Centro Universitário 7 de Setembro – UNI7, Ceará.
Centro Universitário 7 de Setembro – UNI7, Ceará.
RESUMO: O estudo trata da utilização
dos conceitos de responsabilidade civil sem danos e danos in re ipsa. Seu objetivo, nesses termos, é diferenciar
ambos conceitos e, de conseguinte, estabelecer as necessárias distinções
epistemológicas entre eles de forma a rechaçar qualquer confusão que possa
inadvertidamente ser feita sobre os dois. A partir da definição teórica das
duas doutrinas, busca-se identificar casos onde virtualmente elas quase se
tocam, como acontece, na Common Law, com
o trespass, o qual oferece interessante exemplo de como podem se tornar
confusos os conceitos em discussão. Por fim,
voltando-se para o direito brasileiro, o artigo examina o caso do dano moral
coletivo para que se possa perceber as aplicações prática das distinções
teóricas antes realizadas.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil.
Responsabilidade Civil sem dano. Dano in re ipsa.
ABSTRACT: This research deals with the use of
the concepts of civil liability without damage and damage in re ipsa. Its
purpose, in these terms, is to differentiate both concepts and, therefore, to
establish the necessary epistemological distinctions among them in order to
reject any confusion that may inadvertently be made about the two. From the
theoretical definition of the two doctrines, it seeks to identify cases where
they virtually touch, as it happens, in Common Law, with Trespass, which offers
an interesting example of how the concepts under discussion can become
confused. Finally, turning to Brazilian law, the article examines the case of
collective moral damage so that it can perceive the practical applications of
theoretical distinctions previously made.
KEYWORDS: Civil Law. Civil
Liability without damage. Damage in re ipsa.
Conceitos ainda
bastante equívocos na doutrina atual, danos in re ipsa e
responsabilidade civil sem danos, para os que a defendem, podem ser vistos como
figuras bastante assemelhadas: a primeira pugnando por um modo quase que
automático de inferição de certas formas de danos, notadamente os de índole
patrimonial, a segunda, dizendo que seria possível aferir danos por meio da
simples conduta do agressor. Essa definição preliminar e algo singela já é
suficiente, todavia, para que se perceba que realmente há uma linha tênue,
mínima, entre ambos. Daí porque, em caráter provocativo, o título deste artigo,
embora correndo todos os riscos de incorrer em inúmeros obstáculos
epistemológicos, recorre à memória evocativa desse que é um dos filmes mais
queridos por aqueles que viveram os anos oitenta.
Em O Feitiço
de Áquila, por força de um encantamento lançado pelo bispo daquela cidade,
um casal de amantes é metamorfoseado na aurora e no arrebol, de maneira que o
homem vira um lobo quando anoitece e a mulher uma águia quando amanhece. O ato
de bruxaria do prelado faz com que ambos seguissem convivendo, mas sem nunca
poderem se tocar, transformando os antigos amantes em errantes que só
conseguiam se contemplar virtualmente. Dano in re ipsa e
Responsabilidade sem dano são como Etienne de Navarra e Isabeau d’Anjou.
Institutos doutrinários muito próximos, quase iguais, mas que não conseguem se
tocar porque, fundamentalmente, enunciam coisas tão distintas como o sol e a
lua.
Com efeito,
enquanto a doutrina do dano in re ipsa, longe de reconhecer a
possibilidade de se prescindir do dano para que se implemente a indenização,
trabalha com conceitos bem mais flexíveis, quase autoevidentes é certo, para
considerá-lo presente; por outro lado, a responsabilidade civil sem dano
simplesmente retira da função mesma da responsabilidade civil sua função
tradicional de reparar os danos. Antípodas lógicos, portanto, só resta a cada
uma conviver nas sombras da outra.
Quando muito, é
possível considerar algumas situações limítrofes onde elas virtualmente se
tocam para logo se perceber que possuem diferentes propósitos e soluções para
as questões que visam a responder e que, não raro, são as mesmas. O presente
artigo tem como finalidade, portanto, promover a distinção teórica entre a
doutrina do dano in re ipsa e da responsabilidade civil sem dano. Nesse
contexto, realiza-se inicialmente a apresentação formal de ambas, inclusive com
a apreciação da práxis judiciária, quando existente.
De conseguinte,
opera-se ao estudo de algumas situações onde ambas praticamente se tocam, como
é possível observar através do estudo do tort of trespass oriundo da Common Law. Por fim, procede-se a uma análise, dentro do
próprio Direito brasileiro, no caso do dano moral coletivo, para se evidenciar
a clara necessidade de não confundi-las, tendo em vista as possíveis
inconsistências ou inconveniências técnicas que disso possam resultar na
dogmática civilista.
Dano e
responsabilidade civil sempre estiveram juntos sob uma lógica de causa e
efeito. Se essa ligação nasce durante a fase clássica do Direito Romano, é com
o racionalismo jurídico que ela vai se tornar definitiva. Com efeito, por meio
dos autores do Século XVII e XVIII, passa-se a divisar um conceito abstrato e
uniforme de dano, fixando a concepção de que, uma vez que tudo poderá ser
considerado como dano, a Responsabilidade Civil serve de instrumento jurídico
para compensá-los, o que, nessa mesma tradição racionalista, deveria ser feito
em princípio em dinheiro.[1]
Em um passado
bem anterior, contudo, nem sempre a associação existiu. É que, bem nos
primórdios da responsabilização civil no Direito Romano, ainda por consequência
da imprecisão que existia entre a esfera civil propriamente dita e a penal, a
condenação era pronunciada não necessariamente com base em um dano efetivo,
senão pela prática de uma conduta vedada normativamente.
Era o começo do
fim do modelo fragmentário, que dominou o Direito Romano e – teoricamente – aqueles
sistemas jurídicos que ainda o espelham em sua fase clássica, como o é, sob
esse aspecto, a Common Law.[2] Surge a ideia de dano como, segundo
explica Adriano de Cupis (1946. p. 5), tipicidade abstrata. De Iure Belli ac
Pacis, de Hugo Grotius (1925, p. 9), foi um dos primeiros trabalhos a
predicar a veiculação dos danos não por tipos específicos. Constituiria o dano
numa categoria única e geral representativa da supressão indevida (dammun
forte a demendo dictum) de todo e qualquer direito que correspondesse ao
homem pela natureza ou por algum fato civil.
Tal concepção
foi finalmente aperfeiçoada por Jean Louis Domat (1773, p. 196 e ss.),
destacando-se então o mérito da novel acepção em poder permitir o adequado
ressarcimento a toda e qualquer perda causada em razão de um fato humano. A
mudança vinha acompanhada, ademais, de uma importante salvaguarda: a culpa
(SAMUEL, 2010, p. 20). Desse modo, a amplitude ou a largueza da cláusula geral
era compensada pela exigência de um grau mínimo de culpa (levíssima)
como requisito necessário para a fixação do dever de indenizar.[3] Vale dizer, se bem por um lado se
estivesse a falar de que toda e qualquer forma de prejuízo contaria com
previsão legal para seu ressarcimento, por outro, ao se estabelecer a
imperatividade da demonstração da culpa do ofensor, equilibrava-se o sistema,
dando alguma igualdade de armas a ofendido e ofensor.
