Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Santa Catarina.
Universidade
Estadual do Norte do Paraná (UENP), Paraná.
Resumo: Este artigo
aborda a importância da intervenção estatal para a efetivação dos direitos dos
trabalhadores enquanto seres humanos, bem como, para a fomentação de um
desenvolvimento localmente sustentável, pautado na valorização do local e dos
pequenos empreendimentos. Para tanto, se estuda acerca da ascensão e
consolidação do capitalismo neoliberal, a crise dos Estados, a globalização e a
transnacionalização, bem como a emergência do fomento do desenvolvimento local
e da reafirmação/remodelação dos direitos dos trabalhadores. Como resultados,
entende-se necessária uma concepção mais ampla de desenvolvimento, abarcando o
local, e de relações de trabalho que se transponham além da dualidade clássica
detentores dos meios de produção e proletariado, assim, também, como o
aprofundamento do estudo de tão amplo tema. Método de abordagem indutivo, com
procedimento de pesquisa documental e bibliográfico.
Palavras-chave:
Intervenção estatal. Direitos dos trabalhadores. Crise dos Estados.
Abstract: This
article aims to understand the importance of state intervention for the
realization of workers’ rights as human beings, as well as for the promotion of
locally sustainable development, based on the valorization of the place and
small enterprises. To this end, it will study about the rise and consolidation
of neoliberal capitalism, the crisis of States, globalization and
transnationalization, as well as the emergence of the promotion of local
development and the reaffirmation / remodeling of workers' rights. As a result,
a broader conception of development is needed, encompassing the place, and
working relationships that go beyond the classic duality that hold the means of
production and the proletariat, as well as the deepening of the study of such a
broad scope. theme. Inductive approach method, with documentary and
bibliographic research procedure.
Keywords: State
intervention. Worker’s rights.
States crisis.
A falácia
liberal-clássica dos livres mercados e da igualdade de todos perante a lei num
sistema de Estados nacionais há muito está deslocada da realidade fática. São
inúmeros os malefícios do crescimento econômico a qualquer custo, dentre os
quais: degradação do ambiente natural, recrudescimento das desigualdades entre
ricos e pobres, precarização e, ao mesmo tempo, eliminação do trabalho, crises
migratórias e de refugiados, o regresso a um nacionalismo extremado e a
ascensão de regimes legalista-autocráticos. De toda essa ampla conjuntura
social-legal-política-econômica despertam vários questionamentos.
Neste ínterim,
pois, pretende-se compreender a importância da intervenção estatal para a
efetivação dos direitos dos trabalhadores enquanto seres humanos, bem como,
para a fomentação de um desenvolvimento localmente sustentável, pautado na
valorização do local e dos pequenos empreendimentos.
Esta pesquisa
fixa uma compreensão inicial e mais geral acerca da temática, o que não levará
ao esgotamento total do tema. E nem é esta a pretensão, por uma série de
fatores, como amplitude da temática, tempo para realização da pesquisa, formato
de artigo científico, bem como a inicial cognição dos marcos teóricos da área.
Denota-se a
relevância do conteúdo para o campo do Direito Internacional e da
Sustentabilidade, bem como adequação à linha de pesquisas em Direito Ecológico
e Direitos Humanos, por retratar situações fáticas em curso e que já
despertaram a atenção de pensadores e organismos internacionais, como as Nações
Unidas que, inclusive, em 2015 editou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento
Sustentável.
O texto,
portanto, será dividido em três compreensões: primeiro, se estabelecerá um
sintético panorama histórico da evolução e constituição do capitalismo
neoliberal como modelo econômico preponderante na sociedade internacional;
segundo, as transformações sofridas pelos Estados e pelo mundo do trabalho por
conta da globalização e pelo fenômeno da transnacionalização; e, por último, se
discorrerá acerca na necessidade de modificações regulatórias com base no fomento
do desenvolvimento local para assegurar os direitos dos trabalhadores.
Utilizar-se-á
como método de abordagem o indutivo, e como procedimentos, as pesquisas
documental e bibliográfica.
O despertar dos
ideais iluministas, a partir do século XVII, propunham o rompimento dos regimes
absolutistas na Europa, representados pela preponderância da aristocracia e
monarcas como acima de tudo e todos. Os teóricos passaram a criticar essa
acepção, a qual, com resquícios do feudalismo medieval, estratificava a
sociedade e via com maus olhos aqueles que se dispunham ao trabalho braçal,
sendo virtuosa a disposição à intelectualidade ou religiosidade.
Nesse mesmo
período histórico, a classe econômica ascendente dos pequenos e médios
comerciantes e produtores – que passou a se denominar burguesia – questionava o
porquê de tantos privilégios às classes que viviam do ócio – aristocracia e
clero – enquanto que quem gerava as riquezas para a manutenção da nação era
aquela classe e os trabalhadores (MILANOVIC, 2020).
Em adição,
despontava a Primeira Revolução Industrial, com as inovações tecnológicas que
passaram a transformar as relações comerciais e industriais, assim como sociais
– levando os camponeses para o chão das fábricas das cidades e modificando
enormemente as conexões interpessoais e profissionais (HARARI, 2020).
Esse simples
resumo de fenômenos tão complexos acima mencionados quer demonstrar o contexto
de surgimento dos ideais do liberalismo econômico, partindo da concepção
inicial de que a burguesia ansiava por ter liberdade de produção e negociação
sem estar submetida aos ditames dos monarcas absolutistas (MASON, 2017). Em
outras palavras, liberdade para desenvolver seus investimentos sem prestação de
contas e com valorização do trabalho.
Nessa esteira, é
importante o pensamento fomentado pela ética protestante, despontada nos países
em que protestantismo e o calvinismo se arraigaram, cindindo com a ideia de que
o trabalho e a geração de riquezas eram prejudicial ao ser humano – visão do
catolicismo – e promovendo a noção de que trabalho duro e geração de economias
era a virtude esperada pelo ente supremo.
