DANO IN RE IPSA, RESPONSABILIDADE CIVIL SEM DANO E O FEITIÇO DE ÁQUILA: OU DE COMO COISAS DISTINTAS PODEM COEXISTIR SEM SE TOCAR

Bruno Leonardo Câmara Carrá

Centro Universitário 7 de Setembro – UNI7, Ceará.

[email protected]

Denise Sá Vieira Carrá

Centro Universitário 7 de Setembro – UNI7, Ceará.

[email protected]

RESUMO: O estudo trata da utilização dos conceitos de responsabilidade civil sem danos e danos in re ipsa. Seu objetivo, nesses termos, é diferenciar ambos conceitos e, de conseguinte, estabelecer as necessárias distinções epistemológicas entre eles de forma a rechaçar qualquer confusão que possa inadvertidamente ser feita sobre os dois. A partir da definição teórica das duas doutrinas, busca-se identificar casos onde virtualmente elas quase se tocam, como acontece, na Common Law, com o trespass, o qual oferece interessante exemplo de como podem se tornar confusos os conceitos em discussão. Por fim, voltando-se para o direito brasileiro, o artigo examina o caso do dano moral coletivo para que se possa perceber as aplicações prática das distinções teóricas antes realizadas.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil. Responsabilidade Civil sem dano. Dano in re ipsa.

Damage in re ipsa, Civil Liability without damage and the Ladyhawke: or how distinct things can coexist without touching

ABSTRACT: This research deals with the use of the concepts of civil liability without damage and damage in re ipsa. Its purpose, in these terms, is to differentiate both concepts and, therefore, to establish the necessary epistemological distinctions among them in order to reject any confusion that may inadvertently be made about the two. From the theoretical definition of the two doctrines, it seeks to identify cases where they virtually touch, as it happens, in Common Law, with Trespass, which offers an interesting example of how the concepts under discussion can become confused. Finally, turning to Brazilian law, the article examines the case of collective moral damage so that it can perceive the practical applications of theoretical distinctions previously made.

KEYWORDS: Civil Law. Civil Liability without damage. Damage in re ipsa.

Introdução

Conceitos ainda bastante equívocos na doutrina atual, danos in re ipsa e responsabilidade civil sem danos, para os que a defendem, podem ser vistos como figuras bastante assemelhadas: a primeira pugnando por um modo quase que automático de inferição de certas formas de danos, notadamente os de índole patrimonial, a segunda, dizendo que seria possível aferir danos por meio da simples conduta do agressor. Essa definição preliminar e algo singela já é suficiente, todavia, para que se perceba que realmente há uma linha tênue, mínima, entre ambos. Daí porque, em caráter provocativo, o título deste artigo, embora correndo todos os riscos de incorrer em inúmeros obstáculos epistemológicos, recorre à memória evocativa desse que é um dos filmes mais queridos por aqueles que viveram os anos oitenta.

Em O Feitiço de Áquila, por força de um encantamento lançado pelo bispo daquela cidade, um casal de amantes é metamorfoseado na aurora e no arrebol, de maneira que o homem vira um lobo quando anoitece e a mulher uma águia quando amanhece. O ato de bruxaria do prelado faz com que ambos seguissem convivendo, mas sem nunca poderem se tocar, transformando os antigos amantes em errantes que só conseguiam se contemplar virtualmente. Dano in re ipsa e Responsabilidade sem dano são como Etienne de Navarra e Isabeau d’Anjou. Institutos doutrinários muito próximos, quase iguais, mas que não conseguem se tocar porque, fundamentalmente, enunciam coisas tão distintas como o sol e a lua.

Com efeito, enquanto a doutrina do dano in re ipsa, longe de reconhecer a possibilidade de se prescindir do dano para que se implemente a indenização, trabalha com conceitos bem mais flexíveis, quase autoevidentes é certo, para considerá-lo presente; por outro lado, a responsabilidade civil sem dano simplesmente retira da função mesma da responsabilidade civil sua função tradicional de reparar os danos. Antípodas lógicos, portanto, só resta a cada uma conviver nas sombras da outra.

Quando muito, é possível considerar algumas situações limítrofes onde elas virtualmente se tocam para logo se perceber que possuem diferentes propósitos e soluções para as questões que visam a responder e que, não raro, são as mesmas. O presente artigo tem como finalidade, portanto, promover a distinção teórica entre a doutrina do dano in re ipsa e da responsabilidade civil sem dano. Nesse contexto, realiza-se inicialmente a apresentação formal de ambas, inclusive com a apreciação da práxis judiciária, quando existente.

De conseguinte, opera-se ao estudo de algumas situações onde ambas praticamente se tocam, como é possível observar através do estudo do tort of trespass oriundo da Common Law. Por fim, procede-se a uma análise, dentro do próprio Direito brasileiro, no caso do dano moral coletivo, para se evidenciar a clara necessidade de não confundi-las, tendo em vista as possíveis inconsistências ou inconveniências técnicas que disso possam resultar na dogmática civilista.

1. A tal responsabilidade civil sem dano

Dano e responsabilidade civil sempre estiveram juntos sob uma lógica de causa e efeito. Se essa ligação nasce durante a fase clássica do Direito Romano, é com o racionalismo jurídico que ela vai se tornar definitiva. Com efeito, por meio dos autores do Século XVII e XVIII, passa-se a divisar um conceito abstrato e uniforme de dano, fixando a concepção de que, uma vez que tudo poderá ser considerado como dano, a Responsabilidade Civil serve de instrumento jurídico para compensá-los, o que, nessa mesma tradição racionalista, deveria ser feito em princípio em dinheiro.[1]

Em um passado bem anterior, contudo, nem sempre a associação existiu. É que, bem nos primórdios da responsabilização civil no Direito Romano, ainda por consequência da imprecisão que existia entre a esfera civil propriamente dita e a penal, a condenação era pronunciada não necessariamente com base em um dano efetivo, senão pela prática de uma conduta vedada normativamente.

Era o começo do fim do modelo fragmentário, que dominou o Direito Romano e – teoricamente – aqueles sistemas jurídicos que ainda o espelham em sua fase clássica, como o é, sob esse aspecto, a Common Law.[2] Surge a ideia de dano como, segundo explica Adriano de Cupis (1946. p. 5), tipicidade abstrata. De Iure Belli ac Pacis, de Hugo Grotius (1925, p. 9), foi um dos primeiros trabalhos a predicar a veiculação dos danos não por tipos específicos. Constituiria o dano numa categoria única e geral representativa da supressão indevida (dammun forte a demendo dictum) de todo e qualquer direito que correspondesse ao homem pela natureza ou por algum fato civil.

