em fase de registro junto aos órgãos competentes[14].

Por meio da pesquisa de campo, se nota que os estabelecimentos com tamanho mediano dão continuidade ao uso mais diversificado da terra, há a manutenção de culturas anuais (milho, mandioca, arroz e feijão, por exemplo), perenes (pimenta e café) e criação de gado (para corte e leite), a mão de obra é familiar quando não, é contratada por empreitada em momentos certos, como na época da preparação do plantio e na safra (colheita), e é exatamente este tipo de produção que alimenta a população local, de Santarém, e movimenta o mercado de mão de obra ruralista.

Por fim, no que tange aos grandes estabelecimentos restou claro que nestes predomina o cultivo mecanizado de arroz, milho e soja, com ínfimo uso de mão de obra, que é feito de modo maciço no planalto santareno, cujo principal vetor, além das planícies, é a proximidade com o Porto de Santarém, quando não, se dedicam à criação de gado bovino em larga escala[15].

E, constata-se que em Santarém as áreas de porte médio ainda são uma realidade, apresentam práticas agrícolas mais tradicionais, bem como movimentam a economia local, no entanto, a concentração fundiária tem sido algo latente e vigora devido à mutação de um cenário baseado na agricultura familiar para o agronegócio, caracterizado por grandes estabelecimentos agropecuários, que se utilizam do uso intensivo da terra e de pouquíssima mão de obra, tendo estes em sua maior parte sido formado a partir da aglomeração de lotes pertencentes aos pequenos agricultores que tradicionalmente labutavam nas terras da região.

Como se vê o ZEE serviu-se de instrumento viabilizador das mudanças de uso da terra com forte predominância da agricultura de monocultivo mecanizada em detrimento das populações locais e agricultores familiares.

3  O licenciamento ambiental em xeque: a concessão de licença de operação ao porto destinado ao escoamento da soja

A expansão da soja em Santarém se deu não só pelo incentivo dos governantes locais nos anos 90 do século passado ou pelo solo propício à mecanização, mas foi também fruto da instalação do Porto de uma das maiores empresas graneleiras do mundo no município.

O Porto de Santarém foi inaugurado na década de 1970 em uma área de 500.000m², está localizado na margem direita do rio Tapajós, em uma parte que dá confluência com o rio Amazonas, o acesso fluvial a este se dá pelos rios Tapajós e Amazonas, fato que o permite receber navios com calado de 10 metros no período de maior estiagem e de até 16 metros no período de cheia do rio (março e setembro), por sua vez, o acesso rodoviário ao porto pode ser realizado pelas BR-163 (Cuiabá-Santarém) e BR-230 (Transamazônica) e foi exatamente nesse Porto que a Empresa Cargill se instalou após sair vencedora de um processo de licitação[16].

A multinacional com sede nos Estados Unidos tem como principal área de atuação o comércio internacional de grãos e é a maior exportadora de soja do Brasil. No ano de 1999, começou a se instalar em Santarém e justamente nessa época, a soja brasileira chegou ao seu auge, repetindo a mesma façanha no mercado internacional, atingindo preço elevadíssimo, desde então a empresa se mantém como potência na exportação grãos pelo Porto de Santarém[17].

A alta do preço da soja no mercado internacional e a procura pela diminuição dos custos, a instalação da Cargill no porto da Companhia das Docas do Pará, em Santarém, em 1999 veio fortalecer o agronegócio local, na medida em que facilitou o escoamento da produção vinda do Mato Grosso e incrementou a produção local por meio de financiamentos aos produtores, como antes mencionado.

Todavia, a instalação da empresa ensejou várias controvérsias, na medida em que, segundo relatos, teria contribuído para a extinção de uma praia da cidade, a praia da Vera-Paz, e trouxe discussões em torno de possíveis danos ao ecossistema do Rio Tapajós, sobretudo, com a entrada de espécimes exógenas, estranhas à biota local, danos estes que poderiam ter sido ventilados a quando da realização de estudos preliminares na área, mas que somente vieram a ser feitos após o ajuizamento de ações contra a obra[18].

Neste contexto surgiram os questionamentos sobre a necessidade de se questionar a legalidade da instalação da empresa no Porto, uma das críticas era a falta de EIA/​RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental), fato que fez com que o Ministério Público Federal (MPF) ingressasse com duas Ações Civis Públicas: a primeira, em 1999, questionando o procedimento licitatório, então em andamento, por não prever as áreas arrendadas no Porto de Santarém; e a segunda, em 2000, requerendo que fosse impedida qualquer obra na área arrendada, antes de aprovado o EIA/​RIMA.

