Escola Superior de Gestão do Instituto
Politécnico do Cávado e do Ave, Portugal.
marciaoliveira@ipca.pt
Resumo
Objetivo: Breve análise da conceção de família à luz do
direito romano e do direito civil português contemporâneo.
Metodologia: Recorreu-se ao método jurídico descritivo
através de instrumentos qualitativos com delineamentos transversais
correlacionais/causais que incluem textos didáticos e legislativos
Resultados: A família romana difere da família
contemporânea regulada pelo Direito Civil Português em pelo menos três pontos
essenciais: primeiro, na forma da célula familiar; segundo, no momento da
aquisição da capacidade jurídica e terceiro no papel atribuído e reconhecido à
mulher no casamento e na vida social. Releva, do ponto de vista da célula
familiar alargada, a existência do paterfamilias que era o chefe da
família romana. A mulher estava numa
posição de fragilidade e de desigualdade, quer por via do casamento quer na
vida social. A configuração da familia no direito civil português depara-se com
novas configurações derivadas das novas realidades afetivas e sociais, sendo
muito dificil designar de forma simples o que se entende por familia à luz da
contemporaneidade.
Contributo: Para a compreensão de que a conceção de
família não é estática e encontra-se intimamente ligada às sucessivas evoluções
históricas. A família não pode, nem consegue, abstrair-se das constantes
mutações que a sociedade sofre, antes tende de adaptar-se às novas realidades
que vão surgindo. A mudança de
padrão não quer dizer necessariamente que a família esteja em crise ou rutura,
quer unicamente dizer isso mesmo, que está a mudar.
Palavras-chave: Casamento.
Família. Filhos. Mulher. Paterfamilias.
Abstract
Objective: Brief analysis of the concept of the family in the light of Roman law
and contemporary Portuguese civil law.
Methodology: The
descriptive legal method was applied by means of qualitative instruments with
overarching correlational/causal delimitations that include didactic and
legislative texts.
Results: The Roman family differs from the
contemporary family regulated by Portuguese civil law in at least three main
ways: first, in the form of the family cell; second, in the timing of the
acquisition of legal capacity; and third, in the role attributed and recognised
to women in marriage and social life. From the perspective of view of the
extended family cell, the existence of the paterfamilias, who was the head of
the Roman family, is significant. The woman was in a position of weakness and
inequality, whether through marriage or in social life. The configuration of
the family in Portuguese civil law is confronted with new configurations
resulting from new affective and social realities, and it is very difficult to
determine in a simple way what is meant by family in the light of
contemporaneity.
Contribution: To understand that the concept of family is not static and is closely
linked to successive historical developments. The family cannot and must not
detach itself from the constant changes in society undergoes, but must adapt to
the new realities that emerge. The changing pattern does not necessarily mean
that the family is in crisis or breaking up, it just means that it is changing.
Keywords: Marriage. Family.
Children. Paterfamilias. Woman.
A análise da família à luz do
direito romano e do direito civil português contemporâneo é o desafio deste
artigo. Escolhemos três aspetos distintivos entre os dois regimes e
relativamente aos quais nos vamos debruçar: primeiro a forma da célula ou
unidade familiar; segundo, o momento da aquisição da capacidade jurídica, e terceiro
a posição da mulher nesta realidade complexa.
Na primeira parte deste trabalho apresentaremos a família
romana centrada na autoridade do paterfamílias explicando o que este
conceito significava em termos jurídicos e de facto, desenhando um quadro do
que foi a família no império romano e do papel do imperador em relação à existência
dos laços familiares, o casamento, a filiação e a maioridade.
Na segunda parte, a família à luz do direito civil
português fazendo uma breve referência à evolução deste regime legal nas
últimas décadas, até chegar ao modelo da família contemporânea.
A conceção de família não é estática e encontra-se
intimamente ligada às sucessivas evoluções históricas. A família não pode, nem
consegue, abstrair-se das constantes mutações que a sociedade “sofre”, antes tende
a adaptar-se às novas realidades que vão surgindo. Conforme refere, e bem, em
nosso entendimento, a autora MARIA ENGRÁCIA LEANDRO[1],
devemos olhar para a família com uma lente distanciada do seu elemento
histórico, ou seja, devemo-nos abstrair de conceções pré-formatadas de família,
olhando antes para ela como uma “instituição flexível e persistente”
reconfigurada para os dias de hoje. A mudança de padrão não quer dizer
necessariamente que a “família” esteja em crise ou rutura, quer unicamente
dizer isso mesmo, que está a mudar.
Nas palavras de ULPIANUS, “A palavra família refere-se
também a um grupo de pessoas unidas por um direito de relação especial (…) o
conjunto de pessoas que se encontram sob o mesmo poder (…) Chama-se paterfamilias
o que tem o domínio da casa”[2].
Esta conceção de família tem na sua base um vínculo jurídico, denominado
agnatício, que une as pessoas que se encontram juridicamente submetidas ao
poder de um chefe, do paterfamilias. Daí também podermos designar esta
família por família agnatícia,[3]
tendo sido este o modelo da família nuclear romana por longo tempo.
Contudo, e fruto de uma incessante intervenção do pretor e
da atividade legislativa, que ia colocando a conceção da família romana em
sintonia com as novas realidades emergentes, resultado das novas conceções
cristãs repletas de ética, assistimos a uma aproximação da conceção da família
romana à família dos nossos dias, desta feita, cunhada pelo vínculo sanguíneo.
É a denominada família natural, também designada por cognatícia, e que assumiu
o lugar da primeira.
A explicação quanto à origem da
família romana não é de todo pacífica. A este respeito SANTOS JUSTO refere que
“se a evolução se pode explicar por novos ambientes sociais e religiosos que
favoreceram o desenvolvimento da família natural (ou cognatícia) e deram aos
termos romanos patria potestas,
adoptio e emancipatio, pater, tutor, curator, etc., um novo
significado, não têm faltado explicações sobre a singularidade estrutural que a
caracterizou”[4], sustentando esta ideia na doutrina desenvolvida por
BONFANTE, que defende que a família romana surgiu sobretudo para satisfação de
uma finalidade essencialmente política, nomeadamente, acautelar a ordem interna
e defender os seus membros externamente. Assim se justifica a existência de
determinados princípios, nomeadamente: apenas se pode pertencer à família
paterna, excluindo-se a materna; a existência de um único chefe a quem todos os
outros elementos da família obedecem – o paterfamilias, que assumia igualmente as funções de sacerdote da única
religião permitida; o reconhecimento de apenas um conjunto de bens que
constituem o património independente; a existência de um único tribunal
doméstico; o herdeiro (heres) sucede somente na soberania do grupo familiar, mas não no
património[5].
No mesmo sentido, CABRAL MONCADA,
acentua o carácter político que a família revestia, considerando que a mesma
constituía um “verdadeiro estado em ponto pequeno”. Refere ainda que “o
parentesco (agnação, agnatio) era nela, não tanto um vínculo de pura consanguinidade, mas
uma vínculo simultanemaente de consanguinidade só por linha masculina,
religioso e de sujeição política dos seus membros a um chefe único que era um
chefe absoluto, o pater ou paterfamilias”[6].
Conforme se pode depreender das
visões enunciadas, a figura feminina é totalmente inexistente. Neste contexto,
as mulheres tinham um estatuto inferior dentro da família romana em relação aos
homens e, portanto, eram mais afetadas nas relações domésticas relativamente ao
paterfamilias. Por outras palavras,
o elemento mais fraco no contexto familiar em Roma, era constituído pelas
mulheres, não gozando estas de muita consideração, vistas como pessoas de parca
capacidade, devendo dedicar-se única e exclusivamente a cuidar da casa, cuidar
do marido e à procriação dos filhos, em cuja educação intervinham, apenas, na
mais tenra infância[7], uma vez que a sua condição natural de mulheres não as
tornava dignas de educar os filhos para o futuro, sobretudo os varões[8], que se destinavam às mais altas esferas do poder público do
Estado Romano da época.