E foi desse
modo que a redação do Código Civil dos franceses de 1804 limitou-se a enunciar
de modo genérico que todo e qualquer fato humano que causasse um dano a
outro obrigava aquele pela culpa de quem ele foi ocasionado a repará-lo (art.
1.382), desde que, claro, verificada a culpa do réu. Através desse singelo
expediente, o Code alterou a lógica até então prevalente de
vincular um dano específico pela violação de um interesse jurídico também
especialmente tipificado, nunca é demais repetir, desde que presente a
negligência, a imprudência, a imperícia e, obviamente, o dolo.
O ponto que,
nada obstante, não se costuma chamar atenção é o de que, a partir de então,
tudo seria indenizável: não se necessitava mais malabarismos interpretativos
para estender o alcance de tipos fechados. O histórico discurso de Jean
Dominique Léonard Tarrible, em 19 Pluvioso de 1803, enfatizou que todo e
qualquer interesse jurídico estaria contido na regra do art. 1.382: “Do
homicídio até a mais leve ferida, do incêndio em um edifício até à quebra do
mais desprezível (bem) móvel, tudo está submetido à mesma lei.” (ROSSETTI,
2009, p. 23-24)
O mais
desprezível bem móvel deteriorado, o mínimo prejuízo já seria passível de
ensejar a demanda de responsabilidade civil. Chegava-se, assim, a um ponto na
evolução do Direito Privado onde a noção de dano se estendeu para todo e
qualquer fato capaz de gerar uma deminutio sobre o patrimônio de alguém.
Os danos eram finalmente concebidos como “eventos de extensão ilimitada”,
como diz Álvaro Villaça Azevedo (2011, p. 193). A cláusula geral do dano
tornava possível um giro copernicano dentro da Responsabilidade Civil, que até
então não admitia “tudo” como indenizável. Essa mudança, todavia, demoraria
ainda muito tempo para se fazer sentir!
Surgia então um
modelo de responsabilidade civil diferente, no qual a ameaça de um dano já
permitiria a aplicação de sanções jurídicas que passariam a ser por ela
abrangidos. As primeiras ideais sobre o tema foram feitas na França pelas
professoras Mathilde Boutonnet e Catherine Thibierge. Aparentemente, o primeiro
artigo a falar expressamente da necessidade de revisão das bases estruturais da
responsabilidade civil foi o de Catherine Thibierge (1999), professora da
Faculdade de Direito de Orléans, na Revue Trimestrielle de Droit Civil, sob o
título Libre propos sur l’évolution du droit de la responsabilité vers
un élargissement de la fonction de la responsabilité. Tomando por base uma
acepção jurídica da palavra responsabilidade, que se considera voltada
para a reparação dos danos causados no passado e, por isso mesmo, bastante
restrita, postula seu alargamento por meio de uma revisitação filosófica de
seus conceitos e fundamentos. Para isso se serve do pensamento de influentes
pensadores da atualidade como Hans Jonas e Paul Ricoeur.
O trabalho
utiliza um recurso literário interessante: fantasia um diálogo com Cândido, de
Voltaire. Em dado momento, ressalta-se que a responsabilidade civil tem
sido voltada apenas para a compensação, ou reparação dos danos. É quando ela recebe
uma severa reprimenda da personagem imaginária: “como se deixa que teu direito
utilize o termo ‘responsabilidade’ num sentido tão limitado? Não te desconforta
ver assim reduzido um tão belo atributo da condição humana?”[4] Então, passa-se a propor a divisão que é
uma constante nas formulações dos teóricos da responsabilidade sem dano: a
cisão da responsabilidade civil em duas, uma preventiva e outra repressiva, ou,
como é comum na linguagem dos autores franceses, curativa.
Não há
propriamente uma recusa ao modelo tradicional de responsabilidade (curativa)
e que concebe sanções retributivas, sejam compensatórias, sejam punitivas, as
quais pressupõem, de todo modo, uma efetiva lesão a um bem juridicamente
protegido. Nada obstante, ao lado dela, visando fazer frente à gestão dos novos
danos, a professora viria a propor que a responsabilidade civil também fosse um
campo aberto à adoção de medidas de antecipação e prevenção aos danos.
Contudo, ao
nosso sentir, o trabalho mais sistêmico sobre a questão foi o produzido por
Cyril Sintez (2011), a partir da distinção existente no Direito francês entre
danos e prejuízos. O trabalho realiza
inicialmente sutis – mas ao mesmo tempo geniais – distinções vernaculares entre
dano, violação factual, prejuízo e consequência jurídica, considerando, porém,
que todos esses conceitos estariam jungidos pelo regramento da responsabilidade
civil. Contudo, como cada qual estaria a necessitar de um adequado
enfrentamento pelo Direito, passa a divisar a possibilidade de existirem sanções
preventivas a serem adotadas antes mesmo da ocorrência do dano e de
consequências materiais. Apoiado
nessa premissa, Cyril Sintez, então, constrói a sua tipologia de sanções no
âmbito da Responsabilidade Civil, a saber: a) sanções anteriores ao dano; b)
sanções concomitantes ao dano; c) sanções posteriores ao dano.
Obviamente, interessam-nos as duas primeiras.
Antes da
realização do fato danoso, como evidenciam as situações de ameaça à vida
privada, a sanção deve ser dada para antecipar-se à realização mesma do dano,
ainda que o risco não seja de todo conhecido, considerando-se o chamado estado
da arte. Aqui é expressa a referência ao princípio precautório, que outorga
o derradeiro fundamento normativo para as conclusões apresentadas por Cyril
Sintez (2011, p. 451). “Assim, antes da realização do fato danoso, as
manifestações preventivas da responsabilidade civil se realizam, seja por meio
de medidas preventivas de antecipação do risco conhecido, seja por meio de
medidas de precaução.”[5]
Além disso, no
curso da realização do fato danoso também seria possível a existência de
sanções sem a existência completa de dano, considerando-se que um fato
pode produzir turbação com consequências jurídicas mais concretas, sem,
contudo, apresentarem características de um fato danoso ressarcível. As
sanções, aqui, também se realizam pelos atos materiais e demais providências
sub-rogatórias, destinadas à sua cessação. É o caso já conhecido no Direito
Civil do uso nocivo da propriedade e sua relação com os demais direitos de
vizinhança (SINTEZ, 2011, p. 451).
A existência de
uma ação de responsabilidade civil chega a ser defendida ainda, se bem que de
modo menos contundente, por Geneviève Viney e Patrice Jourdain (2001, p. 18).
As prestigiadas autoras ressaltam que, em princípio, a ideia de reparação é que
domina o direito da responsabilidade civil. Nada obstante, existiriam certas formas
de dano como, por exemplo, as decorrentes do uso nocivo da propriedade, da
concorrência desleal, das ameaças aos direitos reais e aos direitos da
personalidade, que tornariam insuficientes as “simples” medidas de reparação ao
dano.