Todavia, o empreendimento seguiu por todas as fases do licenciamento ambiental, Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação, quando o empreendimento já estava construído e em pleno vapor, com a licença de operação totalmente ativa, depois de quase 8 anos após o ingresso das demandas, a Justiça Federal finalmente obrigou a Cargill a realizar o EIA/​RIMA. Pela ordem judicial, o empreendimento deveria ser paralisado enquanto não fossem respeitadas as leis ambientais, no entanto, esta decisão foi derrubada por força de outra ação de mandado de segurança.

Os trabalhos da empresa continuaram e ela realizou o EIA/​RIMA e quando finalmente se encerrou o estudo e seus resultados foram apresentados e discutidos com a sociedade, em sede de audiência pública, todos foram surpreendidos com as denúncias de irregularidades no instrumento[19].

Na época da audiência pública, o Procurador da República, Felício Pontes, do MPF/​PA chamou de “absurdo jurídico” o fato de a empresa ter conseguido operar sem passar pelo crivo do EIA/​RIMA. O principal questionamento sobre a legalidade da atuação da Cargill pauta-se, sobretudo, na elaboração dos laudos e nos pareceres dados pelos técnicos que fizeram parte da equipe técnica. A primeira versão do EIA/​RIMA foi concluída em 2008, ou seja, cinco anos após aprovada a licença de operação do terminal fluvial. Em que pese tal fato, a SEMA-PA (Secretaria de Meio Ambiente do Pará) determinou a realização do estudo do EIA/​RIMA de forma mais abrangente, abarcando assim, toda a área de influência do empreendimento, para que fossem analisados todos os impactos socioambientais aportados pela expansão do cultivo da soja no oeste paraense, impulsionada pela instalação da multinacional no Porto. Esta segunda versão do EIA/​RIMA da Cargill somente ficou pronta em 2010.

O MPE-PA (Ministério Público do Estado do Pará), discordou da atuação e dos resultados obtidos pela empresa que elaborou os estudos de impacto ambiental ajuizando ação penal contra a mesma em razão do uso de informações falsas no mencionado instrumento.

Segundo os estudos realizados pela equipe multidisciplinar contratada pela empresa, a instalação do Porto da Cargill não teria influenciado o desmatamento na região santarena, sendo o aumento dos índices deste oriundos das atividades agropecuárias que previamente existiam na região. A conclusão deste relatório agilizou a tomada de decisão de forma favorável à concessão da licença de operação do Porto. Todavia, restou demonstrado que a instalação do Porto não só agravou os conflitos pela posse da terra, como também incentivou o aumento do desmatamento na região, sobretudo no planalto santareno, principal polo de produção da soja amazônica.

E, justamente devido a este fato, na ação do MPE-PA, a empresa autora dos estudos fora acusada de ter inserido “informações parcialmente incongruentes, as quais apontam desconformidades entre os textos utilizados como pilares para a construção dos argumentos favoráveis ao Licenciamento Ambiental da empresa Cargill S.A e os resultados dos próprios autores quanto às suas conclusões” (texto usado nas argumentações do MPE-PA), tais informações levaram em conta os dados supostamente distorcidos apresentados pela equipe multidisciplinar responsável, dentre os quais se destacam principalmente os dados estatísticos sobre o índice de desmatamento na zona rural de Santarém, os quais segundo o órgão ministerial, teriam sido adulterados de forma a não ser relacionados à instalação do porto da Cargill[20].

Como se não bastasse, diversas entidades que trabalham em parceria com movimentos sociais e populações tradicionais também acusaram a equipe responsável pelo EIA/​RIMA da Cargill de não levar em consideração diversos fatores para a concessão da licença, tais como os problemas socioambientais sofridos por algumas comunidades indígenas e de quilombolas que habitam o planalto santareno e que foram diretamente afetadas pelo plantio e pelo transporte da soja, a exemplo das comunidades de Açaizal e da Gleba Nova Olinda, onde há um movimento de índios ressurgidos, além de diversas outras comunidades locais.

Discussões jurídicas à parte, fato é que a Cargill continua em plena operação e a cada ano ver aumentado em várias toneladas sua exportação de grãos, no caso de arroz, milho e soja, sendo este último seu maior produto de exportação.