Desta forma, as mulheres deveriam
comportar-se dentro da família de acordo com os cânones da mais estrita moral
romana estabelecida, se quisessem evitar ser processadas pelo seu comportamento
ou punidas pelos seus desvios de conduta e, nesses casos, era frequente
assistir-se a julgamentos familiares levados a cabo pelo paterfamilias, que exercia a sua auctoritas não apenas sobre
elas, mas também sobre os homens que cometessem atos considerados graves e
dignos de punição, uma vez que também estes poderiam ser submetidos à estrutura
fortemente hierarquizada da família da época, presidida pelo seu pater.
Nas palavras de SANTOS JUSTO, o
conceito de materfamilias traduz um título meramente honorífico, desprovido de
qualquer valor jurídico, representando na vida social a figura da esposa ou da
mãe, sendo consideradas incapazes para a gestão familiar, papel esse assumido
apenas pelo paterfamilias[9].
A família romana tem uma
série de características que a tornam única e diferente das restantes comunidades
familiares da época[10].
Conforme já atrás
referimos, podemos definir a família romana como uma organização jurídica que
agrega uma multiplicidade de pessoas que se encontram submetidas ao poder do
chefe de família designado por paterfamilias.
Todos os membros da família estavam sujeitos ao
seu poder, assumindo este a autoridade máxima dentro da família[11]. Esta autoridade era traduzida por um conjunto
amplo de poderes que aquele exercia sobre todos os elementos da sua família,
denominado por manus, que traduz o símbolo do poder e da força[12], cuja expressão máxima era representada pelo
direito de vida e de morte que ele detinha sobre os seus filhos, ius vitae necisque[13], e cuja previsão se encontrava na Lei das XII
Tábuas para filhos com deformação[14].
A família agnatícia, proprio iure dicta, era
composta pelo conjunto de pessoas sujeitas à autoridade do pater, os alieni iuris[15], fossem estes sujeitos por
via dos laços de sangue, como os filhos nascidos no casamento legítimo, o
fossem por via de uma relação jurídica, como a estabelecida pelo pater quando se
casa com uma mulher, desde que a forma de casamento escolhida fosse in manu[16], única forma existente na
época romana arcaica, e que se traduzia na submissão total daquela ao poder
marital, ou o fossem por via da adrogatio ou adoptio[17]. A primeira traduz-se no acto através do qual o paterfamilias se
sujeita à autoridade de outro, tornando-se aquele alieni iuris e filius -familias do adrogator, como se
tivesse nascido naquele seio familiar. A segunda, a adoptio, consiste no ato jurídico
em virtude do qual, um
alieni iuris estranho ingressa numa
família com o estatuto de filho, neto ou bisneto, afastando-se, assim, da sua
família originária e, consequentemente, perdendo todos os seus direitos.
Denominador comum e transversal
às diversas formas de constituição daquele vínculo jurídico, traduz-se no facto
de todos aquelas pessoas estarem sujeitas ao poder do mesmo paterfamilias.
Tendencialmente, este vínculo assumia um carácter perpétuo, cessando, natural e
originariamente, com a morte daquele ou da pessoa que a ele estava sujeita,
tornando-se os seus filhos e filhas sui
iuris. Quando aquele morre, a
família divide-se em tantas famílias quantos os filhos (homens) que se tornam paterfamilias ou sui iuris[18]. No que à mulher se refere, ainda que a mesma se
tornasse sui iuris, não constituía família, na aceção romanista, uma
vez que a mesma não poderia ser pater nem pertencer a outra família, ficando assim numa
posição isolada, tornando-se assim na cabeça e fim de sua própria família, nas
palavras de ULPIANO que se encontram no Digesto “Mulier autem familiae suae et caput, et finis est”[19].
No contexto da conceção
jurídica patriarcal, o sexo era um fator determinante para a distinção entre o
homem e a mulher, com claro prejuízo para esta última.
No caso em particular das
mulheres, elas poderiam ser alieni
iuris, dependentes e, como tal,
sujeitas à vontade do paterfamilias, ou gozar da posição jurídica de sui iuris, mais
favorável, pelo menos aparentemente, uma vez que pressupunha um maior grau de
liberdade, embora, de uma forma camuflada, uma vez que carecia sempre da
assistência de um homem, neste caso designado tutor, para lhe conferir a sua
autorização prévia a qualquer ato jurídico relevante praticado por uma mulher sui iuris.
Logo, a mulher alieni iuris, filiaefamilias, carecia
de toda liberdade[20], porque estava sujeita ao poder de seu pai, o paterfamilias, e o seu
status familiar não mudava com a morte do pater, pois
continuava a ser filiaefamilias[21].Se atentarmos à condição da mulher única e
exclusivamente sob a lente da legislação antiga, a mesma é descrita com as
palavras mais sombrias, conforme e bem nos relata FRANCIOSI:
Il marito è giudice della própria moglie; il suo potere non há limiti: se
essa ha comesso qualche fallo, la punisce; se há bevuto vino o se há relazioni
com un altro uomo la condanna. Se l”uomo coglie la moglie in flagrante
adultério può ucciderla impunemente. Nel caso di adultério del marito, invece,
la donna osi toccarlo seppure com um dito, perche non ne ha il diritto[22].
Contudo, este
contexto, típico do Direito Romano clássico, é visivelmente modificado no
direito pós-clássico, pois a relevância que o vínculo consanguíneo começa a
assumir traduzirá a assimilação dos filhos independentemente de seu sexo, até
chegar à era justiniana, em que a legislação do imperador coloca as mulheres
numa posição manifestamente melhor do que aquela em que se encontrava nos
séculos anteriores, com um nível de independência que lhe confere o poder de
dispor dos seus bens, contrair obrigações para si e, até responder por elas, em
ações que antes não poderiam ser dirigidas contra uma mulher[23]. A mater está para este parentesco como
o pater está para a adgnatio[24].
Na última etapa
republicana, já se percebe o declínio da família agnatícia, pela sua
artificialidade e pelas consequências arbitrárias que acarretava no quadro
familiar e hereditário, de modo que a conventio in manum perde o sentido
e aos poucos desaparece[25].
As mulheres, na
época imperial[26], depararam-se com profundas mudanças sociais e
jurídicas, e que, de um certo modo, até se mostraram mais favoráveis à sua
condição. Contudo, e apesar de a sua situação jurídica ainda se manter no
registo da subalternidade face à supremacia masculina, própria da cultura
romana, o mesmo foi-se atenuando, e a clara submissão de tempos anteriores, dá
lugar a uma nova forma de compreender a capacidade e condição femininas.
A sustentar esta mudança, veja-se a título exemplificativo, a tutela
mulierum[27], um mecanismo legal
destinado a monitorizar a conduta das mulheres, atenta a sua considerada
ligeireza de espírito e capacidade limitada[28], o que pressupunha
a existência de uma supervisão por parte do tutor para endossar todos os atos
jurídicos em que a mesma tivesse de intervir, desapareceu precisamente nessa
época. As razões apontadas para a sua existência já eram fortemente
contrariadas na época clássica, conforme se pode ler em GAIUS:
O que vulgarmente se
crê de que geralmente são enganadas pela ligeireza do seu espírito (…) é uma
razão mais aparente do que verdadeira, pois as mulheres adultas tratam dos seus
negócios por si mesmas e há casos em que o tutor interpõe a sua autoridade por
mero formalismo e frequentemente forçado pelo pretor, também autoriza atos
contra a sua vontade.[29]
O Imperador Augusto
foi um forte impulsionador e defensor da liberdade das mulheres[30], tendo reconhecido nelas uma capacidade muito
superior à reconhecida até então.