Não entrando aqui
no mérito de que a liberdade hasteada pelos burgueses não era para todos os
indivíduos – os trabalhadores, mulheres e minorias em sentido lato
permaneceriam subjugados aos ditames de quem estivesse “no poder” – houve, por
fim, revoluções nacionais que instituíram sistemas representativos. Como já
mencionado, a Revolução Industrial fomentou ainda mais o estabelecimento da
dualidade presente até hoje (ao menos pelo establishment)
de detentores de meios de produção e proletariado. Isto é, afixado o
capitalismo liberal como sistema econômico.
Em tal sentido,
os Estados modernos pautaram-se na premissa do laissez-faire – o “deixar fazer” –, com responsabilidade de
assegurar a ordem, a segurança, e o cumprimento das legislações comerciais e
econômicas pactuadas pelos “cidadãos”. A acepção de liberdade seria ampla. Os
indivíduos (frisa-se, os detentores dos meios de produção) poderiam negociar
entre si livremente, sem prestações de contas. A produção e comercialização de
bens automaticamente atenderia aos anseios dos consumidores e, assim, os
sistemas funcionariam perfeitamente (MASON, 2017, p. 35-60).
Na vanguarda dos
ideais do liberalismo, a sistemática transcorreu sem percalços. Mas por que
funcionou perfeitamente? Temos a explicação em Nunes (2003, p. 34):
O liberalismo
econômico funcionou nas condições dos séculos XVIII e XIX, quando a tecnologia
industrial era relativamente rudimentar e adaptada a empresas de pequena
dimensão; quando era inexistente ou pouco relevante a concentração capitalista;
quando os trabalhadores não estavam organizados (ou dispunham de organizações
de classe de existência precária, débeis e inexperientes) e não gozavam da
totalidade dos direitos civis e políticos (o que lhes dificultava e reduzia o
acesso ao aparelho de Estado e ao poder político e, consequentemente, à
obtenção dos direitos econômicos e sociais do que hoje desfrutam); e quando,
por isso mesmo, os governos - imunes às exigências e aos votos populares -
podiam ignorar impunemente os sacrifícios (e os sacrificados) das crises
cíclicas da economia capitalista, qualquer que fosse sua duração e intensidade.
É claro que a ‘solução’ de impor aos trabalhadores o ônus de ‘pagar a crise’ só
funcionou porque o capitalismo era então, sem disfarces, <<um sistema em
que os que não podiam trabalhar também não podiam comer>>”.
Conforme a
sociedade foi se transformando, as economias se consolidando, e o
desenvolvimento tecnológico abrangendo amplas extensões do mundo, a situação
não mais se tornou tão favorável à predileção do sistema. Soma-se a tanto o
fato de que nas colônias europeias de além-mar – as quais favoreceram o
enriquecimento dos países e indivíduos/empresas das metrópoles – movimentos de
independência abalaram a dominação extrativista de exportação de
matérias-primas e importação de bens de consumo de alto valor agregado.
Em complemento,
disputas existentes entre as próprias potências europeias – consubstanciando-se
em conflitos armados – bem como outros fatores, geraram crises financeiras –
ainda no século XIX – atingindo, inclusive, os Estados Unidos da América (EUA).
Esses fatores não serão aqui detalhados, porque, conforme já exposto na
introdução, a intenção deste texto não é explicar às minúcias um apanhado
histórico-econômico de formação e transformação do liberalismo, mas sim,
estabelecer apanhado geral que leve o leitor a compreender as noções básicas
que instituíram o capitalismo neoliberal como sistema econômico vigente na
sociedade internacional contemporânea.
Assim como os
iluministas criticavam os Estados absolutistas, novos teóricos observaram as
particularidades do neoliberalismo, apontando suas falhas. Marx e Engels foram
os expoentes da crítica do sistema de dominação. Logo sobreveio a Revolução
Proletária, na Rússia, em 1917, e na ocorrência da Primeira Guerra Mundial
(HARARI, 2020).
Ideários que
problematizavam a dominação de uma “alta burguesia” de produtores, comerciantes
e industriários sobre uma massa de trabalhadores que não tinham a quem recorrer
– Estado era liberal, sem intervenção -, com recrudescimento das desigualdades,
em pontos mais altos até do que os existentes na época do absolutismo, tão
criticados pelos teóricos liberais, John Locke, principalmente. (ANDRADE,
2019).
Estabelecida a
Liga das Nações, um sentimento de animosidade permeou a sociedade
internacional, malgrado a persistente crítica dos autores às disparidades do
capitalismo. Nos anos 1920, Arthur Pigou idealizou a teoria do Estado Social,
que depois foi aprimorada por outros autores, principalmente John Maynard
Keynes (PIGOU, 2017; KEYNES, 2012). Há que se mencionar regimes já
diferenciados, como o zapatismo, no México, o próprio socialismo, na União
Soviética, e o new deal
norte-americano.
Essa teoria do
Estado de bem-estar social, – welfare
state - em estreita síntese, propunha a intervenção do Estado em setores da
economia e da sociedade, para que fossem suavizadas as desigualdades, as
disparidades e se promovesse uma efetiva concorrência entre os entes. Essa
intervenção se daria pela regulamentação de atividades e inserção dos Estados
na promoção de serviços públicos e de seguridade social (MILANOVIC, 2020). Até
aquele momento, os Estados nacionais eram os principais atores internacionais,
o que se modificou depois da Segunda Guerra Mundial, tema que será tratado no próximo
tópico.
