A PROTEÇÃO JURÍDICA DO IDOSO COMO CONSUMIDOR HIPERVULNERÁVEL

Fabrício Germano Alves

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rio Grande do Norte

[email protected]

Mayara Vívian de Medeiros

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rio Grande do Norte

[email protected]

Resumo: Este trabalho trata da proteção do idoso como consumidor, que em função de sua vulnerabilidade agravada, é considerado como hipervulnerável. É essencial, portanto, questionar se as pessoas idosas, como hipervulneráveis, possuem direitos diferenciados ou especiais, e em caso afirmativo, quais são estes e como podem ser protegidos contra práticas abusivas. Os objetivos deste trabalho incluem: a compreensão dos conceitos e definições gerais do Código de Defesa do Consumidor quanto aos elementos da relação de consumo e das práticas abusivas; a identificação dos direitos elencados no CDC e no Estatuto do Idoso relativos à pessoa idosa como consumidora, construindo diálogos entre as duas leis; e a avaliação de como estes podem ser efetivados e protegidos pelo Poder Judiciário. A metodologia consiste em pesquisa dedutiva, com abordagem qualitativa, propósito descritivo, com a finalidade de propor uma avaliação formativa sobre a temática. A pessoa idosa precisa de proteção especial nas relações de consumo, especialmente por sua situação de hipervulnerabilidade, sendo seus direitos garantidos tanto pelo CDC como pelo Estatuto do Idoso, que utilizados em conjunto, asseguram sua proteção de forma prioritária e mais completa.

Palavras-chave: Direito do Consumidor. Idoso. Hipervulnerabilidade. Práticas abusivas.

The legal protection of the elderly as hypervulnerable consumer

Abstract: This work deals with the protection of the elderly as a consumer, which due to their aggravated vulnerability, is considered as hypervulnerable. It is therefore essential to question whether older people, as hypervulnerable, have differentiated or special rights, and if so, which they are and how they can be protected against abusive practices. The objectives of this work include: an understanding of the concepts and general definitions of the Consumer Protection Code as to the elements of the consumption relationship and abusive practices; the identification of the rights listed in the CDC and the Elderly Statute relating to the elderly as a consumer, constructing dialogues between the two laws; and the evaluation of how they can be enforced and protected by the Judiciary. The methodology consists of deductive research, with qualitative approach, descriptive purpose, with the intention of proposing a formative evaluation on the subject. The elderly person needs special protection in consumer relations, especially because of their hypervulnerability, and their rights are guaranteed by both the CDC and the Elderly Statute, which, when used together, ensure their protection in a priority and more complete manner.

Keywords: Consumer Law. Elderly. Hypervulnerability. Abusive practices.

Introdução

Um dos principais aspectos que permeiam a relação de consumo, na qual incidem as disposições normativas previstas na Lei Federal nº 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), é o princípio da vulnerabilidade do consumidor. Porém, alguns destes consumidores, devido à diversos fatores, podem estar em condições consideradas ainda mais frágeis. Este é o caso das pessoas idosas, que em razão de possuírem uma vulnerabilidade acentuada em relação aos demais consumidores são consideradas “hipervulneráveis”. Este agravamento se dá a partir da perda de algumas aptidões físicas ou psíquicas, que podem prejudicá-los no desenvolvimento das relações de consumo, e em razão da necessidade de produtos e serviços oferecidos por determinados fornecedores, gerando uma espécie de “dependência” em relação às condições dadas por estes. Assim, este trabalho terá como tema principal a proteção conferida às pessoas idosas como consumidores hipervulneráveis.

Dessa forma, é essencial avaliar se as pessoas idosas possuem direitos especiais ou diferenciados devido à sua vulnerabilidade agravada, quais seriam esses direitos e como podem ser garantidos e protegidos no caso de práticas abusivas cometidas por parte de fornecedores. Este tema já é trabalhado na doutrina, de maneira sucinta, sendo, portanto, cada vez mais importante analisar detalhadamente o tema, levando em consideração os fatores que podem contribuir para que os consumidores idosos fiquem expostos à riscos ligados às relações de consumo. O problema da presente pesquisa consiste em saber se os idosos, na condição de consumidores hipervulneráveis, podem ser protegidos de modo diferenciado contra práticas abusivas no Direito brasileiro.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa de vida da população brasileira cresce a cada ano, com um aumento significativo no número de pessoas com idade de sessenta anos ou mais no Brasil, tendo chegado a 30,2 milhões de pessoas em 2017[1]. Este crescimento demonstra a importância de tratar de temas relativos ao envelhecimento, combatendo todo tipo de discriminação e abuso, e buscando a proteção e preservação dos direitos dos idosos, inclusive como consumidores vulneráveis. Portanto, a análise acerca da consolidação e aplicação desses direitos possui bastante relevância na busca pela sua autonomia e integração social.

O presente texto buscará construir um diálogo entre os direitos instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Estatuto do Idoso, analisando a proteção jurídica especial conferida ao consumidor idoso dentro do mercado em geral, por este encontrar-se, por qualquer tipo de limitação, em maior situação de risco e suscetível a ser vítima de práticas abusivas por parte dos fornecedores, que podem até mesmo gerar danos patrimoniais e morais. Este estudo também construirá diálogos do tema com outras disposições normativas tais como a Constituição Federal, o Código Civil, o Código Penal, dentre outras.

