CONTROLE PREVENTIVO DE LEGALIDADE: O TABELIÃO BRASILEIRO COMO GATEKEEPER DO MERCADO

Ana Carolina Farias Almeida da Costa

Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza

carolinafarias.ac@gmail.com

João Luís Nogueira Matias

Universidade Federal do Ceará (UFC) e Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7), Fortaleza

joaoluisnm@uol.com.br

Resumo: A revisão de literatura sobre as interações entre empresas (mercado), política (Estado) e direito (jurisdição) resulta no questionamento sobre o papel dos notários e o seu impacto nessa questão, pois se constatou que o seu papel extravasa os limites do sistema jurídico, produzindo efeitos para o mercado e para o Estado. Tendo isso em mente e considerando as diferenças entre civil e common law, este artigo pretende analisar se os notários brasileiros, figuras típicas dos sistemas jurídicos continentais, atuam como gatekeepers do mercado, que são figuras essencialmente parte do common law. Utiliza-se o método dedutivo e a metodologia é tanto qualitativa quanto quantitativa, baseando-se numa pesquisa bibliográfico-documental. Conclui-se que as características do gatekeeper são plenamente compatíveis com a figura do notário brasileiro, pois essa atividade emprega habilidades variadas e tem um papel complexo no ordenamento jurídico, atuando como agentes responsáveis por um controle preventivo de legalidade. Na realidade, a imparcialidade e a independência conferem aos notários atribuições amplas que extrapolam tanto o controle preventivo de legalidade quanto os pressupostos que a doutrina estabelece para os gatekeepers.

Palavras-chave: Gatekeepers. Regulação. Direito e Economia. Notários. Civil Law. Controle preventivo de legalidade.

Preventive legality control: The Brazilian notary as market gatekeeper

Abstract: The exam of a literature on the interactions between companies (market), politics (State) and law (jurisdiction) results in the questioning if the notaries have any impact on that, because their role crosses the boundaries of their legal system, having effects over the market and the State. Having it in mind and considering the differences between civil and common law systems, this article aims to analyse if the Brazilian notaries, who are related to civil law, act as market gatekeepers, who are typically part of the common law tradition. By using the deductive method, the methodology is both qualitative and quantitative, based on bibliographic-documental research. In conclusion, we realize that the features of the gatekeepers are plainly compatible with the Brazilian notaries, since this activity uses many abilities and has a complex role in the Brazilian legal system as agents in charge of preventive legality control. Impartiality and independence actually provide the notaries broad attributions that go beyond the preventive legality control and what literature describes as gatekeepers.

Keywords: Gatekeepers. Regulation. Law and Economics. Civil Notaries. Civil Law. Preventive legality control.

Introdução

Em uma tradução literal, o termo gatekeeper corresponde a intermediários (pessoas ou políticas) que atuam como “porteiros”, controlando o acesso de um ponto a outro. Ao avaliarem se o objetivo pretendido está de acordo com os padrões exigidos eles podem recusar, controlar ou atrasar o acesso dessas pessoas até o ponto de destino. O gatekeeper é a parte que possui responsabilidade – seja econômica, política ou jurídica – pela conduta de terceiro (CAMPILONGO, 2014, p. 91). O uso do termo também se dá em outras áreas, como o jornalismo, remontando aos anos 1950, baseado na mesma ideia de controle prévio, de uma espécie de filtro para as notícias jornalísticas que seriam publicadas nos Estados Unidos (FARIA; SANTOS, 2015, s/p).

Considerando que a tradução literal não comporta a definição do instituto, e que neste cenário o gatekeeper é colocado à entrada do mercado, com a obrigação de controlar a correção das operações econômicas, negando acesso aos atos caracterizados como ilícitos, utilizaremos a palavra “guardião” por entendê-la mais apropriada à noção de gatekeeper no contexto brasileiro de discussão sobre as relações de mercado e direito.

A partir da análise do mercado e das instituições Campilongo (2014, p. 15-20) conclui que é pouco provável chegar a uma economia moderna sem instituições que a regulassem e que há claras interações entre empresas (mercado), política (Estado) e direito (jurisdição) e que isso não é diferente com o notariado. O seu papel é muito bem delimitado nos países que adotam o sistema continental, mas o que se pretende demonstrar a partir de agora é que sua atuação extravasa os limites do sistema jurídico, produzindo efeitos para o mercado e para o Estado, no caso específico como guardião do mercado.

Nessa modalidade de atuação direcionada ao mercado será destacada, em detalhes, a atuação de um tipo específico de cartório, titularizado pelos tabeliães de notas (ou notários), e serão feitas breves considerações sobre outro tipo específico de cartório, titularizado pelo registrador de imóveis.

O ponto de partida e fio condutor de toda a análise é delimitação das atividades dos notários feita por Campilongo (2014, p. 17), a partir das relações institucionais entre empresas (mercado), política (Estado) e direito (jurisdição). São eles: (i) criação de ambiente propício à produção de “eficiência econômica”; (ii) estabilização da “confiança” como mecanismo de redução da complexidade [das transações no mercado]; (iii) acesso à informação como garantia da legalidade, transparência e, principalmente, “imparcialidade”.

Com base nessa premissa partimos para a discussão da possibilidade de enquadramento do notário brasileiro como gatekeeper. Na primeira seção serão apresentadas as características dos sistemas do civil e common law, com destaque para o papel do notário em um e outro sistema. Na segunda parte serão discutidos os principais pontos da literatura do gatekeeper com foco nas características e nos objetivos que essa figura deve ter no sistema de direito comum. Na última seção será feito um juízo de adequação entre a proposta teórica oriunda de um ordenamento jurídico completamente diverso do brasileiro e as atribuições legais dos tabeliães no ordenamento jurídico brasileiro.

1. Compreendendo o notariado no direito continental

Para a compreensão do problema do artigo serão feitas algumas considerações sobre o tabelionato de notas e sobre a sua existência em outras partes do mundo, particularmente no sistema jurídico continental. O intento deste tópico é demonstrar como diferentes modelos de Estados ou de “famílias” jurídicas geraram diversas arquiteturas institucionais e regulatórias que podem justificar ou não a adoção de um modelo de cartórios, e que esse contexto não pode ser ignorado quando se busca compreender a função da instituição notarial e registral na dinâmica jurídica brasileira.