Tal concepção foi finalmente aperfeiçoada por Jean Louis Domat (1773, p. 196 e ss.), destacando-se então o mérito da novel acepção em poder permitir o adequado ressarcimento a toda e qualquer perda causada em razão de um fato humano. A mudança vinha acompanhada, ademais, de uma importante salvaguarda: a culpa (SAMUEL, 2010, p. 20). Desse modo, a amplitude ou a largueza da cláusula geral era compensada pela exigência de um grau mínimo de culpa (levíssima) como requisito necessário para a fixação do dever de indenizar.[3] Vale dizer, se bem por um lado se estivesse a falar de que toda e qualquer forma de prejuízo contaria com previsão legal para seu ressarcimento, por outro, ao se estabelecer a imperatividade da demonstração da culpa do ofensor, equilibrava-se o sistema, dando alguma igualdade de armas a ofendido e ofensor.

E foi desse modo que a redação do Código Civil dos franceses de 1804 limitou-se a enunciar de modo genérico que todo e qualquer fato humano que causasse um dano a outro obrigava aquele pela culpa de quem ele foi ocasionado a repará-lo (art. 1.382), desde que, claro, verificada a culpa do réu. Através desse singelo expediente, o Code alterou a lógica até então prevalente de vincular um dano específico pela violação de um interesse jurídico também especialmente tipificado, nunca é demais repetir, desde que presente a negligência, a imprudência, a imperícia e, obviamente, o dolo.

O ponto que, nada obstante, não se costuma chamar atenção é o de que, a partir de então, tudo seria indenizável: não se necessitava mais malabarismos interpretativos para estender o alcance de tipos fechados. O histórico discurso de Jean Dominique Léonard Tarrible, em 19 Pluvioso de 1803, enfatizou que todo e qualquer interesse jurídico estaria contido na regra do art. 1.382: “Do homicídio até a mais leve ferida, do incêndio em um edifício até à quebra do mais desprezível (bem) móvel, tudo está submetido à mesma lei.” (ROSSETTI, 2009, p. 23-24)

O mais desprezível bem móvel deteriorado, o mínimo prejuízo já seria passível de ensejar a demanda de responsabilidade civil. Chegava-se, assim, a um ponto na evolução do Direito Privado onde a noção de dano se estendeu para todo e qualquer fato capaz de gerar uma deminutio sobre o patrimônio de alguém. Os danos eram finalmente concebidos como “eventos de extensão ilimitada”, como diz Álvaro Villaça Azevedo (2011, p. 193). A cláusula geral do dano tornava possível um giro copernicano dentro da Responsabilidade Civil, que até então não admitia “tudo” como indenizável. Essa mudança, todavia, demoraria ainda muito tempo para se fazer sentir!

Surgia então um modelo de responsabilidade civil diferente, no qual a ameaça de um dano já permitiria a aplicação de sanções jurídicas que passariam a ser por ela abrangidos. As primeiras ideais sobre o tema foram feitas na França pelas professoras Mathilde Boutonnet e Catherine Thibierge. Aparentemente, o primeiro artigo a falar expressamente da necessidade de revisão das bases estruturais da responsabilidade civil foi o de Catherine Thibierge (1999), professora da Faculdade de Direito de Orléans, na Revue Trimestrielle de Droit Civil, sob o título Libre propos sur l’évolution du droit de la responsabilité vers un élargissement de la fonction de la responsabilité. Tomando por base uma acepção jurídica da palavra responsabilidade, que se considera voltada para a reparação dos danos causados no passado e, por isso mesmo, bastante restrita, postula seu alargamento por meio de uma revisitação filosófica de seus conceitos e fundamentos. Para isso se serve do pensamento de influentes pensadores da atualidade como Hans Jonas e Paul Ricoeur.

O trabalho utiliza um recurso literário interessante: fantasia um diálogo com Cândido, de Voltaire. Em dado momento, ressalta-se que a responsabilidade civil tem sido voltada apenas para a compensação, ou reparação dos danos. É quando ela recebe uma severa reprimenda da personagem imaginária: “como se deixa que teu direito utilize o termo ‘responsabilidade’ num sentido tão limitado? Não te desconforta ver assim reduzido um tão belo atributo da condição humana?”[4] Então, passa-se a propor a divisão que é uma constante nas formulações dos teóricos da responsabilidade sem dano: a cisão da responsabilidade civil em duas, uma preventiva e outra repressiva, ou, como é comum na linguagem dos autores franceses, curativa.

Não há propriamente uma recusa ao modelo tradicional de responsabilidade (curativa) e que concebe sanções retributivas, sejam compensatórias, sejam punitivas, as quais pressupõem, de todo modo, uma efetiva lesão a um bem juridicamente protegido. Nada obstante, ao lado dela, visando fazer frente à gestão dos novos danos, a professora viria a propor que a responsabilidade civil também fosse um campo aberto à adoção de medidas de antecipação e prevenção aos danos.

Contudo, ao nosso sentir, o trabalho mais sistêmico sobre a questão foi o produzido por Cyril Sintez (2011), a partir da distinção existente no Direito francês entre danos e prejuízos. O trabalho realiza inicialmente sutis – mas ao mesmo tempo geniais – distinções vernaculares entre dano, violação factual, prejuízo e consequência jurídica, considerando, porém, que todos esses conceitos estariam jungidos pelo regramento da responsabilidade civil. Contudo, como cada qual estaria a necessitar de um adequado enfrentamento pelo Direito, passa a divisar a possibilidade de existirem sanções preventivas a serem adotadas antes mesmo da ocorrência do dano e de consequências materiais. Apoiado nessa premissa, Cyril Sintez, então, constrói a sua tipologia de sanções no âmbito da Responsabilidade Civil, a saber: a) sanções anteriores ao dano; b) sanções concomitantes ao dano; c) sanções posteriores ao dano. Obviamente, interessam-nos as duas primeiras.

Antes da realização do fato danoso, como evidenciam as situações de ameaça à vida privada, a sanção deve ser dada para antecipar-se à realização mesma do dano, ainda que o risco não seja de todo conhecido, considerando-se o chamado estado da arte. Aqui é expressa a referência ao princípio precautório, que outorga o derradeiro fundamento normativo para as conclusões apresentadas por Cyril Sintez (2011, p. 451). “Assim, antes da realização do fato danoso, as manifestações preventivas da responsabilidade civil se realizam, seja por meio de medidas preventivas de antecipação do risco conhecido, seja por meio de medidas de precaução.”[5]

Além disso, no curso da realização do fato danoso também seria possível a existência de sanções sem a existência completa de dano, considerando-se que um fato pode produzir turbação com consequências jurídicas mais concretas, sem, contudo, apresentarem características de um fato danoso ressarcível. As sanções, aqui, também se realizam pelos atos materiais e demais providências sub-rogatórias, destinadas à sua cessação. É o caso já conhecido no Direito Civil do uso nocivo da propriedade e sua relação com os demais direitos de vizinhança (SINTEZ, 2011, p. 451).

A existência de uma ação de responsabilidade civil chega a ser defendida ainda, se bem que de modo menos contundente, por Geneviève Viney e Patrice Jourdain (2001, p. 18). As prestigiadas autoras ressaltam que, em princípio, a ideia de reparação é que domina o direito da responsabilidade civil. Nada obstante, existiriam certas formas de dano como, por exemplo, as decorrentes do uso nocivo da propriedade, da concorrência desleal, das ameaças aos direitos reais e aos direitos da personalidade, que tornariam insuficientes as “simples” medidas de reparação ao dano.