Tendo isso em vista, os objetivos a serem alcançados incluem a compreensão dos conceitos e elementos que envolvem a relação de consumo, ou seja, o consumidor e sua vulnerabilidade em diversos aspectos, o fornecedor, produto e serviço, bem como as práticas abusivas vedadas pelo Código de Defesa do Consumidor das quais o idoso pode ser vítima, além de um exame do texto legal (Código de Defesa do Consumidor e Estatuto do Idoso) acerca dos direitos garantidos ao consumidor e às pessoas idosas.

Além disso, busca-se avaliar, através da análise da jurisprudência atual, a maneira pela qual os conceitos relativos ao tema são trabalhados nos fundamentos das decisões e a proteção que é conferida à pessoa idosa como consumidora, de acordo com as definições legais e trabalhadas na doutrina.

A metodologia utilizada diz respeito a pesquisa dedutiva, com abordagem qualitativa, propósito descritivo, e a finalidade de propor uma avaliação formativa. Serão analisadas diretamente as disposições normativas que possuem relação com o tema, principalmente a Lei Federal nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e a Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), associando e comparando os direitos definidos nas duas. Além disso, será examinado um caso prático da jurisprudência atual, a fim de analisar o tratamento dos fatos relatados e a construção dos conceitos e fundamentos utilizados para fins da decisão, que estão relacionados às práticas e direitos trabalhados na proteção do consumidor idoso.

Inicialmente serão definidos os conceitos que compõem a relação jurídica de consumo, ou seja, o consumidor, fornecedor, produto e serviço, abordando a noção de vulnerabilidade presente no CDC, e também será identificado, tendo como base a Lei federal nº 10.471/2003, quem é considerado idoso no Brasil. Esta compreensão básica é fundamental para o entendimento e clareza do tema, já que estes conceitos serão trabalhados ao longo de todo o artigo.

Em seguida serão identificados e analisados os direitos da pessoa idosa no Brasil, baseados no Estatuto do Idoso, e suas ligações com os direitos do consumidor presentes na Lei Federal nº 8.078/1990, o que é essencial à avaliação quanto à proteção dada aos idosos enquanto consumidores.

Por fim, será examinada uma decisão judicial ligada diretamente ao tema, com objetivo de explicitar as formas pelas quais a proteção ao consumidor hipervulnerável é trabalhada na prática, e se este realmente recebe a proteção garantida legalmente.

1. Os elementos da relação jurídica de consumo e a vulnerabilidade do consumidor

As relações de consumo são definidas a partir de um conceito relacional, envolvendo a concepção de seus vários elementos, ou seja, consumidor, fornecedor, produtos e/ou serviços. Dessa forma, para que haja relação de consumo, é necessário que estes componentes estejam presentes e sejam identificados na relação.

O conceito stricto sensu de consumidor está definido no artigo 2º, caput do CDC, que estabelece que este é qualquer pessoa, seja física ou jurídica, que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (BRASIL, 1990). Assim, de maneira geral, entre as partes que realizam o contrato, o consumidor é a parte mais frágil ou vulnerável, que adquire um produto ou serviço, de forma onerosa ou não, sem repassá-lo a um terceiro. Existem algumas teorias, como a Maximalista, que é mais extensiva, e a Finalista, mais restritiva, que buscam definir o conceito de consumidor através de uma análise teleológica, ou seja, da finalidade, relativa à destinação apenas fática, ou também econômica, respectivamente, dada ao produto ou serviço adquirido pelo consumidor. Há também a Teoria Finalista Atenuada, a qual considera que para que uma pessoa seja tida como consumidora é preciso comprovar sua vulnerabilidade, seja técnica, jurídica ou econômica. Esta tendência pode ser observada em algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça[2] (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2013, p. 115-117).

Ainda no artigo 2º, no seu parágrafo único, o Código de Defesa do Consumidor estabelece também uma definição de consumidor por equiparação (consumidor lato sensu), ao indicar que se equipara ao consumidor a coletividade de pessoas, mesmo que sejam indetermináveis, que tenha intervindo nas relações de consumo (BRASIL, 1990). Neste sentido, equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas, cujas vidas ou cotidiano tenha sofrido alguma intervenção decorrida da ação de um fornecedor. Isto pode acontecer, por exemplo, quando uma população ribeirinha é afetada devido à poluição de um rio em decorrência da produção de uma fábrica localizada nas imediações. São também classificados como consumidores por equiparação (lato sensu), no artigo 17 do CDC, as chamadas vítimas do evento danoso ou bystanders, que mesmo não sendo consumidores diretos, são atingidos por algum efeito danoso, ou acidente de consumo (BRAGA NETTO, 2014, p. 133).

Além disso, equiparam-se aos consumidores (consumidor lato sensu) todas as pessoas que estão expostas às práticas comerciais, como estabelecido no artigo 29 do CDC, mesmo que não possam ser identificadas de maneira específica, ou seja, determináveis ou não, expostas às práticas previstas no Código (NUNES, 2017, p. 132).