O breve resgate histórico[1] tem por objetivo apenas analisar e evidenciar traços sobre o perfil profissional do tabelião em diversas ordens normativas, ao longo de vários séculos, especialmente nos países que adotaram o direito romano-germânico. Autores relatam[2] a existência de um profissional letrado, em um mundo de iletrados, que possuía uma série de atribuições baseadas na fidúcia em uma dada ordem social para além das comumente reconhecidas pelo senso comum: reconhecer firmas, autenticar documentos e elaborar procurações.

As pesquisas na literatura estrangeira[3] apontam para sensíveis diferenças entre o sistema latino de cartórios e o papel exercido por seus tabeliães e registradores e os notary do sistema consuetudinário. O sistema latino, o mesmo utilizado pelo Brasil, está presente em 91 países que adotam o sistema jurídico continental, entre os quais se destacam as 7 entre as 10 maiores economias do mundo (Alemanha, França, Japão, China, Rússia, Indonésia e Brasil), e ainda inclui 22 dos 27 países que compõe a União Europeia, além de 15 dos 20 países que compõe o G-20, o que equivale dizer que cerca de 2/3 da população mundial utiliza o sistema de cartórios nos mesmos moldes existentes no Brasil (ANOREG/BR, 2021, p. 4).

O sistema latino teve origem na Itália e é típico dos ordenamentos jurídicos romano-germânicos, o chamado Direito Continental[4] e suas características mais comuns ao redor do mundo são reconhecimento da prova escrita como prova por excelência; sistema de segurança jurídica, ou seja, por um controle ex ante, confiada aos notários e conservadores públicos, visando minimizar o risco, de modo que os atos notariais e o seu conteúdo são reconhecidos e protegidos até a reclamação de falsificação (CADELANO, 2014, s/p).

Portanto, avaliando a organização desses países percebe-se uma correspondência entre o sistema notarial e registral latino (também chamado de romano-germânico) a um tipo específico de sistema jurídico, o do direito continental. A figura do notário é indissociável de uma sociedade baseada na cultura jurídica escrita (PIHLAJAMÄKI, 2015, p. 68), que tem forte tendência à utilização de documentos escritos como meio de prova documental (SCHMOECKEL, 2012, p. 165-178) no sistema judicial[5] e atrelada ao uso de um sistema de registros públicos que garante a publicidade e a confiabilidade ao sistema jurídico responsável por regular as pessoas, seus negócios e seus bens.

Nesses países, a atividade dos cartórios (em especial a dos notários) está relacionada, sobretudo, mas não exclusivamente, à eficácia probatória e executiva dos atos que elaboram (lavram) e reconhecem como verdadeiros. Em razão desta característica, Carnelluti (1951, p. 14) já observava em 1950 a correlação entre a atuação profissional dos tabeliães e dos juízes, destacando o caráter anti-processual da atuação daqueles, afirmando que “quanto più notaio, tanto meno giudice”.

Nos países que adotam o sistema notarial latino adota-se, também, a lógica jurídica da prevenção. Como forma de minorar ou evitar a violação de direitos vários aspectos da vida civil (pessoas, seus negócios e seus bens) são detalhados de forma minuciosa e a há uma presença mais marcante do Estado, seja por meio da criação e utilização da legislação compendiada, seja por meio das instituições que visam garanti-la, seja por meio de atos de prevenção aos conflitos.

Uma das formas de profilaxia jurídica (CAMPILONGO, 2014, pp. 21-23) é a escolha de um profissional jurídico que atua como terceiro imparcial que, de forma equidistante das partes, fiscaliza a aplicação da lei, esclarece se e como a vontade das partes se enquadra no ordenamento jurídico e, deste modo, reduz ou minimiza as assimetrias econômicas e informacionais, purificando o mercado – o que impacta, obviamente, na redução do número de processos.

Ao lado dos notários o sistema de guarda, conservação e publicização de atos, fatos e negócios jurídicos é tão arraigado nas sociedades que adotaram o sistema continental que podem ser observadas modalidades variadas de registros, tais como: Junta Comercial, Instituto Nacional de Propriedade Industrial, Arquivo Público e Biblioteca Nacional. Trata-se de uma sociedade organizada em torno da legalidade escrita e codificada, que têm como objetivo a prevenção dos litígios que futuramente possam acontecer, como detalhado abaixo:

The civil law tradition, emerging from medieval scholarship and early modern legislation, prefers to address legal problems in the abstract; it thus tries to have the solution ready at hand before an issue comes alive. In other words, it is inherently geared toward planning ahead, i.e., proactive. The virtue of this approach is that many problems are more easily solved before the fighting starts. That is exactly what the civil law notary is all about. [6]

De outro lado há o sistema Anglo-Saxão presente na Grã-Bretanha (excluindo Escócia), Estados Unidos da América (excluindo o Estado de Louisiana), Canadá (excluindo a região de Québec) e Austrália, países que adotam o sistema jurídico consuetudinário, pois tiveram influências da colonização inglesa. Neles, a prova oral é considerada a prova por excelência; além disso, possuem um sistema de segurança econômica, baseado na estipulação de contratos de seguro de propriedade, que não evitam o risco e não garantem o direito à moradia, apenas oferecem uma compensação financeira em caso de dano (CAROSI, 2016, p. 1013). No sistema anglo-saxão os notary são a expressão do individualismo (FUSARO, 2008, pp. 81-97), no sentido de que cada indivíduo (ou empresa) cuida de seus próprios interesses sem um controle preventivo de legalidade (CADELANO, 2014, s/p), com pouca intervenção pública em atividades privadas, e quem recebe menos proteção legal são os economicamente mais fracos.

O sistema jurídico norte-americano é organizado com base na premissa de “ampla liberdade das partes ex ante, equivalência de forças para o enfrentamento do litígio ex post, rapidez e eficiência da prestação jurisdicional” (CAMPILONGO, p. 21), o que se alinha com a perspectiva de ampla liberdade negocial e de autorregulação do mercado adotada no país. Campilongo lembra que é conhecida a propensão do norte-americana a litigar os mais variados aspectos da vida, e que isso significa uma solução ex post fundada na ideia de ressarcimento e reparação do dano (CAMPILONGO, p. 21-22) e que no caso brasileiro “não faz sentido submeter partes geralmente desequilibradas à demorada e custosa lide judicial” e insiste pela previsibilidade dos pactos contratuais lavrados em escrituras no lugar da doença e da patologia dos negócios.