No entanto, a
sociedade já à época e a par do que acontece hodiernamente, também evoluiu. Uma
evolução natural, determinada pelos mais variados fatores, onde o tempo assume
uma função de relevo nos costumes, instituições, ambientes e, consequentemente,
no próprio homem, numa natural dinâmica. Assim, a atuação do pretor, associada
a uma cada vez mais premente atividade legislativa movida por influências
sociais e políticas, ditam o início da decadência da antiga família agnatícia, família
próprio iure, impondo uma conceção da família romana mais sintonizada com a
realidade da época e mais aproximada àquela que viria a ser a realidade dos
nossos tempos. SANTOS JUSTO[31], respirando do pensamento jurídico da Escola
Histórica Alemã, refere: “Constituindo o direito parte da cultura de um povo e
sendo esta eminentemente dinâmica, as instituições jurídicas não podem deixar
de evoluir, têm necessariamente história.”
A família romana
sofre assim uma profunda alteração. De uma conceção assente num agrupamento de
pessoas ligadas entre si pelo facto de estarem sujeitas ao poder ilimitado e
indiscriminado do pater, forma-se uma nova consciência, desta feita
assente numa comunidade de pessoas unidas, sobretudo, pelo laço do sangue. De
um vínculo jurídico (agnatício) passamos para um vínculo de sangue
(cognatício), tendo aquele sido, finalmente, abolido, no direito justinianeu,
tendo a família natural se assumido totalmente, sendo agora o casamento a
constituir o núcleo da família, em clara oposição à antiga prevalência da família agnatícia do parentesco civil[32].
O casamento sine manu[33], forma mais evoluída
do que a anterior (cum manu), em que a mulher mantém os seus vínculos com a
família de origem[34], supõe uma nova
forma de estruturação familiar em Roma, na qual a mulher, caso não dependa de
ninguém, é considerada sui iuris[35], parecendo até
atingir maiores níveis de independência. Porém, na realidade, tal liberdade é diminuída,
ou até mesmo limitada, pela submissão à tutela mulierum[36], instituto jurídico
que exige a auctoritas obrigatória de um tutor antes de certos atos
jurídicos da mulher[37], o que explica a
escassa autonomia feminina alcançada[38], uma vez que a
mesma gozava de uma liberdade condicionada.
A criação da tutela mulierum[39] não traduz qualquer
preocupação de proteção contra qualquer abuso relativamente a atos jurídicos
que possam ser praticados pelas mulheres, antes sim, a intenção de criar um
mecanismo apto a controlar e limitar a suposta autonomia e independência da
mulher, com reflexos ao nível do exercício da sua capacidade de exercício, a
coberto de uma suposta proteção exercida pelo guardião designado. Conforme
refere SANTOS JUSTO, restava a extinção formal cuja data precisa se ignora[40]. Nos novos tempos a
realidade ultrapassa a legislação distorcida e torna a tutela um instrumento
jurídico obsoleto, fortalecendo substancialmente a capacidade de atuação da
mulher[41].
Sem base para se converter num dever, esta forma arcaica de proceder
foi sendo superada e a mulher progressivamente libertada da necessária auctoritas
de
seu tutor[42].
Vimos as particularidades mais importantes relacionados com a família
romana, produtoras de efeitos legais sobre os sujeitos que integram o seu
núcleo. Trata-se, sem margem para dúvidas, de uma síntese que nos permite ter
uma melhor perceção das relações familiares na Roma antiga, em clara
correspondência com a evolução lógica vivida no seio da família romana, a conceção
agnática da família, com o cum manu matrimonial e a sujeição dos membros da família
ao poder do paterfamílias, começou a ser questionada nos últimos tempos
da República, tendo como principal reflexo a atenuação do carácter absoluto do
poder do paterfamílias[43], que já não gozará
de tal prerrogativa relativamente àqueles que compõem a unidade familiar.
A família, é um “elemento fundamental da sociedade”[44],
que não pode nem deve ficar refém de um modelo estereotipado, enraizado numa
determinada realidade histórica que em nada se coaduna com a realidade atual. Neste
sentido, o séc. XIX determina o início, por toda a Europa, de uma mudança de
paradigma no que ao casamento, como fonte de relações familiares, diz respeito.
As uniões oficiais, com um objetivo predominantemente económico e reprodutivo,
eram determinadas pelos grupos a que os noivos pertenciam, devendo estes
respeitar as suas regras e exigências do grupo a que pertenciam. O casal,
individualmente, praticamente não existia. Era o denominado “casamento aliança”[45].
A nova cultura da família apontava agora para um novo
modelo de casamento assente num substrato afetivo, a designada “família
nuclear”, composta por pai, mãe e filhos, sendo este agora um assunto dos
noivos, desprovido, ou alegadamente desprovido, dos interesses das respetivas
famílias. Este era o modelo recomendado pela Igreja Católica e pela burguesia
da época: um casamento estável, a mulher ocupada com as lides domésticas e com
a criação dos filhos sob a supervisão do “pater familias”, a quem
incumbia a principal função de prover à sua subsistência.
Tínhamos assim um modelo de família marcadamente
hierarquizada baseada na diferenciação dos cônjuges, onde os interesses da
família sobrepesavam sobre os interesses pessoais de cada um dos membros que a
compunham.
O início da mudança surge por volta dos anos setenta do
séc. XX com o movimento democratizador de 25 de Abril de 1974, culminado pela
Revolução.
Discretamente brotam os primeiros movimentos defensores
dos direitos das mulheres na luta pela consagração da igualdade jurídica.
Conforme ensina Guilherme de Oliveira[46],
os ideais da democratização da família traduziram-se na libertação da mulher do
modelo anterior que a confinava a uma posição de mera subordinação perante o
marido, a sociedade e a lei. As condições económicas da época aliadas a um
nível de escolaridade mais transversal e sofisticado propiciavam à mulher sair
do lar em busca de um trabalho regularmente remunerado que as realizasse
profissionalmente e que lhes permitisse traçar o seu próprio percurso em pé de
igualdade com os homens.
A par, a tradição e a religião católica, vão perdendo
terreno como reguladores para a constituição de relações familiares, assumindo
os indivíduos de forma gradual a sua autonomia afetiva, sexual e familiar. A
composição da família e o seu papel no Estado têm evoluído, ao longo dos
tempos, variando de país para país, como de cultura ou povo, indo ao encontro
dos valores, costumes e tradições defendidas.
A lei civil, em paralelo com o que se verifica no artigo
67º da Constituição da República Portuguesa, não apresenta uma definição de
família.[47] É
desde logo evidente a importância que daqui decorre para esta instituição na
medida em que lhe é conferida dignidade constitucional. A CRP dedica-lhe um
regime jurídico composto pelas seguintes normas jurídicas: art.º 36, 67º, 68º,
69º, 72º e de parte do art.º 26 da CRP. Estes normativos assumem uma dupla
função: para além de constituírem uma orientação da intervenção do legislador
ordinário, assumem um papel preponderante na interpretação e integração da lei.
A Constituição qualifica a família, sem nunca a definir, como “elemento
fundamental da sociedade” e a opção do legislador ordinário foi no sentido de enunciar,
no art.º 1576 do Código Civil, as fontes das relações familiares, reduzindo as
mesmas ao casamento, parentesco, afinidade e por último, a adoção.
Segundo GUILHERME DE OLIVEIRA,
“Em face do art. 1576.º CC, pode entender‑se que, além das que foram mencionadas,
não haja outras relações familiares que como tais devam ser consideradas para a
generalidade dos efeitos no direito português. Sendo relações familiares as
referidas naquele preceito legal, pode dizer‑se que a família abrange todas as
pessoas ligadas por essas relações. À família de uma pessoa pertencem, pois,
não só o seu cônjuge como ainda os seus parentes, afins, adotantes e adotados:
este conceito assim tão lato é que corresponde à noção jurídica de família”[48].
É evidente a importância singular que esta instituição
assume para o Estado, sendo necessariamente reguladas pelo direito as relações
dali provenientes, tendo algumas normas, inclusive, caráter imperativo, como
forma de regular determinadas modalidades, como exemplo, a invalidade do casamento
e os direitos e deveres dos cônjuges[49].
