Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7), Ceará
RESUMO: O presente artigo trata da aplicabilidade dos princípios e requisitos da responsabilidade civil diante do descumprimento de dever familiar, proveniente do casamento, da união estável e da relação entre pais e filhos. Faz-se uma análise da evolução desse tema e se aclaram os equívocos da resistência inicial à aceitação da responsabilidade civil nas relações familiares até chegar na forma como o tema tem sido reconhecido pela jurisprudência brasileira. No desenvolvimento do artigo é destacada a importância do preenchimento dos requisitos ou pressupostos da responsabilidade civil, com base na Parte Geral do Código Civil de 2002 (art. 186), assim como do fundamento da responsabilidade subjetiva, que é a culpa. Também é salientado que o dano moral, na maioria das vezes, resulta de ofensa aos direitos da personalidade dos entes familiares envolvidos e não pode ser resultado da mera falta de afeto, já que esse sentimento não constitui dever ou direito. Conclui-se que os princípios da responsabilidade civil são aplicáveis sempre que estejam presentes o descumprimento de dever familiar, o dano moral ou material e o nexo causal entre a violação de dever familiar e os danos.
PALAVRAS CHAVE: Direito
de família. Responsabilidade civil. Casamento. União estável. Código Civil Brasileiro.
ABSTRACT: This article deals with the
principles and requirements applicability of civil liability in face of
noncompliance with family legal duty, arising from marriage, stable union and
the relations between parents and children. Analysing the evolution of this
theme is made and the misunderstandings of the initial resistance to the
acceptance of civil liability in family relationships are clarified until it
reaches the way in which the theme has been recognized by Brazilian
jurisprudence. In the development of the article, the importance of fulfilling
the requirements or assumptions of civil liability, based on the General Part
of the Civil Code of 2002 (art. 186), as well as the basis of subjective
liability, which is guilt. It is also emphasized that moral damage, in most
cases, results from an offense to the personality rights of the family members
involved and cannot be the result of a mere lack of affection, since this
feeling is not an obligation or a right. It concludes that the principles of
civil liability are applicable whenever the breach of family legal duty, moral
or material damage and the causal link between the violation of family legal
duty and damages are present.
KEYWORDS: Family law. Civil liability. Marriage. Union Stable. Brazilian Civil Code.
A aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações de família, cuja aceitação no passado sofria resistência, teve grande evolução nas três últimas décadas no Direito Brasileiro.
A evolução dessa matéria deveu-se muito mais ao trabalho da doutrina, que apoiou a jurisprudência, do que à legislação propriamente dita.
Após interpretação doutrinária, acolhida na jurisprudência desde a década de 2000, de que a regra geral sobre ato ilícito, constante da Parte Geral do atual Código Civil (art. 186), aplica-se ao Livro do Direito de Família, sendo indenizáveis os danos acarretados nas relações familiares, a legislação passou a prever somente no ano de 2019, expressa e amplamente, que os danos morais e materiais decorrentes de violência doméstica são indenizáveis.
Portanto, a grande vitória brasileira é a proteção que os Tribunais, com base doutrinária interpretativa da regra geral da responsabilidade civil, dão aos familiares há duas décadas, em caso de danos morais e materiais nas mais diversas hipóteses, tutela que, saliente-se, é realizada sem ativismo judicial e com acatamento das regras de hermenêutica.
Quando se trata da relação entre Direito e Moral, é utilizado recurso didático de representação em forma de círculos a coincidir ou não.
Uma das teorias é a que Miguel Reale intitula de “Teoria do Mínimo Ético”, em que todo o Direito está contido no círculo da Moral, de modo que se entende ser o Direito coincidente com a Moral[1]. Essa teoria aplica-se ao Direito de Família, inobstante não possa ser utilizada em todos os ramos do Direito. Pode-se concluir que os dois círculos, da Moral e do Direito de Família, são concêntricos, como a seguir desenhado.
Outra teoria é a dos círculos secantes, que Miguel Reale apresenta como correspondente à concepção real[2]. Nesta teoria, embora centrados em pontos diferentes, há um campo de intersecção entre o Direito e a Moral. É neste espaço em que ambos coincidem que o Direito de Família deve estar localizado.
Essas simbolizações gráficas demonstram que no Direito de Família as suas normas estão repletas de moralidade. É nos espaços comuns à Moral e ao Direito que se situa o Direito de Família, que se inspira nos conceitos morais, formando com a Moral círculos concêntricos.
Por isso a moralidade das relações familiares deve estar presente em todas as formas de expressão do Direito de Família: a lei, a doutrina e a jurisprudência.
Na Moral e no Direito reside a firme ideia de que o descumprimento de dever familiar, seja oriundo do casamento ou da união estável, seja decorrente da relação entre pais e filhos, ao gerar danos morais e materiais ao ofendido necessita de reparação.
No entanto, não nos podemos olvidar que um dever moral, quando descumprido, recebe sanções somente no plano da consciência de quem lesa e reprovação dos pares sociais, e, quando se trata de dever jurídico, seu descumprimento leva a aplicação de sanções previstas no ordenamento legal. Entre estas sanções jurídicas destaca-se a aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações de Família, que é o tema deste artigo.
Muito embora estejam superadas as resistências na
aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações familiares,
historicamente é de recordar que havia uma visão de que essas relações seriam voltadas a um regime de exceção ou de
imunidade, de modo que a violação dos deveres do casamento, assim como dos
deveres oriundos de outras relações de família, não deveria originar a
condenação daquele que praticava ato ilícito[3].
Segundo essa visão, a paz e a harmonia familiar seria perturbada se um familiar tivesse de reparar os danos causados ao outro. Na doutrina argentina da época encontramos argumentos que eram usados ao redor do mundo, inclusive no Brasil: seria indigna a pretensão de lucro com a própria desonra[4] e a reparabilidade de danos daria margem a propósitos de vingança e lucro e resultaria difícil a avaliação das causas de divórcio que verdadeiramente acarretassem danos morais[5].
Especialmente em matéria de casamento dizia-se que as relações conjugais teriam natureza íntima, que não poderia ser devassada num processo judicial, de modo que o cônjuge deveria tolerar as agressões que lhe viessem a ser praticadas, inclusive porque questões triviais não deveriam ser levadas ao Tribunal.
Essa visão era justificada pelos costumes da época em que a paz ou harmonia familiar deveria ser mantida mesmo que por meio de ficção jurídica, de modo a ser evitada a dissolução conjugal. Entendia-se que os desgostos e as humilhações deveriam ser cuidadosamente sopesados antes do divórcio, passo transcendental na vida, de forma que a aceitação da indenizabilidade avalizaria o permissivismo divorcista que invadia a sociedade. E, ainda, dizia-se que o Direito Penal já preveria as punições atinentes aos ilícitos praticados na esfera familiar, assim como que o sistema do divórcio já comportaria as medidas adequadas.
Porém, a reparabilidade dos danos causados em relações familiares passou a ser acolhida não para endossar o permissivismo divorcista ou o espírito de emulação, mas, sim, para oferecer a justa indenização a quem sofre danos morais e materiais numa relação familiar.
Efetivamente, a paz ou harmonia já se encontra perturbada quando ocorre a violação de deveres familiares; estes deveres têm natureza jurídica e não somente moral, de modo que diante de seu descumprimento cabe a aplicação de sanção; todas as relações familiares são íntimas, assim, esse argumento impediria qualquer ação judicial entre membros de uma família, como uma ação de alimentos ou de guarda e visitação de filhos incapazes; a ninguém é permitido violar direito da personalidade, de modo que a ninguém pode ser imposta a tolerância face ao descumprimento de dever familiar; as questões triviais não geram danos indenizáveis e a litigância abusiva deve ser combatida; o direito penal tem instrumentos que não reparam todos os danos acarretados por violação a dever numa relação familiar; e o regime do divórcio não é suficiente, já que a sanção da perda do direito a alimentos prevista a quem descumpre dever conjugal não tem natureza reparatória[6].
Por essas razões, no Direito de Família brasileiro está superada aquela visão, aplicando-se em todas as relações familiares os princípios da responsabilidade civil. Aqui, vale a pena observar que a corrente que tenta, após essa superação, impedir a aplicação dos princípios da reparação de danos, defende a desjuridicização da família, inclusive com alcance amplo e além do tema deste artigo. Como alerta Ursula Basset, somente a partir de uma família “des-familiarizada” e “individualizada” poder-se-ia conceber a sua irrelevância jurídica[7], ideia esta que é despregada da realidade e que, no Brasil, não tem a guarida jurisprudencial.
Afinal, a vida em sociedade, em especial em seu núcleo essencial que é o familiar, precisa de organização nas relações entre as pessoas, sendo essa ordem realizada pelo Direito, que é o “conjunto ordenado de princípios e regras tendentes a viabilizar a vida em sociedade”, como ensina Carlos Alberto Bittar. Assim, em face das exigências naturais da vida em família, diante de uma ação lesiva a um direito, surge a possibilidade de reparação dos danos acarretados ao lesado para restabelecer o equilíbrio pessoal e familiar rompido[8].
Há de ser lembrado, neste passo, Boris Starck, em pensamento atualíssimo, que, expressado nos idos da primeira metade do século passado, deve ser resgatado para que não seja perdido num mar de supostas inovações sem base jurídica:
O direito não encontra razão de ser nele mesmo: não é uma matemática abstrata ou uma metafísica. Nenhuma concepção jurídica, por mais elevada que seja, por mais nobre que seja o sentimento que a anima, tem valor se perder o contato e o controle das realidades existentes. O direito é uma ciência natural. Sua missão é coordenar, num sistema logicamente aceitável e tecnicamente utilizável, os dados da vida social, isto é, as necessidades econômicas, os imperativos morais, a aspiração de justiça (tradução nossa)[9].
Até a década de 1990, era incipiente a aplicação da responsabilidade civil nas relações de família, com poucos acórdãos sobre o tema, como examinado em tese de doutoramento apresentada no ano de 1998, perante a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em defesa dessa aplicabilidade[10].
As indevidas resistências à aplicação do instituto da responsabilidade civil nas relações familiares estão vencidas no Direito Brasileiro, tendo sido proferido relevante número de acórdãos com o seu acolhimento após a necessária sistematização doutrinária da matéria.
As Cortes Superiores e os Tribunais estaduais, a partir da década de 2000 apresentam crescente aplicação do instituto, em inúmeros julgados, como se verá em cada capítulo deste artigo.
