A PROTEÇÃO DE DADOS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO: ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE BRASIL E CHINA

Cynthia Maria Fontenelle

Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7), Fortaleza.

[email protected]

Fábio Campelo Conrado de Holanda

Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7), Fortaleza.

[email protected]

Tiago Seixas Themudo

Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7), Fortaleza.

[email protected]

Resumo: O direito do consumidor é uma das searas jurídicas que mais evoluiu e se desenvolveu nos últimos tempos, principalmente em decorrência da expansão do comércio virtual e do aumento do comércio entre os países do mundo. Nesse sentido, tendo vista que o Brasil e a China têm grande destaque no cenário internacional no âmbito consumerista, desenvolveu-se este artigo para análise da proteção de dados nas relações consumerista dos referidos países, de modo a demonstrar sua evolução, particularidades e convergências. Para isso, por meio de uma pesquisa descritivo-analítica, de caráter exploratório e do tipo bibliográfico, de natureza pura e abordagem qualitativa, abordou-se o escopo legislativo que trata da proteção de dados no âmbito do Direito do Consumidor tanto no Brasil quanto na China, apresentando, assim, as principais similaridades e diferenças entre as normas desses países. Do estudo, verificou-se que no Brasil a principal norma que dispõe acerca da proteção de dados é a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que apresenta inúmeras semelhanças dos direitos do consumidor, principalmente, no que se refere à caracterização do titular dos dados como hipossuficiente, tal como ocorre na relação consumerista orientada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990). Na China, por sua vez, verificou-se que, em termos legislativos, o país tem passado por inúmeras mudanças normativas com vistas ao atendimento das demandas por regulamentações específicas e adequadas à resolução de problemas resultantes de relações de consumo. Concluiu-se que a China está passando por um processo de convergência jurídica com os países ocidentais, tendo em vista a intensificação da sincronia econômica, apesar de manter seus níveis de autonomia de modelo de desenvolvimento.

Palavras-Chave: Proteção de Dados. Lei Geral de Proteção de Dados. Código Civil Chinês. Paralelo Brasil-China.

Data protection in consumer relations: comparative analysis between Brazil and China

Abstract: Consumer law is one of the legal areas that has evolved and developed the most recently, mainly due to the expansion of virtual commerce and the increase in trade between countries in the world. In this sense, considering that Brazil and China have great prominence in the international scenario in the consumer sphere, this article was developed to analyze data protection in the consumer relations of the referred countries, in order to demonstrate their evolution, particularities and convergences. For this, through descriptive-analytical research, exploratory and bibliographic, of a pure nature and qualitative approach, the legislative scope that deals with data protection in the scope of Consumer Law in Brazil and in China, thus presenting the main similarities and differences between the standards of these countries. From the study, it was found that in Brazil the main rule that provides for data protection is Law No. 13,709, of August 14, 2018, known as the General Law for the Protection of Personal Data (LGPD), which has numerous similarities of consumer rights, especially with regard to the characterization of the data subject as under-sufficient, as occurs in the consumerist relationship guided by the Consumer Protection Code (Law No. 8,078, of 1990). In China, in turn, it was found that, in legislative terms, the country has undergone numerous regulatory changes in order to meet the demands for specific regulations and adequate to solve problems resulting from consumer relations, however, with the advent of the New Chinese Civil Code, the topic of data protection was dealt with in a specific chapter that provides in its entirety about the privacy and protection of personal information, the content of which has several points in common and also divergent in relation to the Brazilian Data Protection Law.

Keywords: Data Protection. General Data Protection Law. Chinese Civil Code. Brazil-China parallel.

Introdução

O ato de consumir remonta a tempos imemoriais, não como o concebemos modernamente, através de uma analítica estruturação de normas que tutelam o destinatário final de bens e serviços, aprioristicamente considerado vulnerável. A progressiva complexidade da sociedade contemporânea impactou diretamente na dinâmica das relações de consumo, sendo o advento da internet um dos principais fatores neste tocante, de modo a possibilitar a comercialização por toda a extensão do globo terrestre, paradoxalmente aproximando e despersonalizando as relações.

Nesse contexto, fazendo um paralelo entre Brasil e China, verifica-se que, com a expansão do comércio no meio digital e o crescimento exponencial das mais variadas formas de comercialização de produtos e bens pela internet, sem fronteiras entre esses países, um dos temas que mais tem se discutido e adquirido relevância internacional diz respeito à proteção dos dados, tais como privacidade e informações pessoais, no âmbito das relações de consumo.

Sendo um regulador das relações de consumo, promovendo e garantindo a defesa dos direitos da pessoa, física ou jurídica, na seara consumerista, o Direito do Consumidor se tornou cada vez mais significativo nos últimos tempos, principalmente, devido às inovações na maneira de comercializar, que muitas vezes, ainda não foram alcançadas pela proteção normativa-legislativa de determinado lugar ou sociedade.

No Brasil, destaca-se no ordenamento jurídico o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que veicula um conjunto de normas que visam a proteção aos direitos do consumidor, sendo o principal instrumento regulamentador das relações consumeristas em âmbito nacional. Já no que se refere à China, seu escopo legislativo na área do consumidor passou por recentes inovações com o advento do Código Civil Chinês que, inclusive, passará a vigorar a partir de janeiro de 2021 com uma gama de novas diretrizes e disposições voltadas também às relações de consumo.

Em face desse cenário, objetiva-se neste arrazoado promover a discussão da proteção de dados do consumidor no âmbito legislativo tanto do Brasil e da China, de modo a apresentar de que maneira esse tema está sendo tratado e aplicado em cada um dos citados países, identificando quais suas similaridades e divergências, numa análise legal comparativa.