Como fundamento de todos os princípios temos a dignidade
da pessoa humana, enquanto princípio central dos direitos fundamentais. É
certo, porém, que este princípio se destaca mais em determinadas áreas do que noutras,
como por exemplo, a proteção dos idosos e dos menores, mas não deixa de ser uma
chave mestra transversal a todo o ordenamento jurídico.
O princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecido no
art. 1º da CRP, é uma das bases do Estado de Direito Democrático, sendo que a
própria Declaração Universal dos Direitos do Homem reflete sobre este
princípio, no seu preâmbulo, demonstrando a sua importância nos ordenamentos
jurídicos e para cada pessoa[50].
A dignidade da pessoa humana vem a ser o núcleo da Constituição,
sendo um pilar dos direitos fundamentais, sobretudo, dos direitos pessoais,
enquanto princípio inerente à condição do homem. “A dignidade da pessoa humana
não é jurídica-constitucionalmente apenas um princípio-limite. Ela tem um valor
próprio e uma dimensão normativa específicos”[51].
Entende-se assim, que é cada vez mais importante proteger
determinados direitos que são o núcleo dos direitos fundamentais, como também é
imperioso criar formas de proteção de direito que venham garantir as nossas raízes
e individualidade, como a família[52].
Cabe ao direito enquadrar estas matérias em princípios, de forma a
proteger valores e relações importantes social e individualmente, evitando que
estes corram riscos, possibilitando a sua progressão a novos domínios[53].
Conforme já referimos, explicitamente, não existe na lei
civil um conceito de família. A “noção” jurídica de família encontra-se
implícita no art.º 1576 do CC, identificando como fontes das relações jurídicas
familiares, o casamento, a afinidade, o parentesco e a adoção[54].
Equivale assim por dizer que todas as relações constituídas que tenham por base
qualquer uma daquelas fontes, integram as designadas relações jurídicas
familiares.
De acordo com PEREIRA COELHO[55]
a noção jurídica de família encontra-se no art. 1576º do CC. No entanto, GUILHERME
DE OLIVEIRA refere que “(…) cumpre advertir em
primeiro lugar que a família, em sentido jurídico, constitui um grupo de
pessoas — as pessoas ligadas umas às outras pelas sobreditas relações —, mas
não é ela própria uma pessoa jurídica”[56].
A Lei reconhece o grupo familiar como portador de
interesses distintos e individuais, enquanto pessoas que constituem um grupo,
sendo os interesses do grupo - a família - defendidos pelas pessoas singulares
que o integram. A família, em si, vem consubstanciar um grupo que cria uma rede
de relações entre si, assumindo assim uma importância jurídico-social de
relevo, como também, uma incomparável pertinência nas relações pessoais de cada
um.
Assim, poder-se-á enunciar que o “conceito” jurídico de
família se encontra definido no ramo da ciência-jurídica, nomeadamente no
direito da família, que estrutura e cria soluções legais que venham regular as
diferentes relações familiares[57].
Posto isto, “(…) podemos definir o direito da família como
o conjunto das normas jurídicas que regulam as relações de família (…), as
relações parafamiliares e ainda as que, não sendo em si mesmas familiares ou
parafamiliares, todavia se constituem e desenvolvem na sua dependência”[58].
As relações jurídicas, enquanto relações sociais reguladas
pelo direito, abrangem as relações provenientes do agregado familiar, logo, a
família em sentido jurídico é todo o grupo de pessoas que se encontram ligadas
entre si, devido às relações familiares, vindo as mesmas serem reguladas pelo
direito da família, devido à relevância jurídica que estas relações têm[59].
O artigo 1576º e seguintes do Código Civil reúnem as
disposições gerais sobre o direito da família, tendo como base três núcleos: o
direito matrimonial, o direito da filiação e o direito da tutela[60].
No entendimento de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA “(…) as
relações jurídicas familiares são as que visam a constituição da família e as
que resultam dos laços ou vínculos familiares. São as que têm como alvo ou como
ponto de referência a família[61]. Quando a lei deixa de conceder
relevância jurídica a determinadas relações familiares, como por exemplo, o
grau de parentesco a partir do 6º grau, vem assim demonstrar que a partir deste
grau não existe uma relação familiar que seja relevante juridicamente[62].
A contrario sensu,
quando o direito dá relevância a determinadas relações familiares, “(…) quer
com isso significar que, entre os respetivos sujeitos passa a existir um
determinado vínculo que se traduz em “direitos e deveres recíprocos ou
bilaterais”[63].
Relativamente à família, o direito vem criar e regular as
relações que as pessoas estabelecem entre si, provenientes de laços biológicos,
de vínculos, de afinidade e da adoção, criando-se assim o direito da família,
enquanto um conjunto de normas adstritas à regulação das relações familiares.
Assim, “A família é constituída por todos os membros que a
integram, mas não se confunde com eles. Existe um núcleo distinto de todos
esses membros considerados individualmente e que tem existência autónoma por
representar um conjunto de valores, quer materiais, quer morais, distintos dos
interesses de cada uma das pessoas que o integram. Assim, há no direito da
família normas que visam tutelar interesses meramente individuais de cada
membro da família e outras que atendem sobretudo os interesses mais gerais do
núcleo familiar”[64].
Curiosamente, com a evolução das famílias enquanto grupo
social, com dinâmica e características próprias, esta tem vindo a influenciar
outros tipos de relações sociais e o próprio direito[65].
A respeito desta última observação, CAPELO DE SOUSA refere que “nos tempos mais
recentes, as alterações legislativas familiares têm-se multiplicado (…)”[66].
E não é de estranhar que assim seja. De facto, cumpre ao direito acompanhar a
evolução social que se tem feito sentir neste domínio. A realidade atual obriga
o legislador a contemplar estas mutações sob pena do direito ficar muito aquém
daquela.
A Lei Civil qualifica assim como fontes das relações
jurídicas familiares, conforme já foi referido, o casamento, o parentesco, a
afinidade e a adoção. Este elenco, para a doutrina dominante, é restritivo, ou
seja, “não há mais relações jurídicas familiares para além das que se extraem
do art. 1576º” [67] [68].
Segundo a doutrina estas relações designam-se por relações
jurídicas familiares nominadas. Vejamos genericamente cada uma delas com o
objetivo de compreender o critério legal que lhe está subjacente:
O casamento encontra-se definido no art. 1577º do CC e
traduz-se num contrato celebrado entre duas pessoas, independentemente do sexo
das mesmas[69],
em ordem a uma comunhão plena de vida. A recondução do casamento a um contrato
não é uma questão pacifica na doutrina, levantando-se algumas vozes bastante
críticas quanto à definição adotada pelo legislador. Nas palavras críticas de CARLOS
PAMPLONA CORTE REAL “como se se pudesse contratar uma obrigação coexistencial
de comunhão plena de vida; como se se pudesse contratar o exercício do afecto
por forma perdurável, e fazendo face a necessárias e imprevisíveis alterações
de circunstâncias; como se o casamento, a ser um contrato, pudesse
circunscrever-se a um vínculo sinalagmático de direitos e deveres recíprocos,
quando nem sequer é pensável a existência de direitos sobre pessoas”[70].
No mesmo sentido, TELMA CARVALHO defende que o “casamento mais do que um
contrato é um encontro de duas declarações unilaterais de vinculação, cujo
objeto, de cada declaração, é indisponível, pois está diretamente relacionado
ou dependente da própria liberdade dos nubentes”[71].
Apesar do casamento ser uma consequência do exercício de
liberdade individual de cada um, concretizada pela declaração de consentimento
dos nubentes, não afasta o crivo conservador ainda bem patente na lei civil
portuguesa (a par do que acontece noutros sistemas jurídicos europeus,
nomeadamente, Espanha, França, Itália), ao definir “o modelo ideal de relações
matrimoniais, através da imposição de vários deveres conjugais recíprocos”[72]
[73].