A reparação do
dano já não mais constituiria o objeto da Responsabilidade Civil. Ela agora se
destinaria também a evitá-lo. No entanto, se é verdade que nada não é tão ruim
que não possa piorar, houve quem passasse a defender um modelo ainda mais
extremado de responsabilidade (sem dano): uma que se basearia na própria
conduta, como acontece no Direito Público. Pensamos que essa parece ser a
vertente mais radical delas: a mera conduta humana como fator de imputação para
uma condenação civil (propositadamente não se usou a palavra reparação!). Essa
é a forma de responsabilidade civil que advoga Suzanne Carval (1995, p. 13),
uma das autoras mais prestigiadas da atualidade na França. Através de um
raciocínio engenhoso e logicamente difícil de refutar, a professora da
Faculdade de Direito de Rouen defende que a reparação não seria mais a única –
e nem a mais importante – função da responsabilidade civil. A própria definição
de regras de comportamento e, de modo consequencial, a aplicação de sanções
eficazes para aqueles que as transgridam representaria seu grande objetivo.[6]
O ponto nodal
dessa nova forma de responsabilidade civil está, como dito acima, no
alargamento de sua função punitiva. Devidamente aggiornada para se
ajustar ao mundo de hoje, seria possível por meio da responsabilidade civil
sancionar qualquer conduta e não apenas condutas danosas como até agora
o vem sendo (CARVAL, 1995, p. 379). O redimensionamento teórico proposto por
essa respeitada acadêmica colocaria em evidência aquilo que passou a ser
denominado de função normativa. Por meio dela, então, a própria conduta
(o ato humano) poderia ensejar uma reparação (agora usamos o termo para denotar
como ele ficaria sem sentido) civil.
O raciocínio
parte da evidência de que, em primeiro lugar, a responsabilidade civil já nem
poderia ser considerada um sistema exclusivo de reparação, pois outros existem
no direito contemporâneo que estatuem outras formas de indenização, como o
seguro social e aqueles relativos aos fundos assecuratórios em geral. Aliás,
tais modalidades de ressarcimento teriam o mérito adicional de serem menos
complexas sobretudo em relação à prova e outros fatores de imputação (CARVAL,
1995, p. 381). A responsabilidade civil, já não mais exclusiva em sua
finalidade tradicional, converter-se-ia agora em disciplina eminentemente
punitiva, de controle das condutas, fazendo nascer um instituto novo, que foi
nomeado de “pena privada oficializada” (as indenizações ficam em um segundo
plano).
E mais:
justamente por não se encontrar vinculada ao princípio da legalidade, a
pretendida disciplina das condutas humanas poderia ser melhor realizada pela
responsabilidade civil. O raciocínio é audacioso: reúne a lógica diretora dos
ramos próprios do direito público e, ao mesmo tempo, a flexibilidade estrutural
do direito privado. Aqueles, sendo por definição impedidos de atuar diante do
mosaico infinito de situações que a experiência social revela, sendo, ademais,
imperativo para os tempos hodiernos a disciplina jurídica do próprio
comportamento diante da necessidade de evitar o próprio dano, ficaria em última
análise a responsabilidade civil com esse papel. Aliás, papel esse que poderia
ser facilmente desempenhado por meio de cláusulas gerais (v. por exemplo
o art. 186 de nosso Código Civil) que permitiriam a inclusão fática de qualquer
evento diante da previsão genérica e abstrata que enuncia.
As ideias de
Suzanne Carval repercutiram diretamente sobre uma plêiade de autores europeus e
também nacionais, os quais, incorporando-as, começaram a idealizar uma “cisão”
da responsabilidade civil. É o caso do interessante trabalho de Daniel Levy
(2012, p. 221) que propõe seja ela subdividida em dois grandes setores. O
direito dos danos, em rápido resumo, corresponderia à responsabilidade civil
como a conhecemos, tendo como “fundamento interpretativo a proteção da vítima e
os efeitos do ilícito”. Em sentido oposto, o direito das condutas lesivas
se encarregaria de “estudar e pesquisar o ilícito sob o ponto de vista de suas
causas, isto é, a conduta do agente, tendo como fundamento interpretativo a
possibilidade de dissuadir o comportamento faltoso”. Ao defender um direito das
condutas lesivas, sugere-se inclusive que o ato ilícito – e a culpa - retome
lugar de destaque como fator de imputação. É efetivamente a conduta humana que
se deseja controlar, ficando em zona secundária os mecanismos de indenização
(LEVY, 2012, p. 222).
Ainda na
França, pode ser mencionada Mme. Daphné Tapinos; na Itália, M. Massimo Bianca;
na Espanha, M. Eugenio Llamas Pombo; no Brasil, Teresa Ancona Lopez, Daniel Levy
de Andrade. Todos coincidem na tese de que instrumentos preventivos devem ser
incorporados à responsabilidade civil, ou, ainda, que um simples agir contrário
ao Direito poderá ensejar a condenação do agente em uma forma diferente de indenização
civil. Rendemo-lhes respeitosas vênias, mas acreditamos que todas
terminam fazendo tabula rasa da história da responsabilidade civil. Nada
obstante, sua desconsideração tout court obnubila que, durante séculos, a responsabilidade civil já foi direito
das condutas lesivas e que, aparentemente, tal fórmula não funcionou.
Consoante
explica Mario Franzoni (2010, t. 1, p. 254): “a função da responsabilidade
civil é a de reagir ao dano injusto e não de reprimir uma conduta
antijurídica.” Com efeito, a responsabilidade civil vocacionou-se ao longo de
séculos para a repreensão do dano e não para sua prevenção direta. Nisso nada
há de menor ou impróprio. Voltada para o patrimônio do ofensor e não para sua
pessoa, ou seu atuar em sentido próprio, ela permite um equilíbrio flexível,
diferentemente da esfera penal, entre o exercício pleno das liberdades
individuais e a proteção dos interesses tutelados.
A História do
Direito fornece os elementos iniciais para a refutação da responsabilidade
civil sem dano. É que o que se defende como novo, na realidade, constitui
passado longínquo. Nas primeiras formas de responsabilidade historicamente
referidas, de fato, o dano não era propriamente um pressuposto. Era o ilícito,
ou seja, o ato humano que definia a responsabilidade. Com o tempo, entretanto,
eles foram perdendo sua função penal e deram lugar à ideia de reparação que,
obviamente, exigia a existência de um dano. Daí se dizer que a história dos
delitos em Roma foi a história de uma degradação progressiva da pena. O
processo se repetiu, aliás, não apenas no âmbito do Direito Romano, mas também
nos ordenamentos dos povos bárbaros na Idade Média, tais como os primitivos
direitos inglês e francês.
G. Marton, um
autor reconhecido pela leveza no pensamento e razoabilidade de ideias, destacou
justamente por isso que a indenização civil, sem prescindir de uma lógica
preventiva geral, permitiria sancionar de forma adequada as lesões praticadas
contra o patrimônio ou integridade de um indivíduo, sem, contudo, jogar o ofensor
na vala comum do Direito Penal que mancha sua honra e lhe desconstrói a índole[7]. De fato, essa constitui provavelmente a
mais importante razão de ordem ideológica contra a ideia de uma
responsabilidade sem dano. É que o dano funciona como uma espécie de válvula de
segurança contra eventuais arbítrios.