No Direito Brasileiro, tanto sob a vigência do Código Civil de 1916 (art. 159), como sob o Código Civil de 2002 (art. 186), é na Parte Geral desse Diploma Legal que se encontra o fundamento da responsabilidade civil.
Na conformidade dessa regra geral sobre o ato ilícito, que consta do art. 186 do Código Civil vigente: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar prejuízo a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Já que essa regra geral está na Parte Geral do Código Civil, sua aplicabilidade existe em todos os Livros desse Diploma Legal, inclusive ao Livro do Direito de Família.
Esse é o fundamento da condenação do membro de uma família no pagamento de indenização a outro membro da família pela prática de ato ilícito.
Tendo em vista a natureza contratual do casamento e da união estável, que se formam e se desfazem por atos de vontade, mesmo diante da solenidade que deve permear a constituição e a dissolução do casamento, entende-se que a responsabilidade civil nessas relações é do tipo contratual. Neste trabalho, adota-se a corrente contratual.
Não há, no entanto, consenso na doutrina acerca da natureza do casamento. Acerca desta natureza, existem três correntes no direito brasileiro que buscam defini-la: a contratual, a institucional e a eclética[11].
E nas relações entre pais e filhos a responsabilidade civil enquadra-se como extracontratual.
Mas, sempre, o fundamento é a culpa em sentido largo, ou seja, o dolo, que é a vontade deliberada de causar dano, e a culpa em sentido estrito, configurada na negligência, na imprudência e na imperícia.
Na maior parte das vezes, o dolo fundamenta a aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações de família, já que, a título de exemplo, um cônjuge não é infiel por imperícia, ou agride moral ou fisicamente seu consorte por negligência, ou abandona o filho por imprudência, ou pratica a alienação parental do outro genitor por culpa em sentido estrito.
No entanto, a culpa em sentido estrito também deve ser considerada, havendo casos de inexistência de dolo, ou seja, vontade deliberada de causar o prejuízo, em que é perfeitamente cabível a aplicação dos princípios da responsabilidade civil, pela existência de culpa em sentido estrito, como é o caso da mulher que atribui a paternidade ao marido, inclusive pela norma da presunção legal da relação de filiação (CC, art. 1.597, I), tendo tido relações sexuais com outro homem no período fértil[12]. É evidente que, se uma mulher tem relações sexuais com dois homens no mesmo período fértil, deve levantar a dúvida sobre a paternidade, sendo culposa a atribuição da paternidade ao marido antes da realização de exame de DNA.
Em suma, a responsabilidade civil nas relações de família enquadra-se como responsabilidade subjetiva, que não prescinde da apuração da culpa, conforme a regra geral constante do art. 186 do Código Civil.
Portanto, não se trata de responsabilidade objetiva, espécie em que não se examina a culpa, bastando uma ação ou omissão (culposa ou não culposa), o nexo causal e o dano, porque este tipo de responsabilidade deve estar expressamente prevista em norma legal específica ou ser resultado da atividade perigosa do agente, como estabelece o art. 927, parágrafo único do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”.
A consciência no descumprimento de dever conjugal, que é o discernimento no comportamento culposo é elemento essencial da responsabilidade civil. Desse modo, a pessoa com deficiência mental não pratica ato ilícito por não ter consciência de sua conduta.
Note-se que o conceito de culpa no Direito é muito semelhante ao conceito de culpa na Psicanálise, teoria que analisa as manifestações mentais e emocionais sob o ponto de vista científico e as explica relacionando as influências estruturais às convivenciais ou ambientais[13].
No Direito, a culpa pode ser conceituada como o descumprimento consciente de norma de conduta que sujeita o infrator ao dever de reparar os danos que acarretou.
Na Psicanálise, a culpa é um sentimento essencial para estabelecer limites e possibilitar o convívio, que propicia a aceitação da ética e das regras impostas pela cultura de cada povo, limitando os impulsos instintivos, tendo relevante significado nos relacionamentos interpessoais e nos comportamentos sociais[14].
E a reparação, na Psicanálise, é elemento essencial na integração da pessoa, com duplo sentido, de controle do sentimento destrutivo e restauração pelos danos causados[15], assim como no Direito tem natureza pedagógica a possibilitar a melhor convivência social.
Portanto, no Direito e na Psicanálise há relevante identificação das funções da culpa e da reparação, já que aquela serve ao controle das condutas e dos impulsos destrutivos e esta apresenta-se como forma e anseio de recompensar quem foi prejudicado[16].
Assim, não há qualquer apoio na Psicanálise e no sentimento do afeto, sentimento este que permeia as relações familiares, para a supressão da culpa nas relações de família. Aliás, a inexistência do sentimento de culpa e de reparação é um grave distúrbio segundo a Psicanálise, sendo classificado como psicopata quem não se sente culpado por seus atos e não quer reparar os danos que causou.
Retomando-se o princípio da afetividade nas relações de família, é evidente que diante de violação a dever familiar o afeto não mais existe, não sendo esse sentimento que remediará o dano causado.
Cite-se, a propósito, a doutrina prefacial da Ministra Nancy Andrighi:[17]
A Família – mergulhada em situação conflituosa pelo seu desmantelamento – necessita da tutela do Direito, para fazer valer os deveres e responsabilidades assumidos quando de sua constituição. Se o afeto deixou de existir e fez erguerem-se barreiras de tormento e rancor entre os outrora enamorados, é salutar que, com o fim do almejado sentimento, não seja varrida também a correspectiva reparação do dano subjacente à quebra de regras de convivência, que tenha acarretado sofrimento pungente ao espírito e ao físico do lesionado.
O Código Civil brasileiro, no art. 1.566, incisos I a V, estabelece os seguintes deveres conjugais: fidelidade, coabitação ou vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência moral e material, respeito e consideração mútuos, sustento, guarda e educação dos filhos. Esse mesmo diploma legal estabelece, no art. 1.724, os deveres dos companheiros, ou seja, aqueles oriundos da união de fato, que é chamada de união estável: deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos[18].
Neste ponto,
atinente aos deveres oriundos do casamento e da união estável, seu
descumprimento, que equivale à violação de um direito, é requisito essencial da
responsabilidade civil.
Note-se que o
descumprimento de dever do casamento não é requisito da dissolução conjugal
desde o advento da Lei n. 6.515 de 26/12/1977, que modificou o sistema adotado
pelo Código Civil de 1916 em que somente cabia o pedido unilateral de
dissolução da sociedade conjugal mediante a comprovação da conduta culposa por
violação dos deveres conjugais (art. 317, incisos I a IV), introduzindo, ao
lado da espécie culposa, a espécie dissolutória pela mera ruptura dos laços
conjugais[19].
Em sequência, no
ano de 2010, a Emenda Constitucional do Divórcio alterou a redação do art. 226,
§ 6º da Lei Maior, e suprimiu os prazos antes existentes de separação judicial
ou extrajudicial por um ano e de separação de fato por dois anos para
possibilitar o divórcio direto, mas não suprimiu a dissolução culposa, baseada
no descumprimento dos deveres conjugais[20].
Portanto, existem
espécies dissolutórias por pedido unilateral previstas no Código Civil de 2002,
devidamente interpretadas como recepcionadas pela Emenda Constitucional 66 de
2010, que são a espécie ruptura, em que basta o rompimento do casamento,
independentemente de separação de fato prolongada, a espécie remédio, em que um
dos cônjuges sofre de deficiência mental grave, e a espécie culposa pelo
descumprimento de dever do casamento (Código Civil, artigos 1.571 a 1.573).
Além da
indenização pelos danos morais e materiais que o cônjuge lesante pode ser
condenado a pagar, aquele que descumpre dever conjugal perde o direito a
alimentos plenos e pode vir a perder o direito ao sobrenome conjugal (Código
civil, artigos 1.694, § 2º, 1.724, caput
e parágrafo único, 1.708, parágrafo único e 1.578 do Código Civil)[21].
Essa condenação na
reparação de danos pode ser realizada em pedido cumulado com o de separação
judicial (dissolução da sociedade conjugal)[22] e com o de divórcio (dissolução do vínculo
conjugal), assim como com o pedido de dissolução de união estável, como
reconhece a jurisprudência brasileira[23].
Fidelidade é um dever recíproco. Assim, o dever de ser fiel de um dos consortes equivale ao direito do outro à fidelidade.
Fidelidade e lealdade nas relações de casamento e de união estável têm o mesmo significado. A fidelidade é o dever de lealdade, sob o aspecto físico e moral, quanto à manutenção de relações que visem à satisfação do instinto sexual no casamento e na união estável[24]. Assim, o adultério é a prática de ato sexual com terceira pessoa e o quase-adultério reside na prática de atos com terceira pessoa que demonstram o propósito de satisfação do instinto sexual, o que tem o mais expressivo exemplo na chamada infidelidade virtual[25].
O dever de fidelidade é recíproco. Parte da doutrina, em contraposição, considera que o dever de fidelidade era voltado para o controle da sexualidade feminina, a fim de proteger a paz doméstica, servindo apenas para reprimir a mulher, enquanto que, culturalmente, a infidelidade masculina era tolerada[26]. Obviamente, não se pode concordar com a ideia desta parte da doutrina, já que se a lei não distingue, não cabe ao intérprete fazer interpretação distintiva. Recorde-se que, desde o Código Civil de 1916, a fidelidade é dever recíproco entre os cônjuges, como previa o seu artigo 231, I, e continua a prever o Código Civil de 2002, conforme a seguir é exposto.
Note-se que a descriminalização do adultério pela Lei nº 11.106, de 28.03.2005, não eliminou a ilicitude civil da infidelidade, em razão da independência entre essas duas áreas do Direito: Penal e Civil, nesta última estando inserido o Direito de Família.
Assim, prevê o dever de fidelidade no casamento o art. 1.566, I do Código Civil e na união estável esse dever, chamado de lealdade, é previsto no art. 1.724 do mesmo diploma legal.
O casamento e a união estável têm natureza monogâmica, o que é reconhecido pela sociedade, que não aceita a poligamia não consentida ou consentida pelos envolvidos.
Portanto, cabe ao direito ouvir a sociedade e não pequena e inexpressiva minoria que queira impor, contrariamente aos anseios sociais, a modificação dos costumes, com a supressão de sanções pelo descumprimento do dever de fidelidade. Lembremos que toda a liberdade é limitada e a singularidade ou exclusividade da relação aplica-se no casamento e na união estável, como salienta Beatriz Ramos Cabanellas, sendo que a entidade familiar da união de fato não se confunde com o concubinato no significado brasileiro desta expressão[27]. Neste passo devemos também recordar que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em pedido de providências da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), por 12 votos a 1, ao vedar a lavratura de escrituras de poligamia, reconheceu que os arranjos consentidos dos chamados “trisais”, assim como a infidelidade, que é poligamia não consentida, violam as normas do Direito de Família Brasileiro[28].