Parece clara a imposição do legislador no sentido de cumprimento recíproco
destes deveres, quer por via do art. 1618º reforçada pela al. b) do 1699º,
ambos do Código Civil[74].
Não obstante ser uma questão não harmoniosa ao nível
doutrinário, facto é que o casamento terá de ser celebrado de acordo com as
normas legais vigentes. Refere Duarte Pinheiro que “a constituição do vínculo
matrimonial faz-se por um contrato que tem de ser celebrado perante a entidade
com competência funcional para o ato (funcionário do registo civil, pároco ou
ministro de culto) ou funcionário de facto, sob pena de inexistência (arts.
1628º, al. a), e 1629º do CC), a não ser que se trate de casamento urgente”[75].
O casamento está sujeito a registo civil obrigatório nos termos do disposto no
art.1651.º, n.º 1 CC, sendo que na falta deste ou de disposição legal em contrário,
o vínculo matrimonial não pode ser invocado, conforme prevê o art. 1669º, nº 1
do CC. O mesmo autor acrescenta ainda que a relação também se traduz “de certa
forma, num regime diferenciado em matéria de bens e dívidas (arts. 1678º e s.)”[76],
referindo ainda que a “extinção do vínculo matrimonial por outro motivo que não
a morte (v.g. divórcio, invalidade) exige intervenção de uma entidade estatal
(juiz, conservador do registo civil) ou equiparada (autoridade eclesiástica)”[77].
De salientar que o casamento civil não é a única
modalidade prevista para a realização do casamento, admitindo a lei civil, por
via do art. 1587º do CC, o casamento católico, reconhecendo-lhe verdadeiramente
eficácia de casamento[78].
A lei civil define o parentesco como “o vínculo que une duas pessoas, em
consequência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um
progenitor comum”, conforme decorre do art. 1578º do CC. No primeiro caso,
estamos perante um parentesco em linha recta e no segundo caso em linha
colateral.
De acordo com DUARTE PINHEIRO, “a relevância jurídica do
parentesco varia em razão da linha e do grau. A mais importante espécie de
relação de parentesco é a relação de filiação (maternidade e paternidade)”[79],
na medida em que o seu principal efeito é o exercício das responsabilidades
parentais, previsto e regulado nos arts. 1877º e ss., do CC, e que serão
tratados mais à frente neste trabalho. Por sua vez, o art. 1579º do CC refere
que cada geração forma um grau e a série de graus constitui a linha de parentesco.
Como vimos, a fonte do parentesco é, portanto, a
procriação, mas em conformidade com o art. 1797º, nº2 do CC, “os poderes e
deveres emergentes da filiação ou do parentesco só são atendíveis se a filiação
se encontrar legalmente estabelecida”[80],
sendo um ato sujeito a registo civil obrigatório, pelo que se considera que em
regra, a eficácia do parentesco só se opera havendo registo da filiação
estabelecida[81]. Dos
vários efeitos decorrentes do parentesco, salientamos apenas, a nível
sucessório, na medida em que nos termos do disposto no art. 2133º do CC, os
descendentes, ascendentes, irmãos e seus descendentes e outros colaterais até
4º grau, assumem por esta ordem, as diferentes classes de sucessíveis no âmbito
da sucessão legítima. Também o art. 2009º do CC impõe, pela ordem nele
indicada, um efeito bastante importante e que se traduz na obrigação de
alimentos que incumbe a alguns parentes[82].
Quanto à extinção do vínculo, DUARTE PINHEIRO salienta que
“os modos de extinção do vínculo de parentesco confundem-se com os de extinção
de filiação. Por conseguinte, a relação de parentesco extingue-se com a morte
de um dos sujeitos ou na sequência de uma ação judicial (v.g., de impugnação da maternidade ou paternidade).”
Apesar de não ser uma relação de consanguinidade, podemos
afirmar que a afinidade se determina pelos mesmos graus e linhas que definem o
parentesco, como dispõe o art. 1585º. O art.º 1584 define afinidade como o
“vínculo que liga cada um dos cônjuges ao parente do outro”, logo, a afinidade
pressupõe a existência uma relação familiar por via do casamento e uma relação
de parentesco entre uma pessoa e um dos cônjuges. Assim sendo, o vínculo de
afinidade “estabelece-se em conjugação com o casamento e a procriação e a sua
eficácia pode apenas ser invocada se a filiação estiver legalmente estabelecida
e se este facto e o casamento tiverem sido registados”[83].
Interessante salientar que CORTE REAL E SILVA PEREIRA criticam
o legislador por reconhecer a afinidade como uma relação familiar na medida em
que “está em causa uma produção de efeitos praticamente nula”[84].
Outro fator relevante e não consensual está relacionado
com a cessação da relação de afinidade dado que esta não cessa com a dissolução
do casamento por morte, ou seja, o vínculo subsiste após a extinção da relação
conjugal por morte. No entanto, se a relação conjugal cessar por via do
divórcio, este põe fim à afinidade, nos termos do disposto no art. 1585º, 2ª
parte, do CC. ANTUNES VARELA[85],
entende que a solução legal é ajustada porque mantém a relação de afinidade nos
casos em que normalmente se conservam “os laços afetivos especiais criados pela
afinidade”[86].
A contrario sensu,
RITA LOBO XAVIER, questiona, e quanto a nós bem, se existirão motivos para
distinguir, quanto à manutenção do vínculo de afinidade, a dissolução por morte
da dissolução por divórcio[87].
Somos de entender que uma vez extinta a relação que deu origem ao vínculo,
este, naturalmente, extinguir-se-ia, independentemente do facto que esteve na
origem da extinção. Estão previstas outras formas de extinção[88]
da relação de afinidade, mas, no âmbito deste estudo, importa referir que a
“afinidade se extingue retroativamente também nas situações de extinção
retroativa do vínculo de filiação do qual decorre o parentesco de um dos
cônjuges”[89].
Paralelamente às figuras jurídicas familiares (nominadas e
inominadas) existem as relações
parafamiliares. São, atualmente três e não são consideradas relações
familiares, a saber: a união de facto, a convivência em economia comum e a
tutela.
Recorda DUARTE PINHEIRO que “a qualidade da relação
parafamiliar depende de uma similitude mínima com as relações familiares
nominadas”[90]. Enquanto
as duas primeiras se constituem e se extinguem livremente sem intervenção do
Estado, a terceira está sujeita a um ato estatal, uma vez que é constituída e
extinta por decisão judicial e carece de registo civil obrigatório, conforme
decorre do art.1, nº 1, al. h) do CRC. Nos dois primeiros casos, conforme
dispõem as Leis nºs 6 e 7/2001, de 11 de maio, as pessoas estão legalmente protegidas
desde que vivam em economia comum ou em uniões de fato, não carecendo de
registo, mas têm de preencher vários requisitos que as aproximam das relações
jurídicas familiares[91].
De acordo com os arts. 1577º e 1672º, a união de fato
traduz-se numa comunhão de leito, mesa e habitação entre duas pessoas, comunhão
idêntica a que estão obrigados os membros da união conjugal.
Por sua vez, a convivência em economia comum, conforme
decorre do art.º 2º da Lei nº 6/2001, de 11 de maio, é a situação de duas ou mais
pessoas que “vivam em comunhão de mesa e habitação há mais de dois anos e
tenham estabelecido uma vivência em comum de entreajuda ou partilha de
recursos”.
Já a figura da tutela, pode ser considerada semelhante à
relação de parentesco de 1º grau em linha reta, dado que em conformidade com o
art. 1935º n. 1 do CC, em regra o tutor, tem os mesmos direitos e obrigações
dos pais que exercem as responsabilidades parentais, constituindo esta uma
forma de suprimento da incapacidade de exercício das mesmas pelos progenitores.
Neste sentido defende DUARTE PINHEIRO que a “tutela (…) traduz-se, normalmente,
numa relação a ‘termo certo’ destituída da durabilidade virtual que acompanha
as relações familiares nominadas”[92].
