Universidade
de Coimbra, Portugal
RESUMO: O presente artigo visa aprofundar a compreensão dos contornos do direito à
habitação, em intenso diálogo com a jurisprudência do Tribunal Europeu de
Direitos do Homem, por considerar que a interpretação dada pelo Tribunal
Europeu ao direito humano consagrado no artigo 8º da Convenção Europeia não pode
deixar de influenciar fortemente a jurisprudência dos tribunais superiores dos
Estados Membros do Conselho da Europa. A evolução interpretativa do referido
dispositivo tem contribuído para o desenvolvimento de uma proteção ambiental
mais efetiva no sistema europeu. Com efeito, somente depois de percorrerem,
durante décadas, os complexos trilhos judiciais e extrajudiciais da Justiça
Estadual é que milhares de afetados por violações flagrantes do direito a um
ambiente são conseguem o direito de tentar demonstrar perante o Tribunal
Europeu de Direitos do Homem a gravidade da ingerência na habitação. Ao mesmo
tempo, fica demonstrada a absoluta insuficiência das medidas previstas,
prometidas ou adotadas pelos poderes públicos. A metodologia utilizada será
indutiva, com uma análise jurisprudencial do Tribunal Europeu. Conclui-se que a
seriedade de injustiças territoriais que decorrem da violação do direito
ambiental à habitação exige instrumentos jurídicos mais eficazes, prospetivos e
não reativos, que reflitam novas abordagens, preventivas e não reparatórias.
PALAVRAS-CHAVE: Direito à habitação. Proteção ambiental. Tribunal
Europeu de Direitos do Homem.
ABSTRACT: The present article aims to deepen the
understanding of the contours of the right to housing, in intense dialogue with
the case law of the European Court of Human Rights, considering that the
interpretation given by the European Court to the human right enshrined in
article 8 of the European Convention cannot fail to strongly influence the
jurisprudence of the higher courts of the Member States of the Council of
Europe. The interpretative evolution of this device has contributed to the
development of more effective environmental protection in the European system.
Indeed, it is only after having traversed, for decades, the complex judicial
and extrajudicial paths of State Court that thousands of people affected by
flagrant violations of the right to an environment are able to demonstrate in
front of the European Court of Human Rights the severity of the interference in
housing. At the same time, it demonstrates the absolute insufficiency of the
measures envisaged, promised or adopted by the public authorities. The
methodology used will be inductive, with European Court jurisprudential
analysis. Concludes that the seriousness of the territorial injustices that
result from the violation of the environmental right to housing requires more
effective, prospective and non-reactive legal instruments that reflect new,
preventive and non-reparative approaches.
KEYWORDS: Right to housing. Environmental protection.
European Court of Human Rights.
Consagrado
internamente desde 1976 no artigo 65 da Constituição da República
Portuguesa, o direito à habitação[1] como direito humano é
protegido internacionalmente pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948[2], pela Convenção
Europeia dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais de 1950[3], pelo Pacto
Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais de 1966[4] e pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia de 2000[5].
O objetivo do
presente estudo é aprofundar a compreenção dos contornos do direito à
habitação, também denominado de direito ao domicílio, em diálogo intenso com a
jurisprudência, sabendo que a interpretação que o Tribunal Europeu tem feito do
direito humano consagrado no artigo 8º da Convenção Europeia tem influenciado a
jurisprudência dos tribunais superiores dos Estados[6]. Em especial, a
constatação da evolução interpretativa do referido dispositivo convencional
para o desenvolvimento de uma proteção ambiental no sistema europeu.
Na presente
pesquisa, adotando-se uma abordagem metodológica indutiva, procede-se a uma
análise da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
relacionadas à proteção do direito à habitação, que tenha reflexos na proteção
do meio ambiente. Foram selecionados 36 acórdãos proferidos entre 1990 e 2019
nos quais suscitou-se o artigo 8º da Convenção Europeia a partir de uma razão
ambiental. O recorte do marco temporal foi assim definido por considerar que a
jurisprudência em relação a essa temática, de modo mais específico, somente
teve repercussão significativa em termos de precedentes no próprio Tribunal a
partir de 1990, sendo pontuais julgados anteriores a essa data,
intensificando-se os julgados somente a partir dos anos 2000.
O
desenvolvimento organiza-se em três partes: na primeira, de caráter mais
descritivo, é feita uma análise e exposição didática dos principais julgados,
em seguida é discutida a questão da ingerência ambiental à luz dessas decisões
e, por fim, coloca-se um aprofundamento das determinações do Tribunal Europeu
para a tomada decisória dos países.
Porém, o uso do
artigo 8º em contextos ambientais não é uma solução jurídica evidente. Os
acórdãos que se analisam brevemente em seguida, proferidos pelo Tribunal
Europeu ao longo de praticamente 30 anos, foram situações em que em que o dispositivo
foi invocado, mas a ingerência ilícita do Estado não se deu pela força das
armas, nem através de mecanismos de escuta, ou ações de vigilância, nem sequer
por meio de decisões contestáveis relativas à titularidade da habitação. Aquilo
que foi considerado como uma ingerência ilícita do Estado, foi apenas a emissão
de fumo, poeiras, ruido e vibrações que resultam do desenvolvimento, da
autorização, da tolerância ou da ausência de supervisão de rotineiras
atividades produtivas, desenvolvidas pelo Estado ou por terceiros, no exercício
de um simples direito de iniciativa empresarial. Trata-se de atividades de
extração de matérias-primas, de fabricação de produtos para o mercado, de
transporte, de lazer ou outras. Em qualquer caso, atividades tidas como úteis
para o desenvolvimento do país, aparentemente benéficas para a sociedade e a
economia, e supostamente favoráveis ao bem-estar dos
cidadãos.
A Tabela 1 apresenta 36 casos selecionados a
partir da abundante jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
sobre o direito ao domicílio nos últimos 30 anos, ordenados alfabeticamente
pelo nome do recorrente, em regra o sujeito lesado de seu direito à habitação.
Todos eles são casos em que o direito ao domicílio foi perturbado pelos
impactes ambientais de atividades próximas do domicílio, configurando conflitos
de vizinhança.
Tabela 1: Lista de casos por ordem
alfabética de primeiro recorrente
|
Recorrente |
Ano |
Recorrido |
Tema |
Apanasewicz |
2011 |
Polónia |
indústria cimenteira |
|
2 |
Bacila |
2010 |
Roménia |
indústria siderúrgica |
3 |
Bor |
2013 |
Hungria |
transporte ferroviário |
4 |
Borysiewicz |
2008 |
Polonia |
alfaiataria |
5 |
Cordella |
2019 |
Itália |
indústria siderúrgica |
6 |
Dees |
2011 |
Hungria |
transporte rodoviário |
7 |
Di Sarno |
2012 |
Itália |
gestão resíduos |
8 |
Dubetska |
2011 |
Ucrânia |
extração mineral (carvão) |
9 |
Dzemyuk |
2014 |
Ucrânia |
cemitério |
10 |
Fadeyeva |
2005 |
Rússia |
indústria do aço |
11 |
Fagerskiold |
2008 |
Suécia |
energia eólica |
12 |
Flamenbeaum |
2013 |
França |
transporte aeronáutico |
13 |
Furlepa |
2008 |
Polónia |
oficina automóvel |
14 |
Galev |
2009 |
Bulgária |
dentista |
15 |
Giacomelli |
2007 |
Itália |
gestão resíduos |
16 |
Greenpeace |
2009 |
Alemanha |
transporte rodoviário |
17 |
Grimkovskaya |
2011 |
Ucrânia |
transporte rodoviário |
18 |
Guerra |
1998 |
Itália |
indústria química |
19 |
Hardy e Maile |
2012 |
Reino Unido |
energia (gás natural líquido) |
20 |
Hatton |
2003 |
Reino Unido |
transporte aeronáutico |
21 |
Ivan Atanasov |
2011 |
Bulgária |
extração mineral (cobre) |
22 |
Kolyadenko |
2012 |
Rússia |
abastecimento de água |
23 |
Kyrtatos |
2003 |
Grécia |
construção |
24 |
Lopez Ostra |
1994 |
Espanha |
indústria de tinturaria |
25 |
McGinley e Egan |
1998 |
Reino Unido |
militar (testes nucleares) |
26 |
Mileva |
2011 |
Bulgária |
lazer noturno (clube de computadores) |
27 |
Moreno Gomez |
2005 |
Espanha |
lazer noturno (bares e discotecas) |
28 |
Oluic |
2010 |
Croácia |
lazer noturno (bar) |
29 |
Pino Manzano |
2012 |
Espanha |
extração mineral (pedreira) |
30 |
Powell |
1990 |
Reino Unido |
transporte aeronáutico |
31 |
Ruano Morcuende |
2005 |
Espanha |
transformador de energia |
32 |
Smaltini |
2015 |
Itália |
indústria siderúrgica |
33 |
Tatar |
2009 |
Roménia |
extração mineral (ouro e prata) |
34 |
Udovicic |
2014 |
Croácia |
lazer noturno (bar) |
35 |
Walkuska |
2008 |
Polónia |
suinicultura |
36 |
Zammit |
2012 |
Malta |
pirotecnia |
Fonte: elaborado pela autora
Na apresentação, um a um, dos casos selecionados,
seguiremos o critério da atividade que subjaz à violação do direito ao
domicílio. Esta é a forma mais impressiva de retratar as realidades que
configuram uma ingerência atual ou potencial no domicílio, pondo em causa o
bem-estar e o ambiente. Convém frisar que se há casos em que ao Tribunal é
pedida uma atuação ressarcitória, depois de a ingerência no domicílio ter
terminado[7],
em virtude dos danos sofridos enquanto a infração durou, outros casos há, em
que é pedida uma atuação preventiva, mesmo antes de haver uma ingerência
geradora de danos, mas apenas perante um fundado receio de dano.