A reparação do dano já não mais constituiria o objeto da Responsabilidade Civil. Ela agora se destinaria também a evitá-lo. No entanto, se é verdade que nada não é tão ruim que não possa piorar, houve quem passasse a defender um modelo ainda mais extremado de responsabilidade (sem dano): uma que se basearia na própria conduta, como acontece no Direito Público. Pensamos que essa parece ser a vertente mais radical delas: a mera conduta humana como fator de imputação para uma condenação civil (propositadamente não se usou a palavra reparação!). Essa é a forma de responsabilidade civil que advoga Suzanne Carval (1995, p. 13), uma das autoras mais prestigiadas da atualidade na França. Através de um raciocínio engenhoso e logicamente difícil de refutar, a professora da Faculdade de Direito de Rouen defende que a reparação não seria mais a única – e nem a mais importante – função da responsabilidade civil. A própria definição de regras de comportamento e, de modo consequencial, a aplicação de sanções eficazes para aqueles que as transgridam representaria seu grande objetivo.[6]

O ponto nodal dessa nova forma de responsabilidade civil está, como dito acima, no alargamento de sua função punitiva. Devidamente aggiornada para se ajustar ao mundo de hoje, seria possível por meio da responsabilidade civil sancionar qualquer conduta e não apenas condutas danosas como até agora o vem sendo (CARVAL, 1995, p. 379). O redimensionamento teórico proposto por essa respeitada acadêmica colocaria em evidência aquilo que passou a ser denominado de função normativa. Por meio dela, então, a própria conduta (o ato humano) poderia ensejar uma reparação (agora usamos o termo para denotar como ele ficaria sem sentido) civil.

O raciocínio parte da evidência de que, em primeiro lugar, a responsabilidade civil já nem poderia ser considerada um sistema exclusivo de reparação, pois outros existem no direito contemporâneo que estatuem outras formas de indenização, como o seguro social e aqueles relativos aos fundos assecuratórios em geral. Aliás, tais modalidades de ressarcimento teriam o mérito adicional de serem menos complexas sobretudo em relação à prova e outros fatores de imputação (CARVAL, 1995, p. 381). A responsabilidade civil, já não mais exclusiva em sua finalidade tradicional, converter-se-ia agora em disciplina eminentemente punitiva, de controle das condutas, fazendo nascer um instituto novo, que foi nomeado de “pena privada oficializada” (as indenizações ficam em um segundo plano).

E mais: justamente por não se encontrar vinculada ao princípio da legalidade, a pretendida disciplina das condutas humanas poderia ser melhor realizada pela responsabilidade civil. O raciocínio é audacioso: reúne a lógica diretora dos ramos próprios do direito público e, ao mesmo tempo, a flexibilidade estrutural do direito privado. Aqueles, sendo por definição impedidos de atuar diante do mosaico infinito de situações que a experiência social revela, sendo, ademais, imperativo para os tempos hodiernos a disciplina jurídica do próprio comportamento diante da necessidade de evitar o próprio dano, ficaria em última análise a responsabilidade civil com esse papel. Aliás, papel esse que poderia ser facilmente desempenhado por meio de cláusulas gerais (v. por exemplo o art. 186 de nosso Código Civil) que permitiriam a inclusão fática de qualquer evento diante da previsão genérica e abstrata que enuncia.

As ideias de Suzanne Carval repercutiram diretamente sobre uma plêiade de autores europeus e também nacionais, os quais, incorporando-as, começaram a idealizar uma “cisão” da responsabilidade civil. É o caso do interessante trabalho de Daniel Levy (2012, p. 221) que propõe seja ela subdividida em dois grandes setores. O direito dos danos, em rápido resumo, corresponderia à responsabilidade civil como a conhecemos, tendo como “fundamento interpretativo a proteção da vítima e os efeitos do ilícito”. Em sentido oposto, o direito das condutas lesivas se encarregaria de “estudar e pesquisar o ilícito sob o ponto de vista de suas causas, isto é, a conduta do agente, tendo como fundamento interpretativo a possibilidade de dissuadir o comportamento faltoso”. Ao defender um direito das condutas lesivas, sugere-se inclusive que o ato ilícito – e a culpa - retome lugar de destaque como fator de imputação. É efetivamente a conduta humana que se deseja controlar, ficando em zona secundária os mecanismos de indenização (LEVY, 2012, p. 222).

Ainda na França, pode ser mencionada Mme. Daphné Tapinos; na Itália, M. Massimo Bianca; na Espanha, M. Eugenio Llamas Pombo; no Brasil, Teresa Ancona Lopez, Daniel Levy de Andrade. Todos coincidem na tese de que instrumentos preventivos devem ser incorporados à responsabilidade civil, ou, ainda, que um simples agir contrário ao Direito poderá ensejar a condenação do agente em uma forma diferente de indenização civil. Rendemo-lhes respeitosas vênias, mas acreditamos que todas terminam fazendo tabula rasa da história da responsabilidade civil. Nada obstante, sua desconsideração tout court obnubila que, durante séculos, a responsabilidade civil já foi direito das condutas lesivas e que, aparentemente, tal fórmula não funcionou.

Consoante explica Mario Franzoni (2010, t. 1, p. 254): “a função da responsabilidade civil é a de reagir ao dano injusto e não de reprimir uma conduta antijurídica.” Com efeito, a responsabilidade civil vocacionou-se ao longo de séculos para a repreensão do dano e não para sua prevenção direta. Nisso nada há de menor ou impróprio. Voltada para o patrimônio do ofensor e não para sua pessoa, ou seu atuar em sentido próprio, ela permite um equilíbrio flexível, diferentemente da esfera penal, entre o exercício pleno das liberdades individuais e a proteção dos interesses tutelados.

A História do Direito fornece os elementos iniciais para a refutação da responsabilidade civil sem dano. É que o que se defende como novo, na realidade, constitui passado longínquo. Nas primeiras formas de responsabilidade historicamente referidas, de fato, o dano não era propriamente um pressuposto. Era o ilícito, ou seja, o ato humano que definia a responsabilidade. Com o tempo, entretanto, eles foram perdendo sua função penal e deram lugar à ideia de reparação que, obviamente, exigia a existência de um dano. Daí se dizer que a história dos delitos em Roma foi a história de uma degradação progressiva da pena. O processo se repetiu, aliás, não apenas no âmbito do Direito Romano, mas também nos ordenamentos dos povos bárbaros na Idade Média, tais como os primitivos direitos inglês e francês.

G. Marton, um autor reconhecido pela leveza no pensamento e razoabilidade de ideias, destacou justamente por isso que a indenização civil, sem prescindir de uma lógica preventiva geral, permitiria sancionar de forma adequada as lesões praticadas contra o patrimônio ou integridade de um indivíduo, sem, contudo, jogar o ofensor na vala comum do Direito Penal que mancha sua honra e lhe desconstrói a índole[7]. De fato, essa constitui provavelmente a mais importante razão de ordem ideológica contra a ideia de uma responsabilidade sem dano. É que o dano funciona como uma espécie de válvula de segurança contra eventuais arbítrios.