E mesmo diante de todas as contradições e entraves ocorridos por conta do EIA/​RIMA, em 08.08.2012, a SEMA-PA, concedeu licença de instalação para que a empresa pudesse realizar a expansão do terminal. O licenciamento formaliza o parecer técnico da SEMA sobre a viabilidade do empreendimento e permitirá com que este realize novos investimentos no terminal. Com o novo licenciamento, a empresa deve aumentar a capacidade de armazenagem do terminal, que passará a ter potencial para receber 90 mil toneladas de grãos. Segundo a empresa, também serão realizadas melhorias logísticas para recebimento, estocagem e embarque de grãos[21].

Neste contexto, verificou-se o aumento do desmatamento, com ênfase à expansão do plantio da soja. Somente em 2006, com a Moratória da Soja, as derrubadas foram contidas. A Moratória gerou um compromisso feito pela Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais – ABIOVE - e Associação Nacional dos Exportadores de Cereais – ANEC -, além de suas associadas, dentre elas, a própria Cargill. Pelo acordo, nenhuma soja plantada em área desmatada depois dessa data (2006) poderia ser comercializada. Mas, apesar do recuo da devastação, os impactos continuam sem soluções práticas e há relatos da CPT de que a moratória seria um engodo para tentar acalmar os ânimos sobre o consumo sustentável do grão principalmente nos mercados estrangeiros[22].

Conclusão

Como é possível observar está instalada na região santarena uma crise dos instrumentos de gestão ambiental que reflete na atuação estatal em prol do crescimento econômico e em prejuízo da sustentabilidade socioambiental.

A soja foi trazida para a região de Santarém acabou gerando fortes impactos sociais e ambientais na área de sua abrangência, dizimando modos de vidas, além de agravar alguns problemas já existentes, como o desmatamento, a grilagem e a violência no campo. Tudo isto sob os auspícios do poder público num cenário em que o ZEE da BR 163 apresentou-se como um instrumento que permitiu agilizar e incentivar a chegada de grandes produtores de outras regiões, tais como do Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Paraná, sem atentar para as necessárias cautelas com este tipo de nova destinação do uso do solo, fato que historicamente tem gerado riqueza para uns e pobreza para outros. Ao lado disto, se pode observar que o licenciamento ambiental apresentou-se como um instrumento ineficaz contribuindo também para esta realidade.

Diante disso, para solucionar tais conflitos, faz-se necessária a presença do Estado como de fato o deve ser, como um ente protetor, garantidor dos instrumentos da boa governança ambiental, dos direitos básicos da população, principalmente das minorias, no caso, dos povos tradicionais diretamente afetados; é necessária uma real aplicação do exercício do poder de polícia, que possibilite à Administração a atuar de forma a prevenir e evitar desmatamentos, grilagem, a violência e outros impactos socioambientais em Santarém; faz-se necessário, de imediato, mapear e avaliar corretamente todos impactos socioculturais desencadeados pelo cultivo da soja em Santarém; é crucial que a atuação do Estado para ocupação e exploração econômica da Amazônia leve em conta os modos de vida, de criar, fazer e viver dos povos que nela residem, pois em não o fazendo, fatalmente estará levando-os à extinção.

Referências

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ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO DA ÁREA DE INFLUÊNCIA DA RODOVIA BR-163. EMBRAPA, 2006.



. Recebido em: 3 abr. 2017. Avaliado em: 26 abr. e 05 maio 2017.

[1]  Na obra Amazônia – geopolítica na virada do III milênio, publicado pela Editora Garamond em 2004, Bertha Becker revela as nuances desse processo de tomada do espaço amazônico, delimita os aspectos das novas fronteiras, destacando com maestria o entendimento da Amazônia em seus múltiplos aspectos interligados, geográfico, político, econômico, social e ambiental, face ao fenômeno da globalização.

[2]  O Zoneamento Ecológico-Econômico tem previsão legislativa federal nos Decretos Leis de números 99.193, 99.246 e 99.540 de 27/​3, 10/​5 e 21/​09 de 1990; Decreto nº 237 de 24/​10/​91; Decreto nº 707 de 22/​12/​92, além do art. 9º da Lei n.º 6.938/​81.