Na jurisprudência são aplicados os princípios da responsabilidade civil pelo descumprimento do dever de fidelidade, que ofende a honra do consorte, no sentido subjetivo, de sua autoestima ou consideração própria, e no sentido objetivo, de sua reputação social. Assim, desde as mais graves violações ao dever de fidelidade, com a atribuição ao consorte de prole advinda do adultério[29], o abuso sexual de neto[30] até a infidelidade da qual não decorrem tamanhos danos, mas causam graves constrangimentos[31], os Tribunais brasileiros reconhecem a indenizabilidade dos danos sofridos no casamento, o que também se aplica à união estável em razão da equiparação entre ambos como entidades familiares, conforme art. 226, § 3º da Constituição Federal.
Evidentemente que a leitura descuidada de acórdãos somada à falta de atenção aos requisitos da responsabilidade civil conduz a uma ideia equivocada de que a jurisprudência não reconhece o direito à indenização do cônjuge ou do consorte traído.
Realiza-se, por esse motivo, a citação de acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo do ano de 2019, para esclarecer que a infidelidade, por si só, evidentemente, não gera indenização, assim como o descumprimento dos outros deveres conjugais não é indenizável se desacompanhado dos outros requisitos da responsabilidade civil, ou seja, do nexo causal entre a infidelidade e os danos morais ou materiais, tendo sido por essas razões desprovidos os pedidos de condenação do infiel em indenização[32].
A coabitação é um dever recíproco no casamento, que importa na vida em comum no domicílio conjugal ou na moradia sob o mesmo teto, salvo necessidades pessoais, profissionais ou familiares, conforme art. 1.569 do Código Civil.
Esse dever não existe na união estável por se considerar possível a constituição dessa entidade familiar sem convivência sob o mesmo teto, já que não está expressamente prevista nos seus requisitos constantes do art. 1.723 do Código Civil.
Diante da mudança do pensamento sobre o divórcio e de sua possibilidade independente de motivação culposa, o descumprimento desse dever do casamento só pode ser considerado se o abandono for, além de voluntário ou injustificado, injurioso.
A mútua assistência material é definida como o direito ao auxílio econômico à subsistência, que se baliza na posição socioeconômica do casal.
A assistência moral é o direito do cônjuge e do companheiro à proteção de seus direitos da personalidade, não só nas situações de excepcional gravidade, assim como nas cotidianas. Entre esses direitos da personalidade estão a vida, a integridade física e psíquica, a honra, a liberdade e o segredo[33].
No Código Civil a mútua assistência material e imaterial estão previstas no inciso III do art. 1.566, no que se refere ao casamento, e no art. 1.724, no que toca à união estável.
O direito recíproco ao respeito está presente no casamento e na união estável.
Esse dever caracteriza-se pelo non facere, ou seja, pela proibição de realizar atos atentatórios aos direitos da personalidade do consorte: a vida, a integridade física e psíquica, a honra, a liberdade e o segredo[34].
O dever de respeito no casamento é estabelecido pelo art. 1.566, V e na união estável pelo art. 1.724, ambos do Código Civil.
Assim como ocorre em relação aos demais deveres conjugais e oriundos da união estável, do descumprimento do dever de respeito de que decorram danos advém o direito à reparação do cônjuge e do companheiro lesado.
Constituem violações ao respeito as agressões físicas e morais[35], a acusação falsa e injuriosa em processo judicial[36], os ciúmes doentios[37], o cerceamento da liberdade profissional e de relacionamento social do consorte[38] e a transmissão de doença contagiosa[39], entre outros atos e comportamentos que ofendem os direitos da personalidade do consorte lesado.
Necessário é observar que a violência doméstica no casamento e na união estável advém da violação ao dever de respeito à integridade física, psíquica e moral do consorte, sendo punida pela Lei n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que, em 17/09/2019, foi alterada pela Lei 13.871, para prever expressamente que os danos morais e todos os danos materiais causados à vítima são indenizáveis, assim como o são os danos causados ao Poder Público pela utilização de serviços de saúde públicos pela vítima em decorrência da violência doméstica. Assim, a Lei Maria da Penha, que previa, desde 2006, a indenizabilidade dos danos materiais decorrentes de extravios patrimoniais pelo ofensor, em 2019 foi ampliada para reconhecer expressamente a indenizabilidade dos danos morais e de todo o tipo de dano patrimonial:
Art. 9º, § 4º Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.
No entanto, é preciso pontuar que a inovação operada na Lei Maria da Penha refere-se à indenizabilidade dos danos acarretados ao sistema público de saúde e não à reparabilidade dos danos morais e materiais causados diretamente à vítima, que, na conformidade da regra geral da responsabilidade civil que consta do Código Civil em seu art. 186, já eram antes indenizáveis.
A administração dos bens que, em comunhão, pertencem a ambos os cônjuges ou aos dois companheiros em prol dos interesses do casal é dever oriundo do casamento e da união estável, conforme dispõe o art. 1.567, caput do Código Civil.
A aplicabilidade dessa disposição legal à união estável, que está presente nas regras sobre casamento, advém da previsão legal constante do art. 1.725 do Código Civil, o qual estabelece para os companheiros o mesmo regime legal dos cônjuges, ou seja, a comunhão parcial.
Em caso de violência doméstica, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340 de 07/08/2006) prevê a indenizabilidade dos danos patrimoniais aos bens comuns ou particulares da mulher:
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras: [...]
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
Porém, mesmo em situações outras em que não se configure a violência doméstica contra a mulher, ou em caso da pessoa lesada ser o homem, aplica-se o princípio da responsabilidade civil, com base na regra geral do art. 186 do Código Civil, que fundamenta a reparação dos danos materiais causados pela dissipação patrimonial.
Inicia-se este capítulo pela recusa injustificada ao reconhecimento de filho, que pode configurar ato ilícito e gerar a condenação do pai na reparação dos danos morais e materiais causados[40].
Há acórdãos que reconhecem a indenizabilidade desses danos, inclusive com fundamento no abandono moral, devendo ser ressalvado que não é a mera recusa que gera a responsabilidade civil, já que o homem tem o direito de questionar a paternidade a ele atribuída em razão de relação íntima[41].
Casos de atitude postergatória do reconhecimento parental em que o investigado se vale de subterfúgios processuais para não se submeter ao exame pericial genético, ou em que há reconhecimento da filiação no plano dos fatos, com fortes indícios da paternidade assumida, e contestação do vínculo no processo judicial, ou mesmo a negação da paternidade diante da existência de exame de D.N.A comprobatório da relação de filiação, ofendem os direitos da personalidade do filho, porque desrespeitam sua honra, no aspecto subjetivo (auto-estima) e objetivo (consideração social), acarretando danos morais e também podendo gerar danos materiais.
A natureza declaratória da sentença da decisão judicial que reconhece a filiação parece inegável, já que declara a existência de uma relação anteriormente estabelecida, existente desde a junção do gameta masculino ao feminino, com a fecundação e a formação gestacional do ser humano. Daí os efeitos ex tunc da decisão de reconhecimento da paternidade. Tanto é assim que o reconhecimento da paternidade após a morte do pai gera direitos sucessórios, que não poderiam existir se a decisão fosse constitutiva. Portanto, proferida a decisão judicial de reconhecimento da paternidade, seus efeitos retroagem. Por isto, é possível a condenação na reparação de danos anteriores àquela decisão judicial.
Há outras variadas hipóteses de danos decorrentes da violação aos deveres oriundos do poder familiar, que pode ser conceituado como o conjunto de obrigações, a cargo do pai e da mãe, no tocante à pessoa e bens dos filhos menores, sendo um feixe de deveres, razão pela qual é chamado de poder-dever[42].
Maus tratos aos filhos, também, obviamente constituem violação aos deveres oriundos do poder familiar, causando danos aos filhos que atingem por via reflexa a mãe da criança[43].
E o chamado abandono afetivo também é causa de reparação de danos.
Historicamente é preciso lembrar que em 2005 foi proferida decisão pelo Superior Tribunal de Justiça que reformou acórdão de Tribunal mineiro[44], que foi objeto de injustas críticas por parecer, numa primeira vista, que negava a aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações entre pais e filhos[45]. Tratava-se do caso em que um pai havia se afastado de seu filho por conta do nascimento de sua segunda filha, proveniente de outras núpcias. O menino, então com seis anos, tentou a aproximação até seus quinze anos de idade, quando passou a apresentar problemas emocionais oriundos da ausência paterna. Foi ajuizada ação de reparação de danos morais, cujo fundamento era a falta de amor por parte do pai ausente. Em razão dessa equivocada causa de pedir, que não tem apoio no ordenamento jurídico, a falta de afeto, o Superior Tribunal de Justiça acolheu o Recurso Especial interposto pelo pai, sob o fundamento de que o desamor não gera indenização[46].
Não é a falta de afeto ou de amor, sentimento de ordem subjetiva que não é dever jurídico, a causa da responsabilidade civil. Se assim fosse, haveria uma inesgotável abertura das portas do Poder Judiciário para demandas em que os filhos alegariam a falta de amor paterno.
O descumprimento do dever do pai e da mãe de criar e educar o filho, tendo-o em sua companhia, que tem natureza objetiva, é o pressuposto da responsabilidade civil (Código Civil, art. 1.634, inciso I).
A esse dever previsto no Código Civil, acresça-se o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente que prevê também deveres para os pais, como o dever de assegurar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social do filho menor, em condições de dignidade (ECA, arts. 3º, 4º e 5º).
Assim, inobstante tenha se tornado usual a utilização da
expressão abandono afetivo, a condenação do pai ou mãe inadimplente em
pagamento de indenização decorre do descumprimento do dever de cuidar do filho,
como explica Theodureto de Almeida Camargo Neto[47].
Assim, decidiu o Superior Tribunal de Justiça em acórdão paradigma da lavra da
Ministra Nancy Andrighi: “Amar é faculdade, cuidar é dever”[48].
A variedade de situações, inclusive de violações do dever de respeito de um dos genitores ao outro, também merece destaque no Direito Brasileiro.