Diferente dos modelos apresentados acima, há figuras híbridas como os Latin Notaries in London, que, em virtude de tratativas com outros países do sistema continental, têm fé pública para redigir documentos enviados ao exterior, mas não têm fé pública na Inglaterra. Já os notários da Louisiana, que têm meros poderes de autenticação de assinaturas[7], não tem a função de redigir documentos legais em conformidade com o ordenamento jurídico e atribuir fé pública (REIMANN, 2009, pp. 21;31), e tampouco podem aconselhar juridicamente as partes, protocolar e arquivar documentos. Cadelano (2014, s/p) lembra que também existem sistemas híbridos que ainda usam o sistema jurídico do colonizador inglês com adaptações para regras legais de natureza religiosa (por exemplo, Índia e Nigéria).

É possível afirmar que a abertura das fronteiras, a imigração e o livre mercado têm modificado essas configurações e, cada vez mais, países do common law buscam formas de interagir com países cujos sistemas jurídicos têm outras bases, utilizando títulos e documentações formadas com base na fé pública nos moldes do sistema latino. Reimann (2009, p. 31) afirma que no final do século XX os civil notary ressurgiram nos Estados Unidos diante da necessidade criada pela forte imigração de latinos e a intensificação das relações econômicas com esta região e, com isso, um problema ganhou evidência: escrituras, contratos, testamentos e outros documentos muitas vezes não podiam ser reconhecidos em países da América Latina porque não eram lavrados com base na lógica da fé pública do sistema latino. No caso brasileiro, há evidências históricas da adoção do sistema latino, embora alguns autores (MELO Jr., 1998) argumentem, sem sucesso, a existência de um sistema notarial tipicamente brasileiro, com características específicas.

2. O gatekeeper na tradição do direito comum

No âmbito jurídico foi Kraakman (1986, p. 53) quem notabilizou essa expressão, ao apresentar artigo em que discutia um importante gênero de responsabilidade colateral denominado de responsabilidade do gatekeeper, “imposta a partes privadas que são capazes de interromper a má conduta por meio da não-cooperação com os malfeitores.” Neste estudo, concluído em 1986, o autor destaca o papel de particulares (advogados, auditores, contadores, analistas de valores mobiliários, etc.) como um gatekeeper e de lá para cá várias pesquisas têm sido desenvolvidas a partir desse conceito[8].

Essa é a proposta de Kraakman (1986, p. 101) também, mas um pouco relativizada quando o autor conclui que a regulamentação legal se torna mais complexa, particularmente nas áreas de negócios, e que veremos muitos esforços para construir controles legais híbridos e chega a afirmar que “O exemplo da aplicação do gatekeeper indica a gama de questões que esses controles levantam e a importância de unir perspectivas de aplicação públicas e privadas na busca de respostas.” Fato é que, aparentemente, está ocorrendo uma revitalização da ideia formulada no final dos anos oitenta nas pesquisas em AED que confiava essa regulação a particulares presentes no mercado, considerados menos caro e mais eficientes do que os equivalentes estatais[9].

Dois pontos iniciais merecem ser destacados: 1. A criação do instituto e o desenvolvimento do conceito de gatekeeper tomaram por base o sistema consuetudinário, mais especificamente, o norte americano; 2. É importante compreender que a relevância da discussão parte da evidência que há consequências políticas e sociais para comportamentos negociais em massa (corporativos, na linguagem do direito comum), uma vez que extravasam os limites da negociação individual e afetam mercados, investidores, sociedade e Estado de um modo geral.

Discordando desta lógica Carosi (2011, p. 707-722) afirma que pesquisas de Direito e Economia Comparados feitas em países europeus que adotam o direito continental apontaram recentemente a eficiência de muitas medidas preventivas desse modelo de sistema jurídico para salvaguardar o desenvolvimento do mercado, em especial o mercado imobiliário, duramente atingido na crise dos anos 2000 nos Estados Unidos.

Considerando as diferenças entre este sistema e o do direito continental, Carosi (2016) indaga se ele pode ser aplicado ao notário latino, considerando a diferença de fenômenos e a existência de institutos peculiares do direito continental. Conforme exposto anteriormente, os comparatistas consideram o notariado latino como uma profunda característica dos sistemas de direito continental, distinguindo-o dos sistemas jurídicos de origem anglo-saxã especialmente por estes terem apenas uma atitude reativa e posterior ao conflito, fracamente inclinados a uma política de prevenção, conforme já explicado.

Para o desenvolvimento deste artigo, toma-se como norte as obras desta autora, uma vez que é fundamentada em relevantes obras de Direito e Economia Comparados, revelando-se de grande valia para a compreensão do papel crucial realizado por notários de direito civil enquanto profissionais imparciais e independentes, dotados de espírito público, de alguma forma muito assemelhados aos juízes e dificilmente substituíveis por outros profissionais.

As reflexões da autora se destinam a compreender melhor o papel atual e futuro do notário latino, com foco na função específica de guardião da legalidade, que une a de certificação e autenticação, mais tradicional e de conhecimento público, com a função de fiscalização sempre atenta das regras de direito privado (CAROSI, 2016). Diante de um fenômeno mundial de fraude contábil[10], repleto de atos nulos, com certificações infundadas e outras formas de falsificações que só foram possíveis devido a ausência de uma rigorosa de fiscalização que houve a redescoberta do controle preventivo de legalidade, devido aos custos sociais globais e às dificuldades de reparação de danos quando o dano social já ocorreu (CAROSI, 2011), revelado pelo fracasso de um modelo de liberalismo desenfreado, em que o mercado pode regular a si mesmo.

Após aquele cenário de crise, políticos e economistas ao redor do mundo reavaliaram a intervenção do direito na regulação da economia, ainda que isso seja encarado por alguns como um fator limitante da autonomia privada e que pode levar à desaceleração do ritmo do mercado. A proposta da autora vai no sentido oposto, o da regulação e de observar o notário latino como um instrumento de garantia, capaz de promover essas condições de transparência e de segurança que são essenciais para a sobrevivência e para a eficiência do próprio mercado.