Existe, ao que parece, uma clara correlação entre a evolução das sociedades e a necessidade de estratificação de suas regras de responsabilização. Isso significa que a ilicitude deve ser vista como fenômeno amplo e diversificado. Ou seja, existe não apenas uma, mas inúmeras formas de ilicitude, cada qual com suas peculiaridades. A gestão do dano na sociedade de risco não precisa ser realizada apenas por meio da responsabilidade civil, que é como uma espécie de mantra para seus defensores. Outros ramos do Direito também possuem vocação para isso e só uma atuação coordenada e conjugada entre eles se revelaria capaz de dar algum efetivo alento às potenciais vítimas do progresso tecnológico. Ao invés de uma cisão da responsabilidade civil, uma gestão “global” dos riscos por meio de um diálogo interdisciplinar entre os vários ramos do Direito destinados a enfrentá-los, cada qual com suas peculiaridades e mantendo suas respectivos constitutivos ontológicos, vem a ser uma opção bem mais ponderada.

Até agora, foi realizada aqui uma abordagem quase que totalmente teórica da questão. O leitor já deve estar cogitando, portanto, que se trata de tema meramente acadêmico, sem qualquer interesse prático. Engana-se quem pensar isso. Ao se propor, por questões preventivas, que o simples agir possa já ensejar uma pena, abre-se uma infinidade de possibilidades de responsabilização civil ainda que não se verifiquem efeitos lesivos concretos. Sobretudo no âmbito do Direito do Trabalho e do Ambiental, onde são notórias as ações que buscam reparações em virtude do chamado risco de exposição, ou por meio da exasperação do conceito de dano moral. Esse, por sinal, é um ponto importante para se ter em mente: os danos decorrentes de exposições danosas não são efetivamente ameaças de dano potencial senão que danos efetivos. Para ensejar qualquer forma de indenização precisam afetar diretamente um interesse jurídico material ou moral.

Assim, por exemplo, no julgamento do Recurso de Revista 278300-23.2009.5.12.0032, do qual foi relator o Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, o Tribunal Superior do Trabalho examinou a seguinte situação: uma atendente de farmácia teve o polegar ferido ao aplicar uma injeção. Ela apresentou, diante do acidente de trabalho noticiado, demanda postulando danos morais em razão da exposição ao risco de ser contaminada por agentes patológicos como o Vírus da Imunodeficiência Humana. A reclamação trabalhista foi denegada pelas instâncias ordinárias e, por fim, pela Corte Superior Trabalhista exatamente sob o fundamento de que o acidente de trabalho do qual não decorra efetivo dano não admite qualquer reparação ou condenação para fins de responsabilização civil (BRASIL, 2013).

Isso não quer dizer, como apontado, que a jurisprudência haja infirmado a possibilidade de reparação civil por meio de exposições lesivas, desde que possível afirmar a existência concreta de uma lesão. Esse foi o caso de uma decisão proferida pela Corte de Cassação Francesa na qual se considerou que a existência de um lago artificial, represado por barragem e mantido em nível acima do tolerado, autorizaria uma indenização aos demais vizinhos diante do risco de inundação iminente. No caso, decidido pela 3a. Câmara Cível daquele famoso tribunal, em 17 de dezembro de 2002, observou-se serem devidos danos materiais em razão da diminuição do valor das terras dos demais proprietários. Ou seja, a exposição, na hipótese, efetivamente já configurava uma lesão.

Do mesmo modo, no Superior Tribunal de Justiça o vezo da mera ilicitude como configurador da responsabilidade civil sem a existência de dano efetivo vem sendo afastada em julgados paradigmáticos como o proferido no âmbito do Agravo Regimental no Recurso Especial 1269246/​RS. No caso, decidiu-se que o atraso não significativo em voo doméstico não poderia ensejar dano moral. Consoante anotou o Ministro Luís Felipe Salomão:

A verificação do dano moral não reside exatamente na simples ocorrência do ilícito, de sorte que nem todo ato desconforme o ordenamento jurídico enseja indenização por dano moral. O importante é que o ato ilícito seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante. (BRASIL, 2014a)

Já em matéria ambiental, um conhecido campo onde é afirmada a possibilidade de responsabilização apenas por ofensa a uma regra estabelecida, as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça também reafirmam a concepção tradicional. Em decisão proferida em sede de Recurso Repetitivo (REsp n. 1354536/​SE, sendo relator também o Ministro Luís Felipe Salomão), disse o STJ que: “o dano material somente é indenizável mediante prova efetiva de sua ocorrência, não havendo falar em indenização por lucros cessantes dissociada do dano efetivamente demonstrado nos autos” (BRASIL, 2014b). A demanda tinha como pano de fundo uma indenização justamente por danos ambientais, razão pela qual é possível inferir que resultou afastada em nosso direito a possibilidade de uma responsabilização civil sem danos também nessa seara, como muitos pretendiam.

2. Danos in re ipsa: um conceito ainda equívoco na doutrina, embora usual na jurisprudência

A não menos polêmica figura dos danos in re ipsa, expressão que traduz a ideia de que a lesão antijurídica pode ser autoevidente e, assim, suficiente por si somente para configurar o dever de reparar, passa, agora, a ser objeto de nossas considerações. Não se trata, propriamente, de uma novidade no Direito. A Common Law supostamente já lhe conhecia sob a nomenclatura de danos per se, mas isso será posto à prova mais adiante. Por isso mesmo, é ilusão acreditar que os chamados danos in re ipsa tenham como domínio de incidência apenas os danos morais. Os prejuízos materiais podem ser, igualmente, passíveis de serem configurados como danos in re ipsa, embora tais situações sejam, de fato, bastante excepcionais.[8] Do ponto de vista prático, contudo, é exclusivamente dentro do âmbito moral que eles são invocados com o fim de tornar desnecessária a comprovação da dor ou abalo psicológico.

No já referido arrêt da 1a Câmara Civil da Corte de Cassação, datado de 5 de novembro de 1996, a Corte de Cassação Francesa acolheu de modo definitivo a tese segundo a qual as ofensas aos direitos da personalidade constituíam danos in re ipsa, que coisa outra não são do que um método normativo de presumir como danosa uma conduta que, em princípio, não revela um dano aparente.

No Superior Tribunal de Justiça, o dano in re ipsa (e, portanto, o caráter objetivo ao dano moral) encontra acolhida desde longa data. Os primeiros precedentes sobre o tema, em conformidade com a base de dados jurisprudencial que a Corte mantém na rede mundial de computadores (internet), foram firmados por sua Quarta Turma através, respectivamente, dos Recursos Especiais 23.575/​DF (julgado em 6-6-1997) e 196.024/​MG (julgado em 2-3-1999), ambos sob a relatoria do Ministro César Asfor Rocha.