A prática de alienação parental é um dos comportamentos que gera danos, por consistir em atos praticados por um dos genitores contra o outro para afastar, de maneira forçada, o filho, o que é combatido na Lei n. 12.318, de 26/08/2010, cujo art. 6º prevê expressamente a possibilidade de condenação indenizatória além de outras diversas medidas protetivas da convivência entre pais e filhos, tema este analisado por Eduardo de Oliveira Leite[49].
A indenizabilidade de danos causados por um dos pais ao outro chega a alcançar o impedimento por um dos genitores de participação do outro genitor em batizado do filho[50].
A Constituição Federal no art. 1º, III, no art. 3º, I, no art. 226, no art. 227, no art. 229 e no art. 230, apoia o princípio da solidariedade familiar, que importa em regime protetivo patrimonial e extrapatrimonial à pessoa idosa. Normas decorrentes desse regime protetivo encontram-se em diversos diplomas legais, mormente no Código Civil e na Lei nº 10.174/2003 (Estatuto do Idoso).
Inserido no âmbito dessa proteção, há o direito ao recebimento de alimentos do idoso que não possui bens suficientes e que não pode manter-se por seu próprio trabalho. Este direito está previsto no art. 1.696 do Código Civil: O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
O Estatuto do Idoso estabelece algumas regras específicas sobre o referido direito a alimentos. Dentre elas, há a previsão de seu art. 12: A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores. Assim, o idoso tem direito de exigir a prestação de alimentos do descendente de sua escolha, sem precisar demandar todos os descendentes.
O art. 12 do Estatuto do Idoso é rejeitado por parcela da doutrina atual, que considera que o caráter solidário da prestação de alimentos aos idosos fere o sistema jurídico, uma vez que tal caráter inexiste na prestação de alimentos em favor de menores, podendo até cogitar-se de inconstitucionalidade, pela afronta à prioridade absoluta e integral conferidas às criança e aos adolescente, nos termos do art. 227 da Constituição Federal. Entende-se que o tratamento legislativo favorece os idosos em detrimento dos menores, não reconhecendo a estes a peculiaridade da relação jurídica envolvida. Assim, essa corrente defende a uniformidade de regime jurídico das prestações de alimentos: ou o ordenamento admite a solidariedade para as prestações infanto-juvenis ou não admite a nenhuma prestação de alimentos[51].
Em sede de ação de alimentos, outros parentes podem ser chamados a integrar a lide, para o rateio adequado da soma fixada em favor do credor de alimentos, conforme o art. 1.698 do Código Civil, caso não existam condições materiais para adimplir a prestação.
Caso o ascendente idoso necessite de alimentos por não possuir meios próprios de subsistência, a falta de prestação pelos filhos que têm possibilidades de arcar com esse pagamento[52] poderá implicar em sua condenação na indenização pelos danos morais e materiais respectivos, tendo em vista os deveres contidos nos artigos 3º, 4º, 5º e 10, § 2º e § 3º da Lei nº 10.174/2003.
Ademais, o art. 99 do Estatuto do Idoso, em consonância ao art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, assevera que é crime expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado.
Além da pena de prisão prevista no dispositivo legal acima citado e eventual pena pecuniária correlata, o descumprimento dos deveres de prestação de alimentos e de cuidado gera também o dever de indenização por danos morais e materiais.
Compete à família, não somente mas primeiramente a ela, a obrigação de garantir ao idoso “a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (Estatuto do Idoso, art. 3º)[53].
Assim, o descumprimento dos deveres de cuidar e alimentar ensejam a responsabilização dos filhos, porquanto o não cumprimento desses deveres, em razão do grave trauma psíquico de rejeição e indiferença causado ao ascendente idoso, além da privação de condições mínimas para sua subsistência, faz incidir a hipótese normativa do art. 186 do Código Civil.
Conforme antes exposto, a regra geral estabelecida no Código Civil, em seu art. 186, fundamenta a responsabilidade civil, além das disposições expressas na Lei Maria da Penha em caso de violência doméstica.
Danos morais não devem ser identificados por meio de exemplos práticos ou de sentimentos da pessoa lesada, como o sofrimento, a humilhação e a angústia.
Dano moral é aquele que afeta a esfera íntima ou social da vítima por ofender um direito de sua personalidade: a vida, a honra, a integridade física e psíquica e a liberdade, entre outros. Com essa visão jurídica do dano moral, apresentada por Carlos Alberto Bittar, facilita-se sua demonstração, porque tornam-se inadequadas verificações subjetivas que podem levar ao equívoco. Haveria dano moral se a pessoa do ofendido não demonstrasse seus sentimentos? Se não chorasse, continuasse a exercer sua atividade profissional, não entrasse em depressão etc? A resposta está na teoria desenvolvida pelo referido doutrinador, a respeito do dano in re ipsa, ou seja, do grave fato da violação a um direito da personalidade que acarreta a responsabilidade civil[54].
Os danos materiais são compostos pelos danos emergentes, ou seja, por tudo aquilo que a vítima perdeu, e pelos lucros cessantes, isto é, por aquilo que o lesado deixou de lucrar.
Das violações aos deveres familiares podem resultar danos morais, em razão das ofensas aos direitos da personalidade da vítima, e danos materiais, como, por exemplo, os decorrentes de extravios patrimoniais, de despesas em tratamentos psicológicos e psiquiátricos, da paralização ou diminuição das atividades do ofendido etc.
Os critérios de fixação da indenização por danos morais são os seguintes. A indenização deve compensar o lesado e ser fator de desestímulo ao lesante, não tendo natureza ressarcitória porque não há como retomar o estado anterior à violação a um direito da personalidade. Uma pessoa que tenha sofrido maus tratos físicos e morais não apagará os danos morais respectivos, somente poderá ter um alívio compensatório. A indenização também deve ser pedagógica ao ofensor.
O “método bifásico” é uma das formas da quantificação da indenização, sendo dividido em duas fases. A primeira considera um valor básico, conforme precedentes jurisprudenciais em casos assemelhados, sendo de destacar que indenizações irrisórias ou simbólicas não servem de parâmetro. A segunda leva em conta as circunstâncias do caso, a gravidade do ato lesivo, o grau da culpa, a repercussão da ofensa e as condições econômicas das partes.
Assim, para compensar o ofendido e desestimular o ofensor é necessário verificar todos esses fatores, que precisam ficar demonstrados em ação indenizatória.
Por outro lado, a quantificação do dano material deve ressarcir o ofendido de todos os prejuízos que sofreu e do que deixou de ganhar em razão da lesão sofrida.
Em caso de violência doméstica, mesmo sem a indicação de determinado valor na pretensão indenizatória e prova dos danos morais, cabe a condenação do ofensor em valor mínimo, que pode ser complementada na esfera civil[55]. Interessante notar que, enquanto na jurisprudência brasileira o número de pedidos reparatórios decorrentes de violência doméstica aumenta a tal ponto de dar causa à aplicação do rito de recursos repetitivos, Graciela Medina adverte que na Argentina, inobstante as denúncias de violência doméstica também aumentem dia-a-dia, o número de demandas reparatórias é irrelevante, no que aponta, entre outras, a seguinte motivação: a relação familiar e, portanto, próxima entre a vítima e o agressor[56].
Quanto ao nexo causal entre a violação a dever conjugal e o dano, embora não se veja ou se toque esse pressuposto, resulta de uma dedução intelectual, como bem acentua René Savatier[57]. Seu rompimento impede a aplicação do instituto da responsabilidade civil. O nexo causal vincula a ação ou omissão, que importa no descumprimento de dever e violação a direito, ao dano moral ou material, o que permite atribuir a autoria do ato ilícito.
Quanto à reparação de danos no casamento e na união estável, inobstante caiba a cumulação de pedidos de separação judicial e de divórcio ou de reconhecimento e dissolução da união estável com o de reparação de danos, caso não tenha sido requerida, é importante lembrar do prazo prescricional do pedido indenizatório, que é de três anos (Código Civil, art. 206, § 3º, V).
Esse prazo permanece suspenso enquanto os cônjuges mantiverem o estado civil de casados (Código Civil, art. 197, I), já que as relações íntimas e de confiança recíproca existentes no casamento dificultam, quando não impedem, a propositura de ação por um dos cônjuges em face do outro, resguardando-se a preservação do ambiente familiar[58].
Não há na lei regra expressa sobre a suspensão da
prescrição durante a união estável, sendo a analogia ao casamento já
considerada em interpretação doutrinária[59].
No que se refere às relações entre pais e filhos, a suspensão da prescrição ocorre enquanto durar o poder familiar, ou seja, enquanto o filho for menor de idade ou não for emancipado (Código Civil, art. 197, II).
Sabe-se que o ideal a ser alcançado em todas as relações familiares é a harmonia, por meio do afeto, mas também é sabido que o Direito serve à solução de conflitos, sendo importante quando impõe e proíbe e não quando simplesmente faculta. Também é reconhecido que quanto melhor a família, menos os seus membros precisarão do Direito.
Quando não se concretiza o projeto de que a relação familiar
reine com afeto, harmonia e felicidade, juntamente com o rompimento pode
ocorrer o dever de indenizar, desde que preenchidos os pressupostos da
responsabilidade civil, que são
configurados na ação ou omissão culposa que viola direito do outro familiar e
causa dano moral ou material.
A questão
primordial é distinguir o real pressuposto da indenização no campo da
responsabilidade civil nas relações familiares. Não é o desamor, ou a falta de
afeto, ou qualquer outro aspecto sentimental que gera a responsabilidade civil.
A banalização do
dano moral nas relações de família deve ser combatida, de modo que a aplicação
dos princípios da responsabilidade civil independe da existência ou da falta de
amor ou afeto. Amar não é dever ou direito. Ter e receber afeto não se confunde
com os deveres e direitos das relações familiares. Assim, a falta de amor, por
si só, não gera a responsabilidade civil porque aí faltaria o preenchimento do
primeiro pressuposto, que é a violação a direito/dever familiar.
Em suma, no casamento
e na união estável, não é a dissolução que gera o dever de indenizar e nas
relações entre pais e filhos não é a falta de amor que acarreta a reparação de
dano. É o ato ilícito praticado em desrespeito aos direitos do outro familiar
que gera a obrigação de indenizar o dano.
Para que seja
aplicável o instituto da responsabilidade civil no Direito de Família, é
necessário responder positivamente às seguintes indagações: 1. Há
descumprimento de dever familiar? 2. Há dano moral ou material? 3. Há nexo causal
entre a violação do dever familiar e os danos?
Fica claro que,
segundo a sistemática do Código Civil, a responsabilidade civil e o consequente
dever de indenizar ocorrem quando presentes os seguintes requisitos: ação ou
omissão violadora de direito, dano moral e/ou material e nexo de causalidade.