Percebe-se sem muito esforço, nesta proposta teórica, que a atuação do gatekeeper vai ao encontro de uma ideia central que norteia todo o sistema jurídico continental: a da prevenção - considerada vantajosa quando: 1. permite evitar as desvantagens dos métodos tradicionais de repressão e de gestão de conflitos, que são custosos, lentos e inadequados ao tempo do mercado, 2. não anula as economias e benefícios esperados dessa forma de atuação. A lógica do gatekeeper não trata de sancionar a posteriori comportamentos incorretos que são prejudiciais à sociedade, mas buscar evitá-los, especialmente quando essas operações impactam no mercado e na sociedade.

Alguns autores se fixam na análise da natureza dos sujeitos chamados a realizar a atividade de prevenção e discutem sobre a forma de responsabilização e exigência de padrões de comportamento e/ou de concessões de incentivos (GANUZA; GÓMEZ, 2007, pp. 96-109), e direcionam as pesquisas para que a regulação seja desempenhada por alguém que seja menos caro, mais rápido e mais eficiente do que os entes estatais. Com o objetivo de economizar os custos das instituições públicas e sempre focados em não elevar os custos de transação, argumentam que a tarefa seria mais bem desempenhada por particulares.

Avaliando a eficiência do papel de advogados internos e externos como gatekeepers, em empresas juridicamente vinculadas ao common law, Kim (2021, p. 57-58) afirma que a literatura aponta para dados inconclusivos e paradoxais, pois, ao mesmo tempo em que estão predispostos a policiar ilegalidades materiais, também toleram bastante condutas agressivas e até antiéticas. Conclui destacando o potencial promissor de gatekeeping dos membros do conselho de empresas que possuem formação jurídica.

Segundo Carosi (2016) os autores que seguem esta linha de pensamento se baseiam na Teoria da Escolha Racional e concluem que o gatekeeper irá realizar seu dever de prevenção se parecer racionalmente vantajoso, a partir da comparação entre custos e benefícios. Também acreditam que uma conduta virtuosa orientada para a manutenção da boa reputação adquirida no mercado (capital reputacional) seria o fator definitivo para os guardiães particulares protegerem o mercado.

Porém, essa concepção teórica de guardiães particulares (contadores, advogados, auditores, entre outros) é facilmente desconstruída por um argumento lógico-jurídico e por uma evidência empírica. Os gatekeepers particulares muitas vezes dependem financeiramente dos clientes cuja conduta eles monitoram, situação em que se percebe um evidente conflito de interesse. Desta forma, não são livres para exigir padrões e, muito menos, tem liberdade para recusar, controlar ou atrasar negócios jurídicos que atentem contra o interesse público ou coletivo, por ofenderem regras jurídicas ou do mercado. Evidências da realidade também comprovaram, após os sucessivos casos de fraudes nos Estados Unidos no final do século passado, que este tipo de guardião não é o mais indicado para exercer regulação. Constatou-se que, na ausência de penalidades, regras de responsabilização e delimitação de padrões de comportamento (ou outras modalidades coercitivas), o gatekeeper particular não priorizaria o interesse público sobre seu próprio interesse e o de seus clientes.

A autora conclui que, em tese, um modelo de estratégia preventiva de caráter universal é teoricamente aplicável a todos os setores e a todos os sistemas jurídicos, podendo ser facilmente estendidos ao notário latino, desde que considerados os aspectos práticos dessa adequação. Partindo dessa premissa, será avaliado se é teoricamente apropriado estender ao tabelião brasileiro o conceito de gatekeper elaborado a partir de características do sistema consuetudinário e discutido a partir de necessidades oriundas das sociedades que adotam este sistema.

3. O tabelião brasileiro como guardião da lei e do mercado

As premissas adotadas por este artigo vão no sentido de que os cartórios brasileiros têm espelhado as metamorfoses da sociedade e por isso houve nas últimas décadas um incremento extraordinário de funções que não existiam e nem eram sequer imaginadas quando da edição do texto da Constituição de 1988, como elaboração de inventários, divórcios, partilhas e usucapião, inclusive por meio da tecnologia, a ponto de se discutir a atuação do cibernotário[11]. Houve também um acúmulo de deveres antes típicos e exclusivos da administração pública direta, além de um engajamento em políticas sociais e em atos que favorecem a realização plena dos direitos da personalidade e fundamentais (alteração de gênero, uniões homoafetivas, socio afetividade).

Com as mudanças da arquitetura jurídica dos cartórios e com o estabelecimento de limites do regime jurídico de tabeliães e registradores brasileiros, argumenta-se pela existência de uma aptidão estrutural para a função de gatekeeper, devido, principalmente, à posição de imparcialidade e independência que torna o notário quase único entre os profissionais do direito.

São, portanto, fundamentais a existência, o conhecimento e a aplicabilidade de legislações no ordenamento brasileiro que preservem este tipo de posição para aferição a regularidade e a validade dos negócios jurídicos sem que haja conflitos de interesses. Com o objetivo de identificar os sinais definidores do tabelião brasileiro como um gatekeeper, capaz de efetuar um controle preventivo de legalidade, serão indicadas as leis e demais atos normativos ao longo do texto, buscando sistematizar suas características enquanto um guardião do mercado.

Em um modelo forte de prevenção, a conduta do gatekeeper, assim como os contornos da sua função de controle preventivo, são estabelecidos em lei, independentemente da sua inclinação ao risco jurídico e econômico. Esse tipo de modelo se materializa graças a uma regulação do mercado de serviços profissionais[12], criação de normas de incompatibilidade[13], de salvaguarda da independência[14] e de reserva de mercado[15], e das que tendam a garantir padrões mínimos de qualidade para o exercício da atividade[16], como quesitos para o ingresso e manutenção da delegação. Essas demarcações sobre as funções dos tabeliães, quem pode exercer a atividade, de que maneira ela será exercida, como será remunerada, quais as penalidades em caso de desatendimento da lei e a forma de ressarcimento em caso de erro ou ilícito, são importantes para manter um modelo de gatekeeping forte com efetivos sistemas de controle preventivo, longe de ser considerado um custo desnecessário e um freio na liberdade de empresa.