Deste modo, organizámos os casos em 6 categorias
de atividades: indústria, transporte, outras atividades produtivas, atividades
não económicas, atividades de lazer noturno e extração mineral.
As atividades não económicas, são aquelas que são
desenvolvidas no interesse geral da população e não em benefício de um operador
económico que pretende obter lucro direto através do mercado. É o caso de
cemitérios, estradas, transformadores de eletricidade, gestão de resíduos
urbanos, armazenagem de água para abastecimento, ou lançamento de
fogo-de-artifício.
Dentro de cada categoria organizámos os casos por
ordem cronológica indicando, em traços muito gerais, os contornos do conflito
subjacente e o sentido, positivo ou negativo, da decisão do Tribunal Europeu.
Neste diagnóstico da jurisprudência, é importante ter em mente que a declaração
de não violação do direito ao domicílio pode ser justificada por diferentes
razões, desde a falta de prova da seriedade do dano, até à proporcionalidade da
ingerência numa sociedade democrática (para utilizar a fórmula da Convenção
Europeia). Considerando que, no exercício de uma certa contenção judicial, o
Tribunal afirma recorrentemente considerar que as autoridades nacionais estão
mais bem posicionadas para apreciar os contornos da questão, a absolvição do
Estado pode não significar realmente a ausência de problemas ambientais graves.
Aliás, a existência de mais do que uma queixa contra a mesma instalação, em que
só à segunda vez é que o Tribunal condena o Estado, é bem reveladora das
dificuldades sentidas pelos recorrentes. A título de exemplo, vejam-se os casos
Powell (1990) e Hatton (2003), contra o aeroporto de Heathrow em Londres, Reino
Unido, e os casos Smaltini (2015) e Cordella (2019), contra a indústria Ilva,
de Tarente, Itália.
a) Caso Lopez Ostra c. Espanha (1994), violação
do artigo 8º (nº 24)
Instalação de tratamento de resíduos sólidos e
líquidos de uma tinturaria da indústria do couro não licenciada localizada a 12
metros da residência da família Lopez Ostra. Provoca fumos, cheiros pestilentos
e ruído repetitivo desde 1988. As autoridades relojaram a família num
apartamento próximo, arrendado pelo Município, mas a precariedade da habitação
obrigou a família a procurar um novo local para viver. Os tribunais nacionais
não reconheceram a gravidade da situação porque a família era livre de se
deslocar para onde quisesse. Apesar da margem de discricionariedade reconhecida
ao Estado, o Tribunal considerou que o Estado Espanhol não tinha feito uma
ponderação correta dos interesses públicos e privados.
b) Caso Guerra c. Itália (1998), violação do
artigo 8º (nº 18)
Indústria química perigosa de produção de
fertilizantes, compostos químicos, polímeros e gestão de efluentes líquidos,
localizada a 1 quilómetro de residências. Em 1976 e 1985 já tinha havido
acidentes na fábrica com internamento hospitalar de centenas de pessoas. 40
cidadãos italianos residentes na localidade recorrem a tribunal devido à falta
de informação sobre os riscos, para a saúde e a vida decorrentes da libertação
de gases tóxicos e inflamáveis. O Tribunal Europeu considerou que a Itália
violou as suas obrigações substanciais ao não controlar as atividades perigosas
e procedimentais e ao não fornecer informação suficiente sobre os riscos.
c) Caso Fadeyeva c. Rússia (2005), violação do
artigo 8º (nº 10)
Uma instalação industrial de produção de aço que
origina concentrações de poluição atmosférica e níveis de ruído muito superiores
ao admitido por lei. Desde 1965 que tinha sido decidida a criação de uma zona
sanitária de segurança de 5000 metros à volta da fábrica, mas continuaram a
viver lá milhares de pessoas. Os recorrentes vivem a escassos 450 metros de
distância. Índices de morbilidade muito elevados, destacando-se especialmente a
incidência de doenças respiratórias e do sangue entre as crianças. A solução
das autoridades foi pôr os queixosos em listas de espera para obter alojamento
proporcionado pelo Estado, mas sem qualquer previsão da data de atribuição do
novo alojamento. O Tribunal considerou que a Rússia excedeu a sua margem de
apreciação na ponderação de interesses públicos e privados.
d) Caso Bacila c. Roménia (2010), violação do
artigo 8º, com uma opinião concordante de um juiz (nº 2)
A fábrica de produção de metais não ferrosos
(chumbo e zinco) e substâncias químicas derivadas do carvão, começa a laborar
em 1938 como empresa do Estado, tendo sido privatizada em 1993. As emissões
provenientes da fábrica afetam 6000 habitantes da localidade onde a incidência
de doenças respiratórias é sete vezes mais elevada do que no resto do país. As
concentrações de chumbo no sangue dos residentes são muito superiores às
admitidas. Os solos, as águas e a vegetação em 35 quilómetros ao redor da
fábrica encontram-se contaminados por chumbo, cobre, cádmio e zinco. O Tribunal
considera que a condenação da fábrica em processos cíveis ou penais por danos à
saúde e ao ambiente, não exonera o Estado das obrigações que lhe incumbem em virtude
do artigo 8º.