Existe, ao que
parece, uma clara correlação entre a evolução das sociedades e a necessidade de
estratificação de suas regras de responsabilização. Isso significa que a
ilicitude deve ser vista como fenômeno amplo e diversificado. Ou seja, existe
não apenas uma, mas inúmeras formas de ilicitude, cada qual com suas
peculiaridades. A gestão do dano na sociedade de risco não precisa ser
realizada apenas por meio da responsabilidade civil, que é como uma espécie de
mantra para seus defensores. Outros ramos do Direito também possuem vocação
para isso e só uma atuação coordenada e conjugada entre eles se revelaria capaz
de dar algum efetivo alento às potenciais vítimas do progresso tecnológico. Ao
invés de uma cisão da responsabilidade civil, uma gestão “global” dos riscos
por meio de um diálogo interdisciplinar entre os vários ramos do Direito
destinados a enfrentá-los, cada qual com suas peculiaridades e mantendo suas
respectivos constitutivos ontológicos, vem a ser uma opção bem mais ponderada.
Até agora, foi
realizada aqui uma abordagem quase que totalmente teórica da questão. O leitor
já deve estar cogitando, portanto, que se trata de tema meramente acadêmico,
sem qualquer interesse prático. Engana-se quem pensar isso. Ao se propor, por
questões preventivas, que o simples agir possa já ensejar uma pena,
abre-se uma infinidade de possibilidades de responsabilização civil ainda que
não se verifiquem efeitos lesivos concretos. Sobretudo no âmbito do Direito do
Trabalho e do Ambiental, onde são notórias as ações que buscam reparações em
virtude do chamado risco de exposição, ou por meio da exasperação do
conceito de dano moral. Esse, por sinal, é um ponto importante para se ter em
mente: os danos decorrentes de exposições danosas não são efetivamente ameaças
de dano potencial senão que danos efetivos. Para ensejar qualquer forma de
indenização precisam afetar diretamente um interesse jurídico material ou
moral.
Assim, por
exemplo, no julgamento do Recurso de Revista 278300-23.2009.5.12.0032, do qual
foi relator o Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, o Tribunal Superior
do Trabalho examinou a seguinte situação: uma atendente de farmácia teve o
polegar ferido ao aplicar uma injeção. Ela apresentou, diante do acidente de
trabalho noticiado, demanda postulando danos morais em razão da exposição ao
risco de ser contaminada por agentes patológicos como o Vírus da
Imunodeficiência Humana. A reclamação trabalhista foi denegada pelas instâncias
ordinárias e, por fim, pela Corte Superior Trabalhista exatamente sob o
fundamento de que o acidente de trabalho do qual não decorra efetivo dano não
admite qualquer reparação ou condenação para fins de responsabilização civil
(BRASIL, 2013).
Isso não quer
dizer, como apontado, que a jurisprudência haja infirmado a possibilidade de
reparação civil por meio de exposições lesivas, desde que possível afirmar a
existência concreta de uma lesão. Esse foi o caso de uma decisão proferida pela
Corte de Cassação Francesa na qual se considerou que a existência de um lago
artificial, represado por barragem e mantido em nível acima do tolerado,
autorizaria uma indenização aos demais vizinhos diante do risco de inundação
iminente. No caso, decidido pela 3a. Câmara Cível daquele famoso
tribunal, em 17 de dezembro de 2002, observou-se serem devidos danos materiais
em razão da diminuição do valor das terras dos demais proprietários. Ou seja, a
exposição, na hipótese, efetivamente já configurava uma lesão.
Do mesmo modo,
no Superior Tribunal de Justiça o vezo da mera ilicitude como configurador da
responsabilidade civil sem a existência de dano efetivo vem sendo afastada em
julgados paradigmáticos como o proferido no âmbito do Agravo Regimental no
Recurso Especial 1269246/RS. No caso, decidiu-se que o atraso não
significativo em voo doméstico não poderia ensejar dano moral. Consoante anotou
o Ministro Luís Felipe Salomão:
A verificação do
dano moral não reside exatamente na simples ocorrência do ilícito, de sorte que
nem todo ato desconforme o ordenamento jurídico enseja indenização por dano
moral. O importante é que o ato ilícito seja capaz de irradiar-se para a esfera
da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante. (BRASIL, 2014a)
Já em matéria
ambiental, um conhecido campo onde é afirmada a possibilidade de
responsabilização apenas por ofensa a uma regra estabelecida, as decisões
proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça também reafirmam a concepção
tradicional. Em decisão proferida em sede de Recurso Repetitivo (REsp n.
1354536/SE, sendo relator também o Ministro Luís Felipe Salomão), disse o STJ
que: “o dano material somente é indenizável mediante prova efetiva de sua
ocorrência, não havendo falar em indenização por lucros cessantes dissociada do
dano efetivamente demonstrado nos autos” (BRASIL, 2014b). A demanda tinha como
pano de fundo uma indenização justamente por danos ambientais, razão pela qual
é possível inferir que resultou afastada em nosso direito a possibilidade de
uma responsabilização civil sem danos também nessa seara, como muitos
pretendiam.
A não menos
polêmica figura dos danos in re ipsa, expressão que traduz a ideia de
que a lesão antijurídica pode ser autoevidente e, assim, suficiente por si
somente para configurar o dever de reparar, passa, agora, a ser objeto de
nossas considerações. Não se trata, propriamente, de uma novidade no Direito. A
Common Law supostamente já lhe conhecia sob a nomenclatura de danos per
se, mas isso será posto à prova mais adiante. Por isso mesmo, é ilusão
acreditar que os chamados danos in re ipsa tenham como domínio de
incidência apenas os danos morais. Os prejuízos materiais podem ser,
igualmente, passíveis de serem configurados como danos in re ipsa, embora
tais situações sejam, de fato, bastante excepcionais.[8] Do ponto de vista prático, contudo, é
exclusivamente dentro do âmbito moral que eles são invocados com o fim de
tornar desnecessária a comprovação da dor ou abalo psicológico.
No já referido arrêt da 1a Câmara Civil da Corte
de Cassação, datado de 5 de novembro de 1996, a Corte de Cassação Francesa
acolheu de modo definitivo a tese segundo a qual as ofensas aos direitos da
personalidade constituíam danos in re ipsa, que coisa outra não são do
que um método normativo de presumir como danosa uma conduta que, em princípio,
não revela um dano aparente.
No Superior
Tribunal de Justiça, o dano in re ipsa (e, portanto, o caráter objetivo
ao dano moral) encontra acolhida desde longa data. Os primeiros precedentes
sobre o tema, em conformidade com a base de dados jurisprudencial que a Corte
mantém na rede mundial de computadores (internet), foram firmados por sua
Quarta Turma através, respectivamente, dos Recursos Especiais 23.575/DF
(julgado em 6-6-1997) e 196.024/MG (julgado em 2-3-1999), ambos sob a
relatoria do Ministro César Asfor Rocha.