O fato de o ordenamento jurídico estabelecer parâmetros para atuação desse profissional e dele ter obrigação legal de agir com lisura a confiança, sob pena de sanção, ganha contornos relevantes nesse contexto. A institucionalização da confiança, materializada na figura de um terceiro equidistante, fiscalizado diretamente pelo judiciário brasileiro, possibilita que o negociante confie no contrato, no negócio e nas garantias, deste modo, a introdução da confiança qualificada, fiscalizada e chancelada pelo Estado, além de reduzir os custos de transação, mitiga assimetrias de informação e internaliza externalidades positivas na produção de escrituras (CAMPILONGO, 2014, pp. 92-93).

A análise da possibilidade de elaboração de um documento jurídico por um notário brasileiro (atas notariais, escrituras, testamentos, reconhecimentos de firma e autenticações) também é fonte de segurança jurídica por outro aspecto. Ao passo que o tabelião confere fé pública e sua atividade notarial traduz “em linguagem inteligível e controlável pelo sistema jurídico a instabilidade e a incerteza próprias da atividade econômica”, ou seja, a “fé pública notarial confere à instabilidade própria da economia uma estabilidade característica do direito” (CAMPILONGO, 2014, pp. 124).

Além dos benefícios acima Carosi (2016) enumera outros fatores positivos de reconhecer o tabelião como gatekeeper do ponto de vista público e privado, que são capazes de auxiliar na redução dos riscos sociais:

a)   economia nos custos de transação em benefício dos particulares envolvidos na operação concluída com a participação de um tabelião (despesas com advogados, custas processuais, tempo de espera por uma decisão judicial e desgaste do bem da vida disputado no litígio são evitados);

b)   uma vantagem para terceiros que recebem informações confiáveis sobre a titularidade de direitos, com vistas a transações futuras (o que reduz os custos de transação relativos às operações mediadas por verbas do sistema financeiro brasileiro, por exemplo);

c)   utilidade para as instituições do Estado, graças à redução de litígios e, portanto, minoração dos gastos com o uso de serviços de justiça[17] (considerando que litígios envolvem a participação de múltiplas instituições: judiciário, ministério público, defensorias ou advocacia).

Outro fator que justifica a caracterização do tabelião brasileiro como gatekeeper é a sua posição de neutralidade ativa, que o autoriza a exercer um papel de consultor jurídico imparcial em benefício direto dos contratantes e indireto da sociedade, ao evitar danos sociais em massa que impactariam no mercado. A lei brasileira permite que o tabelião realize supervisão abrangente do negócio para reequilibrar as assimetrias de informação entre as partes e, ao mesmo tempo, protege o interesse privado por meio dessa assistência jurídica qualificada – o que é feito independentemente dos recursos financeiros de cada um.

Interessante notar que, neste papel de consultor imparcial, o tabelião tutela os contratantes vulneráveis e pode agir, com base na lei, aconselhando as partes e até mesmo seus advogados – ponto que estabelece diferença irremediável entre notários e juízes, que são vedados a prestar aconselhamento jurídico antecipado às partes[18]. Essa posição de imparcialidade e de prevenção ao litígio, sempre na busca da tradução jurídica do interesse das partes, também torna supérflua a busca posterior por uma multiplicidade de figuras profissionais jurídicas (um advogado para cada parte, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Juiz).

Ainda em razão de sua função o tabelião brasileiro é obrigado a realizar intensa atividade regulatória, uma vez que deve rejeitar os atos contrários à lei, ainda que não haja solicitação direta das partes ou que as partes queiram, de forma livre e consciente, desatender aos critérios legais. Deste modo, o tabelião deverá efetuar os controles necessários para garantir a eficácia, a validade e a precisão total de cada negócio jurídico, em conformidade com a complexa legislação brasileira. O objetivo deste trabalho, a partir de uma perspectiva institucional, é garantir um nível de certeza geral no sistema que só pode ser alcançado se todas as transações significativas para um setor definido estiverem sujeitas ao mesmo tipo de controle. Exemplo disso é o dever funcional do tabelião de exigir o recolhimento obrigatório do tributo que incide na elaboração de qualquer escritura pública com valor declarado, condicionando a sua elaboração, salvo exceções legais, à comprovação do pagamento.

Mais um fator que explica o tabelião brasileiro como gatekeeper eficaz é a sua aprovação em concurso público de provas e títulos, capaz de garantir um padrão mínimo intelectual e ético à atividade profissional no Brasil e que permite executar um trabalho em área protegida por lei[19] (equivocadamente divulgado na mídia como reserva de mercado), o que afasta a dependência financeira de clientes cuja conduta ele fiscaliza (podendo recusar fundamentadamente alguns clientes e aceitar a lavratura de atos de outros) e a alegação de conflito de interesse (uma vez que a recusa de um dado serviço pontual não impacta o recebimento de sua contraprestação financeira).

Em contrapartida à atuação em área reservada e como forma de equilibrar o que poderia ser invocado como privilégio, o notário se submete a um forte sistema de fiscalização judicial, feito em três níveis do Judiciário: local, junto ao juiz corregedor e a Corregedoria Geral de Justiça, e nacional, junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Isto limita severamente sua liberdade profissional, conforme se depreende de inúmeras resoluções e provimentos do CNJ e das Corregedorias Estaduais, assim como da legislação ordinária que disciplinam a sua atuação.

Ainda como forma de equilibrar a delegação estatal recebida em caráter privativo, há previsão legal de responsabilidades em três níveis[20]: civil, criminal e administrativo, de caráter disciplinar. A responsabilidade civil existe na atuação por culpa ou dolo e é paga pela verba privada do próprio notário[21] – o que se revela uma modalidade de responsabilidade muito severa se comparada a de outos atores jurídicos brasileiros como juízes, promotores e defensores, que respondem civilmente no caso de dolo ou fraude[22] e têm seu patrimônio pessoal resguardados, a princípio, em caso de condenação. Deste modo, a presença de funções reservadas atribuídas a um número limitado de sujeitos autorizados pela Constituição a executar um serviço público em colaboração com o Estado,

constitui um momento de equilíbrio importante deste regulamento, uma vez que garante, por um lado, a possibilidade de submeter a um controle todas as operações que se enquadrem as categorias consideradas mais importantes e, por outro lado, constitui para o operador uma espécie de contrapartida face às obrigações e responsabilidades a que está sujeita, garantindo assim a sua sobrevivência. (CAROSI, 2016)

No sistema continental a certeza jurídica dos tabelionatos de notas se relaciona diretamente com a qualificação jurídica, publicidade e conservação das entidades de registros e/ou conservação[23]. Enquanto o primeiro valida a criação de atos autênticos e de acordo com ordenamento jurídico pátrio, o segundo reforça a força probante e confere publicidade aos documentos notariais qualificados positivamente pelos registradores. Graças ao sistema de registros, as informações relativas à circulação de direitos privados tornam-se públicas[24] e permitem que terceiros interessados em negócios, judiciário e demais instituições usufruam dos benefícios oferecidos pela regulação dos negócios jurídicos individuais, em termos de legalidade e segurança.