Com o crash da Bolsa de Valores de Nova York,
em 1929, a recessão econômica ampliou ainda mais o espectro de influência dos
ideais do welfare state, que foram
propagados com maior intensidade pelo mundo. A “teoria geral do emprego, juro e
moeda”, de Keynes, reconhecia que a livre competição entre as entidades
econômicas era impossível, e, por certo, não geraria acesso ao emprego, e ao
pleno emprego, muito menos atingiria um nível de paridade econômica e social
sem qualquer regramento. Já não se baseavam mais, portanto, as premissas
diretivas naquele capitalismo liberal clássico, dada a modificação da
conjuntura da sociedade internacional.
Com a Segunda
Guerra Mundial entre os anos de 1939-1945, ficou ainda mais clara a noção de
que as bases do liberalismo não estavam mais presentes. Os Estados europeus
estavam devastados e empobrecidos pelo conflito bélico, os EUA começaram a
ascender enquanto nova potência econômica, seguidos e acompanhados, logo em
seguida, pela União Soviética. Consubstanciou-se a bipolaridade capitalismo versus socialismo (CROUCH, 2013).
Na parte
ocidental do globo, as ideias do welfare
state entraram em declínio, movidas, principalmente, pela globalização,
transnacionalização e crise dos próprios Estados, o que se exporá adiante. O
Consenso de Washington formou o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional, de filosofias antagônicas ao Estado providência. Críticos como
Friedman pugnavam pelo encerramento de qualquer intervenção estatal nas
legislações regulatórias, assim como na flexibilização de contratos
trabalhistas e na crítica ferrenha aos sindicatos, já bastante consolidados. A
justificativa da re-liberalização era para que não houvesse a estagnação do
desenvolvimento e do crescimento econômico. Além disso, pode ser mencionado o
temor de que ideias “social-comunistas” se espalhassem pelo ocidente, o que reforçou
ainda mais a crítica à intervenção do Estado.
Essa “nova”
roupagem do liberalismo veio por se definir como neoliberalismo. Claro que com
outras características, algumas das quais serão sinteticamente inseridas nos
seguintes tópicos.
É importante mencionar
que após a independência das colônias europeias, veio por surgir o chamado
neocolonialismo, quer dizer, a volta (permanência) da dominação das potências
sobre as ex-colônias, basicamente no âmbito econômico e governamental (com
instituições e leis voltadas à parceria com os Estados dominadores). Houve
movimentos de questionamento também dessas relações – aqui, só para mencionar,
na Nicarágua e no Chile, sem falar em países africanos, recém libertos das
amarras do que se chamava “dependentismo” (PREBISCH, 2011).
Contudo, esses
movimentos e regimes políticos acabaram sendo derrubados por golpes militares
que implementaram o neoliberalismo nas economias. Pode ser mencionada a
discussão do financiamento dessas “quebras de regimes” pelos Estados dominantes,
como os Estados Unidos. Dessa forma, após a década de 1970, permearam-se
regimes ditatoriais pelo sul global (CROUCH, 2013).
Com o
encerramento do “segundo mundo” – União Soviética e Estados albergados pela sua
influência política e ideológica – no início dos anos 1990, encerrou-se,
também, a bipolaridade existente. Assim, tornou-se o globo “unipolar”, com um
único centro de poder, representado pelo capitalismo neoliberal, em contraponto
ao “multipolar” apregoado por alguns autores – em referência à multiplicidade
de centros de poder presentes.
E desde então
prepondera na sociedade internacional o sistema econômico capitalista
neoliberal, permeado pela globalização, desenvolvimento tecnológico e relações
entre entes diferentes dos Estados – o que se tratará a seguir. As relações de
trabalho, contudo, pouco se diferenciam daqueles presentes no início do
liberalismo econômico; talvez um pouco melhores do que eram, por conta da
presença de forças sindicais e de legislações a duras penas conquistadas em oportunidades
de presença do Estado social (CERVO, 2007).
Há que se ter em
conta, todavia, que, na visão de Nunes (2003), e pelos teóricos por ele
pesquisados, o desemprego é intencionalmente induzido pelas forças de mercado.
Com a existência de desemprego, fica muito mais fácil o fornecimento de
salários piores e condições de trabalhos não tão boas, a qual serão aceitas por
aqueles que precisam trabalhar. Caso contrário, caso houvesse pleno emprego, as
entidades empregadoras não poderiam leiloar as vagas de trabalho.
E esse é um
questionamento que de antemão se deixa em aberto: como, numa sociedade cuja
produção – fomentada pela tecnologia – aumenta consideravelmente num tempo
menor do que o era no início do século passado, não disponibiliza vagas de
emprego suficientes.
Conforme
explicado no tópico anterior, o capitalismo neoliberal permanece como sistema
preponderante na sociedade internacional. Neste tópico, debater-se-á acerca das
particularidades desse sistema econômico em relação com os Estados, e em meio
ao fenômeno da globalização e da transnacionalização, e como as transformações
foram contribuintes na geração de crises financeiras, de mobilidade humana, nos
direitos trabalhistas e no ambiente natural.
A partir do final
da Segunda Guerra Mundial, a ascensão de novos atores internacionais começou um
processo de enfraquecimento da soberania dos Estados. O percurso transcorreu a
partir de fenômenos como internacionalização e multinacionalização, culminando,
por fim, na transnacionalização. A transnacionalização é uma das facetas da
globalização, e sua principal característica, como mencionado, é o
enfraquecimento da soberania estatal, a desterritorialização das relações e a
expansão em larga escala do capitalismo (OLSSON, 2014).
Quanto à
globalização, António José Avelães Nunes (2003), entende ser um fenômeno
antigo, de etapas. Considera estarmos na terceira etapa, pautada na
desintermediação, descompartimentação de desregulamentação ferrenhas dos
mercados, principalmente financeiros. Fenômeno cultural e ideológico,
implementou com força total o consumismo como mote (aqui passou a estimular-se
o consumo de bens desnecessários pelas classes menos favorecidas); anula
culturas e identidades nacionais, estabelecendo uma padronização de pensamento.