Nesta breve análise civilística sobre o conceito jurídico
de família, na qual se abordaram algumas das relações jurídicas mais
importantes, dá-se ênfase ao facto do “conceito” de família se ter vindo a
alargar ao longo dos tempos, criando mais dificuldades para o direito, no
sentido de regular todos os aspetos relevantes, pois compreende-se que a
família enquanto grupo social detém as suas próprias caraterísticas que lhe
permite criar relações familiares, que mais não são do que o reflexo da
evolução social.
Os tempos são, portanto, de mudança. A família relacional
e eletiva adiantou-se sobre a família hierárquica, vista agora como antiquada,
autoritária, conservadora e devoluta, não satisfazendo as necessidades e
exigências atuais dos seus membros.
Tomam dianteira as relações familiares constituídas com
base nos afetos e na prossecução da realização pessoal de cada um dos cônjuges.
No entanto, não queremos com isto dizer que os indivíduos optem pelo casamento
para constituírem as suas relações afetivas.
Nas palavras de ROSA CÂNDIDO MARTINS, os indivíduos
“parecem recusar submeter-se aos valores pré-determinados estabelecidos pela
Igreja e pelo Estado, deixando de aderir à instituição casamento”[93].
Caminhamos num sentido em que os indivíduos pouco relevam a aparência externa
das suas relações afetivas, privilegiando o conteúdo em detrimento da forma da
relação. Não deverá ser por isso que devemos falar em “crise” da família.
Conforme refere ENGRÁCIA LEANDRO[94]
tal “adjetivação só seria legitima se nos reportássemos a conceções formatadas
do conceito de família que se apresentam completamente obsoletas para a
realidade dos nossos dias”.
Não devemos assim falar de “crise” da família, mas da
família reconfigurada, comportando esta em si mesma vários modelos aptos a
constituírem relações familiares válidas, fruto da permeabilidade das mesmas ao
contexto social, político, económico, ideológico de uma determinada sociedade.
Aliás, a conceção de família atual é o resultado dessa
mesma sociedade. Na opinião de JEMOLO[95],
a família “não pode ser reduzida a uma construção jurídica, pois lembra
sobretudo afetos, diz mais respeito ao coração que à razão, sendo que o direito
só é plenamente eficaz quando se trata de prescrever em matéria de valores
económicos, do meu e do teu; ora, pertencendo ao domínio dos valores imateriais
a família seria um instituto pré-jurídico que aparece sempre como uma ilha que
o mar do direito pode tocar, mas apenas tocar”.
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Submetido em: 24 jan. 2023.
[1] LEANDRO, M. E. (2006). “Transformações da
família na história do Ocidente”, Theologica,
2a Serie, 41, 1, 1,
51–74.
[2] D. 50,16, 195,2 Apud SANTOS JUSTO,
A., Manual de Direito Privado Romano, 3ª Edição, Petrony,
Lisboa, 2021, p. 369.
[3] SANTOS JUSTO, A., Manual de Direito Privado
Romano, 3ª Edição, Petrony, Lisboa, 2021, p. 369.
[4] SANTOS JUSTO, A., Op. Cit., p. 370.
[5] Idem.
[6] CABRAL MONCADA, L., Elementos de História do Direito Romano,
Coimbra Editora, Lda., Coimbra, 1923, p. 28.
[7] DE LEÓN LÁZARO,
G., La educación en Roma in Anuario Jurídico y Económico Escurialense,
46, 2013, p. 473.
[8] MARROU, H-I., Historia de la educación en la antigüedad,
trad. Española, Barja de Quiroga, Y., Madrid, Editorial Akal, 1985, pp.
304-305, que confirma a necessidade de uma melhor educação dos homens antes da
sua incorporação na vida pública romana, uma tarefa confiada pelo pai a outro
homem.
[9] SANTOS JUSTO, A., Op. Cit., p. 372.
[10] SALLER, R. P., "Familia, Domus", and the Roman
Conception of the Family, en Phoenix, 38, No. 4, 1984, pp.
336-355; FERNÁNDEZ VAQUERO, M. E., Definición jurídica de la familia en el
derecho romano, en Revista de Derecho UNED, 10, 2012, pp. 147 ss.
[11]ASTOLFI, R., Il matrimonio nel diritto romano
preclassico, Pádua, Editorial CEDAM, 2000, p. 45, explica a importância das
paterfamílias para proteger os
interesses familiares.
[12] SANTOS JUSTO, A., Op. Cit., p. 372.
[13]
AMUNÁTEGUI PERELLÓ, C., El origen de los
poderes del Paterfamilias I: El Paterfamilias y la Patria potestas, in Revista de Estudios Histórico-Jurídicos,
28, 2006, p. 47.
[14] SANTOS JUSTO, A., Op. Cit., p. 373.
[15] GUTIÉRREZ-ALVIZ,
F., Diccionario de Derecho Romano,
3ª ed., Madrid, Editorial Reus, 1982, p. 61.
[16] PÉREZ, GEMA
VALLEJO, Métodos Alternativos de Resolución de Conflictos en Derecho Romano.
Especial Referencia a la Mediación. Dykinson, SL, Madrid, 2018 Apud FERNÁNDEZ DE BUJÁN, A.., Reflexiones a propósito de la realidad social, la tradición jurídica y
la moral cristiana en el matrimonio romano, in Derecho, Sociedad y Familia: Cambio y Continuidad, Madrid,
Universidad Autónoma de Madrid, Boletín Oficial del Estado, 2007, p. 38.
[17] DÍAZ-BAUTISTA
CREMADES, A./ BAELO ÁLVAREZ, M., Historia,
significación y utilidad sociojurídica de la adrogatio y la adoptio en Roma,
en Vergentis 3, diciembre 2016, pp.
247-268.
[18] SANTOS JUSTO, A., Op. Cit., p.391.
[19] D. 50, 16, 195,5.
[20] HERRERA BRAVO, R.,
SALAZAR REVUELTA, M., SALAZAR REVUELTA, A.., La condición de la mujer en la represión del adulterio en derecho
romano y su recepción histórica, in Experiencias
Jurídicas e Identidades Femeninas, RODRÍGUEZ LÓPEZ, R./BRAVO BOSCH, M. J.
(Eds.), Madrid, Editorial Dykinson, 2011, p. 186, em que salientam o abismo
entre a paterfamília e a mulher.
[21] IGLESIAS, J., Derecho Romano, Madrid, Ariel, 1999, 12ª ed., p. 333, onde
acrescenta que as mulheres não podem ser arrogadas, "uma vez que nem a
morte do seu pai as liberta de
continuar na condição de filiaefamilias,
e quando o antigo poder exercido sobre elas deu lugar à tutela, a sua situação
era semelhante à dos impúberes".
[22] FRANCIOSI, Genaro. Famiglia e persone in
Roma antica dall”età arcaica al principado, p. 33, cf. DION. ALICARNASO, 2,25, Apud BONFANTE, Pietro.
Corso
di diritto romano, p. 78.
[23] Tal consideração encontra-se, por exemplo,
numa constituição contida no Código de Justiniano, C. 6.28.4.1, na qual se
estabelece a igualdade e equidade em todos os assuntos relacionados com a
deserdação de crianças, uma vez que agora tanto os filhos como as filhas devem
ser deserdados nominatimamente,
nominalmente, de modo a que as filhas preteridas e esquecidas deixem de sofrer
as consequências, porque devem ser nomeadas para serem deserdadas.
[24] SANTOS JUSTO, A., Op. Cit., p. 391.
[25] GUTIÉRREZ-ALVIZ,
F. Diccionario de Derecho Romano, op. cit., s.v. Adgnatio, p. 44.
[26] MAÑAS NÚÑEZ, M., Mujer
y sociedad en la Roma imperial del siglo I, na NORBA. Revista de Historia, 16, 2003,
p. 191. 191.