O conceito de fornecedor é obtido a partir da definição contida no artigo 3º, caput do CDC, que caracteriza como tal qualquer pessoa física ou jurídica, seja pública ou privada, nacional ou estrangeira, que exerça atividade própria de fornecedor, ou seja, produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (BRASIL, 1990). Além de preencher os requisitos contidos no referido texto legal do CDC, para que possa ser considerado fornecedor é preciso que a atividade seja exercida de maneira habitual e de forma profissional, dialogando com a ideia de empresário expressa no artigo 966 do Código Civil[3]. O fornecedor pode ser mediato ou indireto, que é aquele que monta, produz ou fabrica os produtos; ou imediato ou direto, que é aquele que vende, entrega ou presta serviços diretamente ao consumidor (VERDAN, 2013, p. 11).

Quanto ao conceito de produto, segundo o artigo 3º, §1º do CDC, este pode ser qualquer bem, seja ela móvel ou imóvel, material ou imaterial, mas não é essencial que este seja comprado para que seja configurado como tal. Isto pode acontecer devido a denominada gratuidade interessada, presente, por exemplo, no uso de amostras grátis (BRASIL, 1990). É importante lembrar que existem restrições sobre a comercialização de alguns bens, como a que está prevista no artigo 1º da Lei Federal nº 12.921/2013, que proibiu a fabricação e comercialização de produtos destinados ao público infanto-juvenil reproduzindo a forma de cigarros e similares. Além disso, é proibida a venda de produtos considerados ilícitos, como, por exemplo, produtos piratas, que viola direitos autorais e é crime contra a propriedade intelectual[4]; ou drogas, cujo tráfico é indicado como crime no artigo 33 da Lei Federal nº 11.343/2006 (Lei de Drogas)[5].

Serviço pode ser definido como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, por meio de remuneração, incluindo as de caráter bancário, financeiro, de crédito e securitário, exceto as decorrentes de relações trabalhistas, nos termos do artigo 3º, §2º do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990). Não é necessário que o serviço seja remunerado de maneira direta e também há restrições relativas ao parâmetro da legalidade (MIRAGEM, 2016, p. 188, 189). É importante lembrar que serviços de advocacia não são regulados pelo Código de Defesa de Consumidor, sendo regidos pela Lei Federal nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Serviços notariais ou de registro normalmente não são regidos pelo CDC, mas na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça existem decisões que tanto admitem como negam a incidência do CDC sobre estas atividades[6].

Estando definidos, de maneira geral, os elementos da relação de consumo, dentre os vários tipos ou perfis de consumidores, serão analisados de forma mais detalhada os consumidores idosos. A definição de pessoa idosa no Brasil está presente no artigo 2º da Lei Federal nº 8.842/1994 (que instituiu a Política Nacional do Idoso) quando afirma que considera-se como idosa a pessoa maior de sessenta anos de idade (BRASIL, 1994). No mesmo sentido está o artigo 1º da Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o qual define as pessoas idosas como aquelas com idade igual ou superior à sessenta anos de idade (BRASIL, 2003).

A preocupação com consolidação dos direitos das pessoas idosas vem crescendo ao longo dos anos em virtude do aumento da expectativa de vida e da população idosa no Brasil, sendo a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso exemplos da busca pelo estabelecimento de disposições normativas e medidas que visam proteger e promover os direitos das pessoas idosas, como também estimular a sua autonomia, integração e participação social.               

A defesa do consumidor foi no Brasil foi elevada à condição de direito fundamental, no inciso XXXII, artigo 5º da Constituição Federal. A vulnerabilidade do consumidor é um princípio cuja observância está determinada no artigo 4º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor. O microssistema consumerista é constituído por normas de diferentes campos do ordenamento jurídico, v.g., penal e processual civil, e faz parte do esforço e da tendência de legislar com o objetivo de promover maior efetividade normativa na resolução de problemas, construindo conexões dentro do sistema jurídico. Estas normas estão presentes em leis municipais, decretos de agências reguladoras e demais disposições que são aplicadas em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor, que está no centro do microssistema consumerista como norma principal e principiológica (BRAGA NETTO, 2014, p. 39-40).

A vulnerabilidade dos consumidores pode ser técnica, jurídica ou econômica. A vulnerabilidade técnica quer dizer que, na maioria das vezes, os consumidores não têm acesso e conhecimento acerca da montagem, das peças e do funcionamento de alguns produtos, por exemplo. A vulnerabilidade jurídica está relacionada à informação, já que muitos consumidores não têm conhecimento relativo aos seus direitos como tal. Já a vulnerabilidade econômica diz respeito às condições financeiras dos consumidores, que em geral têm um poder aquisitivo inferior ao dos fornecedores de produtos e serviços. Por isso, os consumidores normalmente não possuem muito poder de escolha dentro das relações de consumo, tendo que se submeter às condições estabelecidas pelos fornecedores em uma relação de partes desiguais. Por isso precisam de proteção para que seus direitos não sejam violados (MIRAGEM, 2016, p. 127-130).

As pessoas idosas, como consumidores, obviamente também possuem esses direitos. O idoso, em decorrência de diversos fatores sociais e fáticos, vem recebendo por parte do ordenamento jurídico uma proteção integral (Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso), abrangendo os vários campos de sua vida em sociedade. Este cuidado está ligado ao combate à todas as formas de discriminação em razão de sua condição de pessoa idosa, ou por qualquer tipo de limitação que alguns deles venham a possuir, sejam físicas ou de julgamento devido à saúde, falta de informação, baixa escolaridade, entre outros, que podem deixá-los suscetíveis e mais expostos a práticas abusivas por parte de fornecedores.