De modo mais específico, este artigo apresenta o conceito de informação, sua delimitação em forma de dados, bem como seu arcabouço normativo. Objetiva, ainda, apresentar a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e o Código Civil Chinês, como principais normas reguladoras do Brasil e da China, respectivamente, voltadas às relações consumeristas.

Para isso, esta pesquisa pautou-se numa metodologia descritivo-analítica, de abordagem qualitativa e caráter exploratório, do tipo bibliográfico e documental e de natureza pura. A pesquisa foi desenvolvida durante os meses de outubro e novembro de 2020, cuja coleta dos dados partiu de artigos constantes em bases de dados do Google Acadêmico e Scielo, norteando-se a pesquisa por meio dos seguintes descritores: proteção de dados, Lei Geral de Proteção de Dados, Código Civil Chinês, e paralelo Brasil-China.

Dessa maneira, destaca-se, ainda, que a presente pesquisa se justifica pela atualidade e importância do tema que é de interesse de todos os indivíduos, principalmente no que tange ao conhecimento acerca das normas de proteção das informações pessoais em meio digital (proteção de dados), mostrando-se, assim, relevante não apenas para acadêmicos, mas para toda a sociedade.

Para uma melhor compreensão do tema, o artigo foi dividido em três tópicos, em que inicialmente aborda-se a definição da informação e dados, e sua tutela e necessidade proteção normativa. Por conseguinte, versa-se acerca do escopo normativo voltado à proteção dos dados pessoais tanto no Brasil quanto na China. Por fim, no último tópico destaca-se as principais similaridades e diferenças entre as legislações brasileira e chinesa que tratam sobre a proteção dos dados nas relações de consumo.

1. A importância dos dados: a informação pessoal e sua tutela

Norbert Wiener (1961) em seus estudos sobre a importância da informação declarou uma célebre frase que diz: “Informação é informação, não é matéria nem energia”, destacando, assim, a característica peculiar acerca da informação per si, e, assim, “ressaltando uma eventual estraneidade da informação em relação aos elementos do mundo físico, a matéria e a energia” (DONEDA, 2010, p. 18).

Desse pensamento, percebe-se que a informação é termo de difícil definição, principalmente, se delimitada de um contexto de aplicação, ou seja, se não aplicada a um fato, fenômeno, acontecimento e, até mesmo a um indivíduo. Em outras palavras, se definirmos a informação em âmbito da comunicação, ela será definida como uma notícia, a ciência de algo ou o próprio conhecimento em si. Se se aplicada ao um contexto geral, pode-se dizer que a informação é o conjunto de todo o conhecimento reunidos sobre determinado assunto ou pessoa (OXFORD, 2020).

Dada essa dificuldade conceitual, convém destacar a diferença dos termos informação, dados e conhecimento. Rezende (2015) explica que dado é todo o registro livre, solto, disponível e aleatório, sem qualquer análise. Em outras palavras, os dados são “códigos que constituem a matéria-prima da informação”, isto é, “a informação não tratada, sem relevância aparente” (REZENDE, 2015).

Já a informação é a estruturação, organização ou análise dos dados, ou seja, é o conhecimento resultante da análise crítica realizada por alguém ou por algum sistema. Para Le Codic (1996), a informação é “um registro, em suporte físico ou intangível, disponível à assimilação crítica para produção de conhecimento”.

O conhecimento, por sua vez, de acordo com Rezende (2015) é “a informação processada e transformada em experiência pelo indivíduo”. Assim, o conhecimento é um estágio superior “capaz de contribuir na produção de novas ideias, por outro lado a informação por si só não é suficiente para ampliar o saber o humano” (SILVA, 2007). Para Heide Silva (2007), o conhecimento exige um sujeito capaz de conhecer (sujeito cognoscitivo), isto é, de gerar conhecimento, pois se “informação é dado trabalhado, então conhecimento é informação trabalhada”.

Para uma melhor compreensão, veja-se o quadro a seguir, que resume o significado e as características do que seja dado, informação e conhecimento, a saber (Quadro 1).

Quadro 1 – Resumo: Dados, informação e conhecimento

Fonte: Davenport; PRUSAK, 1998, p. 18.

Nesse sentido, segundo Doneda (2010, p. 17) entende que a informação pessoal como uma verdadeira commodity, ou seja, uma matéria-prima comercializável cuja importância assumiu enorme relevância mundial, tanto como um bem jurídico quanto como um bem econômico “em torno da qual surgem novos modelos de negócio que, de uma forma ou de outra, procuram extrair valor monetário do intenso fluxo de informações pessoais proporcionado pelas modernas tecnologias da informação”.

Assim sendo, como um bem de características quase sempre de difícil delimitação, mas de indubitável valor para seu detentor, a informação pessoal passou a ser percebida como uma nova força motriz, cuja positivação jurídico-normativa, em igual sentido, era mais do que necessária, mas essencial à sua garantia e proteção.

Em suma, como uma série crescente de ações humanas e, consequentemente, de relações jurídicas, passam pelo filtro da informação, a garantia da fluidez e da ausência de distorções no fluxo de informações para a pessoa e, ao inverso, a partir da pessoa, constitui-se em um dos mais relevantes problemas jurídicos do nosso tempo.

Assim considerado, o núcleo básico do problema jurídico da informação pode ser identificado nos instrumentos destinados a: (I) proporcionar aos interessados a tutela de suas próprias informações; (II) proporcionar acesso a informações de qualidade e relevância (DONEDA, 2010, p. 18).

Nesse contexto, para a garantia da resolução dos dois problemas jurídicos acima transcritos, seria necessário o desenvolvimento acelerado de tecnologias que suscitassem a criação de instrumentos para cumprimento de tal finalidade.