Na sua opinião concordante, o Juiz Zupancic
reforça a decisão do Tribunal com argumentos baseados no princípio da
precaução, e mais concretamente na inversão do ónus da prova, no
estabelecimento de presunções ilidíveis, e na ultrapassagem de “barreiras
conceituais” como a teoria da causalidade.
e) Caso Apanasewicz c. Polónia (2011), violação
do artigo 8º (nº 1)
Desde 1988 uma fábrica de cimento, localizada numa
área residencial, onde vivem 20000 habitantes, provoca elevada emissão de poeiras
e ruído. Os vizinhos que residem no terreno adjacente, queixam-se de irritações
cutâneas, problemas respiratórios e conjuntivite e ainda de não poder consumir
os frutos e legumes que produzem no seu quintal. O Tribunal considera que
embora a Polónia tenha tentado adotar algumas medidas de proteção (tendo
chegado a ordenar, sem nunca executar, a demolição da fábrica), o que é certo é
que elas foram, durante 20 anos, completamente inoperantes.
f) Caso Smaltini c. Itália (2015), não
admissibilidade (nº 32)
O maior complexo industrial de fabricação de aço
da Europa, situado em Itália, causa poluição intensa e grave. A recorrente não
consegue provar o nexo de causalidade entre a leucemia aguda de que padece e a
exposição à poluição da fábrica. O recurso é considerado como não admissível.
g) Caso Cordella c. Itália (2019), violação do
artigo 8º (nº 5)
O mesmo complexo industrial que emprega atualmente
11000 trabalhadores, e que produz aço e coque, começou a funcionar no início do
século XX, em Itália, e desde 1965 na cidade de Tarente. As emissões poluentes
atmosféricas estão na origem de uma incidência de neoplasias (do estômago, do
cólon, do fígado, do pulmão, do rim, da vesícula, da tiroide, da mama, do útero
e da próstata) muito superior à média nacional. Há inúmeros relatórios e provas
do dano. Apesar dos diversos processos crime, administrativos e
constitucionais, 180 recorrentes acusam o Estado Italiano de não fazer o
suficiente para os proteger da ingerência no seu domicílio. O Tribunal concorda
que a Itália não respeitou o justo equilíbrio entre os interesses públicos e
privados.
a) Caso Powell c. Reino Unido (1990), não violação
do artigo 8º (nº 30)
Desde 1961 o ruído dos aviões que aterram e
descolam do aeroporto de Heathrow causa incómodos que afetam os recorrentes,
que moram a algumas milhas do aeroporto, e mais de um milhão de pessoas. As
autoridades adotam diversas medidas para reduzir os incómodos causados pelo
ruído: monitorização, alteração das regras de funcionamento do aeroporto e
isolamento sonoro das casas, financiado a 100% pelo Estado. O Tribunal aceita a
argumentação do Estado de que a ingerência é legal e se justifica numa
sociedade democrática para salvaguardar os interesses económicos e o bem-estar
do país, decorrente do uso de uma instalação de importância central para o
comércio e as comunicações internacionais.
b) Caso Hatton c. Reino Unido (2003), não violação
do artigo 8º, mas com opiniões dissidentes (nº 20)
A utilização do aeroporto de Heathrow intensificou-se
muito e os recorrentes, que vivem a cerca de 12 quilómetros do aeroporto,
alegam graves dificuldades em dormir e depressão (com necessidades de tomar
medicamentos antidepressivos) em virtude dos voos noturnos, sobretudo no
período do verão, quando está demasiado calor para dormir com as janelas
fechadas. O Tribunal considerou, numa decisão maioritária com votos de vencido,
que não há indícios de que o Reino Unido não tenha tido em consideração os
incómodos de vizinhança causados pelo ruído, não tenha dado oportunidade aos
afetados para se pronunciarem ou recorrerem das decisões, não tenha
desenvolvido esforços para avaliar e mitigar esses incómodos e não ponderado
devidamente a proporcionalidade entre estes incómodos e os benefícios gerais
decorrentes do aeroporto. Pelo contrário, os juízes Costa, Ress, Türmen,
Zupančič e Steiner consideram, contra a maioria do Tribunal, que uma referência
genérica ao “bem-estar económico do país” não é suficiente para justificar a
falha do Estado em salvaguardar os direitos dos recorrentes à proteção do seu
domicílio.
c) Caso Greenpeace c. Alemanha (2009), não
violação do artigo 8º (nº 16)
A associação ambientalista Greenpeace e alguns
particulares pretendem que o Governo Alemão adote medidas de controlo da
qualidade do ar obrigando a pôr filtros nos motores a diesel dos carros, cuja
circulação afeta os seus escritórios, situados junto a um cruzamento rodoviário
muito movimentado. O Tribunal tem dúvidas sobre a qualidade de vítima da
associação e considera que cabe ao Estado, no âmbito da sua discricionariedade
escolher as medidas.
d) Caso Dees c. Hungria (2011), violação do
artigo 8º (nº 6)
Após o aumento dos custos das portagens de uma
autoestrada próxima o tráfego intenso desvia-se e passa a atravessar uma rua
residencial, provocando fumos e ruído que tornam as casas inabitáveis. O
Tribunal reconhece a complexidade das questões jurídicas relativas à gestão de
infraestruturas mas, apesar de todas as medidas tomadas pelas autoridades (como
reduzir o limite de velocidade, construir rotundas, instalar semáforos,
interditar o trânsito a camiões pesados, introduzir um sistema de autocolantes
para reduzir os custos das portagens), considera que tais medidas na prática
não se revelaram suficientes para resolver o problema.
e) Caso Grimkovskaya c. Ucrânia (2011), violação
do artigo 8º (nº 17)
Uma estrada municipal, construída em 1983, é
reclassificada em 1989 como auto-estrada de travessia urbana, passando por uma
rua de casas e jardins. Fumo, pó, contaminação do solo por metais pesados,
ruído, vibrações, são as queixas relativas ao intenso tráfego de pesados que
destruíram o piso da estrada, agravando ainda mais os incómodos. Embora não
tenha ficado definitivamente provado que as doenças de que padecem os moradores
sejam causa necessária do tráfego rodoviário, o Tribunal Europeu considera que
os residentes não tiveram possibilidade de se manifestar suficientemente
durante todo o processo.
f) Caso Bor c. Hungria (2013), violação do
artigo 8º (nº 3)
Os moradores em frente a uma estação de comboios
queixam-se do agravamento das condições de vida desde que, em 1988, a empresa
ferroviária húngara substituiu as máquinas a vapor por máquinas a diesel. O
ruído excedeu o permitido por lei durante 20 anos, sobretudo durante a noite.
Em 2004, o tribunal de primeira instância ordena a construção de uma parede de
insonorização, mas o tribunal de recurso dispensa esta obrigação. Em 2008,
noutro processo, o tribunal decreta o pagamento de uma compensação pela
desvalorização da casa e também um valor para permitir a substituição de
janelas e portas. Também esta decisão é revertida pelo tribunal superior. As
primeiras medidas de controlo do ruído só foram tomadas pelas autoridades em
2010. Em conclusão, o Tribunal Europeu considera que a Hungria falhou no seu
dever de garantir aos recorrentes o direito ao respeito pela sua habitação.
g) Caso Flamenbeaum c. França (2013), não violação
do artigo 8º (nº 12)
O aeroporto de Deauville-Saint-Gatien funciona
desde 1931 e a sua utilização tem vindo a intensificar-se pelo que se pretende
alongar a pista. Os moradores, cujas residências se situam a distâncias entre
500 metros e 2500 metros da pista principal, sofrem o prejuízo do ruído e da
desvalorização da sua propriedade. O Tribunal Europeu reconheceu razão às
autoridades nacionais, que consideram que foi feita uma ponderação adequada dos
interesses públicos e privados.
a) Caso Kyrtatos c. Grécia (2003), não violação do
artigo 8º, com opiniões dissidentes (nº 23)
Os proprietários de uma casa, construída junto a
uma zona destinada à conservação da natureza, alegam que a sua qualidade de
vida foi prejudicada pelas sucessivas construções, ilegalmente autorizadas
pelas autoridades competentes. As construções, que foram gradualmente destruindo
a zona húmida destinada à proteção de peixes, aves e tartarugas marinhas, são
urbanizações, estradas e parques de estacionamento. Apesar de reconhecer a
ilegalidade das autorizações, o Estado considera que há outras formas de dar
cumprimento às decisões judiciais que ordenam a demolição das construções e que
a demolição é a ultima ratio. O
Tribunal Europeu considera que apesar de a invocação do artigo 8º não exigir a
demonstração de danos à saúde ou à vida, ele exige a demonstração da
“existência de um efeito danoso na vida privada ou familiar da pessoa e não uma
simples degradação geral do ambiente”. Considera que seria diferente se se
tratasse da destruição de uma floresta. Votando vencido, o Juiz Zagrebelsky
considera impossível afirmar que a destruição do pântano não causou uma
interferência no domicílio. A interferência pode não ser grave, mas não está em
conformidade com a lei, tal como os tribunais gregos declararam, pelo que é uma
interferência ilegal e, portanto, inadmissível.