Por isso, mesmo que nem todos os idosos possuam algum ou vários tipos de condições limitadoras e estejam bem integrados à sociedade, eles podem ser definidos como consumidores hipervulneráveis, porque além de sua vulnerabilidade como consumidores em geral, podem necessitar de proteção especial por sua condição de pessoa idosa, que pressupõe um risco social, mesmo que relativo. A vulnerabilidade agravada ou hipervulnerabilidade pode ser definida como uma situação fática e objetiva, de natureza social, de agravamento da vulnerabilidade do consumidor, em razão de características pessoais aparentes ou conhecidas pelo fornecedor (MARQUES; MIRAGEM, 2012, p. 188-189).

Neste sentido, os direitos garantidos no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso podem ser utilizados em conjunto para tratar da proteção em relação a esse tipo de consumidor vulnerável. Este esforço também visa o incentivo à sua autonomia e direito de escolha como consumidor e em vários campos do seu cotidiano, buscando uma melhor qualidade em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República brasileira, presente no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal[7].

2. Direitos básicos do idoso consumidor

A Lei Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) é de grande importância para a efetivação da proteção dos direitos da pessoa idosa, garantindo em seu artigo 2º, que estes gozam de todos os direitos fundamentais relativos à pessoa humana, e determinando que toda a sociedade possui o dever de preservar e efetivar esses direitos, protegendo as pessoas idosas de todo tipo de discriminação ou abuso. Como demonstrado no artigo 3º, toda a sociedade, incluindo a família, a comunidade e o Poder Público, tem o dever de garantir ao idoso, com prioridade, o acesso efetivo aos seus mais variados direitos. Estes incluem desde os mais básicos, como saúde e alimentação, a outros que também são essenciais para uma melhor qualidade de vida, como o direito à cultura, educação, lazer, esporte, trabalho, liberdade, dignidade, respeito, entre outros[8].

O próprio envelhecimento é tratado como um direito personalíssimo essencial inerente ao direito à vida, segundo o artigo 8º da Lei Federal nº 10.741/2003. Além dos direitos relacionados no referido artigo, o Estatuto do Idoso ainda trata, dos artigos 29 a 42, acerca do direto à profissionalização, da previdência e assistência social, habitação e transporte como direitos fundamentais do idoso, estabelecendo sua prioridade em uma série de serviços públicos e privados, e medidas de proteção e efetivação destes. É possível observar o esforço na defesa desses direitos através de algumas garantias específicas que os idosos possuem como consumidores. Por exemplo, o direito à 50% de desconto nos ingressos para atividades recreativas públicas ou privadas (artigo 23 do Estatuto do Idoso), a gratuidade no uso dos transportes coletivos urbanos e semi-urbanos para maiores de sessenta e cinco anos (artigo 39 do Estatuto do Idoso), a regulamentação das entidades de atendimento do idoso (artigos 48 a 51 do Estatuto do Idoso), cuja oferta de serviços está regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, entre outros.

É importante examinar de maneira mais detalhada o artigo 10 do Estatuto do Idoso, que trata do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade da pessoa idosa, que envolve a obrigação do Estado e da sociedade de garantir a efetivação dos direitos políticos, civis, individuais e sociais do idoso, assegurados também no artigo 1º, III, 5º, caput e 230 da Constituição Federal.

Especialmente em relação ao direito ao respeito, o artigo 10, §2º do Estatuto do Idoso enfatiza a importância da integridade moral e psíquica do idoso, do respeito à sua autonomia e bens pessoais, e determina que é dever de todos preservar sua dignidade, protegendo-o de qualquer tratamento vexatório ou constrangedor[9]. Esta proteção está em consonância com o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, no qual o respeito à dignidade do consumidor é entendido como uma necessidade deste, e um dos principais objetivos da Política Nacional de Relações de Consumo (BRASIL, 1990).

As regras e princípios presentes ao longo do Estatuto do Idoso, em geral trazem à tona a importância da autonomia e do direto de escolha dos idosos, de opinar a respeito dos diversos campos de sua vida e do seu cotidiano, com total compreensão acerca de questões que envolvam, entre outros aspectos, seus bens materiais e patrimônio, evitando abusos e qualquer tipo de violência, constrangimento ou dano moral. Isto demonstra a importância do papel dos fornecedores, ao atender uma pessoa idosa, em garantir o acesso à todas as informações, de maneira prévia, clara e de fácil compreensão, sobre os dados envolvidos especialmente nas relações contratuais, respeitando seu direito de escolha e controle sobre seu patrimônio (artigos 6, III e 46 do Código de Defesa do Consumidor).

O próprio artigo 4º do Estatuto do Idoso aponta que nenhum idoso dever ser alvo de qualquer tipo de discriminação, negligência, violência, crueldade ou opressão, ou qualquer atentado aos seus direitos, seja por ação ou omissão, e em caso de ocorrência de alguma violação ou inobservância das determinações e princípios estabelecidos no Estatuto, esta poderá ser punida na forma da lei. Um exemplo de violação a esse direito seria o caso de um contrato de empréstimo onde o idoso não foi informado corretamente sobre o valor total a ser pago de volta ao banco nem da incidência da taxa de juros cobrada pela instituição financeira, correndo o risco de comprometer grande parte de seu patrimônio.