Embora não mencionando a expressão in re ipsa, em um julgado do ano de 1991, o Tribunal já havia prestigiado a tese da repercussão objetiva do prejuízo moral em analisando um caso em que a vítima sofrera a perda de um dos membros inferiores. Além da indenização pelos efeitos econômicos da lesão corporal (os danos materiais), o Ministro Eduardo Ribeiro, que iniciou a divergência que se sagrou vencedora, assim se manifestou:

Parece-me demasia exigir-se a demonstração de que ocorre um notável sofrimento do fato de alguém perder um membro inferior, sofrimento que, não econômico, se classifica como moral. Isso é da natureza das coisas, é de ciência comum. Seria uma prova verdadeiramente diabólica essa que se pretende que a vítima faça. Condiciona-se a indenização à prova daquilo que todos sabem que é verdade. (BRASIL, 2010, p. 164)

Hoje, o assunto está sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisprudência admite várias modalidades de lesão moral presumida, in re ipsa, porquanto o dano e seus efeitos lesivos terminam se confundindo.[9] Nada obstante, setores da doutrina consideram que sua formulação incorre em grave erro teórico. É a opinião, por exemplo, de Anderson Schreiber (2011, p. 202), para quem, “a verdade, no entanto, é que a dor não define, nem configura elemento hábil à definição ontológica do dano moral. Como já demonstrado, trata-se de uma mera consequência, eventual, da lesão à personalidade e que, por isso mesmo, mostra-se irrelevante à sua configuração”.

A afirmação está correta. A necessidade de uma presunção para tornar viável a reparação parece dizer respeito àquele primeiro momento de descoberta dos danos morais, quando, pela influência da ideologia liberal, os danos eram quase sempre limitados à esfera patrimonial. A referência quase atávica à dor ou ao abalo psicológico até os dias de hoje só serve para demonstrar a força desse paradigma.

Os danos (morais) in re ipsa não são nem presumidos, nem se confundem com a própria ilicitude. Eles demonstram uma vez mais que os danos (de modo especial os de índole moral) constituem formas de lesão a um interesse juridicamente protegido. Desse modo, compreende-se expressão in re ipsa tão somente como um recurso linguístico para permitir a fuga desse quase que irracional temor de declarar que os danos morais são apenas lesões a interesses jurídicos qualificados (e não os abalos e dores psicológicos como ainda é dito aqui ou ali). Em que pese sua fragilidade teórica, contudo, ela termina por fazê-lo de modo pragmático ao tornar desnecessárias sondagens de viés subjetivo pelo Poder Judiciário para a constatação de tais danos.

Nesse rumo de ideias, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que nos casos de inserção de nome de forma indevida em cadastro de inadimplentes (AG 1.379.761), bem como inclusão indevida por prestação deficiente de serviço da instituição bancária (AG 1.295.372 e RESP 1.807.487), ou ainda nos casos de atraso de voos (RESP 299.532), há o dano in re ipsa. Isso vem a ilustrar, portanto, que ao falar de dano in re ipsa, a Corte Superior não aboliu a presença do prejuízo ou efetiva lesão a direito para impor a responsabilização civil.

Ainda no pertinente, comprova a afirmação acima entabulada, a edição do verbete 385 da Súmula daquele elevado Tribunal, a qual enuncia: “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. Se o dano in re ipsa se confundisse com a própria conduta, ou alguma forma abstrata de presunção do dano, o que no mesmo daria, seria impossível falar de sua inexistência quando permitida sua aplicação. Ora, a Súmula 385 vem demonstrar justamente o contrário, ou seja, que é possível em uma situação de hipotética aplicação do dano in re ipsa demonstrar-se sua eventual inexistência por outros mecanismos.

Logo, demonstra-se que dano in re ipsa não significa presunção do dano a tal ponto de lho confundir com a mera conduta ou ilicitude. Com isso, afasta-se qualquer possibilidade de por seu meio se vislumbrar uma responsabilidade civil sem dano.

3. O tort de trespass: dano in re ipsa ou indenização sem dano?

Na sistemática atual da Common Law, o trespass hoje é associado a uma espécie de tort, mais precisamente, o trespass to a land, que corresponde à violação de domicílio ou à propriedade imobiliária. Mas em sua origem, seu significado era amplo, e representava qualquer tipo de ilícito intencionalmente provocado. Tanto assim o era considerado que Oliver Wenddell Holmes Jr. (2009, p. 71-73) afirmava que poderia existir apenas uma teoria geral do trespass, tamanha era sua importância para a Tort Law.

O trespass foi o delito a partir do qual foi concebida e sedimentada a própria noção de tort no Direito Inglês medieval, o que se deu durante o Século XIII, quando a fórmula quare, pela qual o autor indagava ao réu porque ele lhe havia causado uma lesão, passou a ter uso generalizado (MILSON, 1985, p. 1-90). À fórmula quare foi adicionada a cláusula contra pacem (vi et armis, et contra pacem Domini Regis), e o trespass passou a ser utilizado como remédio jurídico contra atos violentos. Isso é, de fato, particularmente significativo para que se venha a entender as radicais diferenças entre a Common Law e o direito continental no que se refere à responsabilidade civil.

Com efeito, Torts não correspondem de forma exata ao que chamamos de responsabilidade civil, pois herdam a noção romana arcaica de ilicitude civil, onde a mera conduta era capaz de gerar uma sanção civil que não se confundia com o que, do nosso lado, é chamado de indenização. Não por outra razão, o trespass, originariamente, era designativo de ofensas criminais. Só a partir do Século XIV, mediante um ato do Parlamento inglês, que se operou uma distinção dos aspectos criminais e civis da ação por meio da fórmula quare, a qual permitia, em situações delitivas de menor gravidade, que o ofensor fosse punido apenas por meio de sanções pecuniárias (PLUCKNETT, 2001, p. 455-546).

Numa Inglaterra consumida por constantes invasões e revoltas intestinas, o trespass em sua conformação arcaica de ilícito associado à invasão, ou permanência não autorizada em uma propriedade, passou a ser visto como verdadeira cláusula geral para reprimir qualquer forma de lesão ao patrimônio ou à pessoa de terceiros; uma espécie de neminem laedere à maneira medieval. Nascido, portanto, como mera ilicitude, então, passou a associar situações próprias de lesão fenomênica como a destruição de bens móveis da vítima (trespass to chattel), ou mesmo ofensas à honra do indivíduo, como a calúnia e a difamação (slander and libel).