Por último, é
importante salientar que, por estar a responsabilidade civil prevista na Parte
Geral do Código Civil, não pode haver dúvida sobre a sua aplicação nas relações
de família quando ocorre a violação de dever do casamento e da união estável e
de dever entre pais e filhos, com a existência de dano, sendo que na violência
doméstica é prevista na legislação especial norma expressa sobre a
indenizabilidade de danos morais e materiais, como visto neste artigo.
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Recebido em: 10 fev. 2020.
Aceito em: 11 set. 2020.
[1] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. São Paulo:
Saraiva, 2002, p.42.
[2] Ibidem, p.43.
[3] BASSET, Ursula Cristina. El fundamento de
la admisibilidad de los daños y perjuicios en las relaciones de familia en el
nuevo Código Civil y Comercial Argentino. In Família e Pessoa : uma questão de
princípios. TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz e BASSET, Ursula (Coord.), São
Paulo: YK, 2018, p. 701 a 715. V. PINHEIRO, Jorge Duarte. O núcleo intangível da comunhão conjugal.
Coimbra: Almedina, 2004, p. 529/575.
[4] Cf. BORDA, Guilhermo A. Tratado de derecho civil: família. 7ª ed. Buenos
Aires, Ed. Perrot, 1984, v. I, p. 549 a 551.
[5] Cf. RINESSI, /Antonio J. Responsabilidad derivada del divorcio, in La responsabilidade. Coord. ALTIERI,
Atílio Anibal e López Cabana, Roberto M. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1997, p.
573 e 574.
[6] Código Civil brasileiro, art. 1.704.
[7] BASSET, Ursula Cristina. El fundamento de la admisibilidad de los daños y perjuicios en las
relaciones de familia en el nuevo Código Civil y Comercial Argentino. In Família e Pessoa : uma questão de
princípios. TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz e BASSET, Ursula (Coord.), São
Paulo: YK, 2018, p. 701 a 715.
[8] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. Atual. Eduardo
Carlos Bianca Bittar. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 13.
[9] STARCK, Boris : Essai d’une theorie générale de la responsabilité civile considéré en
sa double fonction de garantie e de peine privée. Paris : L. Rodstein, 1947, p. 496.
[10] SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação civil na
separação e no divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 163 a 165.
[11] A respeito das três correntes, vide: MONTEIRO, Washington de Barros e
TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Curso de direito civil: direito de família,
v. 2. 43. ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 60 a 63. E também: MALUF, Carlos
Alberto Dabus; MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Direito
de Família. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, p. 98 a 99.
[12] Cite-se, a propósito, toda a jurisprudência brasileira referida na nota
de rodapé nº 27, sobre a condenação da mulher que atribui indevidamente a
paternidade ao marido. Cite-se, também, o acórdão espanhol (sentencia núm.
629/2018 do Pleno de la Sala Primera del Tribunal Supremo) sobre o recurso de
casación núm. 3275/2017, que, além de ser uma decisão estrangeira, demonstrou
total desapego à regra da responsabilidade civil constante do art. 1.902 do
Código Civil espanhol ou, data venia, não soube interpretar esse
dispositivo legal, e, por consequência, equivocou-se ao afirmar que o dano
causado pela indevida atribuição pela mulher de filho havido de relacionamento
sexual com outro homem ao marido não seria oriundo de culpa e não deveria ser
«indenizável mediante o exercício das ações próprias da responsabilidade civil,
contratual ou extracontratual, a partir de um juízo de moralidade
indubitavelmente complexo».
[13] FENICHEL, Otto. Teoria psicanalítica das neuroses. Tradução Samuel Penna
Reis, Rio de Janeiro: Edições Atheneu, 1981, p. 1 a 7.
[14] KLEIN, Melanie e RIVIERE, Joan. Amor;
ódio e reparação: as emoções básicas do homem do ponto de vista psicanalítico.
Tradução de Maria Helena Senise. 2ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo:
Imago/Universidade de São Paulo, 1975, p. 91.
[15] SEGAL, Hanna. Introdução à obra de Melanie Klein. Tradução de Mirtes
Brandão Lopes. São Paulo: Editora Nacional, 1996, p. 80 a 90.
[16] KLEIN, Melanie e RIVIERE, Joan, obra citada, p. 94.
[17] In TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Divórcio e
Separação após a EC n. 66/2010. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.11 a 13.
[18] V. MONTEIRO, Washington de Barros e TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz.
Curso de direito civil: direito de família, v. 2. 43. ed., São Paulo: Saraiva,
2016, p. 223-243 e 89-92, que analisam detalhadamente cada um desses deveres.
[19] Lei 6.515, de 26/12/1977, art. 5º, parágrafo 1º, que iniciou a
modificação do sistema anterior de condicionamento da dissolução conjugal à
culpa, com prazo de duração do rompimento da vida em comum de 5 anos, para,
depois, passar a prever em 1992 o prazo de 1 ano, até que em 2003, com a
entrada em vigor do Código Civil de 2002, foi suprimido o prazo de separação de
fato conjugal, para possibilitar amplamente a dissolução fundada na mera
ruptura da vida conjugal.
[20] Explica-se: a separação judicial e extrajudicial convive com o divórcio
no Direito Brasileiro, tendo sido vencida a ideia de que a primeira, que
dissolve a sociedade conjugal sem dissolução do vínculo matrimonial não teria
sido recepcionada pela Constituição Federal após a EC 66/2010, conforme
previsão legal expressa no Código de Processo Civil de 2015 e jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça: RECURSO
ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/10. DIVÓRCIO
DIRETO. SEPARAÇÃO JUDICIAL. SUBSISTÊNCIA. 1. A separação é modalidade de
extinção da sociedade conjugal, pondo fim aos deveres de coabitação e
fidelidade, bem como ao regime de bens, podendo, todavia, ser revertida a
qualquer momento pelos cônjuges (Código Civil, arts. 1571, III e 1.577). O
divórcio, por outro lado, é forma de dissolução do vínculo conjugal e extingue
o casamento, permitindo que os ex-cônjuges celebrem novo matrimônio (Código Civil,
arts. 1571, IV e 1.580). São institutos diversos, com conseqüências e
regramentos jurídicos distintos. 2. A Emenda Constitucional n° 66/2010 não
revogou os artigos do Código Civil que tratam da separação judicial. (STJ,
4ª Turma, REsp 1247098/MS, Relatora Ministra Isabel Gallotti, j.14/03/2017) V.
TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Divórcio e Separação após a EC n. 66/2010,
São Paulo: Saraiva, 2ª ed. 2012.
[21] Código Civil, art. 1.694, § 2º: Os alimentos serão apenas os
indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de
culpa de quem os pleiteia. Art. 1.704: Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de
alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo
juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.
Art. 1.708, parágrafo único: Com
relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento
indigno em relação ao devedor.
[22] No entanto, parte da doutrina ainda argumenta que, nos termos da EC 66/2010,
foi eliminado o instituto da separação do direito brasileiro. Vide FARIAS,
Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil, v. 6: Direito
das Famílias. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 352 a 355. E também: MADALENO,
Rolf. Direito de Família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 519. Versão
eletrônica.
[23] TJSP, Agravo de Instrumento nº
2142791-02.2016.8.26.0000, 9ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Galdino
Roledo Junior, j. em 04/04/2017: Divórcio.
Cumulação com pedido de indenização por danos materiais e morais. (...) Fatos
que têm relação com a separação do casal e poderão ser objeto de prova no curso
do processo. Recurso Provido. TJSP. Agravo de Instrumento nº
0100258-67.2013.8.26.0000, Rel. Des. Moreira Viegas, 5ª Câm., j. 12/06/2013: Ação de divórcio cumulada com alimentos e
indenização por danos morais - Alegação de incompatibilidade de ritos -
Inexistência - Rito ordinário do divórcio que comporta ampla cumulação de
pedidos (...)Recurso parcialmente provido. TJSP, 10ª Câm. Dir. Priv. AI
0315932-09.2010.8.26.0000, Rel. Des. Octávio Helene, j. 14.06.2011: Possibilidade de pedido cumulativo –
separação judicial com indenização por dano moral – vir a ser processado pelo
juízo de família. TJSP, 4ª Câm. Dir. Priv., AI 994.09.288.156-7, Rel. Des.
Natan Zelinschi, j. 21-1-2010: Separação
cumulada com indenização por danos morais. Inteligência do artigo 292 do Código
de Processo Civil. Causa de pedir é a mesma, ou seja, suposto adultério da
mulher. Observância aos princípios da economia e da celeridade processuais. TJSP,
5ª Câm. Dir. Priv., AI 574.036-4/0-00, Rel. Des. Mathias Coltro, j. 4-2-2009: ...não há qualquer impedimento a que o juízo
de família e sucessões examine, de forma cumulativa, o pedido de separação
judicial e o de indenização por danos morais.
[24] TAVARES
DA SILVA, Regina Beatriz in TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz (Coord.). Código
Civil comentado. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 1.706.
[25] V. CAHALI, Yussef Said: Separações Conjugais e Divórcio, 12a. ed.
São Paulo Revista dos Tribunais, 2011. p. 329-334, que introduziu a expressão
quase-adultério no Direito Brasileiro.
[26] A esse respeito, cf. LÔBO, Paulo. As vicissitudes da igualdade e dos
deveres conjugais no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano
10, n. 722, 27 jun. 2005. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/6929>. Acesso em: 30 abr. 2020.
[27] Beatriz Ramos Cabanellas. Monogamia en Uruguay. In Família e Pessoa : uma questão de princípios. TAVARES DA SILVA,
Regina Beatriz e BASSET, Ursula (Coord.), São Paulo: YK, 2018, p. 185 a 195.
[28] Pedido de providências n. 0001459-08.2016.2.00.0000, Relator João Otávio
de Noronha, j. 29/06/2018. V. TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Monogamia:
princípio estruturante do casamento e da união estável. In Família e Pessoa : uma questão de princípios. TAVARES DA SILVA,
Regina Beatriz e BASSET, Ursula (Coord.), São Paulo: YK, 2018, p. 571 a 617.
[29] STJ. 3ª Turma, Recurso Especial nº 742.137/RJ,
Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 21.08.2007:...Reparação
por danos materiais e morais. Descumprimento dos deveres conjugais de lealdade
e sinceridade recíprocos. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica.