Todavia, consabido é que na evolução do direito como regulador das relações sociais, cada vez que na sociedade desenvolvem-se novos fenômenos, antes mesmo de estes serem positivados, sua conceituação, delimitação e aplicabilidades são de difícil reunião em escopo específico que concentre todas suas características e a compreensão de todos os cenários possíveis de sua existência. Por isso mesmo, de igual modo, faz-se necessário “que o ordenamento jurídico facilite e garanta a utilização das novas tecnologias da informação, ao mesmo tempo que estabeleça meios de garantia e proteção contra utilizações indesejáveis destas mesmas tecnologias” (DONEDA, 2010, p. 18).

Nesse sentido, sob a ótica do direito – que é visão tratada especificamente neste estudo – a informação, para Pierre Catala (1983, p. 22), pode ser classificada em quadro modalidades, a saber: a) as informações referentes às pessoas e seus patrimônios; b) as opiniões subjetivas das pessoas; c) as obras do espírito; e d) as informações que se referem as descrições de fenômenos, coisas, eventos.

Compreendidas tais definições e classificações, pode-se, então, ater-se, no escopo deste artigo, ao significado de informação em um contexto individual, que se extrai do âmbito personalíssimo de cada indivíduo, considerando-a, então, como a reunião de todos os dados e conhecimentos de determinada pessoa, ou seja, a informação pessoal.

Além dessa delimitação, considera-se, para fins deste estudo, o momento histórico, econômico e comercial pelo qual passa as sociedades mundiais, em especial à brasileira e à chinesa, para que, assim, possamos entender a informação pessoal como objeto de interesse econômico capaz de transformar processos econômicos e sociais, tendo em vista que vivemos na era da informação.

A informação pessoal, nesse contexto em específico, é uma modalidade de recurso da qual se pode obter uma diversidade de utilizações e substratos, basicamente em decorrência de seu baixo custo e facilidade de coleta e armazenamento nos meios digitais disponíveis na atualidade. Desse recurso, no entanto, desponta a intrínseca relação da informação pessoal com o seu titular, dada sua natureza de revelar algo concreto acerca desta pessoa.

Por meio da coleta de dados pessoais, pode-se obter de um indivíduo, por exemplo, o seu “nome civil ou do domicílio, ou então informações diretamente provenientes de seus atos, como os dados referentes ao seu consumo, informações referentes às suas manifestações, como opiniões que manifesta, e tantas outras” (DONEDA, 2010, p. 20).

Convém destacar, no entanto, que nem toda informação sobre uma pessoa é, de fato, informação pessoal, como por exemplo, as opiniões alheias sobre determinada pessoa ou a própria produção intelectual de alguém acerca de si mesmo ou de outro assunto, não configura informação pessoal per si, ou seja, não enseja relação de vínculo direto entre a informação e seu titular. Sobre esse fato, afirma Catala (1983):

Ainda que a pessoa em questão não seja a ‘autora’ da informação, no sentido de tê-la concebido voluntariamente, ela é a titular legítima de seus elementos. O seu vínculo com o indivíduo é por demais estreito para que fosse de outra forma. Quando o objeto da informação é um sujeito de direito, a informação é um atributo da personalidade (CATALA, 1983, p. 20, tradução livre).

Desse entendimento, infere-se a vinculação da informação pessoal com a personalidade “aproxima a tutela das informações pessoais da própria tutela da personalidade e, portanto, dos direitos da personalidade” (DONEDA, 2010, p. 21). Nesse sentido, para Doneda (2010, p. 21) justifica-se o “reconhecimento de que os dados pessoais são emanações imediatas da própria personalidade, sendo necessário aplicar a estes a tutela devida àqueles” denominados direito essenciais.

Compreendendo-se a importância da informação pessoal, pode-se entender, portanto, que a reunião organizada de tais informações acerca de um indivíduo em um banco de dados não apenas disponibiliza um conhecimento sobre uma pessoa em si, mas comporta um nível de poder e de direito sobre a própria pessoa por quem detém o acesso e conhecimento de tais dados.

Desse modo, com o aumento da captação e armazenamento de dados pessoais, proveniente do avanço digital e tecnológico, cresce também o “número de sujeitos que podem ter acesso a um conjunto sempre mais detalhado e preciso de informações sobre terceiros”, em consequência, faz-se necessário, também que “o estatuto jurídico destes dados se torne um dos pontos centrais que vão definir a própria autonomia, identidade e liberdade do cidadão contemporâneo” (DONEDA, 2010, p. 23).

Desse contexto, pode-se compreender o quão importante é a informação pessoal e, tendo em vista o aumento dessa importância principalmente para as relações comerciais e econômicas “foi justamente em torno dela que a temática da privacidade passou a orbitar, em especial ao se tratar de dados pessoais” (DONEDA, 2006).

Para Oliver (1979, p. 72), em âmbito econômico, por exemplo, “à medida que ganha relevo a utilidade da informação, várias estruturas sociais a recebem como um de seus elementos fundamentais”. Assim, a informação se “apresenta ao ordenamento jurídico como um elemento plural, capaz de desencadear processos cujas consequências podem ser reconduzidas a um denominador comum somente após um certo esforço (DONEDA, 2010, p. 28).