Toda essa lógica presente no sistema de direito continental se filia a ideia de que a publicidade de informações sobre as situações jurídicas de cunho pessoal e patrimonial devem estar concentradas em um local responsável pelo registro do ato, sua guarda e conservação, assim como sua publicidade, evitando assim o risco de recorrer a posteriori a processos judiciais que só não são mais caros do que incertos.

Nos sistemas de direito continental os direitos imobiliários formalmente constituídos circulam com segurança quase absoluta, sem ter que recorrer às formas de seguro praticadas nos países de direito comum, como o title insurance e outros equivalentes funcionais (CAMPILONGO, 2014, p. 20) utilizados para limitar os riscos dos negócios jurídicos envolvendo imóveis. Disso decorre que nestes sistemas os interesses econômicos são protegidos por meio de um eventual direito de responsabilidade, mas o sistema jurídico não garante a propriedade em si (muito menos o direito de moradia).

Um sistema estatal e formal de reconhecimento de direitos patrimoniais garantido pelo Estado, graças à ação do tabelião (primeiro gatekeeper) e do registrador de imóveis (que atua nos casos de registro de escrituras públicas como um segundo gatekeeper), resulta em um sistema de trocas mais eficientes com produção de externalidades positivas - pois são criadas vantagens para quem não suportou diretamente os custos da escritura lavrada pelo tabelião na medida em que se beneficia da segurança jurídica criada a partir da prática deste ato.

Toda a atuação do tabelião como gatekeeper ganha mais relevância se considerado que acesso à propriedade formal, além de ser uma das formas mais seguras de investimento econômico e de conversão de bens em capital ativo, representa um dos principais instrumentos de garantia em que se baseia o sistema de crédito[25], inclusive no Brasil. É essencial reconhecer a importância de um sistema jurídico que exige a elaboração de negócios formais confiáveis e estáveis para o desenvolvimento da economia. Isto facilita a circulação legal e regular dos direitos de propriedade, propicia a redução de custos e a ampliação de acesso ao crédito, pois um sistema adequado de prevenção e regulação feito por gatekeepers nomeados por lei, pode garantir ao sistema uma proteção adequada, e um alto grau de segurança jurídica, menos riscos na negociação, tornando o mercado mais resiliente e blindado”.

No Brasil, assim como nos demais países de direito continental, o tabelião é o profissional designado como fiador da objetividade e verdade jurídicas (CAROSI, 2016, p. 1009). Seus atos são dotados de força probatória reforçada (fé pública) que, evitando os riscos de incerteza e litígio, contribui significativamente para reduzir o número de processos, como já apresentado pelos dados do Cartório em Números, além de simplificar o regime de provas, como se verifica no atual Código de Processo Civil, que trouxe significativas alterações no tocante à prova documental e à ata notarial.

Por fim, merecem destaque algumas considerações em relação aos aspectos pragmáticos da estratégia do tabelião ser adotado como um gatekeeper: elaborar uma comparação entre as figuras particulares do common law e os notários do direito continental é tarefa extremamente difícil, mesmo para os comparatistas; as funções notariais não se limitam ao controle preventivo de legalidade em operações que requeiram a sua intervenção, mas esse controle é uma das tarefas mais importantes que o ordenamento jurídico brasileiro confia ao notário, talvez só comparável à sua reponsabilidade pela cobrança dos impostos relativos ao ato, ou seja, no Brasil há uma evidente justaposição de funções que dependem da atuação deste profissional; disso decorre que diferentes conceitos de estratégias, de prevenção ou de regulação de mercados podem coexistir, baseados nas diferentes soluções de política jurídica e influenciados pelas especificidades de cada cultura jurídica (CAROSI, 2011, p. 721).

Conclusão

Diante de tudo o que foi examinado, fica claro que o tabelião brasileiro se encaixa na definição de gatekeeper. No Brasil ele se apresenta como um particular, investido de função pública, detentor de um poder estatal consistente na fidúcia enquanto mantiver a sua delegação. O concurso público de ingresso na atividade, nos moldes definidos pela Constituição e pelo CNJ, o coloca numa posição de neutralidade em relação às partes envolvidas nas transações, dotando-o de uma capacidade real de controle da legalidade das operações que ocorrem sob sua supervisão, sob pena de sanção como a perda da delegação.

Assim, a resposta a eventuais fraudes atreladas a negócios jurídicos que possam impactar no mercado brasileiro é dada de forma institucional e uniforme em todo o país, uma vez que todos os tabeliães estão atrelados às mesmas normas funcionais e submetidos ao mesmo regime de responsabilidade. O interesse público de só deixar ingressar negócios jurídicos lícitos no mercado formal passa a ser a prioridade que justifica o exercício de um serviço público por um gatekeeper particular que recebe delegação do Estado. Do ponto de vista jurídico e econômico, a atuação dos tabeliães representa uma forma de descentralização e desconcentração que permite ao Estado economizar custos de serviço público, na realidade sendo fonte de arrecadação – o repasse para Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública estaduais chega a atingir mais de 50% das verbas recebidas dos clientes no Goiás e na Bahia (ANOREG/BR, 2021, pp. 143-152).