(...) O desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados
durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a
reparação pelos danos morais suportados...”. TJSP, 1ª Câmara de Direito Privado, AC 9128143-39.2009.8.26.0000, Rel.
Des. Cláudio Godoy, j. 18.06.13:
Responsabilidade civil. Cônjuge que omite paternidade biológica de filho havido
fora do casamento. TJSP. 9ª Câmara
de Direito Privado. AC 0013866-58.2012.8.26.0001. Rel. Des. José Aparício
Coelho Prado Neto, j. 14.05.2019:
Apelação – Ação de Indenização por Danos Morais – Pretensão de reparação por
danos morais em decorrência de situação traumática resultante de revelação de
que o autor não é o pai biológico de crianças que acreditava ser suas filhas,
geradas em relacionamento extraconjugal mantido entre a ex-mulher e o médico
obstetra que realizou o parto das infantes – Sentença de procedência, para
condenar os réus solidariamente a arcar com o pagamento do montante de R$
100.000,00, a título de danos morais –(...). TJSP. 5ª Câmara de Direito
Privado, Apelação Cível nº 0150482-73.2008.8.26.0100, Rel. Des. James Siano, j.
13.04.2011: Danos morais. Sentença julgou
procedente a ação de reparação por danos morais, provenientes do nascimento de
filho fora do casamento. Pedido indenizatório formulado pelo pai e avós
afetivos... A honra, atributo subjetivo dos recorridos (pai e avós), comprovadamente
violada... TJSP. 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº
539.390-4/9-00, Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. 10.06.2008: Separação judicial. Fidelidade recíproca que
é um dos deveres de ambos os cônjuges, podendo o adultério caracterizar a impossibilidade
de comunhão de vida. Inteligência dos arts. 1566, I, e 1573, I, do Código
Civil. Adultério que configura a mais grave das faltas, por ofender a moral do
cônjuge, bem como o regime monogâmico, colocando em risco a legitimidade dos
filhos... Caracterização de dano moral indenizável. ... TJMG. 13ª Câmara
Cível, Apelação Cível nº 1.0024.05.852085-9/001(1), Rel. Des. Francisco
Kuplidowski, j. 16.08.2007: Ação
indenizatória. Filha adulterina. Fato revelado após a separação judicial do
casal. (...). Danos morais configurados. Necessidade de Reparação.
[30] TJSP. 4ª Câmara de Direito Privado, Apelação
Cível nº 552.594-4/5-00, Rel. Des. Ênio Zuliani, j. 04.06.2009: Responsabilidade civil. Danos morais
decorrentes de separação judicial litigiosa. Provada a culpa pelo término do
casamento, por abuso sexual praticado contra o neto no recesso do lar, fica
caracterizada a lesão de direito de personalidade da esposa diante da gravidade
do quadro e da descoberta de um grave desvio de caráter do marido, o que justifica
arbitramento de danos morais, sem que isso repercuta na partilha de bens.
Provimento, em parte.
[31] TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado. AC
0057470-37.2010.8.26.0002, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 02.07.2019: SEPARAÇÃO
LITIGIOSA. Divórcio. Julgamento conjunto. Pretensão recursal de ambas as
partes. Convergência quanto à manutenção da dissolução do vínculo conjugal.
Infidelidade da consorte. Responsabilidade Civil. Indenização pelo dano moral.
Cabimento. TJSP, 5ª Câmara de Direito Privado, AC 1001380-12.2017.8.26.0595,
Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, j. 07.11.2019: Divórcio – Insurgência em
relação à partilha, indenização por danos morais...Precedentes do Colendo STJ –
Indenização por danos morais bem configurada ante as agressões físicas a que
submetida a autora, além das emocionais, com constrangimentos que extrapolaram
o mero aborrecimento...- Sentença mantida quanto ao mérito, acolhido o recurso
apenas para deferir a justiça gratuita... TJSP, 8ª Câmara de Direito
Privado, AC 0099514-82.2007.8.26.0000, Rel. Des. Pedro de Alcântara, j.
24.10.2012: Indenização por danos morais.
Adultério durante o casamento. Casal que trabalhava na mesma Escola Estadual.
Traições do marido que eram comentadas no local do trabalho causando vexame e
humilhação à esposa... A separação conjugal, em razão de novo relacionamento
não configura o dever de indenizar o outro cônjuge, todavia, o ato cometido com
desrespeito ao cônjuge, mediante conduta manifestamente ofensiva, gera a
obrigação de indenizar o dano moral suportado. Valor indenizatório que foi
arbitrado com observação da boa situação profissional do marido... TJMS, 3ª Turma Cível,
AC 2005.011378-0, Rel. Des. Hamilton Carli, j. 05.09.05: Apelação cível – Indenização – Quebra do dever
conjugal de fidelidade e de respeito mútuo – Indenização devida – Redução da
indenização – afastada – Aplicação da regra da sucumbência recíproca
afastada...
[32] TJSP. 2ª Câmara de Direito Privado. AC 1000283-87.2016.8.26.0311. Rel.
Des. José Joaquim dos Santos, j. 16.10.2019 : ... Dano moral – Suposta
traição do apelado não comprovada – Precedentes jurisprudenciais a afastar a
indenização nesse caso, porquanto além de não provada a traição, não há
evidências de que a apelante sofreu vexame ou abalo insuperável a ponto de
ensejar o reparo financeiro. TJSP. 5ª Câmara de Direito Privado. AC
1020978-03.2018.8.26.0405. Rel. Des. Jair de Souza, j. 18.12.2019: ...
Indenização por dano moral em razão de infidelidade conjugal... Aborrecimentos
inerentes à situação apresentada. Sentença mantida.... TJSP. 6ª Câmara de
Direito Privado. Apelação Cível nº 1012673-88.2017.8.26.0009. Rel. Des. Paulo
Alcides, j. 25.10.2019 : Ação de partilha, c.c. indenização por danos
morais... Adultério que por si só não acarreta dano moral. Ausência de
circunstâncias extraordinárias a comprovar o abalo moral... TJSP. 9ª Câmara
de Direito Privado. AC 1000752-14.2018.8.26.0619. Rel. Des. Piva Rodrigues, j.
11.10.2019: Ação de divórcio, cumulada com alimentos e indenização por dano
moral... Adultério que, por si só, não gera o dever de indenizar. Situação
descrita nos autos insuficiente a caracterizar grave ofensa moral... TJSP.
1ª Câmara de Direito Privado. AC 0009848-52.2014.8.26.0153. Rel. Des. Augusto
Rezende, j. 30.08.2019: Divórcio. Dano moral. Infidelidade conjugal. Conduta
que não justifica, por si só, a imposição de verba indenizatória. Ausência de
comprovação de que o varão agiu de maneira a lesar ou ridicularizar o cônjuge.
Ilícito absoluto não caracterizado... TJSP. 1ª Câmara de Direito Privado.
AC 1000778-78.2017.8.26.0673. Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. 10.10.2019: ...Divórcio...
Dano moral – Indenização indevida – Infidelidade que, além de não ter sido
demonstrada, não enseja, por si só, a obrigação de indenizar – Ausência,
também, de comprovação do alegado abalo psíquico suportado pela autora... TJSP.
8ª Câmara de Direito Privado. AC 1002586-76.2017. Rel. Des. Salles Rossi, j.
10.01.2018: Responsabilidade civil - Indenização por danos materiais e
morais... Rompimento de relacionamento que, por si só, também não pode ser
traduzido como dor moral indenizável...
[33] TAVARES
DA SILVA, Regina Beatriz. Dever de Assistência Imaterial entre Cônjuges.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 122.
[34] TAVARES
DA SILVA, Regina Beatriz in TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz (Coord.). Código
Civil comentado, obra citada, p. 1.487. V. Antunes Varella: Direito de família. Lisboa: Livraria
Petrony, 1987, p. 345/351: Em se tratando de casamento, esse dever
transcende a obrigação das pessoas de se respeitarem mutuamente, tendo entre os
cônjuges peculiar significado, em virtude da comunhão de vidas, dos íntimos
contatos físicos e espirituais que há entre os esposos.
[35] TJSP – Apelação nº 0008137-16.2010.8.26.0003 –
Relator Desembargador Cesar Ciampolini – 10ª Câmara de Direito Privado do E.
Tribunal de Justiça de São Paulo – Julgado em 22.10.2013: Ação de separação judicial movida pelo marido
contra a mulher. Reconvenção desta, a imputar a culpa pelo rompimento do
casamento ao primeiro e a pedir reparação de danos materiais e morais por
agressões, maus tratos e humilhações sofridas... Reconvenção acolhida, julgado
o marido culpado pelo divórcio e arbitrados danos materiais e morais... E,
quanto aos danos materiais, se reforma, para majoração da indenização fixada... TJSP. Ap. 0006938-78.2009.8.26.0201,
Rel. Des. Salles Rossi, 8ª Câmara, j. 18/04/2012: Apelação - Indenização por dano moral - Decreto de procedência - Prova
oral confirmatória da agressão física praticada pelo réu contra a autora...
Violação à honra objetiva e subjetiva - Humilhação pública. Ofensa à
intimidade. Indenização devida. Fixação em R$ 5.000,00 que se mostrou
parcimoniosa, diante da conduta reprovável e de sua gravidade. Redução
descabida - Sentença mantida - Recurso não provido; TJSP. Ap.
9121849-39.2007.8.26.0000, 1ª Câmara, Rel. Des. Elliot Akel; j. 22/11/2011: Responsabilidade Civil - Dano Moral -
Violação dos Deveres do Casamento - Pedido Juridicamente Possível - Prova
Satisfatória dos fatos narrados na inicial - Ação Julgada Procedente - Montante
Indenizatório que não pode ser irrisório, sob pena de não servir ao cumprimento
de seu objetivo específico, nem excessivamente elevado, de modo a propiciar
enriquecimento sem causa - Verba Ajustada - Recurso da autora provido, Não
provido o do réu; TJMS, 3ª Turma Cível, AC 2005.011378-0, Rel. Des.