Diante dessas evidências, quando aplicado ao contexto das relações consumeristas, a proteção dos dados pessoais é de suma importância, tendo em vista que o indivíduo consumidor se apresenta como a parte vulnerável dessa relação, visto que este, embora detentor do direito das próprias informações, este está sujeito ao poder que a parte oposta da relação detém sobre seus dados ao realizar com este último qualquer transação comercial, por exemplo. Tal fato evidencia, então, um risco inerente ao tratamento feito por aqueles que operam os dados pessoais, ou seja, como bem explica Doneda (2010, p. 39):

Risco que se concretiza na possibilidade de exposição e utilização indevida ou abusiva de dados pessoais; na eventualidade destes dados não serem corretos e representarem erroneamente seu titular; em sua utilização por terceiros sem o conhecimento de seu titular, somente para citar algumas hipóteses reais. Daí a necessidade de mecanismos que proporcionem à pessoa efetivo conhecimento e controle sobre seus próprios dados, dados estes que são expressão direta de sua própria personalidade. Por este motivo a proteção de dados pessoais é tida em diversos ordenamentos jurídicos como um instrumento essencial para a proteção da pessoa humana e é considerada como um direito fundamental.

Assim, a proteção de dados pessoais representa a maneira indireta de atingir um objetivo último, qual seja, a proteção da própria pessoa, em que por meio do estabelecimento de direitos aos titulares das informações, bem como obrigações aos responsáveis pelo tratamento desses dados, e dessa maneira, “justificando o recurso ao instrumental jurídico destinado à tutela da pessoa e afastando a utilização de um regime de livre apropriação e disposição contratual destes dados que não leve em conta seu caráter personalíssimo” (DONEDA, 2010, p. 52).

Diante da compreensão acerca da proteção e tutela dos dados pessoais, ressalta-se, para o contexto deste estudo, que tanto o Brasil quanto a China têm em seu ordenamento jurídico normas que visam a proteção dos dados especificamente relacionadas à seara consumeristas, normas estas que se passa a analisar no tópico a seguir.

2. A proteção dos dados do consumidor no escopo legal do Brasil e da China

Observadas a concepção, classificação, aplicação e importância das informações pessoais, bem como da reunião organizada de dados e a tutela dos direitos e deveres dada a relevância jurídica, passa-se nesta seção a análise das principais normas voltadas à proteção dos dados nas relações de consumo, tanto no ordenamento jurídico brasileiro quanto no chinês.

2.1. A proteção de dados consumeristas no Brasil

Inicialmente, destaca-se que no ordenamento jurídico do Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, é o precípuo conjunto de normas que visam à proteção aos direitos do consumidor, sendo, então, o principal regulamentador das relações consumeristas em âmbito nacional.

Não obstante, especificamente em relação à proteção e tratamento dos dados pessoais, operados por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), se destaca no escopo legal brasileiro, tendo por objetivo a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural (BRASIL, 2018).

A LGPD, então, é a norma brasileira que regula as atividades de tratamento de dados pessoais, com objetivo específico de proteção, privacidade e transparência de dados de pessoas físicas, aplicando-se, inclusive a qualquer pessoa física ou jurídica que realizem coleta de dados, destacando-se, também, por seu caráter sancionador, cujas penalidades pelo descumprimento de suas normas podem ocasionar multa de 2% do faturamento anual e chegar até 50 milhões (SEBRAE, 2020).

Nesse sentido, segundo o art. 2º da LGPD a disciplina da proteção de dados pessoais possui sete fundamentos, quais sejam:

Art. 2º [...].

I - o respeito à privacidade;

II - a autodeterminação informativa;

III - a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião;

IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem;

V - o desenvolvimento econômico e tecnológico e a inovação;

VI - a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e

VII - os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (BRASIL, 2018).

Por seus fundamentos, verifica-se que a LGPD, obedece aos ditames da Constituição Federal de 1988 (CF/88) acerca da garantia e proteção de direitos essenciais da pessoa, de modo a promover o bom desenvolvimento das relações jurídicas nela positivados, tal qual o que já se podia verificar no próprio Código de Defesa do Consumidor, que no caput de seu art. 1º, afirma a égide de suas normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, em obediência aos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 48 de suas Disposições Transitórias (BRASIL, 1990).

Ressalta, ainda, que a própria LGPD traz ao longo de seu art. 5º dezenove incisos que tratam especificamente da delimitação dos termos voltados à proteção dos dados pessoais. Dentre os conceitos elencado no referido artigo, convém destacar, in verbis:

Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

I - dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável;

II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;

III - dado anonimizado: dado relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento;

IV - banco de dados: conjunto estruturado de dados pessoais, estabelecido em um ou em vários locais, em suporte eletrônico ou físico;

V - titular: pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento;

VI - controlador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais;

VII - operador: pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome do controlador; [...]

X - tratamento: toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração; [...]

XII - consentimento: manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada; [...]

XIX - autoridade nacional: órgão da administração pública responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento desta Lei em todo o território, nacional. (BRASIL, 2018, destaque nosso).

Da leitura do dispositivo acima, verifica-se que, se aplicada ao contexto das relações de consumo, a LGPD em muito se assemelha à Lei nº 8.078/1990, visto que nela há diversos elementos contidos no próprio CDC, como, por exemplo, a “a figura do controlador e do titular do dado, que é naturalmente comparado ao fornecedor e ao consumidor da segunda e, como se verá, as similaridades não são apenas essas” (GOBBI, 2020).

Nesse contexto, versando sobre as semelhanças entre as normas da LGPD e do CDC, destaca-se que está disposto tanto no caput do art. 9º da LGPD quanto no §1° do artigo 43 do CDC que dizem, respectivamente:

Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018.

Art. 9º O titular tem direito ao acesso facilitado às informações sobre o tratamento de seus dados, que deverão ser disponibilizadas de forma clara, adequada e ostensiva acerca de, entre outras características previstas em regulamentação para o atendimento do princípio do livre acesso: [...] (BRASIL, 2018, destaque nosso).

Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

§1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. (BRASIL, 1990, destaque nosso).

Nota-se, entre os artigos supracitados, um ponto de interseção em ambas as leis em que se consubstancia pela necessidade de fornecer informações claras e objetivas ao titular dos dados sobre como e quais informações estão sendo tratadas pelo controlador, tal como ocorre nas relações entre consumidor e fornecedor.

Outro ponto em comum entre as citadas normas está contida no §2º do art. 43 do já referido CDC, o qual determina, em destaque, que a “abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele”; bem como o que observa no inciso I, do art. 7º, da LGPD, que diz: “Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses: I - mediante o fornecimento de consentimento pelo titular” (BRASIL, 1990; 2018, destaque nosso).

Percebe-se, então, que ambas as normas ressaltam a necessidade de informar tanto ao titular quanto ao consumidor qualquer tratamento realizado em seus dados, de modo a comunicar-lhes quaisquer mudanças nos mesmos, mantendo-os, assim, cientes que estão no controle do consentimento ou desacordo do tratamento de seus dados, incluindo-se, também, o direito de solicitar a retificação de dados cadastrais incorretos, cuja previsão legal pode ser encontrada no inciso III, do artigo 18 da LGPD e no §3° do artigo 43 do CDC (GOBBI, 2020).

Salienta-se que as comunicações para o titular/consumidor são uma garantia decorrente do princípio da autodeterminação informativa que, segundo Martins (2005, p. 233) enseja o “direito que cabe a cada indivíduo de controlar e de proteger os próprios dados pessoais, tendo em vista a moderna tecnologia e processamento de informação”. Em outras palavras, a autodeterminação informativa pressupõe que, “mesmo sob as condições da moderna tecnologia de processamento de informações [...], que o indivíduo exerça sua liberdade de decisão sobre as ações a serem precedidas ou omitidas em relação a seus dados” (VIEIRA, 2007, p. 88).

Convém destacar, ainda, que a consonância entre a LGPD e o CDC alcança também o âmbito processual, especificamente no que diz respeito ao ônus da prova, encontrando-se previsão tanto no inciso VIII, do artigo 6º da Lei nº 8.078/1990 quanto no §2º do artigo 42 da Lei nº 13.709/2018, demonstrando-se, claramente, “a intenção do legislador de tratar o titular dos dados como hipossuficiente, tal como ocorre na relação consumerista orientada pelo CDC” (GOBBI, 2020).

Dessa maneira, por todo o exposto até o momento, pode-se verificar a intrínseca sinergia entre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e o Código de Defesa do Consumidor, em que ambas estabelecem normas que garantem direitos e deveres tanto aos titulares/consumidores quanto aos controladores/fornecedores, de modo a facilitar e promover boas relações consumeristas para todos os envolvidos.

2.2. A proteção de dados consumeristas na China

Consabido que a China é um dos países que mais cresceu em desenvolvimento do comércio virtual (e-commerce), estando atualmente entre os cinco países com maiores receitas de e-commerce por usuário no mundo (FORBES, 2018).

Tem-se observado contemporaneamente que o cenário de redução de barreiras ao comércio internacional de bens e serviços transforma o cidadão global em um consumidor global, gerando uma verdadeira remodelagem dos mercados e propiciando alterações disruptivas no comportamento do consumidor e até na noção tradicional de consumidor. A ascensão da China no mercado internacional revelou a existência de obstáculos crescentes dada a competitividade com outros países, ensejando guerras comerciais com impacto danoso ao bem-estar dos consumidores.

Diante desse cenário, é fácil presumir que devido o aumento nas relações comerciais cresceu também normas de regulação das relações jurídicas e consumidoras que surgiram. Todavia, a China, em termos legislativos, estava na retaguarda em relação algumas das maiores economias internacionais, sendo necessária a criação de escopo normativo específico que atendesse às necessidades relacionada a proteção dos dados do consumidor no país e a nível mundial, devido a sua forte atuação no e-commerce.

Nesse sentido, convém salientar que recentemente o ordenamento jurídico chinês ganhou um novo código civil, que traz em seu bojo normas de direito do consumidor e dispositivos de proteção dos dados dos consumidores. O Código Civil Chinês entrou em vigor a partir de em 1 de janeiro de 2021, sendo considerado um marco histórico na legislação do país, tendo em vista ser a primeira codificação abrangente das leis civis da República Popular da China, objetivo dos governos chineses desde a Dinastia Qing (BLACKMORE, 2020).

Acerca das disposições que tratam sobre privacidade e informações pessoais no Código Civil da China, estas reafirmam e consolidam as leis de privacidade já existentes no país que se encontravam discriminadas na Decisão do Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo sobre o Fortalecimento da Proteção da Rede de Informações, a Lei de cibersegurança e a Lei de Proteção dos Direitos e Interesses do Consumidor (BLACKMORE, 2020).

Não obstante, o citado códice amplia as delimitações legais já positivadas, dando-lhes mais especificidade e significado, que conforme Blackmore (2010), torna a lei mais clara para a proteção e acesso para os indivíduos tomarem medidas legais em relação à violação de seus direitos de privacidade.

Todavia, ressalta-se que assim como as leis de privacidade existentes na China, as disposições do Código Civil em relação à privacidade e informações pessoais não são tão detalhadas ou prescritivas como a Portaria de Dados Pessoais (Privacidade) de Hong Kong ou o Regulamento Geral de Proteção de Dados da Europa, o que, invariavelmente, deixam um espaço considerável para interpretação.

No entanto, segundo Blackmore (2010), o Congresso Nacional do Povo sinalizou a introdução de uma lei de proteção de informações pessoais e uma lei de segurança de dados como o próximo passo no desenvolvimento da lei de privacidade de dados chinesa, e é provável que essas leis sejam mais prescritivas.