b) Caso Borysiewicz c. Polónia (2008), não
violação do artigo 8º (nº 4)
O proprietário de uma casa geminada apresenta
diversas queixas contra o vizinho, que tem uma alfaiataria no outro lado da
casa. Na sequência das queixas, as autoridades ordenam que se façam obras de
insonorização, estudos de impacte ambiental, mas autorizam o funcionamento. O
Tribunal considera que as autoridades tomaram medidas adequadas e que a
ingerência não é desproporcional.
c) Caso Fagerskiold c. Suécia (2008), não
admissível (nº 11)
Os proprietários de uma casa de férias queixam-se
de três torres eólicas, construídas a cerca de 400 metros da sua casa, e que
estão na origem de um ruído mecânico pulsante constante e de efeitos
perturbadores e intrusivos dos reflexos das luzes. Alegam ainda que o valor de
mercado da casa diminuiu. O Estado fez diversas medições e alterações na forma
de funcionamento das turbinas, para reduzir o ruído. O Tribunal Europeu afirma
que o facto de se tratar de uma casa de férias não justifica menor proteção,
mas considera que o nível de incómodo causado pela ingerência não é excessivo e
que o Estado ponderou corretamente os interesses públicos e privados.
d) Caso Furlepa c. Polónia (2008), não violação do
artigo 8º (nº 13)
O proprietário de uma casa alega que a construção
ilegal de uma loja de acessórios e de uma oficina de reparação automóvel, no
lote adjacente de uma zona residencial, violam o seu direito ao domicílio.
Considerando que a mera ilegalidade da atividade não demonstra violação de
direitos humanos e que as autoridades administrativas e judiciais nacionais
tomaram diversas medidas, incluindo ordenar a demolição das construções
ilegais, o Tribunal Europeu declara que o caso não revela quaisquer violações
de direitos ou liberdades estabelecidas na Convenção ou nos Protocolos.
e) Caso Walkuska c. Polónia (2008), não violação
do artigo 8º (nº 35)
Uma suinicultura, localizada a 5 metros de
distância de uma casa de habitação, está na origem de incómodos de vizinhança.
Apreciando as queixas, os tribunais nacionais consideraram que as medidas
adotadas, em conformidade com as condições da licença, foram suficientes para
mitigar os incómodos. Isto bastou para o Tribunal Europeu afirmar que o Estado
cumpriu, tanto do ponto de vista substancial, como do ponto de vista procedimental,
as suas obrigações de proteção do direito ao domicílio.
f) Caso Galev c. Bulgária (2009), não violação do
artigo 8º (nº 14)
Uma clínica de cirurgia dentária, instalada sem
licença numa das frações de um prédio em propriedade horizontal, motivou queixas
da parte dos condóminos que recorrem aos tribunais nacionais sem conseguir
obter qualquer decisão favorável. De igual modo, o Tribunal Europeu considerou
que o recorrente não conseguiu demonstrar que os incómodos atingem níveis
excessivamente elevados.
g) Caso Hardy e Maile c. Reino Unido (2012), não
violação do artigo 8º (nº 19)
Na opinião dos residentes junto a um porto
marítimo, a operação de dois terminais de gás natural liquefeito gera riscos
ambientais, e especialmente marinhos, tão elevados que exigem do Estado uma
avaliação quantitativa do grau de probabilidade de ocorrência de um desastre. O
Tribunal concorda que o artigo 8 pode ser invocado quando os indivíduos estão
expostos a riscos de efeitos danosos de uma atividade, mas considera que não é
exigível que a decisão de autorizar a atividade seja baseada apenas em dados
quantitativos e mensuráveis. A avaliação do risco desenvolvida pelas
autoridades britânicas será suficiente para considerar que foi feita uma
ponderação adequada e que existem, no plano interno, mecanismos de recurso
suficientes para que os cidadãos possam defender os seus pontos de vista.
a) Caso McGinley e Egan c. Reino Unido (1998), não
violação do artigo 8º, com opiniões dissidentes (nº 25)
Enquanto militares destacados na ilha Natal, no
Oceano Pacífico, onde o Reino Unido desenvolveu diversos testes nucleares
atmosféricos entre 1958 e 1967, os recorrentes estiveram expostos a forte
radiação nuclear que terá, segundo relatórios médicos, sido determinante no
desenvolvimento de várias doenças que resultaram na atribuição de pensões de
invalidez de 20%. O Tribunal concorda que o Reino Unido faltou às suas
obrigações processuais ao não fornecer prontamente aos militares toda a
informação sobre os potenciais efeitos adversos para a saúde, o que lhes causou
ansiedade e stress que configuram uma violação do artigo 8º. No entanto decide,
por 5 votos contra 4, não condenar o Reino Unido por violação do artigo 8º, na
medida em que os recorrentes podiam ter recorrido a um tribunal nacional para
exigir os documentos, coisa que não fizeram. Nas suas opiniões dissidentes,
quatro juízes consideram ter havido violação do artigo 8º, na medida em que as
autoridades nacionais omitiram, durante 35 anos, informação de que dispunham
sobre as consequências possíveis dos testes nucleares, sobre a saúde dos
militares e sobre a ampliação dos seus direitos a uma pensão do Estado.
b) Caso Ruano Morcuende c. Espanha (2005), não
violação do artigo 8º (nº 31)
Um transformador de eletricidade que fornece
energia a diversas casas, encostado à parede exterior da casa dos recorrentes,
causa incómodos considerados, pelos moradores, muito significativos. Além da
vibração, alegam igualmente que a radiação eletromagnética torna inabitável a
divisão adjacente ao posto de transformação, que era ocupada pelos filhos. O
Tribunal Europeu não se deixou influenciar pelo facto de a casa ser ocupada
apenas durante 5 meses por ano, mas fundou a sua decisão negativa na
inexistência de elementos de prova, seja dos incómodos, seja dos riscos da
poluição eletromagnética, que, segundo o Governo Espanhol, ainda não estão
suficientemente demonstrados no estado atual da ciência.
c) Caso Giacommelli c. Italia (2007), não violação
do artigo 8º (nº 15)
A atividade visada é uma instalação de armazenagem
e tratamento de resíduos sólidos perigosos, em funcionamento desde 1950, a 30
metros de distância da casa dos recorrentes, e alvo de diversas queixas de
incumprimento das condições da licença e consequente contaminação do solo e das
águas subterrâneas. O Tribunal declara a violação do artigo 8º, em virtude de
as autoridades judiciais italianas não terem conseguido, durante anos,
assegurar qualquer proteção ao queixoso.
d) Caso Di Sarno c. Itália (2012), violação do
artigo 8º (nº 7)
Em 1994, o Estado de emergência é decretado na
região da Catânia em virtude da gestão “praticamente desastrosa da recolha,
tratamento e eliminação de resíduos produzidos em certas partes da província de
Nápoles”. Os recorrentes alegam que a poluição generalizada, causada pelos
resíduos, põe em perigo a sua saúde e que as autoridades não fornecem a
informação devida sobre os riscos que correm. O Tribunal deu razão aos
recorrentes, afirmando a violação do artigo 8º no plano substancial, por considerar
que a justificação do Estado relativamente à alegada força maior não colhia.
e) Caso Kolyadenko c. Rússia (2012), violação
do artigo 8º (nº 22)
Na sequência de um período de pluviosidade muito
elevada, a abertura inevitável, mas inesperada e sem pré-aviso, das comportas
de um reservatório destinado ao abastecimento de água provoca inundações que
destroem uma área residencial com mais de 5000 pessoas. O Tribunal não aceita a
alegação do Estado, de que se tratou de um desastre natural, e considera que as
autoridades falharam no dever de limpar os cursos de água e de desenvolver
medidas de planeamento territorial, para evitar pôr em risco as vidas e
prejudicar o domicílio e a propriedade, de quem reside na zona inundável.