[27] CANTARELLA, E., La calamidad ambigua, Madrid, Ed. Clásicas, 1991, p. 209, onde dá conta da diferença entre géneros em termos de
capacidade de acção na era republicana.
[28] SANTOS JUSTO, A., Op. Cit., p. 467.
[29] GAIUS, 1, 190, Apud SANTOS JUSTO,
A., Op. Cit., p. 467.
[30] EVERITT, A., Augusto, o primeiro imperador, trans. LOBO, A..,
Barcelona, Ed. Ariel, 2008, p. 282.
[31] SANTOS JUSTO, A., Op. Cit., p. 14-15.
[32] Cfr. BRAVO BOSCH,
M. J., IGLESIAS CANLE, I., Mujer e
Igualdad desde el derecho romano hasta la actualidad: especial referencia al
ordenamiento jurídico español, op.
cit., p. 67.
[33] PAOLI, U. E., URBS. Life in Ancient Rome, R.D. MacNaghten (Translator), Bristol
Classical Press, Bristol,1996.
[34] BRAVO BOSCH, M.
J., Mujeres y símbolos en la Roma republicana, Análisis jurídico-histórico de
Lucrecia y Cornelia, Dykinson, SL, Madrid, 2017, p. 45.
[35] SANZ MARTÍN, L., Fundamentos doctrinales en torno a la
tutela mulierum. Naturaleza y esencia de la tutela mulierum, en Revista General de Derecho Romano, 12,
2009, p. 6.
[36] Vide sobre a tutela
mulierum y la clasificación habitual en tres tipos, tutela testamentaria,
legítima y dativa en: SANZ MARTÍN, L., Estudio
y comentario de las diferentes clases de tutela mulierum a tenor de lo referido
en las fuentes jurídicas romanas. Funciones y responsabilidad del tutor
mulierum, en Revista General de
Derecho Romano, 15, 2010, pp. 4 ss.
[37] IGLESIAS, J., Derecho Romano, 12ª ed., Barcelona,
Editorial Ariel, 1999, p. 36.
[38]A este
respeito, ver ORTUÑO, M. E., Una
limitación de la capacidad patrimonial de la mujer en el ámbito sucesorio: la
Lex Voconia, em Mulier. Algunas Historias e Instituciones de Derecho Romano, RODRÍGUEZ
LÓPEZ, R./BRAVO BOSCH, M. J., Madrid, Editorial Dykinson, 2013, pp. 452-453,
onde explica claramente o contexto histórico do segundo século a.C. ao analisar
a Lex Voconia, limitando a
capacidade de sucessão das mulheres.
[39] BRAVO BOSCH, M. J., Mujeres y símbolos en la Roma republicana, op. cit., pp. 41 ss., onde analisa em pormenor a instituição do tutela mulierum.
[40] SANTOS JUSTO, A., Op. Cit., p. 470.
[41] TELLEGEN, O., Tutela mulierum, en Mulier.
Algunas historias e Instituciones de Derecho Romano, R. RODRÍGUEZ LÓPEZ,
M.J. BRAVO BOSCH, Editores. Madrid, Ed. Dykinson, 2013, p. 417.
[42] BRAVO BOSCH, M.
J., Levitas animi, em GLOSSAE. European Journal of Legal History 14,
2017, p. 1012.
[43] PÉREZ, GEMA
VALLEJO, Métodos Alternativos de Resolución de Conflictos en Derecho Romano. Especial
Referencia a la Mediación. Dykinson, SL, Madrid, 2018.
[44] Cfr. Art.º 67 nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
[45] COELHO, Francisco Pereira; OLIVEIRA, Guilherme de: Curso de Direito da Família - Vol. I - Introdução Direito Matrimonial -
4a Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 101-102.
[46] COELHO, Francisco Pereira; OLIVEIRA, Guilherme
de., 2016. Curso de Direito da Família - Vol. I, Coimbra. Disponível em: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.14195/978-989-26-1167-9.
[47] Ver art.º 67º da CRP.
[48] OLIVEIRA, Guilherme de: Curso de Direito da Família. Introdução direito matrimonial. Vol.
I, 5º edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 34.
[49] Ver, Comentário ao art.º 1576º do CC, LIMA,
PIRES DE; VARELA, ANTUNES: Código Civil
Anotado. Vol. IV, 2º edição revisto e atualizado. Coimbra Editora, 1992, p.
14.
[50] “A dignidade da pessoa humana é um standard de
proteção universal que obriga à adoção de convenções e medidas internacionais
contra a violação da dignidade da pessoa humana e à formatação de um direito
internacional adequado à proteção da dignidade da pessoa humana não apenas como
ser humano individual e concretamente considerado, mas também da dignidade
humana referente a entidades coletivas (humanidade, povos, etnias).” Comentário
ao art.º 1º, CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital: CRP, Constituição da República Portuguesa
Anotada. Vol. I, 4º edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 200.
[51] Comentário ao art. 1º, CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital: CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. I, 4º
edição revista, Coimbra Editora, 2007, p. 198.
[52] “Uma vez equacionados alguns dos desafios que
se colocam ao Direito, é viável afirmar que a vida em sociedade está
profundamente modificada sendo cada vez mais necessário tentar revisões de
conceitos jurídicos clássicos e proceder a propostas de alteração. (…) É
preciso encontrar uma solução de compromisso razoável entre o direito
fundamental à investigação e a lealdade, a necessidade absoluta de defender as
raízes da identidade pessoal e genética do ser humano.“ BARBAS, Stela: “O direito da família português: algumas caraterísticas”.
Jurismat, n.º especial, Portimão, 2014, p. 77.
[53] “Estamos numa época em que ainda se mantém a
certeza da incerteza do futuro. No entanto, o futuro nunca foi tão previsível
como o é atualmente. É inúmera a panóplia de hipóteses com que nos deparamos e
são múltiplos os meios que temos para as alcançar. Assim sendo, a problemática
e a responsabilidade das nossas escolhas reveste-se de primordial importância.
Nunca fomos tão responsáveis pelo nosso amanhã e pelo das gerações vindouras.
Vivemos num mundo em permanente construção, onde ainda não existe futuro, mas
em que somos construtores ativos da sua criação.” BARBAS, Stela: “O direito da família português: algumas caraterísticas”.
Jurismat, n.º especial, Portimão, 2014, p. 78.
[54] “A primeira das
relações de família é assim a relação matrimonial, a relação que em
consequência do casamento liga os cônjuges entre si. Uma relação que afeta a
condição dos cônjuges de maneira profunda e duradoura, influenciando no seu
regime, pode dizer‑se, a generalidade das relações jurídicas obrigacionais ou reais
de que eles sejam titulares.” OLIVEIRA, Guilherme de: Curso de Direito da Família. Introdução direito matrimonial. Vol. I,
5º edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 32.
[55] Ver, COELHO, Francisco PEREIRA; OLIVEIRA,
Guilherme de: Curso de Direito da
Família. Introdução ao Direito Matrimonial. Vol. I, 3º edição, Coimbra
Editora, 2003, p. 31 e seguintes.
[56] OLIVEIRA, Guilherme de: Curso de Direito da Família. Introdução direito matrimonial. Vol.
I, 5º edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 35.
[57] “É costume
distinguir no direito da família três grandes ramos: o direito matrimonial, ao
qual pertence o estudo do casamento e dos seus efeitos, ou, por outras palavras
e talvez com mais rigor, o estudo da constituição, modificação e extinção da
relação jurídica matrimonial; o direito da filiação, que tem por objeto as
relações de filiação e no qual se insere ainda por vezes a matéria da adoção;
e, por último, o direito da tutela, que estuda a organização tutelar na sua
constituição e funcionamento.” OLIVEIRA, Guilherme de: Curso de Direito da Família. Introdução
direito matrimonial. Vol. I, 5º edição, Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2016, p. 37.