Em específico, no que tange a privacidade e as informações pessoais estas estão em várias seções da Parte IV do Código Civil, dentre as quais se destacam os artigos 990 a 1000 que tratam das disposições gerais sobre “direitos da personalidade”, que incluem o direito do indivíduo à privacidade, como por exemplo:

Artigo 994. Quando o nome, retrato, reputação, honra, honra, privacidade, corpo etc. do falecido são violados, seu cônjuge, filhos e pais têm o direito de solicitar ao agressor a responsabilidade civil de acordo com a lei; o falecido não tem cônjuge, filhos e os pais morreram outros parentes próximos têm o direito de solicitar ao agressor a responsabilidade civil de acordo com a lei.

Artigo 995. Se o direito à personalidade for violado, a vítima terá o direito de solicitar ao agressor a responsabilidade civil de acordo com esta lei e outras leis. O direito da vítima de interromper a infração, eliminar a obstrução, eliminar o perigo, eliminar a influência, restaurar a reputação e pedir desculpas por desculpas não se aplica à limitação do litígio.

Artigo 996. Se a quebra de contrato de uma parte prejudicar os direitos de personalidade da outra parte e causar sérios danos mentais, se a parte lesada optar por solicitar que ela seja responsabilizada por quebra de contrato, isso não afetará o pedido de indenização da parte lesada.

Artigo 997. Um sujeito civil que tenha provas para provar que o autor está cometendo ou está prestes a cometer um ato ilegal que viola seus direitos de personalidade e falha em interrompê-lo em tempo hábil causará danos aos seus direitos e interesses legais que são irreparáveis e tem o direito de recorrer ao tribunal do povo de acordo com a lei. Medidas para ordenar que o agressor pare o comportamento relevante.

Artigo 998. Afirmando que o autor é responsável por violar direitos de personalidade que não sejam o direito à vida, corpo e saúde, deve considerar a ocupação, o escopo de influência, o grau de culpa do autor e a vítima, bem como o objetivo do ato, Fatores como métodos e consequências.

Artigo 999. Nos casos em que sejam realizadas reportagens, supervisão da opinião pública etc. para o interesse público, o nome, nome, retrato, informações pessoais etc. do sujeito civil poderá ser razoavelmente usado; se o uso de uma violação irracional dos direitos de personalidade do sujeito civil for suportado pelo civil responsabilidade.

Artigo 1000. Se o agressor assumir responsabilidades civis, tais como eliminar influência, restaurar reputação, pedir desculpas por violar direitos de personalidade etc., será equivalente à maneira específica do ato e ao escopo da influência causada. (CHINA, 2020, Tradução livre).

Destacam-se, ainda, nesse mesmo contexto os artigos 1.032 e 1.033 os quais em termos mais específicos proíbem as atividades que infrinjam o direito de um indivíduo à privacidade, tais como espionar, escutar, fotografar ou filmar partes ou espaços privados do corpo, ou enviar mensagens indesejadas. Já os artigos 1034 a 1039 tratam especificamente do processamento de informações pessoais, como se pode depreender da leitura dos citados dispositivos integrantes do capítulo VI, sobre a privacidade e proteção das informações pessoais:

Artigo 1032. As pessoas singulares gozam do direito à privacidade. Nenhuma organização ou indivíduo pode infringir os direitos de privacidade de terceiros por meio de espionagem, intrusão, divulgação, divulgação, etc. Privacidade é a tranquilidade da vida privada de pessoas físicas e espaços privados, atividades particulares e informações privadas que não desejam ser conhecidas por outras pessoas.

Artigo 1033. Salvo disposição em contrário da lei ou do consentimento expresso do titular do direito, nenhuma organização ou indivíduo poderá cometer os seguintes atos: (1) Invadir a vida privada de outras pessoas por telefone, SMS, ferramentas de mensagens instantâneas, e-mails, folhetos, etc .; (2) Entrar, fotografar e espiar em espaços privados, como casas de outras pessoas e quartos de hotel; (3) Filmar, espiar, espionar e divulgar as atividades privadas de terceiros; (4) filmar e espiar as partes íntimas dos corpos de outras pessoas; (5) Manipulação de informações privadas de terceiros; (6) Violar a privacidade de outras pessoas de outras maneiras.

Artigo 1034. As informações pessoais de pessoas físicas são protegidas por lei. Informações pessoais são várias informações registradas eletronicamente ou de outras maneiras que podem identificar uma pessoa singular específica sozinha ou em combinação com outras informações, incluindo o nome da pessoa singular, data de nascimento, número de identificação, número biométrico, endereço, número de telefone, endereço de e-mail e saúde Informações, informações sobre o paradeiro, etc. As informações privadas nas informações pessoais serão regidas pelos direitos de privacidade; se não houver regulamento, os regulamentos relativos à proteção de informações pessoais serão aplicáveis.

Artigo 1035. O processamento de informações pessoais seguirá os princípios de legalidade, legitimidade e necessidade, não deverá ser processado em excesso e deve atender às seguintes condições: (1) Com o consentimento da pessoa singular ou de seu tutor, salvo disposição em contrário das leis e regulamentos administrativos; (2) Regras para o processamento público de informações; (3) Expressar a finalidade, método e escopo do processamento de informações; (4) Não viole as disposições de leis e regulamentos administrativos e o acordo de ambas as partes. O processamento de informações pessoais inclui a coleta, armazenamento, uso, processamento, transmissão, fornecimento e divulgação de informações pessoais.