Embora não
mencionando a expressão in re ipsa, em um julgado do ano de 1991, o
Tribunal já havia prestigiado a tese da repercussão objetiva
do prejuízo moral em analisando um caso em que a vítima sofrera a perda de um
dos membros inferiores. Além da indenização pelos efeitos econômicos da lesão
corporal (os danos materiais), o Ministro Eduardo Ribeiro, que iniciou a
divergência que se sagrou vencedora, assim se manifestou:
Parece-me demasia
exigir-se a demonstração de que ocorre um notável sofrimento do fato de alguém
perder um membro inferior, sofrimento que, não econômico, se classifica como
moral. Isso é da natureza das coisas, é de ciência comum. Seria
uma prova verdadeiramente diabólica essa que se pretende que a vítima faça.
Condiciona-se a indenização à prova daquilo que todos sabem que é verdade.
(BRASIL, 2010, p. 164)
Hoje, o assunto está sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, cuja jurisprudência admite várias modalidades de lesão moral presumida, in re ipsa, porquanto o dano e seus efeitos lesivos terminam se confundindo.[9] Nada obstante, setores da doutrina consideram que sua formulação incorre em grave erro teórico. É a opinião, por exemplo, de Anderson Schreiber (2011, p. 202), para quem, “a verdade, no entanto, é que a dor não define, nem configura elemento hábil à definição ontológica do dano moral. Como já demonstrado, trata-se de uma mera consequência, eventual, da lesão à personalidade e que, por isso mesmo, mostra-se irrelevante à sua configuração”.
A afirmação
está correta. A necessidade de uma presunção para tornar viável a reparação
parece dizer respeito àquele primeiro momento de descoberta dos danos morais,
quando, pela influência da ideologia liberal, os danos eram quase sempre
limitados à esfera patrimonial. A referência quase atávica à
dor ou ao abalo psicológico até os dias de hoje só serve
para demonstrar a força desse paradigma.
Os danos
(morais) in re ipsa não são nem presumidos, nem se confundem com a
própria ilicitude. Eles demonstram uma vez mais que os danos (de modo especial
os de índole moral) constituem formas de lesão a um interesse juridicamente
protegido. Desse modo, compreende-se expressão in re ipsa tão somente
como um recurso linguístico para permitir a fuga desse quase que irracional
temor de declarar que os danos morais são apenas lesões a interesses jurídicos
qualificados (e não os abalos e dores psicológicos como ainda é dito aqui ou
ali). Em que pese sua fragilidade teórica, contudo, ela termina por fazê-lo de
modo pragmático ao tornar desnecessárias sondagens de viés subjetivo pelo Poder
Judiciário para a constatação de tais danos.
Nesse rumo de
ideias, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que nos casos de
inserção de nome de forma indevida em cadastro de inadimplentes (AG 1.379.761),
bem como inclusão indevida por prestação deficiente de serviço da instituição
bancária (AG 1.295.372 e RESP 1.807.487), ou ainda nos casos de atraso de voos
(RESP 299.532), há o dano in re ipsa. Isso vem a ilustrar, portanto, que
ao falar de dano in re ipsa, a Corte Superior não aboliu a presença do
prejuízo ou efetiva lesão a direito para impor a responsabilização civil.
Ainda no
pertinente, comprova a afirmação acima entabulada, a edição do verbete 385 da
Súmula daquele elevado Tribunal, a qual enuncia: “da anotação irregular em
cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando
preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. Se o
dano in re ipsa se confundisse com a própria conduta, ou alguma
forma abstrata de presunção do dano, o que no mesmo daria, seria impossível
falar de sua inexistência quando permitida sua aplicação. Ora, a Súmula 385 vem
demonstrar justamente o contrário, ou seja, que é possível em uma situação de
hipotética aplicação do dano in re ipsa demonstrar-se sua eventual inexistência
por outros mecanismos.
Logo,
demonstra-se que dano in re ipsa não significa presunção do dano a tal
ponto de lho confundir com a mera conduta ou ilicitude. Com isso, afasta-se
qualquer possibilidade de por seu meio se vislumbrar uma responsabilidade civil
sem dano.
Na sistemática
atual da Common Law, o trespass hoje é associado a uma espécie de tort,
mais precisamente, o trespass
to a land, que corresponde à
violação de domicílio ou à propriedade imobiliária. Mas em sua origem, seu
significado era amplo, e representava qualquer tipo de ilícito intencionalmente
provocado. Tanto assim o era considerado que Oliver Wenddell Holmes Jr. (2009,
p. 71-73) afirmava que poderia existir apenas uma teoria geral do trespass, tamanha era sua importância para a Tort Law.
O trespass foi o delito a partir do qual foi
concebida e sedimentada a própria noção de tort no Direito Inglês medieval, o que se deu durante
o Século XIII, quando a fórmula quare, pela qual o autor indagava ao réu porque
ele lhe havia causado uma lesão, passou a ter uso generalizado (MILSON, 1985,
p. 1-90). À fórmula quare foi adicionada a cláusula contra pacem (vi
et armis, et contra pacem Domini Regis), e o trespass passou a ser utilizado como remédio
jurídico contra atos violentos. Isso é, de fato, particularmente significativo
para que se venha a entender as radicais diferenças entre a Common Law e
o direito continental no que se refere à responsabilidade civil.
Com efeito, Torts
não correspondem de forma exata ao que chamamos de responsabilidade civil,
pois herdam a noção romana arcaica de ilicitude civil, onde a mera conduta era
capaz de gerar uma sanção civil que não se confundia com o que, do nosso lado, é
chamado de indenização. Não por outra razão, o trespass, originariamente, era designativo de
ofensas criminais. Só a partir do Século XIV, mediante um ato do Parlamento
inglês, que se operou uma distinção dos aspectos criminais e civis da ação por
meio da fórmula quare, a qual permitia, em situações delitivas de menor
gravidade, que o ofensor fosse punido apenas por meio de sanções pecuniárias
(PLUCKNETT, 2001, p. 455-546).
Numa Inglaterra
consumida por constantes invasões e revoltas intestinas, o trespass em sua conformação arcaica de ilícito associado à invasão, ou permanência
não autorizada em uma propriedade, passou a ser visto como verdadeira cláusula
geral para reprimir qualquer forma de lesão ao patrimônio ou à pessoa de
terceiros; uma espécie de neminem laedere à maneira medieval. Nascido,
portanto, como mera ilicitude, então, passou a associar situações próprias de
lesão fenomênica como a destruição de bens móveis da vítima (trespass
to chattel), ou mesmo ofensas à
honra do indivíduo, como a calúnia e a difamação (slander and libel).
Desse modo, no
seu alvorecer, como ainda hoje, o trespass em sua concepção de invasão à propriedade (to
land) dispensava a prova dos
danos, pois eles eram considerados per se, ou seja, como uma decorrência
automática do ato lesivo descrito pelo autor. Em contrapartida, as formas de trespass que se seguiram eram baseadas na ideia de action on the case, que exigiam que o autor da demanda comprovasse
os danos sofridos, ainda que de natureza extrapatrimonial (ZIMMERMANN, 1992, p.