f) Caso Zammit c. Malta (2012), não violação do
artigo 8º (nº 36)
Os recorrentes consideram que o lançamento de
engenhos pirotécnicos, bianualmente, durante as festividades locais, a 150
metros da sua residência, põe em risco a sua vida e a sua saúde. O Tribunal
releva o facto de a casa ter sido adquirida com conhecimento da tradição do
lançamento de foguetes, e não reconhece a violação do direito ao domicílio.
g) Caso Dzemyuk c. Ucrânia (2014), violação do
artigo 8º (nº 9)
A construção de um cemitério, a menos de 300
metros de uma zona residencial, e a 38 metros da casa mais próxima, causou
contaminação grave das águas subterrâneas. Análises feitas à água dos poços,
usados tanto para abastecimento como para rega, revelou níveis de E. coli com valores mais de 2000 vezes
superiores ao permitido por lei. Apesar de as autoridades terem reconhecido a
ilegalidade da localização do cemitério e terem proibido funerais, os enterros
continuam a realizar-se. As decisões favoráveis dos tribunais nunca foram
executadas. Em consequência, o Tribunal Europeu considerou que houve uma
ingerência grave, ilegal e injustificada, no direito ao domicílio dos
recorrentes.
a) Caso Moreno Gomez c. Espanha (2005), violação
do artigo 8º (nº 27)
127 bares e discotecas na zona residencial de
Valência, um dos quais no prédio do recorrente, a funcionar desde a década de
70 estão na origem de problemas de saúde, física e psicológica, dos
recorrentes. Decisões contraditórias das autoridades, reconhecendo por um lado,
que se trata de uma “zona acusticamente saturada”, mas por outro, licenciando
cada vez mais estabelecimentos noturnos, levaram o Tribunal Europeu a declarar
que o ónus da prova dos danos se inverteu, condenando a Espanha por não ter
conseguido evitar a ingerência ilegal e desproporcionada no domicílio dos
moradores.
b) Caso Oluic c. Croácia (2010), violação do
artigo 8º (nº 28)
Um bar, a funcionar durante 8 anos numa casa
geminada, causou danos, medicamente comprovados, na saúde da família que reside
na outra metade da casa. A ultrapassagem dos limites legais e a incapacidade de
fornecer uma solução, seja pela via administrativa, seja pela via judicial,
conduziram o Tribunal Europeu a condenar a Croácia por incapacidade de garantir
o direito do domicílio de forma “prática e efetiva” e não “teorética e
ilusória”.
c) Caso Mileva c. Bulgaria (2011), violação do
artigo 8º (nº 26)
Durante quatro anos, um clube de computadores
funcionou 24 horas por dia, sete dias por semana, num apartamento de um prédio
destinado a habitação. Devido aos problemas de saúde, provocados pelo ruído
(dores de cabeça constantes, insónia, irritabilidade, ansiedade, tensão alta e
taquicardia) os queixosos foram forçados a vender a casa e ir viver noutro
bairro, num apartamento menor. Neste contexto, o Tribunal Europeu considera que
as obras feitas ilegalmente no bar, não são suficientes para justificar uma
condenação por violação do artigo 8º, mas o ruído e vibrações provenientes dos
clientes do bar já o são, não tendo o Estado Búlgaro demonstrado diligência suficiente
na consideração dos interesses em conflito.
d) Caso Udovicic c. Croácia (2014), violação do
artigo 8º (nº 34)
Um bar funciona no piso térreo de uma casa, sendo
o piso superior ocupado por uma família. Apesar das obras de isolamento, o
funcionamento do bar gera ruído excessivo: música, gritos, cantar alto e quebra
de vidros, além de um comportamento agressivo dos clientes do bar, ameaçando os
moradores e urinando em público. O facto de os incómodos do bar se terem
prolongado por mais de 10 anos, tendo a polícia sido chamada a intervir 87
vezes, e tendo sido instauradas 42 ações por quebra da paz e da ordem pública,
justificou a condenação da Croácia pelo Tribunal Europeu, que considerou que
não foram adotadas medidas de proteção suficientes.
a) Caso Tatar c. Roménia (2009), violação do
artigo 8º, com opiniões separadas (nº 33)
No ano 2000, uma mina de extração de ouro e prata,
sofreu um acidente, que conduziu à libertação de 50 a 100 toneladas de cianuros
e metais pesados (bioacumuláveis) que afetaram a Roménia, a Hungria, a Sérvia e
o Montenegro, percorrendo 800 km do rio Danúbio até chegar ao delta, no Mar
Negro. Nos primeiros tempos após o acidente, as autoridades forneceram água
potável em camiões. Em 2004, análises à água subterrânea, revelam que os níveis
de cianeto, zinco e cobre ultrapassam em muito os limites legais. Após o
acidente, volta a ser atribuída uma concessão de exploração a uma nova empresa.
Os residentes a 100 metros da mina alegam que o seu estado de saúde se agravou
depois do acidente e que não houve nem estudos ambientais adequados nem uma
consulta pública que permita a participação dos cidadãos antes da atribuição da
nova concessão. Reconhecendo que a contaminação do solo e da água na sequência
do acidente, atingiu níveis inadmissíveis, o Tribunal Europeu considerou que
toda a população de Baia Mare, incluindo os requerentes, viveram numa angústia
e incerteza acentuadas pela falta de informação das autoridades nacionais sobre
as consequências passadas, presentes e futuras do acidente ecológico e pelo
receio de que um acidente similar volte a ocorrer. No entanto, por falta de
provas médicas, não considerou provada a existência de um nexo causal entre o
agravamento da doença dos requerentes e a exposição às substâncias poluentes.
Exprimindo uma opinião separada da maioria dos juízes, os magistrados Zupancic
e Gyulumyan sublinham, de forma muito incisiva, a necessidade de, no caso dos
“novos riscos”, avaliar a causalidade de forma menos positivista, e mais
baseada em probabilidades estatísticas.
b) Caso Dubetska c. Ucrânia (2011), violação do
artigo 8º (nº 8)
Uma mina de carvão funcionando desde os anos 60, a
100 metros de distância das casas dos recorrentes (construídas em 1933 e 1959),
está na origem de poluição aguda do ar, do solo e da água. Os recorrentes
juntam fotografias recentes da água de cor alaranjada dos poços e de cursos de
água e certificados médicos comprovativos das doenças respiratórias e
oncológicas de que padecem. Reconhecendo a contaminação dos lençóis freáticos,
as autoridades distribuíram, durante algum tempo, água às populações em camiões
e tratores, mas em quantidade insuficiente e com escassa frequência. Decidiram
igualmente realojar os recorrentes sem nunca ter chegado a concretizar a
decisão. Considerando irrelevante o facto de as casas terem sido construídas ou
ocupadas ilegalmente (tal como alegado pelo Estado e negado pelos particulares)
o Tribunal condena a Ucrânia por, durante 12 anos pós a adesão da Ucrânia à
Convenção Europeia, terem permitido que as populações continuassem a viver sem
condições mínimas de salubridade.
c) Caso Ivan Atanasov c. Bulgaria (2011), não
violação do artigo 8º (nº 21)
Uma mina de cobre, atualmente desativada, gerou
mais de 45.000 toneladas de lamas perigosas, contaminadas com cobre, zinco,
cadmio, níquel, cobalto, magnésio e crómio. As lamas estão contidas num tanque,
situado a um quilómetro de uma casa e a quatro quilómetros de terrenos
agrícolas. Comparando com casos anteriores de maior proximidade, o Tribunal
Europeu considera que a distância é considerável, que a poluição do tanque não
resulta de processos industriais ativos, e que não há dados médicos que
indiciem que a morbilidade no local é superior à média ou prejudiquem a
capacidade dos moradores de gozar do seu domicílio.
d) Caso Pino Manzano c. Espanha (2012), não
violação do artigo 8º (nº 29)
Uma pedreira, situada a 200 metros da habitação do
recorrente, em funcionamento 19 horas por dia, entre 1996 e 2005, provoca pó e
ruído diurno e noturno. O Tribunal europeu considerou que o facto de a
atividade ter cessado, não retira aos recorrentes a qualidade de vítimas, uma
vez que sofreram incómodos durante anos, sem qualquer compensação. No entanto,
não condena a Espanha, porque a casa dos recorrentes foi construída ilegalmente
numa zona não residencial e foi objeto de diversas decisões negativas, quando
pediram licença para obras de ampliação, pelo que foram os próprios que se
colocaram voluntariamente numa situação de irregularidade.