Artigo 1036. Se as informações pessoais forem processadas sob qualquer uma das seguintes circunstâncias, o autor não assumirá responsabilidade civil: (1) Atos razoavelmente executados dentro do escopo acordado pela pessoa singular ou seu tutor; (2) Descarte razoavelmente as informações que a pessoa singular divulgou ou outras informações legalmente divulgadas, a menos que a pessoa natural tenha recusado ou processado explicitamente as informações para violar seus interesses principais; (3) Outros atos praticados razoavelmente para proteger o interesse público ou os direitos e interesses legítimos da pessoa singular.

Artigo 1037. As pessoas físicas podem consultar ou copiar suas informações pessoais do processador de informações de acordo com a lei; se as informações forem consideradas incorretas, elas têm o direito de levantar objeções e solicitar correções oportunas e outras medidas necessárias. Se uma pessoa singular descobrir que um processador de informações viola as disposições de leis e regulamentos administrativos ou o acordo de ambas as partes em processar suas informações pessoais, ele tem o direito de solicitar que o processador de informações as exclua a tempo.

Artigo 1038. O processador de informações não deve divulgar ou adulterar as informações pessoais que ele coleta ou armazena; sem o consentimento de uma pessoa natural, não deve fornecer ilegalmente suas informações pessoais a terceiros, exceto aqueles que não podem ser identificados e não podem ser recuperados após o processamento. Os processadores de informações devem adotar medidas técnicas e outras necessárias para garantir a segurança das informações pessoais que eles coletam e armazenam, além de evitar vazamentos, adulterações ou perdas de informações; se ocorrer ou ocorrer vazamento, adulteração ou perda de informações pessoais, medidas corretivas devem ser tomadas em tempo hábil, de acordo com o que é necessário informar as pessoas singulares e informar o departamento competente relevante.

Artigo 1039. Os órgãos estatais, órgãos estatutários que executam funções administrativas e seu pessoal devem manter em sigilo a privacidade e as informações pessoais das pessoas singulares aprendidas no exercício de suas funções, e não devem divulgá-las ou fornecê-las ilegalmente a terceiros. (CHINA, 2020, Tradução livre).

Convém destacar, ainda, que na legislação chinesa é permitido aos indivíduos a tomada de medidas legais para prevenir ou obter compensação por uma violação de seus direitos de personalidade. No que se refere especificamente ao processamento de informações pessoais, esclarece-se que as principais disposições incluem:

· o processamento de informações pessoais deve ser lícito, justificado, necessário e não excessivo;

· o processamento de informações pessoais só é permitido com o consentimento expresso do indivíduo ou conforme exigido por lei - embora o artigo 1036 afirme que o processamento razoável de informações pessoais também é permitido se: (a) o indivíduo voluntariamente divulgou suas informações pessoais e não recusou explicitamente para permitir o processamento; ou (b) o tratamento é realizado para proteger o interesse público ou os direitos ou interesses legítimos do indivíduo;

· os indivíduos têm o direito de obter acesso às informações pessoais que um processador mantém sobre eles e de corrigir essas informações se estiverem incorretas;

· os indivíduos têm o direito de exigir que um processador exclua suas informações se o processamento violar a lei ou um acordo entre as partes;

· os processadores devem tomar as medidas técnicas e outras necessárias para garantir a segurança das informações pessoais que possuem; e

· em caso de violação de dados, o processador deve tomar medidas corretivas em tempo hábil e notificar a violação às pessoas afetadas e à autoridade competente relevante (BLACKMORE, 2020).

Salienta-se que a maioria das disposições supracitadas por estarem no Código Civil, têm uma aplicação mais ampla, porém com intrínseca relação àquelas contidas na decisão sobre o fortalecimento da proteção da rede de informações, na Lei de Cibersegurança e na Lei de Proteção dos Direitos e Interesses do Consumidor. Acerca dessas normas, Blackmore (2020) explica que:

A Decisão sobre o Reforço da Proteção da Informação na Rede limita-se à proteção da informação pessoal em formato eletrônico, ao passo que o Código Civil se aplica a todas as formas de informação pessoal;

A Lei da Cibersegurança aplica-se apenas aos operadores de rede, ao passo que o Código Civil se aplica a todas as empresas que tratam de informações pessoais, independentemente de também operarem uma rede informática; e

A Lei de Proteção dos Direitos e Interesses do Consumidor protege apenas os direitos dos consumidores de bens e serviços, enquanto o Código Civil se aplica a todas as pessoas físicas (BLACKMORE, 2020).

De todo o exposto, pode-se verificar, então, que o Código Civil inovou o ordenamento jurídico chinês trazendo uma série de proteções aos consumidores em relação à proteção dos dados e informações pessoais, possibilitando, ainda, pleitear judicialmente contra qualquer pessoa física ou jurídica que viole tais direitos.

3. Paralelo Brasil-China: semelhanças e diferenças entre as normas de proteção dos dados

Observadas as principais características das legislações de proteção de dados tanto no Brasil quanto na China, convém abordarmos algumas semelhanças e diferenças entre as citadas normas, identificando as assimetrias dos sistemas e onde as convergências podem facilitar as relações de consumo entre si.

Inicialmente, destaca-se que o Brasil e China, bem como Rússia, Índia e África do Sul, fazem parte do BRICS, um bloco econômico formado por países considerados emergentes, criado para facilitar o comércio e negócios entre os citados países. Destes países, no entanto, a China se destaca como uma economia dinamicamente emergente e de transição e qualificando-se como um dos maiores mercados de consumo do mundo.