910). Donal Nolan (2011, p. 480) explica tal linha divisória existente entre trespass action e a action on the case, apontando que dois princípios determinam
a diferenciação, a saber, se a interferência foi direta ou indireta:
Dois princípios
determinam essa pergunta: (1) se nenhuma pessoa ou objeto físico cruza os
limites da terra do reclamante, a interferência é indireta; e (2) onde há uma
projeção de um objeto físico na terra do reclamante, a interferência é direta
se o ato do réu for ilegal desde o início, mas indireta se o ato do réu for
inicialmente legal, mas depois levado a uma invasão dos direitos do reclamante.
Portanto, um sinal de que, quando erguido o objeto, se se projeta no espaço
aéreo sobre a loja do reclamante é uma transgressão (trespass), enquanto que uma cerca inicialmente
nivelada com a linha de fronteira e que posteriormente se inclina sobre a terra
adjacente é um incômodo (nuisance).[10]
Assim, o trespass foi efetivamente desmembrado, e passou a
referir-se unicamente aos ilícitos envolvendo a interferência dolosa (intentional) na propriedade de outras pessoas, a
iniciar pelo esbulho e demais turbações à posse ou propriedade imobiliária (trespass
to land), contemplando-se também
a turbação momentânea de bens móveis (trespass to chattels). Posteriormente, outras formas de
interferência à propriedade apareceram na Tort Law, como as consequências decorrentes de uma interferência indireta na
propriedade alheia (nuisance), mas nessas últimas já se nota a necessidade de demonstração, como dito
acima, de um dano efetivo.[11]
A pergunta a que se deve proceder, portanto, é a de saber se ao considerar per se a violação decorrente do trespass, a Common Law reconhece, na realidade, situação onde a mera conduta acarreta sanção civil, ou seria mesmo uma hipótese de desnecessidade de comprovação de tais danos (dano in re ipsa), conforme aqui igualmente já exposto? Nesse ponto, mercê da explicação histórica de que a Common Law importou diretamente do modelo romano arcaico a definição de ilicitude civil, parece que, na prática, o que se chama de dano per se não é propriamente o dano in re ipsa, senão que uma forma, sim, estilizada de responsabilidade sem dano.
Nesse contexto,
a Suprema Corte da República da Irlanda, em 2008, julgou um caso de trespass
to land, em que o requerente era
agricultor e proprietário registrado de terras nos dois lados de uma via
pública. Ele solicitou uma ordem para proibir a realização de trabalhos que
consistam na construção de uma vala e na colocação de cabos subterrâneos de conexão
de rede entre um parque eólico e uma subestação. A Corte entendeu que houve sim
um trespass, quando
entraram em sua propriedade para assentar os tubos, assim como continuou
havendo a agressão pela permanência dos mesmos.
Ainda que a
terra não tenha tido diminuição de seu valor, e que após a colocação dos tubos
a aparência do terreno tenha voltado ao estado anterior, isso tudo causou
angústia e inconveniência ao autor. No entendimento da Corte, seguindo a
tradição secular da Common Law, o trespass to land seria acionável per se, pois
decorrente de mera interferência a direitos de terceiros, ainda que não
resultem consequências adversas (WINIGER; KOZIOL; KOCH; ZIMMERMANN, 2012, p.
481-482). Com efeito, toda a doutrina anglo-saxã, não de hoje, esclarece que o
trespass dispensa a prova de um dano concretamente sofrido,
pois eles já eram considerados per se, ou seja, como uma decorrência
automática do ato lesivo descrito pelo autor (ZIMMERMANN, 1992, p. 910).
Nesse caso, parece que a Common Law, embora associando o trespass à ideia de um dano per se, nada mais faz que historicamente contemplar um caso em que o que se cuida mesmo é de responsabilidade sem dano, uma vez que é a conduta em si e não uma lesão concreta a direito; vale dizer, não se cuida de uma diminuição na esfera de direitos da vítima, mas sim da simples violação a direito subjetivo seu para que se venha a impor uma “indenização” ao agressor. O interessante é considerar que, ainda que seja assim, tão forte se tornou a presença do dano quando se fala de ilícitos civis que, mesmo egresso de um contexto onde a mera ilicitude gerava a punição, procura-se a todo momento evidenciar que existe, sim, um dano jurídico suficiente para os objetivos desta ação (de trespass).
De todo modo,
há uma clara dificuldade para adotar esse entendimento em nosso ordenamento
jurídico. Isso porque, na Common Law não há um conceito lógico-unitário
do ilícito civil e do dano, não há um sistema de Responsabilidade Civil, mas
tão somente um sistema de ilícitos, os torts, que são muito assemelhados aos tipos penais,
como já se assinalou. Em todo caso, o ponto crucial, como será adiante posto em
consideração, é observar os riscos que se correm por, sob o pretexto de se
estar supostamente falando em dano in re ipsa, na verdade, se estar
tratando de hipótese de responsabilidade sem dano diante da proximidade de tais
institutos.
Questiona-se em
especial como é possível adotar, com um mínimo de segurança, critérios
razoáveis de indenização para algo que, na realidade, não representa lesão ou
diminuição sensível do patrimônio de outrem, nele considerado, claro, seus
aspectos imateriais? Isso fica particularmente claro a partir da análise de um
tema por demais frequentado em nosso Superior Tribunal de Justiça, a saber, os
danos morais coletivos.
Cotejando-se,
dessa forma, os delineamentos da responsabilidade civil sem dano com os do dano
in re ipsa, percebe-se claramente que manifestam realidades diferentes.
Ainda assim, como pontuado na introdução deste trabalho, é possível considerar
algumas situações onde elas virtualmente quase se tocam para logo se perceber
que possuem diferentes propósitos e soluções para as questões que visam a
responder e que, não raro, são as mesmas. Claro exemplo dessa pseudoconfusão
pode ser observada através da análise da caracterização do dano moral coletivo.
Os danos coletivos, sejam sob o aspecto moral ou material, marcham igualmente no sentido de uma responsabilidade civil dinâmica e comprometida com os imperativos e torvelinhos da sociedade pós-moderna. Por outro lado, a admissão de danos morais coletivos realiza a consolidação do conceito do dano como lesão a um interesse juridicamente protegido, apartando-se definitivamente de um modelo patrimonialista que por séculos o caracterizou.
O dano moral
coletivo então, passou a ser compreendido como uma forma de lesão aos
interesses ou direitos titularizados pela coletividade. Com efeito, doutrina e
posteriormente jurisprudência começaram a predicar que seria possível a
violação mesmo dos valores extrapatrimoniais de uma dada comunidade, ou seja,
de “um determinado círculo de valores coletivos”, como explica Carlos Alberto
Bittar Filho (1994). Nesse contexto, pode-se perceber a perfeita correlação
entre o caráter essencialmente axiológico da lesão e sua reparabilidade
categorizada dentro de uma noção ampla de patrimônio imaterial.