A poluição e a
degradação ambiental podem assumir múltiplas formas e diversas intensidades.
Entre a siderurgia que polui o ar, a água e o solo, com metais pesados, durante
mais de 70 anos (caso Bacila c. Roménia, 2010), ou o incómodo do ruído de um
dentista durante 10 anos (caso Galev c. Bulgária, 2009), há uma grande
diferença.
Efetivamente,
nem todas as formas e intensidades de poluição configuram violações do direito
humano à habitação.
Se
considerarmos uma escala crescente de intensidade, teremos, num extremo da
escala, a poluição que prejudica apenas os componentes ambientais, sem que os
prejuízos humanos sejam imediatamente percetíveis e, no outro extremo, a poluição
que põe em causa a vida ou afeta gravemente a saúde das pessoas.
Danos
ecológicos |
Danos à
habitação |
Danos à saúde |
Danos à vida |
É ao primeiro
extremo da escala que o Tribunal Europeu alude quando afirma, recorrentemente,
que não existe proteção autónoma do “direito ao ambiente” em si mesmo (casos
Apanasewicz c. Polónia, 2011; Hatton c. Reino Unido, 2003; Flamenbeaum c.
França, 2013; Kyrtatos c. Grécia, 2003 etc.).
Por isso,
perdas de qualidade ambiental que poderiam ser consideradas internamente, segundo
as Constituições dos Estados, como violações do direito fundamental ao
ambiente, no contexto do sistema de proteção de Estrasburgo só serão objeto de
análise, na medida em que os incómodos ambientais atinjam um grau tal, que
passa a configurar uma infração a outros direitos humanos consagrados na
Convenção. Por ordem crescente de gravidade referimos o direito ao domicílio, o
direito à saúde ou o direito à vida.
Na realidade, como o Tribunal afirmou desde o primeiro momento (caso Lopez
Ostra c. Espanha, 1994 §51; Guerra c. Itália, 1998 §60), e mantém até hoje,
para estarmos perante uma violação do direito ao domicílio, não é preciso
chegar ao extremo da escala de intensidade que prejudica ou põe em perigo a
vida humana ou sequer a saúde. Nas palavras do Tribunal, no caso Lopez Ostra,
“naturalmente, poluição ambiental severa pode afetar o bem-estar dos indivíduos
e impedi-los de disfrutar dos seus domicílios de tal forma que afeta
adversamente a sua vida privada e familiar sem, contudo, pôr seriamente em perigo
a sua saúde”.
Este
entendimento de que basta uma interferência no direito a usufruir serenamente
do seu direito à habitação, não se exigindo danos à saúde, corresponde a uma
justíssima interpretação, não só porque o que está em causa é o direito à habitação
e não o direito à vida ou à saúde, como porque as dificuldades na obtenção da
prova dos danos à saúde têm conduzido a verdadeiros paradoxos de desproteção
jurídica. Aliás, é recorrente vermos descritas, nos acórdãos do Tribunal
Europeu dos Direitos do Homem, as enormes dificuldades enfrentadas pelos
recorrentes na prova do seu estatuto de vítima. Vejamos alguns exemplos.
No caso
Udovicic c. Croácia, 2014, para contestar as queixas de ruido proveniente de um
bar licenciado num apartamento de um prédio, o Estado diz que o barulho do bar
não é muito significativo porque a própria rua já é muito barulhenta,
nomeadamente em virtude do trânsito.
No caso
Grimkovkaya c. Ucânia, 2011, as autoridades alegam que a culpa do ruido não é
sua, mas dos condutores e utentes da estrada, além de que há outras fontes de
ruído, além da estrada, como uma mina de carvão próxima.
Nos casos caso
Tatar c. Roménia, 2009 e Smaltini c. Itália, 2015, quando são apresentados
estudos epidemiológicos que demonstram incidências de doenças (cutâneas,
digestivas, respiratórias, oncológicas etc.) e índices de morbilidade
substancialmente mais elevados no local de residência do que no restante
território, o Estado alega que faltam dados médicos que estabeleçam com
clareza, no caso concreto, o nexo de causalidade entre a atividade poluente e a
doença do queixoso.
Quando tais
exames médicos específicos são apresentados, como no caso Fadeyeva c. Rússia,
2005, o Estado alega que a doença pode ser de origem laboral, na medida em que
o queixoso contacta igualmente com as referidas substâncias também no local de
trabalho. Ora, quando a vítima tem simultaneamente o estatuto de vizinho,
residindo nas proximidades da fonte de emissões poluentes, e de trabalhador
na instalação poluente, não devia ter maiores dificuldades em obter proteção
pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem. O risco de que uma doença seja
rotulada como “ocupacional” e não “habitacional”, leva a que seja menos difícil
quem seja apenas vizinho provar a sua
qualidade de vítima, do que quem seja duplamente
vítima, vizinho e trabalhador.
Este é o
círculo vicioso da prova do dano, que redunda numa injustiça chocante, que
resulta da inexistência de um direito humano autónomo ao ambiente.
Sendo assim,
que tipo de ingerências ambientais é que geram violação do direito à habitação?
Os incómodos ambientais que se fazem sentir dentro de casa (com ou sem reflexos
na saúde, mas seguramente com reflexos no bem-estar) e que prejudicam o direito
a usufruir da sua habitação, podem ser de diversos tipos, mas são sobretudo as
emissões poluentes que afetam as habitações, incluindo quintais, jardins ou
logradouros (caso Apanasewicz c. Polónia, 2011).
Ora, as
emissões poluentes ¾ denominadas externalidades ambientais negativas,
pela ciência económica ¾ podem ser súbitas ou progressivas,
consoante se trate de uma degradação ambiental aguda, que ocorre quase
instantaneamente, ou de uma degradação gradual, que demora algum tempo a
manifestar-se. Exemplos de violações (ou riscos de violação) súbita do direito
à habitação são as que decorrem do desencadeamento de processos acidentais
incontrolados[8]
como por exemplo inundações súbitas (caso Koliadenko c. Rússia, 2012)
detonamentos (caso Guerra c. Itália, 1998), explosões (caso Zammit c. Malta,
2012), ruturas de tanques (caso Ivan Atanasov c. Bulgária, 2011), ou fugas de
gás e incêndio (Hardy e Maile c. Reino Unido, 2012). Exemplos de violações
graduais do direito à habitação, são as associadas a emissões sólidas, líquidas
ou gasosas, afetando a atmosfera (casos Lopez Ostra c. Espanha 1994; Bacila c.
Roménia 2010), a litosfera (Dzemyuk c. Ucrânia, 2014), a hidrosfera (Dubetska
c. Ucrânia, 2011), ou a biosfera (Caso Apanasewicz c. Polónia, 2011). Podem
também ser emissões de ondas mecânicas causando ruído ou vibração (caso Moreno
Gomes c. Espanha, 2005; Dees c. Hungria, 2011; Grimkovskaya c. Ucrânia, 2011;
Bor c. Hungria, 2013; Hatton c. Reino Unido, 2003), ondas eletromagnéticas,
luminosas ou hertzianas (Fagerskyond c. Suécia 2008; Ruano Morcuende c. Espanha
2005) ou emissões radioativas (McGinley c. Reino Unido, 1998).
Na generalidade
dos casos, as emissões poluentes fazem sentir-se de forma mais grave
localmente, junto à fonte emissora[9], e vão-se desvanecendo ou
diluindo e sendo menos percetíveis gradualmente à medida que nos afastamos
dela. Este fenómeno é uma manifestação da primeira
lei da geografia, enunciada por Waldo Tobler, segundo a qual “todas as
coisas estão relacionadas com todas as outras, mas coisas próximas estão mais
relacionadas do que coisas distantes“[10]. É também este fenómeno
que explica que o afastamento preventivo seja uma forma de, através do
ordenamento do território, se mitigarem os efeitos nocivos das atividades
poluentes.