Diferente do que foi experimentado na Europa, onde se verificou uma integração das normas de defesa do consumidor, o cenário em que a China está imiscuída na Ásia é bem mais complexo, sendo improvável que essa harmonização continental ocorra no curto prazo (a propósito, também o Brasil se depara com tais dificuldades de harmonização normativa na América do Sul). Tal cenário é especialmente dramático ao se verificar que como a segunda maior economia do mundo, a China desempenha um papel importante no sistema multilateral de comércio e espera-se que assuma obrigações comerciais internacionais e cooperação internacional.

Mas qual a relevância de se debater a harmonização das normas consumeristas em determinada região? A resposta para essa indagação passa pela questão dos custos de transação, da implementação da solução de conflitos de modo mais barato e fácil e, ainda, pela tentativa de proporcionar maior confiança ao consumidor.

Nesse sentido, ressalta-se a primeira diferença entre o Brasil e China no que tange à legislação de proteção de dados, pois, enquanto o Brasil desde 1990 já contava com lei específica de regimento das relações consumeristas, a China ainda não havia positivado em um único código seu escopo jurídico a esse respeito.

Todavia, ambos os países tiveram recentes inovações leias referente, especificamente, à proteção dos dados e informações pessoais, a saber, no Brasil promulgou-se em 2018 a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, mais conhecida como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD); enquanto na China, no ano de 2020 foi editado o Novo Código Civil que traz em seu escopo normas específicas quanto à proteção dos dados pessoais, em especial, aqueles oriundos de relações consumeristas.

De uma perspectiva comparativa do direito, os países asiáticos pertencem, em grande medida, a três grupos de modelos de tutela consumerista. O primeiro grupo inclui (por exemplo, a Coreia do Sul), o segundo (das economias emergentes, como a China) e o terceiro grupo (das economias desenvolvidas), onde se alocam Japão, Austrália e Nova Zelândia. Vê-se, portanto, que Ásia e Oceania compõem um complexo mosaico de economias, com reflexos normativos distintos e intensa troca de influências, inclusive pelo aspecto cultural.

Outra semelhança entre o Brasil e China é que em ambos os países as normas preveem a possibilidade abertura de reclamação judicial a fim de tratar de questões relacionadas à violação a proteção dos dados pessoais. Inclusive, na China, existem Cortes específicas para o tratamento dessas demandas, sendo possível, ainda, por ordem judicial que se publique pedido de desculpas ou outro anúncio público, demonstrando-se, assim, semelhanças acerca do poder sancionatório de ambos os escopos jurídicos (BLACKMORE, 2020).

A despeito das peculiaridades culturais e normativas das normas de proteção ao consumidor da China, tem-se observado um gradual movimento no sentido de incorporar valores que são praticados noutros países, o que tende a ajustar a movimentação de bens e serviços que ali são produzidos. A título de exemplo, observa-se que o dever de fornecer informação tem amparo na Diretiva 90/314 do Conselho da UE sobre viagens organizadas, férias organizadas e excursões organizadas (art. 3), ao passo que a previsão do dever de emitir faturas e outros recibos de compra tem como inspiração a Lei do Consumidor do México (art. 12).

Ainda acerca do caráter punitivo de algumas normas relacionadas a proteção dos dados, verifica-se que tanto no escopo do Código Civil da China quanto na legislação brasileira, possuem certa diferença no que se refere a ampla possibilidade de ingressar administrativa e judicialmente na busca por garantia de direitos, pois enquanto que no Brasil oferece o acesso consciente à justiça; na China, recentemente, como as leis existentes não fornecerem expressamente qualquer elemento de direito e/ou dever; eles apenas preveem que as autoridades imponham multas e penalidades administrativas (BLACKMORE, 2020).

Verifica-se, portanto, aspectos semelhantes e diferentes entre o ordenamento jurídico chinês e brasileiro, que são adequados à realidade da sociedade de cada país, bem como, pode-se perceber que, ainda falta um evoluir normativo e qualitativo em cada nação, de modo que seja possível alcançar e positivar os direitos relacionados à proteção dos dados pessoais.

Considerações finais

Considerando-se todo o exposto, podemos concluir que a informação pessoal, de fato, figura atualmente como uma verdadeira commodity, sendo uma matéria-prima comercializável de grande importância e que já assumiu enorme relevância não só nas relações de consumo, mas em todas as relações econômicas, que alcançou status de bem jurídico tutelado e garantido pela maioria dos países, dentre os quais se destacam o Brasil e a China.

Do estudo foi possível verificar, ainda, a dificuldade conceitual e de delimitação dos termos informação, dados pessoais e conhecimento, porém, em suma, admitiram-se as seguintes definições: a) dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável (art. 5º, I, da LGPD); b) informação é a estruturação, organização ou análise dos dados; e c) conhecimento é a informação processada e transformada em experiência pelo indivíduo (sujeito cognoscitivo).

Por conseguinte, quando da análise do escopo legislativo que trata da proteção dos dados em âmbito brasileiro, verificou-se que, no Brasil, a principal norma que dispõe acerca da proteção de dados é a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que apresenta inúmeras semelhanças dos direitos do consumidor, principalmente, no que se refere à caracterização do titular dos dados como hipossuficiente, tal como ocorre na relação consumerista orientada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990).

Já no ordenamento jurídico chinês, verificou-se que, em termos legislativos, o país tem passado por inúmeras mudanças normativas com vistas ao atendimento das demandas por regulamentações específicas e adequadas à resolução de problemas resultantes de relações de consumo. Porém, com o advento do Novo Código Civil Chinês o tema da proteção dos dados foi tratado em capítulo específico que dispõe acerca da privacidade e proteção de informações pessoais, cujo teor apresenta diversos pontos em comum e divergentes em relação à Lei de Proteção de dados brasileira.

Referências

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Submetido em: 21 jul. 2022.

Aceito em: 31 dez. 2022.