Hoje, após uma anterior e intensa etapa de ativismo judicial, liderada por nada menos que o Superior Tribunal de Justiça, o dano moral coletivo se impõe como conceito dogmático diante da atual redação do art. 1º, da Lei n. 7.347/85, com a redação que lhe deu a Lei n. 12.529/11. De fato, em nosso direito positivo atual, está assegurada a responsabilização civil por danos morais decorrentes de agressões ao meio-ambiente; ao consumidor, à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos, ou, genericamente, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Há, todavia, um risco nisso tudo: o de que o dano moral coletivo termine por gerar, na prática, uma situação de responsabilidade por mera conduta, ou sem dano. Caso não se venha adequadamente a compreende-lo, bem como porque, ao desconsiderar em seu conceito apenas os elementos transcendentes aos interesses de cunho individual, tende naturalmente a relegar a importância da concreta lesão aos valores que busca proteger. Nesses termos, realmente, o dano moral coletivo parece aproximar-se de ser mais uma categoria que pune uma “conduta lesiva” que propriamente um dano, o que, por coerência ao que vem sendo afirmado, necessita ser afastado. E é isso que, repetimos, há de ser evitado.
Como destaca
Carlo Castronovo em relação ao conceito jurídico do dano ambiental na Itália, é
imperativo buscar pelo menos na existência de um dano efetivo também quando se
fala de interesses de caráter coletivo: que eles consistam efetivamente em uma
lesão juridicamente relevante e não numa transgressão ao ordenamento em si
mesmo.[12] Não foram outras, em nosso sentir,
as conclusões apresentadas pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do
julgamento do Especial REsp 1354536/SE, decidido sob a sistemática do art.
543-C do Código de Processo Civil e que teve como pano de fundo precisamente
uma demanda relativa a danos ambientais, conforme já apontado nesse trabalho.
A Corte afirmou
que o dano somente é indenizável mediante a prova efetiva de sua ocorrência, e,
assim deixou claro que não considera válida a existência de condenações de danos
coletivos associadas à mera ilicitude, ou seja, o descumprimento de normas
existentes no ordenamento. A elas, deve-se seguir a demonstração concreta de um
dano, como pressuposto para a imposição de qualquer forma de Responsabilidade
Civil.
Seja como for, a admissão dos danos coletivos, inclusive os morais, ou extrapatrimoniais como preferem seus defensores, demonstra como fluido pode revelar-se, nos tempos presentes, o reconhecimento de danos. Algo substancialmente diverso da realidade vivenciada em momento pretérito. Isso, a nosso sentir, constitui a prova cabal de que, diferentemente do passado, esse novel dinamismo fornece à Responsabilidade Civil o instrumental necessário para adequadamente evitar os danos sem, contudo, desgarrar-se de seus elementos constitutivos.
A situação não apresentaria, assim, maiores desdobramentos se as coisas estivessem divisadas apenas nesses estritos termos. Porém, o mesmo Superior Tribunal de Justiça que já pontificou não prescindirem os danos morais coletivos de demonstração de lesão concreta a direito coletivo é o mesmo que, não sem justa razão pragmática, afirma que “o dano moral coletivo é aferível in re ipsa”.[13] E é justamente nisso que o problema se constitui, pois, disfarçado pela técnica do dano in re ipsa estar-se-ia na realidade admitindo formas de responsabilização pela mera conduta. A essa mesma constatação chegaram, por exemplo, Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald ao asseverar que a práxis em torno do tema vem revelando que o dano moral coletivo tem se constituído como uma verdadeira pena civil, ou seja, uma multa punitiva com nome disfarçado.[14]
Desse modo, em
casos em que a suposta agressão à moral coletiva se confunda com a própria
ilicitude de uma conduta, com efeitos que não representem qualquer lesão
sensível para os indivíduos ou bem jurídicos atingidos, não pode ser
qualificado como dano moral coletivo, não se podendo, para tanto, invocar-se
que tais danos seriam in re ipsa. Embora com palavras distintas,
conclusão idêntica chegou o Ministro Raul Araújo Filho ao predicar que o “dano
moral coletivo deve se limitar às hipóteses em que configurada grave ofensa à
moralidade pública, sob pena de sua banalização, tornando-se, somente, mais um
custo para as sociedades empresárias, a ser repassado aos consumidores.”
(BRASIL, 2018)
A ofensa grave
a que alude o culto magistrado daquela Corte Superior nada mais é do que vem a
ser ora afirmado, ou seja, embora inferível in re ipsa o dano moral
coletivo não pode se confundir com a violação objetiva de norma jurídica, senão
que implicar concreta lesão a direitos ainda que coletivos sejam, o que
ocorrera na hipótese apreciada no caso. Com efeito, a situação envolvia
cláusula contratual imposta pelo réu obrigando os consumidores adquirentes de seus
imóveis, em caso de litígio, a necessariamente recorrer à arbitragem em caso de
eventual litígio.
Por mais que fosse considerada abusiva ou exagerada, parece elementar que a situação não importava menoscabo a qualquer atributo de personalidade da coletividade de consumidores afetados por tal disposição contratual que, como referido, a toda prova era mesmo ilegal. Ou seja, da ilegalidade em si não se pode inferir um dano coletivo, demonstrando-se que o dano in re ipsa, de que esse instituto se vale para sindicar as lesões que busca indenizar não poderá jamais se confundir com uma responsabilidade por mera conduta.
Em outro
julgado, tal afirmação é expressa (BRASIL, 2019a). O caso tratou de uma ação
civil pública onde a requerida, a saber, a Câmara de Dirigentes Lojistas de
Salvador, estaria mantendo um chamado "cadastro de passagem”, assim
compreendido como um banco de dados no qual os comerciantes registravam
consultas feitas a respeito do histórico de crédito de consumidores com os
quais tinham realizado tratativas ou solicitado informações gerais sobre
condições de financiamento e crediário, sem providenciar a necessária e
precedente comunicação para a pessoa que nele tinha seus dados incluídos. Sendo
tais fatos incontestes, restou claro que a Câmara Lojista havida procedido
reiteradamente em desacordo com o § 2º, do art. 43 do CDC.
Embora não havendo dúvidas sobre a ilicitude da conduta da ré, o mesmo já não se poderia dizer quanto à certeza sobre os efeitos concretos dela sobre o patrimônio imoral da coletividade enquanto tal. Ou seja, essa massa abstrata de pessoas que o direito hoje concebe como entidade que figura à parte de cada pessoa individualmente considerada não teria sofrido qualquer dano porquanto não fora vislumbrada qualquer lesão a ela própria enquanto coletividade abstrata. O acórdão, resultante da divergência iniciada pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cuevas, merece todas as loas e um pouco mais por haver, com base nessa distinção que é tão frequentemente feita pelos defensores do dano moral coletivo, sabido divisar, igualmente, distintas consequências no que se refere aos critérios de definição do dano que atinge a um e a outro.
Nesse contexto,
a decisão arremata com o que, para nós, são palavras cuja precisão é
irretocável:
Na hipótese, o simples fato de a mantenedora
do "cadastro de passagem" não ter se desincumbido do ônus de
providenciar a comunicação prévia do consumidor que teve seus dados ali
incluídos, ainda que tenha representado ofensa ao comando legal do § 2º do art.