A tarefa de gatekeeping do tabelião brasileiro é decorrência de habilidades variadas e de um papel complexo que lhe é atribuído pelo ordenamento jurídico. Neste ponto, encontra-se um argumento central deste artigo, de que está ocorrendo um aumento e/ou uma modificação constante e progressiva das funções tidas como tradicionais e corriqueiras, o que vem resultando em um aumento das suas responsabilidades em vários âmbitos que vão desde: 1. Auxílio ao judiciário na redução dos conflitos, a partir da lógica da prevenção presente no sistema do direito continental; 2. A prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro e do financiamento ao terrorismo[26]; 3. A participação ativa da cadeia de fiscalização de tributos no país, inclusive com regra de responsabilidade solidária acaso lavre atos sem o devido recolhimento de tributos; 4. O papel de guardião do sistema econômico ao lavrar todos os atos notariais que contenham valor declarado – atividades que pressupõem conhecimentos técnicos, alta especialização e constante aperfeiçoamento profissional.

Deste modo, a posição de imparcialidade e independência específica do notário brasileiro abrangem tarefas que vão além do controle preventivo da legalidade, que já era feito historicamente e tem na sua existência o fundamento de validade e legitimidade deste tipo de cartório, e que torna a sua figura quase insubstituível nessa cadeia de intuições do Estado responsáveis pela integralidade do mercado. Sua atuação como consultor jurídico acima das partes possibilita a resolução de conflitos entre interesses públicos e privados, mediando negócios jurídicos formais, atividade que atende aos pressupostos da doutrina do gatekeeper e vai além.

Referências

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Submetido em: 21 jul. 2022.

Aceito em: 27 dez. 2022.

 



[1]    Para o autor, o argumento histórico deve ser inserido “...nos textos não como um desenvolvimento natural de um argumento necessário para uma compreensão mais adequada ao tema, mas sim como um item que precisa obrigatoriamente constar no trabalho.” e algumas possibilidades de uso são: “a) compreensão mais adequada do problema de pesquisa; b) circunstâncias históricas que ilustrar ou reforçar a argumentação; e c) contextualização do debate referente ao tema escolhido. Essas possibilidades justificam a breve incursão histórica no desenvolvimento do trabalho.” ACCA, 2012, pp. 105-107.

[2]    Sobre detalhamento das características do notariado latino: FUSARO, 2009; e CADELANO, 2014. Sobre a presença do modelo latino nos Estados Unidos ver: REIMANN, 2009. Sobre o notário da Nova Zelândia, sua forma de nomeação, características e essencialidade para a prática comercial moderna, especialmente o comércio eletrônico: COX, 2000. Para compreender as diversas perspectivas históricas, conferir o guia para a história da profissão notarial de tradições europeias: SCHMOECKEL; SCHUBERT, 2009. pp. 559-594.

[3]    CADELANO, 2014, afirma que a maior parte da população mundial está submetida ao sistema latino: Oltre che in Italia, questo tipo di Notariato è presente in numerosi Paesi: Francia; Spagna; Germania federale (a livello regionale, invece, sono presenti tre tipi di notariato: Nur Notar, Notaio puro; Anwaltsnotar, Notaio-Avvocato; Beamtenotar, Notaio-Funzionario pubblico); Benelux; numerosi Cantoni svizzeri; Austria; Grecia; Louisiana (U.S.A.); provincia canadese del Québec; i Paesi dell’America Latina (eccetto Venezuela e Cuba); Malta; Polonia; Repubblica Ceca; Romania; Slovacchia; Slovenia; Ungheria; Bulgaria; Estonia; Lettonia; Lituania; Turchia; i Paesi dell’Africa occidentale; Cina; Indonesia; Giappone. Segundo PESIRI, 2013, p. 60: Attualmente il notariato latino è presente in moltissimi paesi, che coprono un’area ben più estesa dei confini del mondo romano-germanico, quali Giappone ed Indonesia; di recente questo modello è stato introdotto in Cina. In Europa figura in 21 dei 27 paesi. Tratto comune è il numero chiuso, assente solo in Olanda, la quale l’ha abolito nel 1999.

[4]    Segundo Heikki Pihlajamäki os países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia), embora adotem o sistema continental, não adotam o sistema latino de cartórios. Segundo o autor o ensino jurídico começou tardiamente e os profissionais jurídicos não eram localizados com tanta facilidade. Em tradução livre: “Não é difícil entender que se mesmo os advogados eram poucos, não havia espaço para um ramo notarial separado se desenvolver. Além disso, as culturas jurídicas dominadas por leigos do Norte Europa eram orientados para a prática, e o uso do documento escrito foi certamente menos prevalente lá do que em outros lugares. Na medida em que documentos escritos foram usados, muito menos atenção foi dada à sua precisão do que nas culturas jurídicas de outras partes da Europa.Para maiores detalhes conferir: PIHLAJAMÄKI, 2015, p. 67.

[5]    Em tradução livre: “Seguindo o modelo do direito canônico medieval, o procedimento de direito civil continental (espanhol, francês, holandês, etc.) foi essencialmente escrito. Isso foi especialmente verdade até as reformas do século XIX, mas ainda hoje, a ênfase na escrita é muito mais forte do que na órbita do direito comum. O procedimento escrito baseia-se principalmente em provas escritas, ou seja, em documentos, e aos documentos notariais, em particular, são frequentemente atribuídos um valor probatório elevado, às vezes até conclusivo. Assim, mesmo que a notarização não fosse um pré-requisito para a validade substantiva, as pessoas nas colônias espanholas, francesas e holandesas muitas vezes queriam seus documentos em forma notarial porque isso tornava muito mais fácil provar seus direitos em tribunal”. In: REIMANN, 2009. p. 25.

[6]    Tradução livre do trecho de REIMANN, 2009, p. 26. “A tradição do direito civil, emergindo da erudição medieval e da legislação do início da era moderna, prefere abordar os problemas jurídicos de forma abstrata; assim, tenta ter a solução à mão antes que um problema ganhe vida. Em outras palavras, é inerentemente voltado para o planejamento antecipado, ou seja, proativo. A virtude dessa abordagem é que muitos problemas são resolvidos mais facilmente antes que a luta comece. É exatamente disso que trata o notário de direito civil.”

[7]    Aparentemente os notários do Texas, EUA, lidam com documentos de planejamento imobiliário e atuam fazendo reconhecimentos, autenticações e jurando testemunhas. BEYER, 2016.