Desse modo, no seu alvorecer, como ainda hoje, o trespass em sua concepção de invasão à propriedade (to land) dispensava a prova dos danos, pois eles eram considerados per se, ou seja, como uma decorrência automática do ato lesivo descrito pelo autor. Em contrapartida, as formas de trespass que se seguiram eram baseadas na ideia de action on the case, que exigiam que o autor da demanda comprovasse os danos sofridos, ainda que de natureza extrapatrimonial (ZIMMERMANN, 1992, p. 910). Donal Nolan (2011, p. 480) explica tal linha divisória existente entre trespass action e a action on the case, apontando que dois princípios determinam a diferenciação, a saber, se a interferência foi direta ou indireta:

Dois princípios determinam essa pergunta: (1) se nenhuma pessoa ou objeto físico cruza os limites da terra do reclamante, a interferência é indireta; e (2) onde há uma projeção de um objeto físico na terra do reclamante, a interferência é direta se o ato do réu for ilegal desde o início, mas indireta se o ato do réu for inicialmente legal, mas depois levado a uma invasão dos direitos do reclamante. Portanto, um sinal de que, quando erguido o objeto, se se projeta no espaço aéreo sobre a loja do reclamante é uma transgressão (trespass), enquanto que uma cerca inicialmente nivelada com a linha de fronteira e que posteriormente se inclina sobre a terra adjacente é um incômodo (nuisance).[10]

Assim, o trespass foi efetivamente desmembrado, e passou a referir-se unicamente aos ilícitos envolvendo a interferência dolosa (intentional) na propriedade de outras pessoas, a iniciar pelo esbulho e demais turbações à posse ou propriedade imobiliária (trespass to land), contemplando-se também a turbação momentânea de bens móveis (trespass to chattels). Posteriormente, outras formas de interferência à propriedade apareceram na Tort Law, como as consequências decorrentes de uma interferência indireta na propriedade alheia (nuisance), mas nessas últimas já se nota a necessidade de demonstração, como dito acima, de um dano efetivo.[11]

A pergunta a que se deve proceder, portanto, é a de saber se ao considerar per se a violação decorrente do trespass, a Common Law reconhece, na realidade, situação onde a mera conduta acarreta sanção civil, ou seria mesmo uma hipótese de desnecessidade de comprovação de tais danos (dano in re ipsa), conforme aqui igualmente já exposto? Nesse ponto, mercê da explicação histórica de que a Common Law importou diretamente do modelo romano arcaico a definição de ilicitude civil, parece que, na prática, o que se chama de dano per se não é propriamente o dano in re ipsa, senão que uma forma, sim, estilizada de responsabilidade sem dano.

Nesse contexto, a Suprema Corte da República da Irlanda, em 2008, julgou um caso de trespass to land, em que o requerente era agricultor e proprietário registrado de terras nos dois lados de uma via pública. Ele solicitou uma ordem para proibir a realização de trabalhos que consistam na construção de uma vala e na colocação de cabos subterrâneos de conexão de rede entre um parque eólico e uma subestação. A Corte entendeu que houve sim um trespass, quando entraram em sua propriedade para assentar os tubos, assim como continuou havendo a agressão pela permanência dos mesmos.

Ainda que a terra não tenha tido diminuição de seu valor, e que após a colocação dos tubos a aparência do terreno tenha voltado ao estado anterior, isso tudo causou angústia e inconveniência ao autor. No entendimento da Corte, seguindo a tradição secular da Common Law, o trespass to land seria acionável per se, pois decorrente de mera interferência a direitos de terceiros, ainda que não resultem consequências adversas (WINIGER; KOZIOL; KOCH; ZIMMERMANN, 2012, p. 481-482). Com efeito, toda a doutrina anglo-saxã, não de hoje, esclarece que o trespass dispensa a prova de um dano concretamente sofrido, pois eles já eram considerados per se, ou seja, como uma decorrência automática do ato lesivo descrito pelo autor (ZIMMERMANN, 1992, p. 910).

Nesse caso, parece que a Common Law, embora associando o trespass à ideia de um dano per se, nada mais faz que historicamente contemplar um caso em que o que se cuida mesmo é de responsabilidade sem dano, uma vez que é a conduta em si e não uma lesão concreta a direito; vale dizer, não se cuida de uma diminuição na esfera de direitos da vítima, mas sim da simples violação a direito subjetivo seu para que se venha a impor uma “indenização” ao agressor. O interessante é considerar que, ainda que seja assim, tão forte se tornou a presença do dano quando se fala de ilícitos civis que, mesmo egresso de um contexto onde a mera ilicitude gerava a punição, procura-se a todo momento evidenciar que existe, sim, um dano jurídico suficiente para os objetivos desta ação (de trespass).

De todo modo, há uma clara dificuldade para adotar esse entendimento em nosso ordenamento jurídico. Isso porque, na Common Law não há um conceito lógico-unitário do ilícito civil e do dano, não há um sistema de Responsabilidade Civil, mas tão somente um sistema de ilícitos, os torts, que são muito assemelhados aos tipos penais, como já se assinalou. Em todo caso, o ponto crucial, como será adiante posto em consideração, é observar os riscos que se correm por, sob o pretexto de se estar supostamente falando em dano in re ipsa, na verdade, se estar tratando de hipótese de responsabilidade sem dano diante da proximidade de tais institutos.

Questiona-se em especial como é possível adotar, com um mínimo de segurança, critérios razoáveis de indenização para algo que, na realidade, não representa lesão ou diminuição sensível do patrimônio de outrem, nele considerado, claro, seus aspectos imateriais? Isso fica particularmente claro a partir da análise de um tema por demais frequentado em nosso Superior Tribunal de Justiça, a saber, os danos morais coletivos.

4. O dano moral coletivo, ou dos riscos de se utilizar do dano in re ipsa para maquiar uma responsabilidade civil por mera conduta

Cotejando-se, dessa forma, os delineamentos da responsabilidade civil sem dano com os do dano in re ipsa, percebe-se claramente que manifestam realidades diferentes. Ainda assim, como pontuado na introdução deste trabalho, é possível considerar algumas situações onde elas virtualmente quase se tocam para logo se perceber que possuem diferentes propósitos e soluções para as questões que visam a responder e que, não raro, são as mesmas. Claro exemplo dessa pseudoconfusão pode ser observada através da análise da caracterização do dano moral coletivo.

Os danos coletivos, sejam sob o aspecto moral ou material, marcham igualmente no sentido de uma responsabilidade civil dinâmica e comprometida com os imperativos e torvelinhos da sociedade pós-moderna. Por outro lado, a admissão de danos morais coletivos realiza a consolidação do conceito do dano como lesão a um interesse juridicamente protegido, apartando-se definitivamente de um modelo patrimonialista que por séculos o caracterizou.

O dano moral coletivo então, passou a ser compreendido como uma forma de lesão aos interesses ou direitos titularizados pela coletividade. Com efeito, doutrina e posteriormente jurisprudência começaram a predicar que seria possível a violação mesmo dos valores extrapatrimoniais de uma dada comunidade, ou seja, de “um determinado círculo de valores coletivos”, como explica Carlos Alberto Bittar Filho (1994). Nesse contexto, pode-se perceber a perfeita correlação entre o caráter essencialmente axiológico da lesão e sua reparabilidade categorizada dentro de uma noção ampla de patrimônio imaterial.