43 do CDC, passou ao largo de produzir sofrimentos, intranquilidade social ou
alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva, descaracterizando,
assim, o dano moral coletivo. (BRASIL, 2019a)
A transcrição torna desnecessária que
venhamos agregar qualquer comentário adicional. Ela, como dito, encerra com
perfeição exemplo prático em relação a tudo quanto antes se procurou
teoricamente dissecar. Ponto e basta!
Como em praticamente todos os ramos do Direito, a Responsabilidade Civil
passou por incontáveis revoluções ao longo do Século XX, não sendo exagero
afirmar que tenha sido, na realidade, um dos mais propensos a recebe-las. A
admissão da teoria do risco, o desenvolvimento de critérios mais amplos de
imputação, a flexibilização de rigores formais para a comprovação do nexo
causal, associados ao reconhecimento de novas formas de dano são exemplos por
todos conhecidos da intrínseca busca da Responsabilidade Civil para
cotidianamente se renovar e continuar viva como instrumento efetivo para que a
Justiça retributiva se prodigalize entre os privados. Baseando-se em primados
seculares, como a ideia de que a ninguém é dado lesionar terceiros (neminem laedere), ela possui uma
natural capacidade para se metamorfosear ou entrar em simbiose de maneira a
fornecer respostas eficientes às várias formas de danos que, por decorrência da
própria evolução social, se apresentam de modo cada vez mais intensos e, não
raro, imperceptíveis.
Isso fez com que a própria noção de dano, desde o final do Século XIX,
ficasse mais fluída, com o reconhecimento de formas tão diversas como
heterodoxas. Tal fenômeno, que é inevitável para que a Responsabilidade Civil,
sempre atenta à dita normatividade dos fatos, não perca sua
coerência com a realidade, também não pode, por paradoxo, simplesmente dela
retirar a figura do dano, da lesão concreta a um interesse juridicamente
reconhecido, pois esse é, em última análise, o sinal que a distingue
ontologicamente.
Nesse contexto, rejeitam-se por espúrio ao próprio conceito de
responsabilização civil aquele que nela enxerga a possibilidade de se fixarem indenizações apenas por infração a
uma norma legal, ou mesmo contratual. Vale dizer, refuta-se de rigor qualquer
modalidade de responsabilidade sem dano. Contudo, no limite, vislumbram-se
situações onde aquelas formas de flexibilização na conceituação ou comprovação
do dano possam se confundir ou autorizar uma equivocada conclusão de que se
está admitindo uma responsabilidade por mera conduta.
Isso acontece com o dano in re ipsa. Mercê da facilidade que
a doutrina e jurisprudência nele depositam para ter como provada uma lesão
concreta ao patrimônio de alguém, sobretudo em seu aspecto imaterial, é
possível facilmente lho confundir com a teoria da responsabilidade por mera
conduta, embora categoricamente disso não se trata, como se buscou aqui
demonstrar. Dano in re ipsa e responsabilidade civil sem dano, como os
próprios nomes já o anunciam, são contrários lógicos que, em essência,
mostram-se tão díspares como o sol e a lua, mas que, casuisticamente, podem,
como no lusco-fusco, dar a impressão que se fundem.
Isso parece ser, dentre outras tantas situações que poderiam ser
enumeradas, bem evidente tanto no caso do trespass, no Direito alienígena,
como no caso do dano moral coletivo nos sistemas que já o reconhecem, em
especial o nosso. Por mais que o dano in re ipsa prometa a facilitação na
demonstração e configuração de certas formas de dano, ele obriga, talvez em
medida menos rigorosa, mas ainda assim, que se venha a sindicar a existência da
lesão concreta a interesse jurídico. Para eles, portanto, diferentemente da
história de Etienne de Navarra e Isabeau d’Anjou, não há final feliz. O feitiço
não pode, sob pena de inaceitável contradito in adjecto, ser quebrado e a eles
destino outro não há que o de vagar cada qual de modo solitário, embora um ao
lado do outro.
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Aceito em: 20 set.
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[1] Outros sistemas jurídicos, como o Alemão, preferem, pelo menos em
teoria, a reparação in natura.
[2] Cf. White (2003, p. 107).
[3] Todo o raciocínio, em última análise, resultou de uma secular tradição,
existente desde o período Pós-clássico, que interpretava a Lex Aquilia como
modelo de tipo abstrato do dano tendo em vista a falência dos demais tipos do
Direito Romano Clássico em acompanhar as imensas e intensas mudanças por que
passaram. Logo, o padrão sistêmico aberto, quanto à tipificação, e mais
rigoroso, quanto à culpa, foi o que passou a imperar: “Lex Aquila et culpa
levíssima venit.” Sobre o
tema, cf. Valditara (2005).
[4] “Comment
se fait-il que ton droit utilise le terme ‘responsabilité’ dans un sens si
limité ? Cela ne te gêne pas de voir de voir ainsi réduit un si bel
attribut de l’humaine condition?” (1999, p. 562).
[5] No original: “Ainsi, avant la réalisation du fait dommageable, les manifestations
préventives de la responsabilité civile se soldent soit en mesures préventives
d’anticipation du risque connu soit en mesures de precaution.”
[6] No original: “Il nous semble tout a fait excessif, en effet, de déclarer, que la
responsabilité civile a pour unique raison d’être, aujourd’hui, la réparation
des dommages et qu’on ne peut par conséquent attendre d’elle qu’elle participe
à l’oeuvre normative de notre système juridique. Il subsiste à l’évidence des
maniféstations significatives de son aptitude à définir des règles de
comportement ainsi qu’à sanctionner efficacement ce qui les transgressent.”.
[7] Cf. Marton, 1938.
[8] Nesse sentido, Franzoni (2010, t. 2, p. 66).
[9] Cf. Brasil, 2011.
[10] No original: “Two principles determine that question: (1) if no person or physical
object crosses the boundary of the claimant’s land, then the interference is
indirect; and (2) where there is a projection of a physical object onto the
claimant’s land, the interference is direct if the act of the defendant was
unlawful from the beginning, but indirect if the act of the defendant was
initially lawful, but led afterwards to an invasion of the claimant’s rights.
Hence a sign which when erected projects into the airspace over the claimant’s
shop is a trespass, while a fence initially flush with the boundary line which
subsequently comes to lean over adjoining land is a nuisance.”
[11] Importante apontar que, atualmente, os danos intencionalmente infligidos
contra as pessoas mereceram tipificação própria e que constituem, atualmente, torts
como battery (formas de agressão física contra a pessoa, eventualmente
chamados de wounding, mayhem, maiming na literatura
inglesa mais antiga), assault (ameaça iminente de lesão corporal), o false
imprisonment (atentados à liberdade individual) e, mais recentemente, o
chamado Intentional infliction of emotional distress (inflição
propositada de aflição mental).
[12] Cf. Castronovo (2006, p. 739).
[13] “A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido do cabimento da
condenação por danos morais coletivos, em sede de ação civil pública,
considerando, inclusive, que o dano moral coletivo é aferível in re ipsa.
Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 100.405/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, DJe de 19/10/2018; REsp 1.517.973/PE, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 01/02/2018; REsp 1.402.475/SE, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/06/2017.” (BRASIL, 2019b).
[14] A propósito, cf.: Farias, Netto e Rosenvald (2017, p. 362-366).