Posição distinta de Marini (2015), que afirma que a globalização efetivamente
surgiu nos anos 1980. Neste texto, filia-se ao primeiro pensamento.
É inegável a
contribuição do desenvolvimento tecnológico para o “êxito” da terceira fase de
globalização, tecnologia essa que permitiu a engenharia dos sistemas
financeiros que se desconectaram por completo das amarras estatais, passando o
capital a gravitar em torno do sistema de finanças. Esse capitalismo, segundo
Nunes (2003), pode ser chamado de “capitalismo de cassino”: absolutamente
divorciado da economia comum e da renda de quase totalidade da população, por
conta das somas envolvidas nas transações.
Contudo, o
conceito de globalização não é tarefa fácil. Victor Flores Olea e Abelardo
Mariña Flores (1999, p. 288 e ss.), de um lado, atentam que a globalização é,
de certa forma, um fenômeno irreversível, porque os avanços tecnológicos
transformaram a vida em sociedade. De outro lado, os autores acreditam que a
globalização é um fenômeno que deve ser controlado, ou seja, “apresenta
potencialidades emancipatórias que devem ser retomadas, com o redirecionamento
da globalização neoliberal hegemônica atual para uma globalização alternativa
ou includente”. Isto é, são necessárias medidas para reorientar os rumos do
fenômeno, já que irreversível, utilizar de suas consequências para fins que
incluam.
A respeito do
mesmo tema, Guedes (2013) enfatiza que o fenômeno da globalização é um processo
pelo qual atividades estatais são desagregadas em favor de uma estrutura de
relações entre diferentes atores, que operam em um contexto que é global, ao
invés de meramente internacional. Para ela, implicações da globalização para os
Estados seriam a perda da soberania e perda de controle dos processos de decisões.
Porém, afirma que somente alguns setores assumem essa problematização, quais
sejam: economia política internacional focada na economia global, estudos
culturais focados na cultura global, e sociologia global focada em movimentos
transnacionais.
Todavia, é
importante mencionar, a conexão de países meramente serve para atender aos
anseios dos protagonistas do desenvolvimento econômico. A integração da
globalização é seletiva. A força de trabalho, por exemplo, encontra inúmeras
barreiras ao tentar transpor fronteiras dos Estados em busca de trabalho
efetivamente digno – o que não existe nos locais onde provêm ou este é de
difícil acesso. Além de o mercado de trabalho ter se reduzido drasticamente por
conta da substituição da mão de obra humana por maquinários, este se torna
ainda mais restrito para aqueles que têm o “privilégio” de serem “nacionais” de
determinados Estados desenvolvidos.
Essa é a
principal contradição: se por um lado os Estados tiveram sua soberania ruída
pelo avanço de outros atores internacionais e pela
globalização/transnacionalização, por outro, convenientemente aos interesses
daqueles novos atores, intensificou-se ou, ao menos, manteve-se, a premissa de
que os Estados são soberanos para decidirem quem entra e sai de seus territórios,
quem tem direito ao trabalho, quem é nacional ou quem é “alienígena” /
indesejado. E o próprio estímulo recente à ascensão de governos de extrema
direita, nacionalistas e conservadores, corrobora com essa suposição. A
expressão cunhada foi legalismo autocrático (SCHEPPELE, 2018).
Trazendo à tona a
Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Fundo Monetário Internacional (FMI),
exemplos de mudança radical na guinada da forma do poder institucional,
observa-se que tais contemporâneas instituições estabelecem pautas com
temáticas voltadas ao “crescimento econômico”, e não ao “desenvolvimento
social”. De certa forma, o debate é canalizado para o primeiro tema, ficando
evidente falta de interesse desses atores em viabilizar um efetivo
desenvolvimento social nessa sociedade internacional. Por isso, o poder é
presente, mas passa de forma despercebida, e exercido de forma indireta ou
difusa (OLSSON, 2014). E tal realidade é intensificada, pela sociedade em rede.
É desnecessário
dizer que este cenário é preocupante, complexo e de muitas facetas. A sociedade
internacional reflete as relações interdependentes de seus atores
internacionais, onde os anteriormente soberanos Estados se fragmentaram, sendo
incapazes de eliminar tantos desequilíbrios. Devem-se levar em consideração
ainda os organismos internacionais criados pelos próprios Estados, mas,
principalmente, o fenômeno das poderosas empresas transnacionais, que
atualmente detêm o domínio decisivo dos destinos do globo, estipulando regras,
modelos e jogadores em seu jogo de poder.
Tendo como
pressuposição esse contexto, problematiza-se neste texto, também, sobre aqueles
que estão de fora da dualidade proletariado e detentores dos meios de produção.
Até mesmo parece paradoxal falar dessas duas categorias frente à realidade
modificada do capitalismo neoliberal globalizado. Contudo, essas categorias
iniciais desenhadas no liberalismo clássico, são as que permanecem, malgrado
haja uma recorrente noção imposta de que não mais existe dominação de
subjugação de uma massa por alguns.
Na esteira do
presente raciocínio, trechos da obra de Nunes (2003) são esclarecedores, a fim
de contextualização:
À margem dos ganhos do ‘mercado livre’ têm ficado as pequenas e médias empresas (que constituem, na generalidade dos países, a base da estrutura produtiva e do emprego) e têm ficado também os países mais fracos e menos desenvolvidos, muitos deles enleados na teia infernal da dívida experta, uma espécie de ‘prisão perpétua por dívidas’. Os fatos dão razão ao velho Keynes, que há mais de cinquenta anos, advertia para os perigos da paralisação da atividade produtiva em consequência do aumento da importância dos mercados financeiros e da finança especulativa” (p. 85).