É assim que a
delimitação de zonas tampão e a
proibição de assentamentos humanos no entorno de instalações geradoras de
incómodos ou riscos significativos é uma medida básica de proteção contra a
poluição (caso Dubetska c. Ucrânia, 2011).
No entanto,
esta prática nem sempre é seguida, sendo frequente a ocorrência de aglomerados
habitacionais que se desenvolvem demasiado próximo de uma atividade poluente.
No caso Fadeyeva c. Rússia, 2005, por exemplo, foi definida uma “zona de
segurança sanitária” mas dentro da qual residiam… 6000 trabalhadores. No caso
Moreno Gomez c. Espanha em 2005, o Município declara toda uma zona residencial
da cidade de Valência como “acusticamente saturada” mas continua a licenciar
mais estabelecimentos de diversão noturna.
Quando isto
acontece, há um conjunto de pessoas ¾ os vizinhos ambientais[11] ¾ que estão mais expostas do que as
restantes, aos efeitos nocivos ou aos riscos das atividades poluentes. Por
outras palavras, as externalidades ambientais criam situações de desigualdade
na distribuição territorial dos riscos, na medida em que as populações mais
próximas da atividade emissora são mais oneradas pela poluição do que a
população em geral. A isto chamamos (in)justiça territorial[12].
Neste sentido,
o problema jurídico que está em causa na jurisprudência do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem que aplica o artigo 8º relativo à proteção do domicílio, é o
princípio da igualdade na distribuição de encargos das atividades económicas
que beneficiam todos, mas oneram alguns mais do que a generalidade da
população. São atividades que beneficiam os trabalhadores, porque criam
emprego; beneficiam a região e o país, porque geram desenvolvimento económico;
beneficiam os consumidores, pelos produtos e serviços que colocam no mercado;
mas oneram os vizinhos mais próximos,
que amiúde suportam uma fatia desproporcional dos incómodos, quando a poluição
é tão elevada que configura uma violação do direito à habitação, ou até do
direito à saúde e à vida.
Essa violação
pode ser direta ou indireta, por ação ou por omissão, consoante o Estado esteja
na posição de operador, administrador, gestor, financiador, acionista,
concessionário, licenciador, auditor, certificador, garante, segurador ou
fiscalizador. A responsabilidade do Estado decorre de levar a cabo, autorizar,
financiar, tolerar ou não supervisionar atividades que gerem ou agravem riscos
ambientais atuais ou potenciais ou atividades que mantenham as emissões
poluentes durante períodos suficientemente longos para causar degradação
ambiental significativa e perda de qualidade ambiental na habitação.
Em suma, o
Estado pode surgir, ele próprio, como “dono da obra”, quando está em causa uma
atividade desenvolvida diretamente por organismos públicos que detêm um poder
fático sobre as condições de funcionamento da atividade nociva para o ambiente.
Na maior parte dos casos, todavia, o Estado está no papel de garante do
equilíbrio entre interesses públicos e privados, limitando-se a regulamentar,
fiscalizar e sancionar o funcionamento de atividades privadas ambientalmente
incómodas. Estas são as obrigações às quais o Tribunal Europeu chama
“negativas” (configurando um dever de abstenção) ou “positivas” (impondo um
dever de ação)[13].
Em todas as
decisões sobre o direito ambiental na habitação ¾ seja sobre a localização, sobre o grau de
afetação do direito do particular, sobre a adoção de medidas de mitigação ou
sobre a ponderação e justificação do interesse público da atividade ¾ há uma dimensão substancial e uma dimensão procedimental.
Substancialmente, a administração do Estado e os tribunais
nacionais apreciam, tanto no plano objetivo como no subjetivo, a gravidade do
incómodo.
Objetivamente, avaliam o tipo e a intensidade das emissões. A
mensurabilidade da intensidade depende do tipo de emissões: se for ruído, será
medido em decibéis; se forem emissões líquidas, gasosas ou partículas, será em
miligramas, mililitros ou partes por milhão, distinguindo as medições consoante
seja de dia ou de noite; com janelas abertas ou com janelas fechadas; um tempo
de permanência mais longo ou mais curto etc..
Subjetivamente, avaliam o grau de sensibilidade individual
àquele incómodo: se se trata de uma pessoa saudável ou doente, se se trata de
uma pessoa jovem ou idosa, se é uma pessoa particularmente sensível àquele
fator de incomodidade que a torna mais suscetível de desenvolver outras
patologias, nomeadamente patologias do sono ou do foro neurológico (Oluic c.
Croácia, 2010; Ivan Atanasov c. Bulgária, 2011).
Procedimentalmente, desenvolvem as diligências necessárias à escolha
informada da localização, ao apuramento, com consulta prévia, do grau de
afetação, à escolha participada das medidas corretivas, à ponderação
democrática de vantagens e encargos da atividade. O Tribunal considera que a
Convenção não impõe regras procedimentais aos Estados. No caso Walkuska c.
Polónia, 2008, o Tribunal afirma que pode ter sido realizada uma ponderação
adequada, mesmo sem ter levado a cabo uma avaliação qualitativa dos efeitos
sobre a habitação.
No entanto, o
Tribunal considera também que são exigidos determinados procedimentos mínimos,
que envolvam a realização de estudos ou auditorias para aferição dos incómodos
ambientais, que mostrem que as perceções subjetivas foram tomadas em
consideração nos procedimentos autorizativos, inspetivos, corretivos ou
sancionatórios, e que permitam a audição de todas as partes interessadas em
diferentes etapas dos procedimentos.
No caso
Grimkoskaya c. a Ucrânia 2011, o Tribunal chega a afirmar expressamente que
decide tendo em consideração a Convenção de Aarhus sobre acesso à informação,
participação e acesso à justiça em matéria ambiental.
A
discricionariedade dos Estados existe tanto nas decisões substanciais como nas
procedimentais. No entanto, tal como o Tribunal já teve ocasião de afirmar (por
exemplo, no caos Hatton c. Reino Unido, 2003), quanto maior for a
discricionariedade do Estado na dimensão substancial, menor será na
procedimental. Ou seja, se a atividade causa incómodos notórios e não são
feitas diligências aturadas para a sua mensuração, avaliação ou ponderação,
então as vítimas deverão ter múltiplas oportunidades de se pronunciar, de
apresentar queixa ou de impugnar judicialmente as decisões.
Pelo contrário,
se forem feitas diversas diligências, como medições, sondagens, testes,
análises e estudos, destinados a avaliar o grau de afetação e a apurar as
condições de perturbação, então a existência de múltiplas instâncias de audição
e oportunidade de participação das vítimas poderá não ser tão essencial.
Se, numa
análise substancial, não foi possível concluir pela violação, baseado no
argumento de que o Estado tem uma significativa margem de manobra quanto à
apreciação da correção da localização, quanto à suficiência das medidas de
minimização ou quanto à necessidade de desenvolver a atividade, numa sociedade
democrática, o Tribunal passa à análise da medida em que os requisitos
procedimentais foram observados. Primeiro, se houve investigações e estudos suficientes
para prever com antecipação os efeitos das atividades em causa de forma a poder
ponderar conscientemente as vantagens e os inconvenientes da atividade. Depois,
se houve acesso do público aos referidos estudos e informações que lhe
permitissem avaliar o perigo a que estavam expostos. Em seguida, se os
particulares tiveram oportunidade de se pronunciar durante o processo de tomada
de decisão e se as suas opiniões foram suficientemente tidas em consideração
durante esse processo; por fim, se as alegadas vítimas tiveram oportunidade de
recorrer aos tribunais nacionais, para que eles profiram decisões justas e
efetivas, em tempo útil.
Sintetizando,
na construção jurisprudencial do Tribunal, há um conjunto de obrigações,
simultâneas ou sucessivas, dos Estados:
·
Criar
um enquadramento legislativo adequado para atividades suscetíveis de causar
incómodos ambientais na habitação.