[3]  Para maiores informações ver o trabalho dos pesquisadores Bertha Becker e Cláudio Ecler, Detalhamento da metodologia para execução do zoneamento ecológico econômico pelos estados da Amazônia Legal, p. 06-08.

[4]  A importância do atual sistema de unidades de conservação e terras indígenas na conservação da biodiversidade e contenção do desflorestamento na região da BR-163 no Estado do Pará, in Zoneamento Ecológico-Econômico da Área de Influência da Rodovia BR-163, EMBRAPA, p. 03.

[5]  O agronegócio chegou em Santarém no final da década de 90, quando muitos fazendeiros de outras regiões vieram em busca de terras mais baratas para o cultivo de grãos, principalmente o arroz, a soja e o milho. Nos primeiros anos foram plantados apenas milho e arroz e em seguida, iniciou-se o plantio da soja. Após a instalação do porto da Cargill em Santarém (2001 e 2002), houve um aumento da área plantada de soja passando de 50 ha de área plantada em 1997 para 22.000 ha em 2005 e caindo para 15.000 ha em 2007 (fonte IBGE 2009).

[6]  A soja foi trazida para a região santarena por meio do contato direto de governantes locais (Lira Maia), que na década de 90, se dirigiram para o Mato Grosso e estimularam os produtores daquele estado a se instalarem em Santarém. O planalto santareno era propício à mecanização do solo e as terras nessa época eram baratas, o que facilitou o ingresso da soja no município, porém, não houve nenhum tipo de estudo dos impactos que a soja poderia desencadear às terras, aos rios, igarapés e aos povos locais (fonte: pesquisa de campo, setembro de 2012).

[7]  Segundo informações obtidas na pesquisa de campo, realizada em setembro de 2012, há relatos de que muitas famílias deixaram suas terras, foram compelidas a isso em virtude da chegada de grandes produtores, que os comprimiam diante de suas grandes plantações de soja e de arroz, fazendo com que estes não tivessem outra alternativa a não ser vendê-las e migrar. Muitos foram para a zona urbana, em Santarém, outros para Manaus, Belterra, e Belém, quando não se dirigiram para ao longo da BR-163, perto da FLONA (Floresta Nacional), onde formaram pequenos conglomerados, vilarejos, ou mesmo foram para o interior da mata, onde desmataram alguns lotes de terra e novamente passaram a plantar, exercendo a agricultura de subsistência.

[8]  A pesquisa de campo feita pelos autores mostra que vilas inteiras deixaram de existir para ceder espaço ao cultivo da soja e que escolas e até mesmo cemitérios ativos funcionam dentro das plantações.

[9]  Ver Relatório Relação entre o cultivo de soja e desmatamento. Compreendendo a dinâmica, do Fórum Brasileiro de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), Grupo de Trabalho de Florestas, ISA, IMAFLORA, Instituto Centro Vida, WWF-Brasil, 2004.

[10] Polarização da estrutura fundiária e mudanças no uso e na cobertura da terra na Amazônia (Polarization in the land distribuition land use and land cover change in the Amazon) de D’ Antona Alvaro, Leah Vanwey e Thomas Ludewigs, trabalho publicado na Revista Acta Amazonia, Volume 41, nº 02, Manaus, 2011.

[11] Para maior entendimento da explanação ver trabalho descrito na nota de número 15.

[12] Tal fato pôde ser constatado na pesquisa de campo, em visita às plantações de soja, por meio das conversas talhadas com trabalhadores rurais, sindicalistas e na entrevista realizado com o representante da Comissão Pastoral da Terra Diocese de Santarém (CPT/​STM).

[13] Fonte: Pesquisa de campo, setembro de 2012.

[14] Na década de 1970, o Programa de Integração Nacional (PIN) deu origem a vários projetos de ordenamento territorial orientado pelo estado, entre eles, o de ocupação dirigida, que motivou um fluxo migratório para a região de pessoas de origem, principalmente, nordestina, o fomento à atividades agrícolas e ao uso e prospecção dos recursos naturais, resultando em conflitos em função dos diferentes interesses dos atores envolvidos.

[15] Assim como nas plantações de soja e arroz, a criação e gado não depende de grande número de mão de obra, no geral, há apenas um vaqueiro e alguns poucos trabalhadores que são usados para a manutenção do pasto. O número de rebanho bovino do Município de Santarém em 2009 era de 116.503 cabeças, segundo o IBGE.