Em caso de violação de qualquer espécie, o idoso tem garantido o seu acesso à justiça, observando-se as normas do processo civil, também com prioridade de atendimento, nos termos dos artigos 69 e 71 do Estatuto do Idoso[10], que destina o Capítulo I do Título V à definição e explicação dos crimes contra a pessoa idosa, em especial aos que envolve discriminação e menosprezo pelo idoso, exemplificado pelo texto legal do artigo 96, sendo crimes de ação penal pública incondicionada (BRASIL, 2003). O direito de acesso à justiça também é assegurado ao idoso como consumidor, em conformidade com o artigo 6º, inciso VII do Código de Defesa do Consumidor, que garante ao consumidor o acesso aos órgãos judiciários e administrativos para prevenção ou reparação de danos provenientes de uma relação de consumo (BRASIL, 1990).

A Lei Federal nº 8.078/1990 também dá atenção especial aos direitos básicos que os consumidores têm como tal, alicerçados nos princípios do microssistema consumerista e trabalhados no próprio Código, visando especialmente a proteção do consumidor como a parte mais vulnerável da relação de consumo. Seus direitos básicos são apresentados nos artigos 6º e 7º do Código de Defesa do Consumidor, entre os quais destaca-se: o artigo 6º, inciso III, que estabelece como direito do consumidor a informação adequada e clara sobre produtos e serviços, especificando sua quantidade, características, composição, qualidade e preço, e riscos que apresentem; o artigo 6º, inciso IV, ao indicar que o consumidor tem direito à proteção contra publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, e contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; e o artigo 6º, inciso VI, que apresenta o direito à prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos, decorrentes de uma relação de consumo (BRASIL, 1990).

Os direitos apresentados no Código de Defesa do Consumidor estão em consonância com outras garantias e princípios presentes na legislação interna do país, principalmente com o princípio da dignidade da pessoa humana, garantido no artigo 1º III, da Constituição Federal, mantendo, assim ligação com as demais disposições normativas do ordenamento jurídico brasileiro. Dentre os diretos garantidos pelo CDC, destaca-se a importância, em relação aos consumidores na condição de pessoa idosa, da informação adequada e clara sobre os produtos e serviços oferecidos, a sua proteção contra práticas enganosas e abusivas, nos termos do artigo 6º, incisos III e IV, pois existe a possibilidade de alguns fornecedores aproveitarem qualquer possível limitação ou dificuldade de julgamento que o idoso venha a ter para coagi-lo ou enganá-lo, induzindo-o com meios ardilosos a aceitar determinadas condições nefastas ao adquirir produtos e serviços sem deixar claro ou facilitar seu acesso e compreensão de todos os detalhes e dados essenciais envolvidos. Assim, o fornecedor deve atender ao idoso de uma maneira que facilite a compreensão de todas as informações de maneira prévia, de acordo com as necessidades e interesses do mesmo também enquanto consumidor.

As práticas abusivas das quais o idoso pode ser vítima, em virtude de sua hipervulnerabilidade, são trabalhadas nos artigos 39 a 41 do Código de Defesa do Consumidor, mas não limitadas às exemplificadas no Código. Estas vão diretamente de encontro aos princípios gerais do CDC e do microssistema consumerista, abusando da relativa dependência dos consumidores ao mercado para agir com deslealdade, desonestidade falta de cooperação, impondo vantagens excessivas ou oferecendo produtos e serviços com condições que muitas vezes não são facilmente identificadas pelos consumidores, desequilibrando a relação de consumo. A concepção de prática abusiva tem relação com a chamada doutrina do abuso do direito (GONÇALVES, 2016, p. 517), que pode ser definida como a consequência do excesso no exercício de um direito, que é capaz de causar dano a uma outra pessoa (NUNES, 2017, p. 187-188).

As práticas abusivas são ações realizadas pelos fornecedores que causam prejuízo, desrespeito e abusam da boa-fé do consumidor para alcançar seus objetivos de lucro, aumento de vendas e conquista de clientela. São vedadas na lei, ilícitas em si, e caso verificadas pelos órgãos de defesa do consumidor, independentemente do valor do dano, são passíveis de sanções nas esferas civil, penal e administrativa. São elencadas exemplificativamente no artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (FINKELSTEIN; SACCO NETO, 2010. p. 97-98).

Dentre as práticas abusivas previstas no artigo 39 CDC, é importante destacar o conteúdo do inciso IV[11]. A noção trabalhada neste inciso diz respeito à relação direta entre fornecedor e consumidor e decorre diretamente da vulnerabilidade deste que não possui acesso à totalidade das informações que permeiam a relação negocial. Esta prática se configura quando, ao estabelecer uma relação de consumo com um consumidor que possui alguma fragilidade, restrição ou limitação física, biológica ou de raciocínio, o fornecedor impõe e coage o consumidor a aceitar seus produtos e serviços, muitas vezes sob condições bastante desfavoráveis, ou que geram desvantagem excessiva.