Hoje, após uma anterior e intensa etapa de ativismo judicial, liderada por nada menos que o Superior Tribunal de Justiça, o dano moral coletivo se impõe como conceito dogmático diante da atual redação do art. 1º, da Lei n. 7.347/​85, com a redação que lhe deu a Lei n. 12.529/​11. De fato, em nosso direito positivo atual, está assegurada a responsabilização civil por danos morais decorrentes de agressões ao meio-ambiente; ao consumidor, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ou, genericamente, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.

Há, todavia, um risco nisso tudo: o de que o dano moral coletivo termine por gerar, na prática, uma situação de responsabilidade por mera conduta, ou sem dano. Caso não se venha adequadamente a compreende-lo, bem como porque, ao desconsiderar em seu conceito apenas os elementos transcendentes aos interesses de cunho individual, tende naturalmente a relegar a importância da concreta lesão aos valores que busca proteger. Nesses termos, realmente, o dano moral coletivo parece aproximar-se de ser mais uma categoria que pune uma “conduta lesiva” que propriamente um dano, o que, por coerência ao que vem sendo afirmado, necessita ser afastado. E é isso que, repetimos, há de ser evitado.

Como destaca Carlo Castronovo em relação ao conceito jurídico do dano ambiental na Itália, é imperativo buscar pelo menos na existência de um dano efetivo também quando se fala de interesses de caráter coletivo: que eles consistam efetivamente em uma lesão juridicamente relevante e não numa transgressão ao ordenamento em si mesmo.[12] Não foram outras, em nosso sentir, as conclusões apresentadas pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Especial REsp 1354536/​SE, decidido sob a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil e que teve como pano de fundo precisamente uma demanda relativa a danos ambientais, conforme já apontado nesse trabalho.

A Corte afirmou que o dano somente é indenizável mediante a prova efetiva de sua ocorrência, e, assim deixou claro que não considera válida a existência de condenações de danos coletivos associadas à mera ilicitude, ou seja, o descumprimento de normas existentes no ordenamento. A elas, deve-se seguir a demonstração concreta de um dano, como pressuposto para a imposição de qualquer forma de Responsabilidade Civil.

Seja como for, a admissão dos danos coletivos, inclusive os morais, ou extrapatrimoniais como preferem seus defensores, demonstra como fluido pode revelar-se, nos tempos presentes, o reconhecimento de danos. Algo substancialmente diverso da realidade vivenciada em momento pretérito. Isso, a nosso sentir, constitui a prova cabal de que, diferentemente do passado, esse novel dinamismo fornece à Responsabilidade Civil o instrumental necessário para adequadamente evitar os danos sem, contudo, desgarrar-se de seus elementos constitutivos.

A situação não apresentaria, assim, maiores desdobramentos se as coisas estivessem divisadas apenas nesses estritos termos. Porém, o mesmo Superior Tribunal de Justiça que já pontificou não prescindirem os danos morais coletivos de demonstração de lesão concreta a direito coletivo é o mesmo que, não sem justa razão pragmática, afirma que “o dano moral coletivo é aferível in re ipsa”.[13] E é justamente nisso que o problema se constitui, pois, disfarçado pela técnica do dano in re ipsa estar-se-ia na realidade admitindo formas de responsabilização pela mera conduta. A essa mesma constatação chegaram, por exemplo, Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald ao asseverar que a práxis em torno do tema vem revelando que o dano moral coletivo tem se constituído como uma verdadeira pena civil, ou seja, uma multa punitiva com nome disfarçado.[14]

Desse modo, em casos em que a suposta agressão à moral coletiva se confunda com a própria ilicitude de uma conduta, com efeitos que não representem qualquer lesão sensível para os indivíduos ou bem jurídicos atingidos, não pode ser qualificado como dano moral coletivo, não se podendo, para tanto, invocar-se que tais danos seriam in re ipsa. Embora com palavras distintas, conclusão idêntica chegou o Ministro Raul Araújo Filho ao predicar que o “dano moral coletivo deve se limitar às hipóteses em que configurada grave ofensa à moralidade pública, sob pena de sua banalização, tornando-se, somente, mais um custo para as sociedades empresárias, a ser repassado aos consumidores.” (BRASIL, 2018)

A ofensa grave a que alude o culto magistrado daquela Corte Superior nada mais é do que vem a ser ora afirmado, ou seja, embora inferível in re ipsa o dano moral coletivo não pode se confundir com a violação objetiva de norma jurídica, senão que implicar concreta lesão a direitos ainda que coletivos sejam, o que ocorrera na hipótese apreciada no caso. Com efeito, a situação envolvia cláusula contratual imposta pelo réu obrigando os consumidores adquirentes de seus imóveis, em caso de litígio, a necessariamente recorrer à arbitragem em caso de eventual litígio.

Por mais que fosse considerada abusiva ou exagerada, parece elementar que a situação não importava menoscabo a qualquer atributo de personalidade da coletividade de consumidores afetados por tal disposição contratual que, como referido, a toda prova era mesmo ilegal. Ou seja, da ilegalidade em si não se pode inferir um dano coletivo, demonstrando-se que o dano in re ipsa, de que esse instituto se vale para sindicar as lesões que busca indenizar não poderá jamais se confundir com uma responsabilidade por mera conduta.

Em outro julgado, tal afirmação é expressa (BRASIL, 2019a). O caso tratou de uma ação civil pública onde a requerida, a saber, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Salvador, estaria mantendo um chamado "cadastro de passagem”, assim compreendido como um banco de dados no qual os comerciantes registravam consultas feitas a respeito do histórico de crédito de consumidores com os quais tinham realizado tratativas ou solicitado informações gerais sobre condições de financiamento e crediário, sem providenciar a necessária e precedente comunicação para a pessoa que nele tinha seus dados incluídos. Sendo tais fatos incontestes, restou claro que a Câmara Lojista havida procedido reiteradamente em desacordo com o § 2º, do art. 43 do CDC.

Embora não havendo dúvidas sobre a ilicitude da conduta da ré, o mesmo já não se poderia dizer quanto à certeza sobre os efeitos concretos dela sobre o patrimônio imoral da coletividade enquanto tal. Ou seja, essa massa abstrata de pessoas que o direito hoje concebe como entidade que figura à parte de cada pessoa individualmente considerada não teria sofrido qualquer dano porquanto não fora vislumbrada qualquer lesão a ela própria enquanto coletividade abstrata. O acórdão, resultante da divergência iniciada pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas, merece todas as loas e um pouco mais por haver, com base nessa distinção que é tão frequentemente feita pelos defensores do dano moral coletivo, sabido divisar, igualmente, distintas consequências no que se refere aos critérios de definição do dano que atinge a um e a outro.

Nesse contexto, a decisão arremata com o que, para nós, são palavras cuja precisão é irretocável:

Na hipótese, o simples fato de a mantenedora do "cadastro de passagem" não ter se desincumbido do ônus de providenciar a comunicação prévia do consumidor que teve seus dados ali incluídos, ainda que tenha representado ofensa ao comando legal do § 2º do art. 43 do CDC, passou ao largo de produzir sofrimentos, intranquilidade social ou alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva, descaracterizando, assim, o dano moral coletivo. (BRASIL, 2019a)

A transcrição torna desnecessária que venhamos agregar qualquer comentário adicional. Ela, como dito, encerra com perfeição exemplo prático em relação a tudo quanto antes se procurou teoricamente dissecar. Ponto e basta!