·
Desenvolver
uma atuação administrativa coerente que siga os passos de autorização da
atividade, de licenciamento da localização e funcionamento da instalação,
licença de exploração, vigilância e fiscalização das condições de laboração.
·
Adotar
medidas adequadas e eficazes, baseadas em inquéritos e estudos apropriados.
·
Facultar
o acesso e divulgar informações que permitam aos cidadãos compreender os riscos
aos quais estão expostos.
·
Criar
oportunidades de participação para que os cidadãos possam exprimir os seus
interesses, preocupações e observações e para que estes sejam tidos em
consideração nos processos decisórios.
·
Ponderar
os interesses em conflito fazendo um justo equilíbrio entre interesses públicos
e privados.
·
Criar
meios de recurso judicial e extrajudicial contra leis, regulamentos, atos ou
omissões administrativas.
Simetricamente,
há um conjunto de momentos em que a discricionariedade dos Estados prevalece e
a separação de poderes impera:
·
Na
apreciação da localização da atividade nociva (decisões de planeamento e de
ordenamento do território, como no caso Hatton c. Reino Unido, 2003)
·
Na
apreciação do grau de afetação do direito a usufruir/disfrutar da habitação. O
Estado está mais bem posicionado para dizer se se trata de uma perturbação
significativa ou não significativa do imóvel.
·
Na
decisão sobre as medidas a adotar na origem para evitar, corrigir, sancionar os
incómodos atuando sobre a “fonte emissora”, como por ex. reduzindo os
valores-limite legais de emissões, alterando horários de funcionamento, impondo
condições de funcionamento ou aplicando sanções.
·
Na
decisão sobre as medidas a adotar ao nível do recetor para evitar, corrigir ou
compensar os incómodos atuando sobre a vítima, como por ex. apoio na introdução
de melhoramentos na casa, financiamento da mudança de habitação, atribuição de
uma compensação pelo incómodo.
·
Na
decisão sobre a ponderação dos interesses privados ou públicos em conflito,
subjacentes à atividade nociva em causa, considerando, por um lado, como
proporcionada ou desproporcionada a relação de forças e o peso relativo dos
valores, e, por outro lado, os interesses privados afetados pelos incómodos da
atividade.
Na realidade, o
percurso pela jurisprudência deixou bem patentes os pontos fracos da proteção
jurídica das condições ambientais da habitação nos Estados membros. Os
contornos dos casos que chegam a Estrasburgo, depois de percorrer complexos
trilhos judiciais e extrajudiciais dentro do labirinto da justiça Estadual,
impressionam. São milhares de afetados, a lutar durante décadas, até conseguir
ganhar o direito de tentar demonstrar, perante o Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem, primeiro, a gravidade da ingerência na habitação e depois, a absoluta
insuficiência das medidas preventivas, remediatórias, compensatórias ou
sancionatórias, adotadas, decretadas, anunciadas ou apenas prometidas pelos
poderes públicos.
A partir da
análise dos julgados, conclui-se que, a despeito da ausência de uma proteção
ambiental autónoma, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem extrai do direito
à habitação a proteção a aspectos ambientais correlacionados e, em adição,
adota uma postura de defesa em favor dos agentes privados face ao Estado, tanto
de um ponto de vista material relativo à intensidade da ingerência e seu
impacto, quanto de um ponto de vista procedimental pela imposição de parâmetros
mínimos de atuação, ligados à postura diligente.
Sem prejuízo da
postura de contenção do Tribunal, compreende-se que a adoção de certas posturas
precautórias pelo Estado teria evitado o cometimento de danos ao direito à
habitação, a tutela ressarcitória e os respectivos custos processuais. Deste
estudo jurisprudencial deve extrair-se uma lição: a seriedade das injustiças
territoriais ¾ populacionalmente tão alargadas e temporalmente
tão prolongadas ¾ que decorrem da violação do direito ambiental à
habitação, exige novos instrumentos jurídicos mais eficazes, prospetivos e não
reativos, que reflitam novas abordagens, preventivas e não reparatórias[14].
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Zammit Maempel v. Malta, n. 24202/10, julgado em 22 nov. 2011.
Recebido em: 14 mar. 2020.
Aceito em: 13 out. 2020.
[1] Artigo
65: “1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de
dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a
intimidade pessoal e a privacidade familiar“.
[2] Artigo
11, n.º1 “Os Estados-Signatários no presente Pacto reconhecem o direito de toda
a pessoa a um nível de vida adequado para si e sua família, incluindo
alimentação, vestuário e habitação adequados e a uma melhoria contínua das suas
condições de vida. Os Estados Signatários tomarão medidas apropriadas para
assegurar a efectividade deste direito, reconhecendo para esse feito, a
importância essencial da cooperação internacional baseada no livre
consentimento”.
[3] Artigo
8º 1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar,
do seu domicílio e da sua correspondência. 2. Não pode haver ingerência da
autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência
estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade
democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança
pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção
das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos
direitos e das liberdades de terceiros.
[4] Artigo
25, n.º1 1: “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe
assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à
alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto
aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na
doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios
de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.”
[5] Artigo
34, n.º3: “3. A fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União
reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à
habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que
não disponham de recursos suficientes, de acordo com o direito comunitário e as
legislações e práticas nacionais”.
[6] Exemplarmente
veja-se o acórdão Urgenda (disponível em https://www.urgenda.nl/wp-content/uploads/ECLI_NL_GHDHA_2018_2610.pdf),
proferido pelo Tribunal de Recurso de Haia em 2018, que fundamenta a condenação do Governo dos
Países Baixos por insuficiente proteção climática, nos artigo 2º e 8º da
Convenção Europeia.
[7] E sem
que isso signifique que o recorrente perdeu a qualidade de vítima, como refere
o Tribunal nos casos Bor contra Hungria (2013), Ivan Atanasov contra Bulgária
(2011) ou Pino Manzano contra Espanha (2012).
[8] A Diretiva 2012/18/UE de 4 de julho de 2012, relativa ao controlo dos perigos associados a acidentes
graves que envolvem substâncias perigosas, define acidente grave como “um
acontecimento, como uma emissão, um incêndio ou uma explosão, de graves
proporções, resultante de desenvolvimentos não controlados durante o funcionamento
de um estabelecimento abrangido pela presente diretiva, e que provoque um
perigo grave, imediato ou retardado, no interior ou no exterior de um
estabelecimento, para a saúde humana ou para o ambiente, e que envolva uma ou
mais substâncias perigosas” (artigo 3º n.13).
[9] Com
exceção dos gases que se dissipam rapidamente na atmosfera causando danos à
escala planetária, como os gases com efeito de estufa e os gases que destroem a
camada de ozono.
[10] Waldo Tobler, “A Computer Movie Simulating Urban Growth in
the Detroit Region“, Economic Geography
Vol. 46, Supplement: Proceedings. International Geographical Union. Commission on
Quantitative Methods, June 1970, pp. 234-240.
[11] Na aceção
de Gomes Canotilho em Relações
jurídicas poligonais, ponderação ecológica de bens e controlo judicial
preventivo Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 1, 1994. p.
55-66.
[12] Alexandra Aragão, “O mapeamento dos serviços culturais dos
ecossistemas e a deteção de injustiças territoriais”, in: As infraestruturas de dados espaciais e outras ferramentas de apoio a
uma decisão justa, Alexandra Aragão (coord.), Instituto Jurídico, Coimbra,
2018, p. 105-118.
[13] §3,
página 8 do Guide of the Directorate of the Jurisconsult
of the Council of Europe on Article 8 of the European Convention on Human
Rights. Right to respect for private and
family life, home and correspondence, Strasbourg, 2018.
[14] Alexandra
Aragão, “Ensaio sobre a prospetividade
no Direito Administrativo do Ambiente. A protecção jurídica do futuro”, in: Conferências
| Direito Administrativo Fezas Vital e Rogério Soares - Cadernos do
Centenário do Boletim da Faculdade de Direito, Instituto Jurídico, 2016, p.
93-128.