E, também, como complemento:
Neste mundo de comércio livre de barreiras físicas ou legais pretende-se que circulem livremente todo o tipo de bens (matérias-primas, semiprodutos e produtos acabados da indústria e da agricultura), serviços (incluindo os chamados <<produtos financeiros>>), capitais e tecnologia. Mas esta liberdade já não se aplica aos trabalhadores. Quanto a estes, os grandes centros imperiais procuram barricar-se nas suas fronteiras armadas, para evitar esta nova “invasão de bárbaros” (p. 81). (grifo nosso).
Fala que não se pode interpretar a globalização como um regresso aos tempos de capitalismo de concorrência:
[...] neste nosso tempo, os protagonistas quase exclusivos são os grandes conglomerados transnacionais, orientados por uma estratégia planetária, apoiados num poder econômico (e político) que anula em absoluto os mercados tal como os entendia a teoria da concorrência, apostados em controlar o processo de desenvolvimento econômico à escala mundial (p. 82).
Os pequenos
empreendimentos comerciais e produtivos ficaram à margem. Muitos foram
suplantados pela adentrada de grandes empresas e fábricas nos
territórios/localidades em que se encontravam. Assim, aquela força de trabalho
empregada por esses pequenos empreendimentos ou se submete ao que lhe é imposto
por referidas grandes empresas, ou simplesmente ficam fora do jogo. Necessário
levar em consideração o poder de mando sobre os governos, o que se chama de
“chantagens econômicas” (NUNES, 2003).
Isto é, caso os
governos não abram concessões para a instalação de determinada fábrica, por
exemplo, ela retira sua planta e a realoca em outra localidade ou outro Estado,
onde as vantagens sejam maiores. Existe uma subjugação palpável dos Estados.
Nesse ponto, questiona-se até que ponto é válida a instituição de direitos
trabalhistas mais fortes e se identifica, também, a dificuldade de
implementação de novos direitos, por exemplo.
Nesse ritmo, a luta
de classes já não se vê com nitidez, mas, não porque as relações entre classe
patronal e empregados se tivessem pacificado, mas porque os conflitos estão em
novos espaços, não mais locais, internos ou nacionais, mas se deslocaram para
os espaços das CTNs [corporações transnacionais], das estratégias mundiais e
das relações desterritorializadas (STELZER; GONÇALVES, 2009, p 10957-8).
A
desterritorialização das relações humanas e de produção (para locais com
diferença salarial marcante), capitalismo neoliberal ao extremo, o abalo da
soberania estatal (summa potestas
estatal não mais vislumbrada) e a emergência de novos atores, principalmente,
delineiam relações jurídicas, comerciais e políticas que ocorrem à guisa da
sociedade dos Estados. Conforme abordado neste tópico, existe uma dualidade,
contudo, entre Estado mínimo para alguns casos, e Estado máximo para outros
casos, a depender do que se convenciona pelo establishment.
Questiona-se se
existe como o mercado realmente se autorregular – fazendo menção ao ideal de
Adam Smith de que a mão invisível do mercado seria capaz de propiciar progresso
e desenvolvimento – e como ficam os direitos dos que estão subjugados por esse
mesmo mercado, à margem ou efetivamente fora dele. Sobre formas de valorização
do desenvolvimento local e dos trabalhadores, abordar-se-á no último tópico.
A partir do
raciocínio dos tópicos anteriores, parte-se do pressuposto de que não há
perspectiva promissora de valorização dos direitos de trabalhadores e de
promoção de desenvolvimento sustentável. A motivação para essa conclusão de
fácil dedução é observar à volta e constatar a situação de esgotamento
propiciada pelo capitalismo neoliberal e por todos os fatores e características
sinteticamente esmiuçados nos itens anteriores. Por isso, se defende neste
texto o fomento do desenvolvimento local e dos direitos dos trabalhadores -
mais facilmente assegurados numa sistemática diferente da atual.
Os direitos dos
trabalhadores, de caráter indivisível, foram construídos com base na noção de
que compreendiam duas formas entre os consagrados desde a constituição da ONU:
os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais; os
primeiros voltados para assegurar as liberdades e os segundos, o valor da
igualdade (BRANDÃO, 2003).
A escala de
evolução na forma de positivar cada vez mais os direitos dos trabalhadores
teve, historicamente, sua dimensão ampliada no Pacto Internacional sobre os
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Junto com o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos, também, de 1966, regulamentaram
as rubricas expressas da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948
(BRANDÃO, 2003).
A partir de
então, “solidificou-se o conceito de que o trabalho é feito para o homem e não
o homem para o trabalho, tendo o trabalhador direito de ser tratado como um ser
humano e não como instrumento de produção” (BRANDÃO, 2003, p. 90).
Indubitavelmente, relevante marco conceitual no âmbito da política de atuação
dos entes internacionais, a partir de então; e aqui em apertada síntese para
contextualização.
É importante a
conceituação de meio ambiente do trabalho também é enfatizada por Padilha
(2002, p. 20), para a qual:
[...] é tudo aquilo
que cerca um organismo (o homem é um organismo vivo) seja o físico (água, ar,
terra, bens tangíveis para o homem), seja
o social (valores culturais, hábitos, costumes, crenças), seja o psíquico
(sentimento do homem e suas expectativas, segurança, angústia, estabilidade),
uma vez que os meios físico, social e psíquico são os que dão as condições
interdependentes necessárias e suficientes para que o organismo vivo (planta ou
animal) se desenvolva na sua plenitude (destaque nosso).