Conclusão

Como em praticamente todos os ramos do Direito, a Responsabilidade Civil passou por incontáveis revoluções ao longo do Século XX, não sendo exagero afirmar que tenha sido, na realidade, um dos mais propensos a recebe-las. A admissão da teoria do risco, o desenvolvimento de critérios mais amplos de imputação, a flexibilização de rigores formais para a comprovação do nexo causal, associados ao reconhecimento de novas formas de dano são exemplos por todos conhecidos da intrínseca busca da Responsabilidade Civil para cotidianamente se renovar e continuar viva como instrumento efetivo para que a Justiça retributiva se prodigalize entre os privados. Baseando-se em primados seculares, como a ideia de que a ninguém é dado lesionar terceiros (neminem laedere), ela possui uma natural capacidade para se metamorfosear ou entrar em simbiose de maneira a fornecer respostas eficientes às várias formas de danos que, por decorrência da própria evolução social, se apresentam de modo cada vez mais intensos e, não raro, imperceptíveis.

Isso fez com que a própria noção de dano, desde o final do Século XIX, ficasse mais fluída, com o reconhecimento de formas tão diversas como heterodoxas. Tal fenômeno, que é inevitável para que a Responsabilidade Civil, sempre atenta à dita normatividade dos fatos, não perca sua coerência com a realidade, também não pode, por paradoxo, simplesmente dela retirar a figura do dano, da lesão concreta a um interesse juridicamente reconhecido, pois esse é, em última análise, o sinal que a distingue ontologicamente.

Nesse contexto, rejeitam-se por espúrio ao próprio conceito de responsabilização civil aquele que nela enxerga a possibilidade de se fixarem indenizações apenas por infração a uma norma legal, ou mesmo contratual. Vale dizer, refuta-se de rigor qualquer modalidade de responsabilidade sem dano. Contudo, no limite, vislumbram-se situações onde aquelas formas de flexibilização na conceituação ou comprovação do dano possam se confundir ou autorizar uma equivocada conclusão de que se está admitindo uma responsabilidade por mera conduta.

Isso acontece com o dano in re ipsa. Mercê da facilidade que a doutrina e jurisprudência nele depositam para ter como provada uma lesão concreta ao patrimônio de alguém, sobretudo em seu aspecto imaterial, é possível facilmente lho confundir com a teoria da responsabilidade por mera conduta, embora categoricamente disso não se trata, como se buscou aqui demonstrar. Dano in re ipsa e responsabilidade civil sem dano, como os próprios nomes já o anunciam, são contrários lógicos que, em essência, mostram-se tão díspares como o sol e a lua, mas que, casuisticamente, podem, como no lusco-fusco, dar a impressão que se fundem.

Isso parece ser, dentre outras tantas situações que poderiam ser enumeradas, bem evidente tanto no caso do trespass, no Direito alienígena, como no caso do dano moral coletivo nos sistemas que já o reconhecem, em especial o nosso. Por mais que o dano in re ipsa prometa a facilitação na demonstração e configuração de certas formas de dano, ele obriga, talvez em medida menos rigorosa, mas ainda assim, que se venha a sindicar a existência da lesão concreta a interesse jurídico. Para eles, portanto, diferentemente da história de Etienne de Navarra e Isabeau d’Anjou, não há final feliz. O feitiço não pode, sob pena de inaceitável contradito in adjecto, ser quebrado e a eles destino outro não há que o de vagar cada qual de modo solitário, embora um ao lado do outro.

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Recebido em: 17 set. 2019.

Aceito em: 20 set. 2019.

 



[1]    Outros sistemas jurídicos, como o Alemão, preferem, pelo menos em teoria, a reparação in natura.

[2]    Cf. White (2003, p. 107).                                                                                            

[3]    Todo o raciocínio, em última análise, resultou de uma secular tradição, existente desde o período Pós-clássico, que interpretava a Lex Aquilia como modelo de tipo abstrato do dano tendo em vista a falência dos demais tipos do Direito Romano Clássico em acompanhar as imensas e intensas mudanças por que passaram. Logo, o padrão sistêmico aberto, quanto à tipificação, e mais rigoroso, quanto à culpa, foi o que passou a imperar: “Lex Aquila et culpa levíssima venit.Sobre o tema, cf. Valditara (2005).

[4]    Comment se fait-il que ton droit utilise le terme ‘responsabilité’ dans un sens si limité ? Cela ne te gêne pas de voir de voir ainsi réduit un si bel attribut de l’humaine condition?” (1999, p. 562).

[5]    No original: “Ainsi, avant la réalisation du fait dommageable, les manifestations préventives de la responsabilité civile se soldent soit en mesures préventives d’anticipation du risque connu soit en mesures de precaution.

[6]    No original: “Il nous semble tout a fait excessif, en effet, de déclarer, que la responsabilité civile a pour unique raison d’être, aujourd’hui, la réparation des dommages et qu’on ne peut par conséquent attendre d’elle qu’elle participe à l’oeuvre normative de notre système juridique. Il subsiste à l’évidence des maniféstations significatives de son aptitude à définir des règles de comportement ainsi qu’à sanctionner efficacement ce qui les transgressent.”.

[7]    Cf. Marton, 1938.

[8]    Nesse sentido, Franzoni (2010, t. 2, p. 66).

[9]    Cf. Brasil, 2011.

[10]  No original: “Two principles determine that question: (1) if no person or physical object crosses the boundary of the claimant’s land, then the interference is indirect; and (2) where there is a projection of a physical object onto the claimant’s land, the interference is direct if the act of the defendant was unlawful from the beginning, but indirect if the act of the defendant was initially lawful, but led afterwards to an invasion of the claimant’s rights. Hence a sign which when erected projects into the airspace over the claimant’s shop is a trespass, while a fence initially flush with the boundary line which subsequently comes to lean over adjoining land is a nuisance.”

[11]  Importante apontar que, atualmente, os danos intencionalmente infligidos contra as pessoas mereceram tipificação própria e que constituem, atualmente, torts como battery (formas de agressão física contra a pessoa, eventualmente chamados de wounding, mayhem, maiming na literatura inglesa mais antiga), assault (ameaça iminente de lesão corporal), o false imprisonment (atentados à liberdade individual) e, mais recentemente, o chamado Intentional infliction of emotional distress (inflição propositada de aflição mental).

[12]  Cf. Castronovo (2006, p. 739).

[13]  “A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido do cabimento da condenação por danos morais coletivos, em sede de ação civil pública, considerando, inclusive, que o dano moral coletivo é aferível in re ipsa. Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 100.405/​GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 19/​10/​2018; REsp 1.517.973/​PE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 01/​02/​2018; REsp 1.402.475/​SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/​06/​2017.” (BRASIL, 2019b).

[14]  A propósito, cf.: Farias, Netto e Rosenvald (2017, p. 362-366).