Fatores como idade e saúde, até mesmo pela necessidade de algum tipo de ajuda, podem contribuir para que o consumidor se submeta ao oferecido pelo fornecedor sem o conhecimento de detalhes importantes da relação, assumindo obrigações, assinando algum contrato ou comprometendo seu dinheiro ou bens pessoais sem total ideia de todos os ônus e compromissos envolvidos. Isto pode gerar constrangimentos futuros, indo de encontro à proteção que deve ser dada ao idoso segundo os artigos 2º, 3º, 10, §2º e 3º, e 43 do seu Estatuto, que apresentam os direitos básicos e fundamentais da pessoa idosa e estabelecem o dever de toda a sociedade em garanti-los e preservá-los por meio de medidas de proteção quando violados. No mesmo sentido está a proteção contratual prevista no artigo 46 do CDC[12], que demonstra a importância do conhecimento prévio e total do contrato por parte do consumidor (TARTUCE; NEVES, 2014, p. 300).

Isto pode acontecer, por exemplo, em um caso no qual uma pessoa idosa vai sozinha a um banco para realizar alguma operação simples e o atendente, aproveitando-se do fato de o idoso estar sozinho e ter alguma limitação de conhecimento ou julgamento, o convence a concordar e assinar um contrato no qual ele investe o dinheiro que tinha na poupança em algum programa ou consórcio do banco, sem deixar claro ou dar oportunidade do idoso-consumidor ter conhecimento da essência do contrato e de todas os gastos, obrigações e encargos envolvidos e, portanto, sem ter seu consentimento completo.

O idoso-consumidor possui proteção especial neste sentido, a partir das disposições normativas do Código de Defesa do Consumidor, nos artigos 6º e 7º e 46, em diálogo com os direitos garantidos no Estatuto do Idoso, especialmente nos artigos 2º, 3º, 10, 43 e 71. Práticas ou cláusulas contratuais abusivas, expostas ao consumidor idoso, podem deixá-lo em situação desfavorável ou desequilibrada no que diz respeito à relação de consumo, tendo em vista sua hipervulnerabilidade, desrespeitando sua autonomia, direito de escolha e controle patrimonial, entre outros. No caso de abuso ou desrespeito a esses direitos e princípios, o artigo 6º, incisos VI a VIII do CDC garantem que todos os consumidores têm direito à reparação dos danos causados, sejam eles materiais ou morais, com acesso à justiça facilitado, inclusive com a possibilidade da inversão do ônus da prova, baseado no princípio da vulnerabilidade do consumidor e da sua hipossuficiência, situação em que o consumidor tem menos condições de produzir as provas dos fatos inseridos no processo (BOLZAN, 2014, p. 154-156).

3. A defesa do consumidor idoso na jurisprudência nacional

A análise da jurisprudência nacional é importante para observar e compreender se os direitos do consumidor idoso, na qualidade de hipervulnerável, estão sendo respeitados, e a maneira como são tratados sob a luz da legislação vigente.

Neste sentido, será analisado um caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[13]. Na ação inicial, a Autora de 67 anos de idade relatou que em novembro de 2015 dirigiu-se à empresa financeira para se informar sobre um empréstimo no valor de R$ 1.000. Porém, acabou contratando um cartão de crédito, que não chegou em suas mãos, e a fizeram assinar um contrato de empréstimo no valor de R$ 7.803,83, a ser pago em 72 prestações descontadas em sua aposentadoria, comprometendo cerca de 30% do valor do benefício, e lhe enviaram um boleto no valor de 8.249,99 para ser pago, sem esclarecimento da origem do débito.

A parte Autora pediu o cancelamento dos descontos na folha, a devolução das parcelas descontadas e do valor depositado em seu favor para financeira, bem como uma indenização por dano moral. A parte Ré apresentou defesa afirmando a incompetência do juizado especial, a impossibilidade de cumprimento da decisão, já que os descontos são realizados pelo empregador, ausência de dano moral, exercício regular de direito e ainda a existência de fraude alegando culpa de terceiro que se fez passar pela Autora.

O recurso teve como objetivo revisar a sentença da ação original, na qual foi declarado inexistente o contrato de empréstimo entre as partes, condenando o Réu a restituir os valores à Autora da ação inicial, liberando o valor depositado judicialmente pela demandante em favor da financeira.

O Relator do recurso votou no sentido de que a decisão da ação inicial fosse mantida, com a descontinuidade do contrato, sem gerar mais ônus ou prejuízos à Autora, reconhecendo a aplicação conjunta do Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso. O contrato assinado pela Requerida estava em branco, constando apenas assinatura da parte Autora, mostrando que muitos aspectos do contrato precisavam de mais esclarecimentos, e dificultando o conhecimento e acesso da Parte Autora ao seu conteúdo.