Hamilton Carli, j. 05.09.2005: O
cônjuge culpado pela separação judicial, bem como, que agrediu violentamente a
esposa, responde pelo dever de indenizar, uma vez que sua conduta se insere com
todas as letras na teoria do ato ilícito (artigo 186 do Código Civil)... TJMS, 3ª Câm. Cív., Ap. 0002439-80.2010, Rel. Des. Marco André
Nogueira Hanson, j. 14.02.2012...Ação
de indenização por danos morais. Agressão. Violência doméstica. União
estável...Restando devidamente comprovada a agressão física, é incontroverso o
dever de reparação ao dano extrapatrimonial... TJSP, Apelação n° 994.05.043430-4, 8 ª Camara
de Direito Privado, Rel. Des. Salles Rossi, j. 30/06/2010: Responsabilidade
civil. Danos morais. Agressões morais e físicas contra a companheira durante o
relacionamento. Indenização devida. Fixação no equivalente a 50 salários
mínimos...TJSP, APELAÇÃO CÍVEL n° 343.089.4/1-00, Décima Câmara de Direito
Privado, Rel. Des. João Carlos Saletti, j. 10.02.2009: INDENIZAÇÃO- Danos
morais – Ofensa praticada por ex-companheiro, revelando, de maneira chula e
grosseira, a intimidade do casal, zombando do que teria feito com a mulher -
Constatação de difamação à honra da autora - Responsabilidade do réu
demonstrada — Dano moral existente. VALOR DA INDENIZAÇÃO - O valor da
indenização por danos morais deve ater-se aos princípios da proporcionalidade e
razoabilidade, não devendo ser causa de enriquecimento ilícito... . TJSP. 4ª . Câmara de Direito Privado.
Apelação Cível 1006814-86.2015.8.26.0001. Rel. Des. Fábio Quadros. j.
28.03.2019: União estável, casamento e
divórcio... Indenização por danos morais por agressão verbal perpetrada pelo
então cônjuge varão em face da varoa... Indenização pelos danos morais que deve
ser majorada diante da gravidade dos danos sentidos e sofridos pela autora na
presença de filhos e familiares... O valor da indenização pelos danos morais
tem que ser capaz de confortar a vítima da agressão por aquele ilícito, e
também para desestimular a prática de conduta idêntica por parte do réu
agressor. Diante das condições pessoais de ambas as partes e de forma a
evitar-se o enriquecimento sem causa por parte da autora e não onerar
demasiadamente o réu, fixo a indenização pelos danos morais em R$15.000,00
(quinze mil reais), corrigidos monetariamente desde a prática do ato ilícito e
incidindo juros de mora desde a citação.
[36] TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível
0112994-98.2005.8.26.0000, Rel. Des. João Carlos Saletti, j. 13.12.11: RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. Dano
moral. Ação proposta pela ex-mulher contra o ex-marido, fundada em imputação de
adultério e de que um dos filhos do casal não era dele. Filho já adulto e
casado. Casamento que durava mais de trinta anos. Ausência de qualquer prova ou
indício da imputação. Constrangimento perante a família, amigos e vizinhos.
Demonstração da imputação mediante prova testemunhal. Acusação injusta. Dano
moral configurado e demonstrado. Sentença mantida.
[37] TJMG. 2ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 1.0024.05.899601-8/001(1), Rel.
Des. Nilson Reis, j. 06.06.2007: Ação de
separação judicial. Dano moral. Comprovado pelo quadro probatório que o
casamento foi desfeito devido ao ciúme doentio do marido, com cenas
desagradáveis no local de trabalho da mulher, as quais conduziram a tratamento
de depressão na varoa, é cabível o decreto de separação do casal, com a
condenação do marido em indenização por dano moral.
[38] STJ. 3ª Turma, Recurso Especial nº 37051, Rel. Min. Nilson Naves, j.
17.04.2001: A melhor das indicações é a
de que houve comportamento injurioso...tal fato, por si só, enquadra-se, a meu
juízo, para fins de indenização, no art. 159 do Código Civil, que compreende...
também o dano de natureza moral. Se existe um comportamento injurioso diante da
lei brasileira, causando a ruptura do casamento, diante das atitudes
dominadoras do marido que provocaram a instabilidade psíquica da mulher, a
indenização é cabível... A importância pecuniária, recebida pelo cônjuge
inocente, a título de alimentos, por exemplo, não tem a finalidade de reparar
as ofensas físicas e psíquicas sofridas pela esposa. Isto porque os alimentos,
além de serem arbitrados em função do binômio possibilidade/necessidade, tem a
finalidade única de prover a subsistência do alimentando, e não a de ressarcir
o dano moral...
[39] No portal do Superior Tribunal de Justiça, foi noticiado acórdão que
acolheu a teoria da responsabilidade civil em caso de contaminação pelo vírus
da AIDS, proferido pela 4ª Turma, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão. Disponível
em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Quarta-Turma-condena-homem-a-indenizar-ex%E2%80%93companheira-por-transmiss%C3%A3o-do-v%C3%ADrus-HIV.
Acesso em: 07.04.2019.
TJSP, Ap
568.949-4 8-00, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 24/07/2008: Responsabilidade civil – Ruptura de união
estável em situação em que o companheiro contagia a companheira com doenças
sexualmente transmissíveis [sífilis e clamídia], as quais contraiu em contato
com prostituta – Dever de indenizar por caracterizar lesão a direito de
personalidade [integridade física] com dano moral que existe in re ipsa –
Quantum redimensionado...
[40] TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Reflexões sobre o reconhecimento da
filiação extramatrimonial. In NERY
JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade (coords.), Revista de Direito
Privado, Ano 1 – janeiro a março de 2000, São Paulo, Revista dos Tribunais,
2000, p. 71 a 91.
[41] TJSP. Apelação Cível com Revisão nº 361.389-4/2-00, 7ª Câmara “B” de
Direito Privado, Rel. Des. Daise Fajardo Jacot, j. 26.11.2008: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS E
MATERIAIS. FILHA HAVIDA DE RELAÇÃO AMOROSA ANTERIOR. ABANDONO MORAL E MATERIAL.
PATERNIDADE RECONHECIDA JUDICIALMENTE... Os autos revelam que efetivamente a
autora, ora apelante, foi submetida a humilhação e constrangimento pela recusa
do réu, ora apelado, ao reconhecimento da paternidade, somente determinada em
Juízo, à luz da prova hematológica. Ele negou à filha o afeto e carinho de pai,
ao mesmo tempo em que dedicou aos irmãos dela todo o amparo moral e material.
Portanto, a prova dos autos é convincente no tocante à conduta culposa do réu
pelo "abandono moral grave" e ao padecimento da autora, restando
evidenciado o nexo causal entre aquela conduta ilícita e esse dano moral indenizável.
TJSP. Apelação Cível nº 511.903-4/7-00, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des.
Caetano Lagrasta, j. 12/03/2008: Responsabilidade
civil. Dano moral. Autor abandonado pelo pai desde a gravidez da sua genitora e
reconhecido como filho somente após propositura de ação judicial. Discriminação
em face dos irmãos. Abandono moral e material caracterizados. Abalo psíquico.
Indenização devida. Sentença reformada. Recurso provido para este fim. TJSP. Apelação Cível com Revisão n°
394.834-4/0-00, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Beretta da Silveira, j.
30.05.2006: Dano moral - Reconhecimento tardio da paternidade - Cerceamento
de defesa inocorrente – Parcialidade inexistente - Somente acarreta
condenação em dano moral se o comportamento do investigado tipifica ato
ilícito, na recusa ao reconhecimento do filho - O mero não reconhecimento da
paternidade sem que indique conduta ilícita ou mesmo intenção deliberada de
prejudicar, não dá ensejo a indenização por dano moral... - TJSP. Apelação Cível com Revisão n° 394.834-4/0-00,
3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Beretta da Silveira, j. 30.05.2006:...Somente
acarreta condenação em dano moral se o comportamento do investigado tipifica
ato ilícito, na recusa ao reconhecimento do filho - O mero não reconhecimento
da paternidade sem que indique conduta ilícita ou mesmo intenção deliberada de
prejudicar, não dá ensejo a indenização por dano moral...
[42] BARROS MONTEIRO, Washington e TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz. Curso de
direito civil, vol. 2: direito de família, 43ª ed., São Paulo, Saraiva, 2016,
p. 546-555.
[43] TJRJ, 11ª Câm. Cív., AC 2006.001.03858, Rel. Des. José Carlos de Figueiredo, j. 29.03.2006: Legitimidade ad causam. Ação indenizatória.
Abuso sexual praticado contra menor de idade. Circunstância em que a mãe da
vítima pode postular a reparação de lesões extrapatrimoniais. Sofrimento
suportado pela filha que também atinge sua genitora. Aplicação da teoria do
dano ‘ricochete’ ou dano reflexo.
[44] Tribunal de Alçada de Minas Gerais. 7ª Câmara Cível, Apelação Cível nº
408.550-5, Rel. Juiz Unias Silva, j. 01.04.2004: Indenização danos morais. Relação paterno-filial. Princípio da
dignidade da pessoa humana. Princípio da afetividade e a dor sofrida pelo
filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência,
ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no
princípio da dignidade da pessoa humana.
[45] STJ. REsp 757.411/MG, 4ª T., Rel. Min. Fernando Gonçalves, j.
29.11.2005 : Responsabilidade civil.
Abandono moral. Reparação. Danos morais. Impossibilidade. 1. A indenização por
dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à
aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 (atual art. 186 do
Código Civil) o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso
especial conhecido e provido.
[46] TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz, Responsabilidade civil nas relações
entre pais e filhos. In: Questões
controvertidas no novo Código Civil” (DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones
Figueirêdo. (Org.). São Paulo: Método, 2006, v. 5, p. 463-475.
[47] CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. A
Responsabilidade Civil por Dano Afetivo. In
Família e Pessoa : uma questão de princípios. TAVARES DA SILVA, Regina
Beatriz e BASSET, Ursula (Coord.), São Paulo: YK, 2018, p. 681 a 699.
[48] STJ, REsp 1.159.242, 3ª Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j.
24.04.2012 : CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1.
Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade
civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O
cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico
brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam
suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar
que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se
reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque
o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário
dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da
imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação
por danos morais por abandono psicológico... Outros acórdãos, no mesmo sentido: TJSP, Ap.