[58] COELHO, Francisco PEREIRA; OLIVEIRA, Guilherme
de: Curso de Direito da Família. Introdução
ao Direito Matrimonial. Vol. I, 3º edição, Coimbra Editora, 2003, p. 35.
[59] Temos como exemplo, “(…) o caso das chamadas
relações de afinidade. A lei apenas considera como tais as relações entre cada
cônjuge e os parentes do outro cônjuge. Não atribuindo qualquer significado às
relações que em virtude do casamento, surgem entre os parentes de um dos
cônjuges com os parentes do outro cônjuge (v. g. entre os chamados
“concunhados”). Isso significa que não há entre esses “parentes” de cada
cônjuge uma “relação familiar”.” PROENÇA, José João GONÇALVES: A família na Constituição da República
Portuguesa de 1976. Lusíada Direito, Série I, n.º 1, 2003, p. 128.
[60] Ver comentário ao art. 1576º do CC, LIMA,
Pires de; VARELA, Antunes: Código Civil
Anotado. Vol. IV, 2º edição revisto e atualizado. Coimbra Editora, 1992, p.
11 e 12.
[61] Comentário ao art.º 1576º do CC, LIMA, Pires
de; VARELA, Antunes: Código Civil
Anotado. Vol. IV, 2º edição revisto e atualizado. Coimbra Editora, 1992, p.
12.
[62] De acordo com, PROENÇA, José João GONÇALVES:
“A família na Constituição da República Portuguesa de 1976”. Lusíada Direito,
Série I, n.º 1, 2003, p. 129.
[63] PROENÇA, José João GONÇALVES: A família na Constituição da República
Portuguesa de 1976. Lusíada Direito, Série I, n.º 1, 2003, p. 129.
[64] CHAVES, João QUEIROGA: Casamento, divórcio e união de facto. 2º edição (revista,
atualizada e aumentada) Quid Juris Sociedade Editora, 2010, p. 26 e 27.
[65] “Exatamente, porque a família é uma
instituição importante, cuja função não pode ser ignorada, é que o Estado vem
entender que não pode ficar indiferente e que, ao contrário, deve intervir de
acordo com os superiores interesses que lhe cabe, a ele, Estado, salvaguardar,
logicamente dentro da conceção que tem desses mesmos interesses. E daí a afirmação
paradigmática do artigo 67º da Constituição que proclama a família como
“elemento fundamental da sociedade, …”. PROENÇA, José João GONÇALVES: A família na Constituição da República
Portuguesa de 1976. Lusíada Direito, Série I, n.º 1, 2003, p. 136.
[66] CAPELO DE SOUSA, Rabindranath: “As alterações
legislativas familiares recentes e a sociedade portuguesa”, Textos de Direito
da Família para Francisco Pereira Coelho, Guilherme de Oliveira, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016,
p. 527.
[67] PINHEIRO, Jorge Duarte: O Direito da Família Contemporâneo, Almedina, 5ª Edição, Coimbra,
2017, p. 33.
[68] Não obstante a tipicidade prevista no art.
1576º CC a Lei Fundamental, através dos art. 36º e 67º, confere abertura a um
entendimento mais alargado e que se consubstancia na produção de leis avulsas
para a regulação de realidades cada vez mais frequentes como a união de facto
ou o apadrinhamento civil.
[69] Acerca desta questão ver Lei nº 9/2010 de 31
de maio que determinou a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo
sexo.
[70] CORTE-REAL, Carlos Pamplona: “Relance crítico
sobre o Direito da Família Português”, em Textos
de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, Coord. Guilherme de
Oliveira, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, p. 112.
[71] CARVALHO, Telma: “A união de facto: a sua
eficácia jurídica”, em AA.VV., Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Vol I, Coimbra
Editora, 2004, p. 230.
[72] OLIVEIRA, Guilherme de: “Transformações do
Direito da Família”, em em AA.VV.,
Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Vol I, Coimbra Editora, 2004, p. 770
[73] Acerca dos deveres conjugais v. art. 1672º e
ss. do Código Civil, abrangendo estes os deveres de respeito, fidelidade,
coabitação, cooperação e assistência.
[74] Em sentido distinto é a opinião de CORTE-REAL,
Carlos Pamplona: “Relance crítico sobre o Direito da Família Português”, em Textos de Direito da Família para Francisco
Pereira Coelho, Coord. Guilherme de Oliveira, Imprensa da Universidade de
Coimbra, 2016, p. 107, onde refere que numa área tão intimista como a da
comunhão plena de vida conjugal não é permitida a referência a vinculações
imperativas, não sendo tal permitido por via do art. 26º da CRP nem pela Lei
61/2008 que eliminou a culpa na consecução do divórcio.
[75] PINHEIRO, Jorge
Duarte: O Direito da Família Contemporâneo,
Almedina, 5ª Edição, Coimbra, 2017, p. 34.
[76] Ibidem.
[77] Idem, p. 35.
[78] Vigora no sistema jurídico português, o
sistema de casamento civil facultativo na medida em que é facultada aos
nubentes a possibilidade de escolha por um casamento de forma laica ou de forma
religiosa, sendo atribuído a ambos, efeitos civis.
[79] PINHEIRO, Jorge DUARTE, Op. Cit. p. 37
[80] De referir que o art.º 1603 dispõe que o
estabelecimento da filiação tem eficácia retroativa.
[81] Arts 1º, nº 1 al. b) e art.º 2º co Código do
Registo Civil (CRC).
[82] Para verificação de outros, também importantes
efeitos do parentesco, veja-se, os art. 1602º. als. a) e c) (impedimentos
matrimoniais dirimentes), 1604º, al. c) (impedimentos impedientes), 1809º, al.
a) (averiguação oficiosa da maternidade), 1866º, al. a) (averiguação oficiosa
de paternidade), 1931º e 1952º (suprimento do poder paternal), todos do Código
Civil.
[83] PINHEIRO, Jorge DUARTE, Op. Cit. p. 39, 40.
[84] CORTE REAL, Carlos Pamplona; PEREIRA, José
SILVA: “Direito da Família, Tópicos para uma reflexão crítica”, 2ª Edição,
Lisboa, AAFDL, 2011, p. 118.
[85] Citado por PINHEIRO, Jorge DUARTE, op. Cit.,
p.41
[86] VARELA, ANTUNES: Direito da Família, vol. I, 5ª Edição, Lisboa, L. Petrony, 1999,
p. 105.
[87] XAVIER, Rita Lobo: Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio e das
responsabilidades parentais, Coimbra, Almedina, 2009, pp. 10-13.
[88] Extinção ex
tunc com a anulação e nulidade do casamento (art.º 1647º, n.1) ou a
extinção ex nunc com a morte de um dos sujeitos da relação e com a adopção do
parente do cônjuge, salvo se o adotado for filho do cônjuge adotante, art 1986º
do CC.
[89] PINHEIRO, Jorge DUARTE, Op. Cit. p. 39, 41.
[90] PINHEIRO, Jorge Duarte, Op. Cit. p. 39, 45.
[91] Cf. art.º 1, n. 1 Lei nº 6/2001 e art.º 1º n.
2 Lei 7/2001, ambas de 11 de Maio.
[92] PINHEIRO, Jorge DUARTE, Op. Cit. p. 44
[93] THÉRY, I.: Couple, Filiation et parenté ajourd´hui. Le
droit face aux mutations de la famille et de la vie priveé, Paris, Odile Jacob, 1998, p.32 apud MARTINS,
R. C.: “A morte do casamento: mito ou realidade?” em Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, 2016,
p. 223.
[94] LEANDRO, M. E.: Transformações da família na história do Ocidente. Theologica, 2a Serie, 41, 1,
1, 2006, p.71.
[95] JEMOLO, A.C., La famiglia e il Diritto, in
“Pagine Sparse di Diritto e Storiografia”, Giuffrè, 1957, pp.222 e ss. apud
Real, C. P.: “Relance critico sobre o direito da família português” em Textos
de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, Coimbra,
Coimbra Editora, 2016.