Para mencionar as
etapas da evolução da tutela da saúde do trabalhador, Oliveira (2002) apresenta
quatro principais momentos históricos. No primeiro, ocorrido na primeira etapa
do século XX, a OIT teve atuação na promoção da medicina do atendimento médicos
aos trabalhadores no local de trabalho (a medicina do trabalho). O segundo
momento ocorreu após o final da Segunda Guerra Mundial, marcado pela
preocupação com a saúde ocupacional. Depois, surgiu a etapa da saúde do
trabalhador, novamente, mas com um enfoque mais interdisciplinar, sem
consecução de grandes êxitos, todavia.
Quanto a essa
perspectiva de poucos êxitos, argumenta José Isaac Pilati:
Nas ações e
processos que envolvem bens coletivos [aí inseridas ações de fito trabalhista, v. g.], o papel da jurisdição
pós-moderna não é dar respostas formais, de leis abstratas, para dizer quem tem
razão; e sim presidir a grande ágora de inclusão que é o processo coletivo
pós-moderno. Trata-se de um novo paradigma, que os romanos não conheceram como
tal, mas apontaram o rumo, já que o seu sistema era de democracia direta, em
forma que lembra a mediação e arbitragem de hoje: o processo é das partes, a
decisão é construída por elas com a intermediação do magistrado (PILATI, 2012,
p. 125).
Esse autor faz
comparações dos atuais ordenamentos com o direito romano, tecendo as
pertinentes argumentações. No ordenamento daquele povo, alguns direitos não
podiam ser mensurados, por serem constituídos e discutidos pela discussão popular
(popular na acepção daquela sociedade). O que era dos romanos a eles pertencia,
como uma espécie de condomínio de mão-comum, e não detidos por “pessoas
jurídicas”.
Aí se insere a
crítica de que meras formalizações de direitos inerentes aos seres humanos e,
por conseguinte, aos trabalhadores, de nada adiantem quando não se concede a
titularidade e a discussão aos destinatários, mas sim, a deixa ser discutida
por cúpulas afeitas aos próprios interesses, unicamente. “Os romanos não viam
lei e direitos certos, sob um reino. Preferiam a República, porque nela o povo
decreta e o magistrado concretiza o Direito” (PILATI, 2012, p. 128).
O autor faz uma comparação do Estado de hoje de como era a organização do Estado romano e como atualmente o Estado se tornou o vilão dos seus próprios cidadãos quando deveria protegê-los. Tornou-se uma entidade suprema numa potestade de aristocratas. Essa é a primeira lição do sistema romano como contraponto. Perdeu-se o espaço de ágora da coletividade. A sociedade moderna não dispõe de instrumentos jurídicos que sejam efetivos de participação como tinha o povo romano. Como visto nos dois tópicos anteriores, a realidade transfigurou o Estado em uma dualidade: ora sem soberania, cooptado pelas forças de mercado; ora extremamente regulador.
Recapitulando o primeiro tópico, antes do século XVIII e em grande parte do século XIX, as constituições haviam se identificado com o desmantelamento do Estado absoluto e a edificação do Estado de Direito, à liberdade das pessoas, igualdade dos cidadãos, fraternidade e propriedade como direito dominial absoluto, e plenitude da autonomia privada. Porém, com o fracasso liberal, as agudas crises financeiras, os problemas sociais – e também ambientais, se agravaram.
Padilha (2018) registra a questão da monetização do risco, em que são quantificadas as indenizações financeiras para compensar os danos causados tanto ao meio ambiente quanto ao meio ambiente do trabalho e as condições dos trabalhadores – pressuposto de que valores monetários poderiam sanar danos irreversíveis. Na verdade, seria necessária uma mudança paradigmática de toda a concepção de trabalho, de empresa e, principalmente, de Estado. Este voltar a ser o que era na essência do contrato social, que acabou se desvirtuando e o Estado se tornando, em alguns aspectos, superestado.
Assim, o simples direito do dano não tem condições de responder às indagações trazidas pela irreparabilidade e irreversibilidade dos danos ambientais, violações de direitos humanos e dos trabalhadores. Somente um novo modelo jurídico de direito poderia vir a solucionar tais ameaças (PADILHA 2018; PADILHA; POMPEU, 2019).
Dando seguimento, a fundação da OIT se deu em 1919. A partir de reestruturação adotada na declaração de Filadélfia, no ano de 1944, a atuação da OIT aumentou para além da priorização da proteção dos direitos de condições de trabalho. Passou a atuar na proteção dos direitos humanos do trabalhador, sua essencialidade e indispensabilidade, por meio de ações em prol da elaboração de políticas e de programas internacionais para a melhoria das condições de vida e de trabalho o ser humano trabalhador. Também, na elaboração de normas internacionais do trabalho que orientem a aplicação de seus princípios nos Estados.
Aqui se destaca a atuação da OIT na defesa e proteção dos grupos mais vulneráveis, como mulheres, crianças, imigrantes, e em defesa da qualidade de vida e segurança no trabalho, e não essencialmente o trabalhador subordinado, mas de todos os trabalhadores e em todas as relações de trabalho.
A OIT tem uma filosofia que prega a intervenção do Estado nas relações econômicas, sociais e políticas para garantir os direitos humanos dos trabalhadores em todo mundo. Porém, há que se levar em conta que a intervenção estatal nos meios econômicos vai totalmente de encontro à sistemática econômica vigente do capitalismo neoliberal, intensificado pela globalização.
Documento de 2010 expedido pela OIT expõe os riscos profissionais novos e emergentes que podem ser causados por inovações técnicas ou por mudanças sociais ou organizacionais, tais como: novas tecnologias e novos processos de produção, por exemplo, nano tecnologias e biotecnologias. Novas condições de trabalho, por exemplo, cargas de trabalho mais elevadas, intensificação das tarefas devido à restrição de efetivos, más condições associadas à migração laboral, empregos na economia informal (PADILHA; POMPEU, 2019).