4005529-88.2013.8.26.0320, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Giffoni
Ferreira, j. 21.10.2014: ABANDONO MORAL –
AUSÊNCIA DE ALIMENTOS E PRESENÇA DO PAI NA VIDA DO FILHO – FALHA DO APELO COM
NÃO TANGENCIAR O MÉRITO – EIVA ELIMINADA PELA INTERPRETAÇÃO LÓGICOSISTEMÁTICA
DO PEDIDO - DANOS MORAIS PLEITEADOS – CONFIGURAÇÃO – RÉU QUE ADMITE AFASTAMENTO
DA FILHA POR PROBLEMAS COM A MÃE DESTA – INADMISSIBILIDADE – CONFISSÃO SEGURA
DA AUSÊNCIA VOLUNTÁRIA DO RÉU NO ACOMPANHAMENTO DA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA DO
APELANTE – DANO MORAL RECONHECIDO – NEXO CAUSAL EVIDENTE – PENA PECUNIÁRIA
DEFERIDA NÃO POR NÃO SENTIR AMOR SENÃO POR O NÃO PROCURAR SENTIR – ABANDONO
MATERIAL E MORAL CONFIGURADO... TJSP, Ap. 0005780-54.2010.8.26.0103, 7ª
Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ramon Mateo Júnior, j. 14.05.2014: DANO MORAL. Ação de indenização por danos
morais ajuizada por filho em face de genitor, com alegação de abandono afetivo
e material, eis que fruto de relacionamento extraconjugal, havendo o reconhecimento
da paternidade tardio, com diluição de bens. Comprovação do relacionamento do
réu com a genitora do autor. A responsabilidade da paternidade vai além do
meramente material, implicando em procurar moldar no caráter dos filhos os
valores e princípios que lhes farão enveredar pela vida, cônscios da
necessidade da prática do bem, que norteará sua busca pela felicidade e pautará
a conduta dos mesmos nos anos vindouros, seja no lado emocional, seja no lado
profissional e igualmente no lado espiritual, vez que a religião corrobora para
aprimorar o caráter. Abandono afetivo e material configurados. Dano moral
comprovado. Nesse sentido, vide
também: TJDFT. 3ª Turma Cível. AC 0006983-72.2016.8.07.0005. Relª. Desª. Maria
de Lourdes Abreu, j. 11.12.2019: ...FAMÍLIA.
AFETO. VALOR JURÍDICO. DIREITO DA PERSONALIDADE. ABANDONO AFETIVO.
RESPONSABILIDADE CIVIL. REQUISITOS. PRESENTES. DANO MORAL. CONFIGURADO. ÔNUS DA
PROVA. COMPROVAÇÃO. ... 2. Os limites do exame jurisdicional para a análise da
ocorrência de abandono afetivo estão delimitados pela verificação objetiva do
cumprimento ou não da obrigação jurídica de cuidados de criação e educação,
dentro das possibilidades factíveis dos membros do núcleo familiar, nos termos
do artigo 227 da Carta Magna. ... 4. No âmbito das relações familiares, para a
configuração da responsabilidade civil do genitor, no caso de abandono afetivo,
deve ficar comprovada a conduta omissiva ou comissiva deste quanto ao dever
jurídico de convivência com o filho; o dano, caracterizado pelo transtorno
psicológico sofrido, e o nexo causal entre o ilícito e o dano suportado, nos
termos do artigo 186 do Código Civil... TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, AC 1002089-03.2018.8.26.0566. Relª.
Desª. Viviani Nicolau, j. 28.11.2019: APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR ABANDONO AFETIVO. Sentença de
procedência. Inconformismo do réu. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. Autora que
não busca reparação por desamor do genitor, mas sim em decorrência de
negligência caracterizada pela inobservância de deveres de convívio e cuidado
... Entendimento pacificado pelo STJ no julgamento do REsp nº 1.159.242/SP,
neste sentido. MÉRITO. Elementos presentes nos autos que deixam clara a
indiferença e negligência do genitor com relação à menor, diagnosticada como
portadora de transtorno do espectro autista... Indenização por danos morais
arbitrada em R$ 30.000,00 ... Sentença confirmada. Sucumbência recursal do réu.
NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.TJMG.
9ª Câmara Cível. AC 1.0637.14.006579-7/001. Rel. Des. Márcio Idalmo Santos
Miranda, j. 28.11.2019: DIREITO
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO CÍVEL RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO
- DANO MORAL - ALEGAÇÃO DE ABANDONO AFETIVO POR PARTE DE GENITOR - CONDUTA
ILÍCITA DO RÉU - NÃO CONFIGURAÇÃO - PEDIDO IMPROCEDENTE - RECURSO NÃO PROVIDO.
A possibilidade de compensação pecuniária a título de danos morais e materiais
por abandono afetivo exige detalhada demonstração do ilícito civil, cujas
especificidades ultrapassem, sobremaneira, o mero dissabor, para que os
sentimentos não sejam mercantilizados e para que não se fomente a propositura
de ações judiciais motivadas unicamente pelo interesse econômico-financeiro
(STJ, REsp n.º 1.493.125/SP).
[49] LEITE, Eduardo de Oliveira. Alienação parental: do mito à realidade. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
[50] TJDF, APELAÇÃO 0709881-86.2017.8.07.0003, 1ª Turma Cível, Rel.
Desembargadora SIMONE LUCINDO, j. 3/02/2019: APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS
MORAIS. REALIZAÇÃO DE BATIZADO DA FILHA SEM O CONHECIMENTO DO PAI. OMISSÃO
PROPOSITAL PELA MÃE DA CRIANÇA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM COMPENSATÓRIO.
PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. MAJORAÇÃO. NÃO CABIMENTO. 1. Para a fixação
do valor de compensação dos danos morais, deve o julgador tomar em consideração
diversos fatores, como as circunstâncias do ocorrido, a extensão do dano e a
capacidade econômica das partes envolvidas, atentando-se, ainda, para que o
quantum não seja estipulado em patamar tão alto que consubstancie
enriquecimento sem causa da vítima, nem tão ínfimo que não sirva como
desestímulo ao responsável para adoção de medidas que busquem evitar a ação
lesiva de terceiros. Assim, observados tais parâmetros, não é cabível a
majoração do montante arbitrado. 2. Apelação cível conhecida e não provida.
[51] Cf. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito
Civil, v. 6: Direito das Famílias. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 684 a
686. E também: DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6ª
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 49.
[52] Consoante o disposto no art. 14 do Estatuto do Idoso, caso a obrigação
alimentar não possa ser arcada pelos familiares, o provimento caberá ao Poder
Público, no âmbito da assistência social.
[53] “Todas as alusões legais deveriam ser anteriormente afirmadas através da
vida familiar e de seu impacto na sociedade. Em realidade, à medida que o
respeito social é cultivado, a ordem jurídica será mero reflexo dos valores que
embasam o comportamento geral, consolidando o costume.” GANDRA MARTINS, Angela
Vidal. A proteção ou a projeção da maior idade: uma breve análise
antropológico-jurídica. In Família e Pessoa: uma questão de princípios. TAVARES
DA SILVA, Regina Beatriz e BASSET, Ursula (Coord.), São Paulo: YK, 2018, p.
132.
[54] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. Atual. Eduardo
Carlos Bianca Bittar. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.
208/218.
[55] (STJ, 3ª Turma, Resp nº 1.675.874/MS, Relator Ministro Rogerio Schietti
Cruz, j. 28/02/2018). RECURSO ESPECIAL. RECURSO SUBMETIDO AO RITO DOS
REPETITIVOS (ART. 1.036 DO CPC, C/C O ART. 256, I, DO RISTJ). VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO MÍNIMA. ART.
397, IV, DO CPP. PEDIDO NECESSÁRIO. PRODUÇÃO DE PROVA ESPECÍFICA DISPENSÁVEL.
DANO IN RE IPSA. FIXAÇÃO CONSOANTE PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUÍZO. RECURSO ESPECIAL
PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça ... tem avançado na maximização dos
princípios e das regras do novo subsistema jurídico introduzido em nosso
ordenamento com a Lei n. 11.340/2006... 3. A evolução legislativa ocorrida na
última década em nosso sistema jurídico evidencia uma tendência, também
verificada em âmbito internacional, a uma maior valorização e legitimação da
vítima, particularmente a mulher, no processo penal. 4. Entre diversas outras
inovações introduzidas no Código de Processo Penal com a reforma de 2008,
nomeadamente com a Lei n. 11.719/2008, destaca-se a inclusão do inciso IV ao
art. 387, que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte Superior,
contempla a viabilidade de indenização para as duas espécies de dano – o
material e o moral –, desde que tenha havido a dedução de seu pedido na
denúncia ou na queixa. 5. Mais robusta ainda há de ser tal compreensão quando
se cuida de danos morais experimentados pela mulher vítima de violência
doméstica. Em tal situação, emerge a inarredável compreensão de que a fixação,
na sentença condenatória, de indenização, a título de danos morais, para a
vítima de violência doméstica, independe de indicação de um valor líquido e
certo pelo postulante da reparação de danos, podendo o quantum ser fixado
minimamente pelo Juiz sentenciante, de acordo com seu prudente arbítrio. 6. No
âmbito da reparação dos danos morais – visto que, por óbvio, os danos materiais
dependem de comprovação do prejuízo, como sói ocorrer em ações de similar
natureza –, a Lei Maria da Penha, complementada pela reforma do Código de
Processo Penal já mencionada, passou a permitir que o juízo único – o criminal
– possa decidir sobre um montante que, relacionado à dor, ao sofrimento, à
humilhação da vítima, de difícil mensuração, deriva da própria prática
criminosa experimentada 7. Não se mostra razoável, a esse fim, a exigência de
instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de humilhação, da
diminuição da autoestima etc., se a própria conduta criminosa empregada pelo
agressor já está imbuída de desonra, descrédito e menosprezo à dignidade e ao
valor da mulher como pessoa. 8. Também justifica a não exigência de produção de
prova dos danos morais sofridos com a violência doméstica a necessidade de
melhor concretizar, com o suporte processual já existente, o atendimento
integral à mulher em situação de violência doméstica, de sorte a reduzir sua
revitimização e as possibilidades de violência institucional, consubstanciadas
em sucessivas oitivas e pleitos perante juízos diversos. 9. O que se há de
exigir como prova, mediante o respeito ao devido processo penal, de que são
expressão o contraditório e a ampla defesa, é a própria imputação criminosa
..., porque, uma vez demonstrada a agressão à mulher, os danos psíquicos dela
derivados são evidentes e nem têm mesmo como ser demonstrados.
[56] MEDINA, Graciela ; MAGAÑA, Ignácio
Gonzales e YUBA, Gabriela. Violência de género y violencia doméstica :
responsabilidad por daños. Santa Fé : Rubinzal-Culzoni, 2013, p.
569.
[57] Savatier, René. Traité de la responsabilité civile en droit français. 12. ed. Paris, LGDJ, 1951, t. II, p. 6.
[58] TAVARES DA SILVA, Regina Beatriz; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso
de Direito Civil, vol. 2. 43. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 111.
[59] Enunciado n. 296 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça
Federal: “Art. 197. Não corre a prescrição entre os companheiros, na constância
da união estável.”.