Pode-se observar que na decisão do recurso, o julgador, apesar de não trabalhar diretamente com os conceitos, levou em consideração a vulnerabilidade da consumidora idosa na relação com a financeira, e deu tratamento especial ao caso ao construir um diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, fundamentando sua decisão especialmente com base no direito à liberdade de escolha e igualdade nas contratações, a informação adequada sobre os produtos e serviços, e a proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais, junto com a proteção contra práticas e cláusulas abusivas, previstos nos incisos II a IV do artigo 6º do CDC. O uso, em conjunto, das duas fontes legislativas está em consonância com a teoria do “diálogo das fontes”, cuja ideia central é de que várias fontes do Direito coexistem de maneira harmoniosa e podem ser aplicadas de forma coerente, concedendo maior proteção ao consumidor (MARQUES; MAZZUOLI, 2011, p. 129-133). Assim, em seu voto ficou evidente que o Relator considerou a importância da autonomia da pessoa idosa e da preservação dos seus bens pessoais, bem como o afastamento de qualquer situação que cause constrangimento, que podem ser observados nos artigos 2º e 3º do Estatuto do Idoso.

Assim, para fins da decisão, o Relator concluiu que as provas apontavam para um desrespeito das regras consumeristas, o que colocou a Autora em situação de risco, pois a empresa retirou o direito da consumidora de ter conhecimento dos termos do contrato, indo de encontro ao direto à informação, disposto no artigo 6º, inciso III do CDC. Além disso, foi levado em consideração o disposto no artigo 43, inciso III do Estatuto do Idoso, indicando que as medidas de proteção tratadas no mesmo são aplicáveis quando um direito deste for violado em razão de sua condição pessoal[14]. O voto do Relator também refletiu a proteção contratual do consumidor, direito também garantido no artigo 46 do CDC, que define que o contrato que não é conhecido, em seu sentido a alcance, de maneira prévia pelo consumidor, ou cujo acesso lhe é dificultado, não o obriga[15].

Também foi garantido o direito de acesso à justiça à Autora, para defesa de seus direitos, garantido nos artigos 69 a 71 do Estatuto do Idoso e no artigo 6º, inciso VII do CDC, bem como reconhecendo a configuração de práticas abusivas presentes na relação de consumo, especialmente as apresentadas nos incisos IV e V do artigo 39 do CDC, considerando que o fornecedor prevaleceu-se da fraqueza ou ignorância da consumidora, em sua condição de idade, para impingir-lhe um produto ou serviço, exigindo uma vantagem excessiva, sem que ela tivesse conhecimento de todos os detalhes envolvidos.

Por fim, a decisão da ação inicial em 1ª instância foi mantida pelo Relator e demais participantes do julgamento, sendo os recursos negados e as partes recorrentes vencidas foram condenadas ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios. É importante ressaltar que o artigo 6º, incisos VI e VII do Código de Defesa do Consumidor garantem que o consumidor tem direito à reparação de danos patrimoniais e morais, mas neste caso, o julgador considerou que apesar de todo o transtorno causado, não houve dano moral passível de indenização, usando como fundamento para sua decisão uma questão que envolve apenas o dano patrimonial, justificando a partir do fato de que apenas três prestações do contrato foram descontadas, havendo, portanto, apenas um transtorno à pessoa idosa, e não uma lesão à personalidade. O julgador construiu uma relação direta entre o prejuízo material comprovado e o dano moral, não reconhecendo este mesmo com o constrangimento e abuso sofrido pela consumidora em sua condição de pessoa idosa e hipervulnerável.

Neste ponto, o julgador evidenciou que apesar de reconhecer a vulnerabilidade da consumidora como pessoa idosa, e sua falta de conhecimento dos termos contratuais, ao mesmo tempo avaliou que esta foi “descuidada” ao assinar um documento em branco, dando causa ao prejuízo sofrido, e a proteção judicial oferecida limitou-se ao dano material e não abrangeu a reparação do dano moral sofrido pela consumidora. O dano moral configura-se com a ofensa ou violação dos bens de ordem moral de uma pessoa, prejudicando de maneira perceptível sua liberdade, honra, dignidade, saúde ou imagem, entre outros, causados por determinada conduta ilícita, causando prejuízo imaterial, segundo o artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Mas sua justificação não possui critérios objetivos e precisa ser analisada a cada caso, de acordo com o comportamento humano (VENOSA, 2015, p. 52).

Dessa forma, fica a critério do julgador avaliar se houve dano moral de acordo com os elementos que o definem legalmente, desde que o equilíbrio das relações sociais e de consumo sejam mantidos. Neste caso, o julgador reconheceu a vulnerabilidade da consumidora que também é idosa, mas não de maneira absoluta, concentrando a proteção oferecida apenas aos danos materiais, não dando proteção integral por não reconhecer que houve dano moral no caso específico.

Conclusão

Dentro do campo de estudo das relações de consumo no Brasil, a proteção à pessoa idosa possui grande relevância, não só pelo crescimento da população idosa, mas também por sua maior presença no mercado de consumo, na busca pela satisfação de suas necessidades básicas e no esforço pela melhoria de sua qualidade de vida, ao adquirir produtos ou serviços. As necessidades e interesses dos idosos no mercado de consumo constituem um campo que também chama a atenção dos fornecedores, e disso resulta a importância deste tema, visando a defesa dos direitos do consumidor idoso, evitando que este seja vítima de qualquer tipo de abuso, bem como na promoção de sua defesa no caso de qualquer tipo de violação à estes direitos, observando, em especial o princípio da vulnerabilidade dentro das relações de consumo.