Como as pessoas não conseguem mais empregos por conta de vários fatores relacionados ao neoliberalismo e a globalização como, por exemplo, a substituição da mão de obra por tecnologias, acabam submetendo a quaisquer tipos de serviços precarizados, sem direitos ou mesmo funções autônomas que não dispõem de qualquer assistência estatal.
Depois da segunda metade do século XVIII e início do século XIX, quando as ideias do liberalismo político, que importava no afastamento do Estado da tutela individual, econômico, que valorizada a livre iniciativa e estimular a concorrência, proporcionaram o desenvolvimento do capitalismo, especialmente na França, Grã-Bretanha e, mais tarde, nos Estados Unidos, Alemanha, Países Baixos e Bélgica. Prevaleciam as codificações civis que tratavam sobre os princípios do individualismo e do materialismo, respaldado aquele do princípio da autonomia da vontade e este na garantia do direito de propriedade, que propiciava a acumulação de riquezas, ambos necessários para possibilitar ao indivíduo afirmar-se perante o estado (PILATI, 2012).
Nessa senda, há que se estabelecer um contraponto entre a noção da OIT que trabalho não é uma mercadoria, com a noção capitalista neoliberal, que torna impossibilitada a efetividade desse princípio, uma vez que o consumismo acaba aumentando cada vez mais, produzindo muitos bens desnecessários aos seres humanos, e que com isso, com essa produção desregrada, o meio ambiente é destruído, os ecossistemas são danificados, e surgem diversos questionamentos a serem respondidos da urgência de uma mudança de paradigma para se efetivar essa premissa.
As mudanças da modernidade, após a revolução industrial, passaram a exigir do direito um posicionamento a respeito das questões sociais e ambientais: economia de mercado, baseada na livre iniciativa e no acúmulo de capital. Ao mesmo tempo em que o modelo capitalista de produção provocou a degradação da qualidade de vida e da saúde da grande massa de trabalhadores, também causou um processo de degradação e devastação, sem precedentes, dos recursos naturais.
Dussel (2007) afirma que nenhum Estado moderno tem como base uma nação, mas sim, várias culturas e que quando o uso da diferença cultural é uma maneira de dominar os outros, deve-se defender a igualdade da dignidade humana. Nesse sentido, aposta no desenvolvimento de uma nova civilização transmoderna apoiada no respeito absoluto à visa em geral. Também, que a soberania é da comunidade política do povo, e não do Estado. É visão deveras utópica frente aos acontecimentos rotineiramente noticiados internacionalmente, mas com pertinência teórica.
Nesse sentido, as crises de refugiados causadas pelas mudanças climáticas, tão intensificadas pela atividade predatória humana, aliadas à falta de oportunidades mediante a financeirização do capital e pela substituição da mão-de-obra por máquinas, coloca em xeque toda a sistemática delineada na economia de mercado. O que fazer com os que “sobram”, que ficam “de fora”? Há que se levar em consideração que os refugiados são o “refugo da terra”, nas palavras de Hannah Arendt (1989); dessa forma, se encontram em situação ainda mais desfavorável, por conta de sua situação, ainda atrelada àquela noção desatualizada de nacionalidade e pertencimento.
É defendido por Padilha (2002; 2018), por exemplo, a concepção de que o Estado Liberal deveria ser suplantado pelo Estado Social. Contudo, conforme podemos verificar na realidade fática, o Estado Social além de se tornar um Estado “intrometido”, num “superestado”, altamente burocrático que não consegue dar conta de por em prática o que apregoa – a proteção dos direitos sociais e humanos com sua intervenção no meio privado – por conta de o Capitalismo com sua força destrutiva, ir tão de encontro que torna ineficazes quaisquer disposições em contrário. Esse superestado, ao invés de estar a serviço, coloca os outros a serviço.
Por isso, aqui se defende uma ideia de transposição desse paradigma para um novo, em que o Estado não seja o protagonista, visto que impossível que o seja. Mas sim, uma concepção de grupo, de coletividade, que deveria prevalecer. Ou, ao menos, um regramento que favorecesse os pequenos empreendimentos comerciais, industriais, produtivos e de serviços.
Esses empreendimentos são aqueles que atendem à esfera “social” do meio ambiente de trabalho. O sentimento de pertencimento a uma coletividade, a solidariedade existente, os hábitos e costumes, estão atrelados nessa relação próxima com o seu empregador, ou mesmo com os consumidores. Numa relação de subordinação clássica – dual proletariado e detentores dos meios de produção, liberal – hoje principalmente exemplificada em corporações transnacionais, inexiste uma esfera social. Existe uma despersonalização do trabalho, um rompimento de laços. Não sabem os trabalhadores para quem trabalham e, muitas vezes, para que trabalham.
A fragmentação das grandes empresas transnacionais (característica da transnacionalização), não e mera abertura de filiais. Há a despersonalização: diversas unidades de diversos nomes, terceirizadas, numa complexa estrutura utilizada para diminuir ao máximo os custos e aumentar, também ao máximo, os lucros dos acionistas e CEOs (presidentes/diretores) de tais conglomerados (KORTEN, 2001; SELL, 2003). Há, portanto, a mecanização extrema da função social representada pelo trabalho.
Por outro lado, no modelo do Estado Social há uma
hipertrofia do que é público e uma atrofia do privado. O Estado, nessa
modulação, cresce, acentuadamente, para atender às infinitas demandas sociais,
para ocupar o espaço que o paradigma liberal havia deixado como esfera de
não-intervenção. Desta forma, o público passa a ser identificado como Estatal
(PISKE; SARACHO, 2018). Isso repercute no direito dos trabalhadores.