[8]    Sobre o regime de responsabilidade do gatekeeper e o seu papel no controle das irregularidades corporativas, cf. TUCH, 2017. Argumentando que algumas plataformas são consideradas guardiãs em alguns mercados e mostrando o que torna uma plataforma um gatekeeper e em que circunstâncias pode causar problemas estruturais de concorrência que justificam uma intervenção no mercado: BÜCHEL, RUSCHE, 2021. No Brasil: LOUREIRO, 2021; HAENSEL, 2014.

[9]    Publicações recentes neste sentido: KIM, 2021; e LOO, 2020.

[10]  Para discussões mais específicas sobre a crise gerada pelas fraudes corporativas da Enron, Wolrdcom, Parmalat, etc, e se ainda devemos confiar nos “porteiros” (do sistema common law) verificar: GANUZA; GÓMEZ, 2007, p. 96-109.

[11]  Analisando o rápido crescimento do comércio eletrônico e levantando questões sobre o futuro da profissão do notário em todo o mundo e como os atos serão praticados no ambiente da internet: COX, 2000.

[12]  No caso brasileiro há intensa regulamentação da atividade. Ela inicia com regras constitucionais, e foi regulamentada por leis ordinárias federais e pelas Consolidações Normativas emitidas por cada uma das 26 Corregedorias Gerais de Justiça dos estados da federação e do Distrito Federal.

[13]  As normas de incompatibilidade também estão presentes na legislação federal, como, por exemplo, a proibição de cadastro ativo na Ordem dos Advogados do Brasil. Enquanto nos países do commom law a inscrição no conselho profissional de advogados é pré-requisito para o exercício dos civil notary, no Brasil a atividade é reservada e não pode ser exercida simultaneamente sob pena de perda da delegação.

[14]  A Lei de Registros Públicos, n. 6.015/73, a Lei n. 8.935/94, o Código Tributário Nacional, o art. 108 do Código Civil Código Civil e a legislação específica que dispõe sobre a elaboração de escrituras públicas, todos associados a cada um dos provimentos do CNJ e das 26 Corregedorias Gerais de Justiça dos estados da federação e do Distrito criam parâmetros de atuação que funcionam como salvaguarda da independência dos tabeliães. São fundamentos de validade para a emissão da nota devolutiva, que nada mais é que recusa de atuação da forma solicitada pela parte.

[15]  Arts. 6º e 7º da Lei n. 8.935/94 assim como vários provimentos e resoluções do CNJ e das Consolidações Normativas Estaduais dispõem sobre os limites das funções dos notários: Art. 6º Aos notários compete: I - formalizar juridicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III - autenticar fatos. Art. 7º Aos tabeliães de notas compete com exclusividade: I - lavrar escrituras e procurações, públicas; II - lavrar testamentos públicos e aprovar os cerrados; III - lavrar atas notariais; IV - reconhecer firmas; V - autenticar cópias. Parágrafo único. É facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato.

[16]  Requisitos presentes na Constituição Federal e na Resolução n. 81 de 09/06/2009, do CNJ, que dispõe sobre os concursos públicos de provas e títulos, para a outorga das Delegações de Notas e de Registro, e apresenta minuta de edital com requisitos mínimos para o ingresso na delegação.

[17]  Desde 2007, quando foi instituída a Lei n. 11.441/07, que autorizou a lavratura de inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais em Tabelionato de Notas, mediante escritura pública, os Cartórios de Notas de todo o Brasil já realizaram mais de 4,5 milhões de atos dessa natureza. Para maiores detalhes conferir: ANOREG/BR, 2021, p. 44-73.

[18]  Regras de suspeição e impedimento, nos termos dos arts. 134 a 138 do CPC.

[19]  Arts. 6º e 7º da Lei n. 8.935/94 já mencionados.

[20]  Arts. 22, 23 e 24 da Lei 8.935/94 cumulados com regras de cada uma das 27 Corregedorias Gerais de Justiça do Brasil.

[21]  Ressalvados os casos de responsabilidade do Estado, definidos em jurisprudência (RE n. 842846, SC, julgado em 13/08/2019, os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. (Art. 22 com redação dada pela Lei nº 13.286, de 2016). Parágrafo único. Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial. (Redação dada pela Lei nº 13.286, de 2016). Art. 23. A responsabilidade civil independe da criminal. Art. 24. A responsabilidade criminal será individualizada, aplicando-se, no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública. Parágrafo único. A individualização prevista no caput não exime os notários e os oficiais de registro de sua responsabilidade civil.

[22]  Arts. 143, inc. I, 181 e 187 do Código de Processo Civil definem que haverá responsabilidade civil e serão regressivamente responsáveis quando agirem com dolo ou fraude no exercício de suas funções

[23]  Tradução livre: "Registros Públicos" (como, por exemplo, os Registros de Imóveis, o Registro das Sociedades, os Registos Civis do Estado) em que se inscrevem autênticos atos constitutivos, modificativos e extintivos de situações jurídicas. A inclusão de dados nos registos assegura que os efeitos dos negócios jurídicos realizados pelos particulares adquiram valor erga omnes; em paralelo, vem garantida a guarda de terceiros, uma vez que, em princípio, são "oponíveis a terceiros" apenas informações e situações jurídicas que possam ser conhecidas pelo exame dos próprios registros. CAROSI, 2011, p. 716

[24]  No caso do Brasil a Lei de Registros Públicos, com a recente alteração da Medida Provisória n. 1.085, de 27 de dezembro de 2021, determinou a escriturados, publicizados e conservados em meio eletrônico, nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, e a contagem em dias e horas úteis os prazos estabelecidos para a vigência da prenotação, para os pagamentos de emolumentos e para a prática de atos pelos oficiais dos registros de imóveis, de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas, incluída a emissão de certidões,

[25]  Cf. DE SOTO, 1989; DE SOTO, 2000. De Soto detalha seu plano de combate o subdesenvolvimento e vê no sistema de propriedade formal o mecanismo para a conversão de um bem em capital ativo. Por este ângulo, a atividade profissional dos tabeliães e registradores de imóveis têm enorme correlação com o desenvolvimento.

[26]  Pelo Provimento 88, de 01 de outubro de 2019, CNJ, os tabeliães atuam com o objetivo de prevenir e facilitar as investigações de pessoas suspeitas, relacionadas à lavagem de dinheiro, o que deixa mais clara a sua posição de gatekeeper, uma vez que são eles que decidem se devem comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF ou não determinadas operações financeiras.