[16] O porto entrou em operação em 2003, o Terminal Fluvial de Granéis Sólidos de Santarém foi construído para escoar parte da produção de grãos adquirida pela Cargill na região centro-oeste do Brasil (Mato Grosso), e também permitiu à comunidade local a possibilidade de escoamento de sua produção. Segundo a própria Cargill, atualmente o Terminal movimenta soja e milho, operando por meio dos modais rodoviário e hidroviário: mais de 80% dos grãos viaja de Mato Grosso até Porto Velho (RO) ou Miritituba (PA) em caminhões, onde são posteriormente transbordados para as barcaças que seguem até Santarém, os outros 20% chegam ao terminal em caminhões vindos diretamente do estado do Mato Grosso pela BR 163 ou sao oriundos da produção local. Segunda a empresa, a capacidade atual para embarque é de dois milhões de toneladas de grãos ao ano e armazenagem de 60 mil toneladas. O Terminal iniciou sua obra de expansão em maio de 2014, o que permitirá um aumento da capacidade de embarque anual para cinco milhões de toneladas e armazenagem de 114 mil toneladas (CARGILL, 2016).

[17] Com a construção do terminal graneleiro, a Cargill passou a exportar grãos de Santarém para vários países da Europa, para o Japão, para a China e para o México. Desde a sua inauguração, em abril de 2003 até agosto de 2005 cerca de 1.728.000 toneladas de grãos haviam sido exportados. Desse total, cerca de 200 mil toneladas eram de milho e o restante de soja (CARGILL, 2009). Em 2006, a Cargill movimentou cerca de 1 milhão de toneladas de grãos pelo Porto de Santarém (Fonte: Jornal Valor Econômico – www.jornalvaloreconomico.com.br-, de 27/​03/​07).

[18] Segundo a CPT/​STM (2012), um grande e preocupante problema nos rios da região do Baixo Amazonas é a introdução de espécies exóticas invasoras, transportadas pela água de lastro dos navios que transitam e aportam nos rios da região, principalmente quando vem para o embarque dos grãos por meio da Cargill. Estudos confirmam a introdução do molusco Bivalve Corbicula Fluminea nos rios Surubiú (braço do rio Amazonas) e Tapajós. O molusco tem origem asiática e pode se alastrar rapidamente ocasionando assim uma diminuição drástica no número de espécies nativas. Entre as consequências diretas da invasão de espécies exóticas em ecossistemas diferentes, estão à diminuição da biodiversidade e o desequilíbrio ambiental. O grande agravante é que invasões biológicas não desaparecem por conta própria em médio ou longo prazo.

[19] No dia da audiência pública, constatadas as fraudes, um membro do MPE/​PA se dirigiu à Delegacia de Polícia Civil e providenciou a instauração de inquérito policial para apuração do fato. Assim teve início o IPL no 273/​2010.000082-4, em 29/​07/​2010, requisitado pelo MPE/​PA e pelo MPF por meio do Ofício no 304/​2010-MP/​CMP. O inquérito concluiu pela existência de autoria e materialidade dos crimes tipificados no art. 69-A, caput, da Lei no 9.605/​98 e art. 299, caput, do Código Penal imputados à CPEA (empresa que elaborou o EIA/​RIMA) e à Cargill.

[20] Fonte: Rio de ouro e Soja, artigo publicado por Carlos Juliano Barros em http://​www.apublica.org/​2012/​12/​rio-de-ouro-soja/​, com acesso em 19.02.2012, às 14h.

[21] Fonte: Brasil Econômico, com acesso em http://​www.brasileconomico.ig.com.br/​noticias/​cargill-recebe-licenca-para-expandir-terminal-em-santarem_120393.html, com acesso no dia 09.11.2012.

[22] Segundo matéria publicada no Jornal O Liberal, de 21/​09/​2008, a moratória da soja na Amazônia, decretada por organizações não-governamentais (ONGs), grandes empresas de grãos e até mesmo pelo movimento ambientalista Greenpeace, não passou de propaganda e de marketing para influenciar consumidores da Europa seduzidos pelo apelo de preservação da floresta. A materia destaca que a suposta moratória que foi criada supostamente para frear o desmatamento na região seria uma autêntica farsa, tais argumentos surgem com base em um relatório divulgado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Santarém, o relatório da CPT diz que, além dos impactos ambientais, o cultivo de soja na Amazônia provocou e ainda provoca conflitos sociais e fundiários na região.