A vulnerabilidade do consumidor que é idoso, agravada em virtude das perdas de aptidões físicas ou intelectuais provenientes da idade, sejam a partir de condições físicas ou psíquicas, ou no esforço para suprir suas necessidades dentro do mercado de consumo, os deixa mais sensíveis e sob risco de sofrerem danos provenientes de práticas abusivas.

Quando um fornecedor comete uma prática abusiva em face de uma pessoa idosa, infringe os direitos da pessoa de pelo menos duas maneiras, violando seus direitos tanto como consumidora quanto como pessoa idosa, causando um dano ainda mais grave. Quando um fornecedor impõe a aceitação dos seus produtos e serviços, sob condições não reconhecidas pelo consumidor em sua totalidade de sentido e alcance (artigo 39, inciso IV, CDC), não comete somente uma prática abusiva, mas também vai de encontro aos direitos do idoso tais como a dignidade, o respeito, e a inviolabilidade e autonomia quanto aos seus bens e interesses pessoais, garantidos nos artigos 3º e 10, §2º do Estatuto do Idoso. A legislação nacional é bem abrangente no que se refere aos direitos do idoso e nas formas de sua promoção e defesa, bem como na definição dos direitos do consumidor, especialmente do direito à informação (artigo 6º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor) e na reparação de danos, resultante da oposição às práticas abusivas por parte de fornecedores. Estes direitos, quando efetivados, podem demonstrar bastante eficiência no equilíbrio das relações de consumo.

Por isso, o consumidor idoso deve sim receber atenção especial, com os direitos presentes no Estatuto do Idoso e os definidos no Código de Defesa do Consumidor garantidos e preservados, devendo inclusive ser observados em conjunto, em conformidade com os princípios do microssistema consumerista e especialmente com o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da Constituição Federal). Este esforço pela proteção do consumidor idoso hipervulnerável está de acordo com o dever de todos, definido nos artigos 2º e 3º do Estatuto do Idoso, de preservar e efetivar os direitos da pessoa idosa.

Por outro lado, é importante ver que o reconhecimento da hipervulnerabilidade à pessoa idosa como consumidora não significa que esta não possa ter respeitada a sua autonomia, tendo em vista as capacidades e aptidões que possui, e seu direito de escolha ao adquirir produtos e serviços, conforme o artigo 6º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor.

Desta forma, pode-se ver que o consumidor idoso possui não direitos essencialmente diferentes em relação aos outros consumidores, mas deve receber atenção e proteção especial ou diferenciada, dentro das relações de consumo e no mercado em geral, em virtude de sua condição como tal, construindo efeitos práticos com o diálogo e conexões entre Estatuto do Idoso e Código de Defesa do Consumidor.

A partir do que se observa na jurisprudência nacional, o reconhecimento da hipervulnerabilidade da pessoa idosa como consumidora pode ter resultados efetivos não só na preservação de seus direitos, mas também quando o julgador observa com mais facilidade, ao analisar os fatos, a sua vulnerabilidade agravada por limitações e perda de capacidades, analisando com clareza os danos patrimoniais ou morais sofridos pelo idoso. As conexões feitas entre os direitos e medidas de proteção do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor contribuem para o oferecimento de uma proteção especial e integral à pessoa idosa como consumidora, em sua excepcional vulnerabilidade.

Esta proteção é de enorme importância não só na busca pelo equilíbrio entre os elementos da relação de consumo, mas também na efetivação dos direitos fundamentais da pessoa idosa, garantindo sua autonomia, participação social e acesso às suas necessidades e desejos com dignidade e sem abusos, tendo em vista o esforço pela pacificação social buscada pelo Direito nos vários campos do ordenamento jurídico.

Referências

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Submetido em: 20 nov. 2019.

Aceito em: 27 dez. 2022.

 



[1]    AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS. Número de idosos cresce 18% em 5 anos e ultrapassa 30 milhões em 2017. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/20980-numero-de-idosos-cresce-18-em-5-anos-e-ultrapassa-30-milhoes-em-2017.html. Acesso em: jun. 2018.

[2]    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 509.304. Rel. Ministro Villas Bôas Cueva. 3ª Turma. DJ 23/05/2013.

[3]    Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

[4]    Art. 184, Código Penal. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:

pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

[5]    Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

pena reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

[6]    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 625144/SP. T3 – Terceira Turma. Rel. Ministra Nancy Andrighi. Julgamento em: 14/03/2006. DJ 29/05/2006. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.163.652/ PE. T2 – Segunda Turma. Rel. Min. Herman Benjamin. Julgamento em: 01/06/2010. DJe 01/07/2010.

[7]    Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana.

[8]    Art. 3º. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direto à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

[9]    Artigo 10 [...] §2º. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais. §3º. É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

[10]  Art. 69. Aplica-se, subsidiariamente, às disposições deste capítulo, o procedimento sumário previsto no Código de Processo Civil, naquilo que não contrarie os prazos previstos nesta lei. Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos, em qualquer instância.

[11]  Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços.

[12]  Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

[13]  Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso nº 71006166086 (Nº CNJ: 0027058-26.2016.8.21.9000), Recorrente: Banco Safra S.A. Recorrido: Ana Maria Florence Luz. Relator: Dr. Luis Antônio Behrensdorf Gomes da Silva. Porto Alegre, 11 de novembro de 2016.

[14]  Art. 43. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: [...] III – em razão de sua condição pessoal.

[15]  Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.