Verifica-se o abismo que chegou o Estado Social pela sua ineficiência. Exatamente a redução do público ao estatal conduziu aos excessos perpetrados pelo Estado Social e sua doutrina. A essência do Estado Social gravita na premissa da alta tributação para propiciar programas sociais de alta qualidade. Porém, o que se observa é a falta de qualidade nessa contraprestação, e que os montantes arrecadados servem, em grande quantidade, para manter sua própria estrutura funcional e burocrática, sem falar na cooptação pelo sistema financeiro.
Em 2015, com o advento da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, os Estados – sujeitos do Direito Internacional – aprovaram dezessete objetivos de desenvolvimento sustentável, abrangendo, de forma ampla, as esferas do desenvolvimento multidimensional. O objetivo 8 trata especificamente “trabalho decente e crescimento econômico” (ONU, 2015). A partir desse marco, as agências da ONU, incluindo a OIT, têm pautado suas políticas para estarem em consonância com os objetivos de desenvolvimento sustentável.
Porém, todos os arcabouços regulamentares e prospectivos da ONU/OIT estão moldados para serem implementados no formato institucional vigente. Só que esse mesmo formato é o causador da insustentabilidade e de todos os problemas dela decorrentes (degradação do ambiente de trabalho, crises de migração/refugiados, conflitos armados, desigualdade, pobreza, desemprego, etc.). Não há perspectivas promissoras de implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no enquadramento existente. Será um jogo de soma zero. Um círculo vicioso, urgindo a necessidade de um novo paradigma.
Mesmo com o fortalecimento das instituições jurídicas, das legislações, das políticas de acolhimento, fixação de direitos humanos, sabe-se que na configuração econômica capitalista globalizada, não se vislumbra efetividade, uma vez que os problemas são eles mesmos gerados por essa realidade. Há que se romper com a primeira fase do ciclo. Não adianta criar instrumentos paliativos que continuarão retroalimentando o ciclo – geração cada vez maior de insustentabilidade, desigualdade, nacionalismos, discriminações, encerramento de fronteiras, e, claro, fragilização do próprio trabalho digno que tanto se milita proteger. Ou, ao menos, adaptar com os aparatos existentes, levando em consideração as causas estruturais profundamente enraizadas, em toda sua complexidade.
A questão da intervenção estatal traz à tona um sem número de discussões, a favor e contra, todas com seu devido respaldo e relevância. Porém, no âmbito do fomento de um desenvolvimento sustentável – aí inseridos os direitos dos pequenos e médios empreendimentos à participação na economia, direitos humanos dos trabalhadores e solidariedade – a inserção do Estado no meio econômico, por meio de regulamentos e incentivos, é de suma importância.
Os ideários do liberalismo clássico imaginavam um sistema no qual a liberdade de negociação e concorrencial era perfeita, isto é, automaticamente inseriria e teria capacidade de inserir a todos que dele participassem – ou ousassem participar -, tanto produtores quanto consumidores. O mercado se regularia por ele mesmo.
Contudo, as referidas premissas do laissez-faire logo se provaram inverídicas, levando – aqui em apertada síntese – a modificações teóricas a fim de suavizar o distanciamento absoluto do Estado da atividade econômica e social, o que resultou no ideário do welfare state. Esse Estado social foi e tem sido alvo de críticas, tanto por ser um adendo para mascarar a desigualdade gerada pelo capitalismo quanto por acabar se tornando, em muitos casos, um Estado máximo onde deveria ser mínimo, e vice-versa.
Aliado a essa conjuntura, o fenômeno da transnacionalização (com a ascensão de novos atores internacionais) fomentado pela globalização tecnológica, de estreitamento de distâncias e financeirização do capital, acabou por intensificar ainda mais a agressividade do que veio a se chamar neoliberalismo, achatando, por assim dizer, as poucas benesses prometidas e intentadas pelo welfare state.
Atores como as corporações transnacionais, organizações não governamentais e outros movimentos organizados “em rede”, têm abalado as estruturas dos antes soberanos Estados, delineando negociações e projetos de grade magnitude, mas completamente alheios aos regramentos clássicos de Direito Internacional (dos quais os Estados são os sujeitos). E, também, soma-se a influência desses atores na cooptação de governos (executivo, legislativo e judiciário), moldando-os conforme seus interesses, inclusive de forma decisiva em eleições e políticas públicas.
Dessa forma, aspectos tão debatidos como o consumismo desregrado, destruição do ambiente natural, crise de valores humanos, corrosão do amálgama social, dentre outros, vão ao total encontro da fragilização e desmantelamento das legislações trabalhistas e no alijamento dos pequenos produtores, empreendedores e comerciantes locais do cenário econômico. A relação empregatícia pautada numa relação pessoal se torna artificiosa e sem ligação humana, sem falar na subordinação a conglomerados sem correlação com a localidade, distantes da realidade social e cultural de onde estão instalados, e cujas unidades de trabalho/produção estão espalhadas por diversos países, a depender da comodidade propiciada pelas legislações de cada um e pelas concessões realizadas por seus governos.
Por derradeiro, entende-se, em linhas gerais, que a atuação do Estado enquanto interventor e regulador do cenário econômico é contribuição ao menos paliativa para fomentar um desenvolvimento mais sustentado tanto para o comércio, as indústrias, os produtores e os empreendimentos locais – que são geradores de empregos e receitas públicas – quanto para assegurar a manutenção de direitos laborais e humanos ainda ao menos positivados. E isso não somente em âmbito nacional, mas sim, mundial.
Levando-se em consideração a pequena fração, de tão amplo tema, abordada neste texto, é imperativo ressaltar a urgência e importância de se estudar mais a fundo as particularidades e recortes possíveis para análise, o que, poderá ser desenvolvido em pesquisas ulteriores.
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Submetido em: 06 mar. 2021.