A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL: ANÁLISE DAS TEORIAS MÁXIMA E MÍNIMA EM FACE DO PROCESSO CIVIL AMBIENTAL

Jayro Vasconcellos Jr

Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC), Minas Gerais

jbvjr@terra.com.br

Magno Gomes

Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC), Minas Gerais

federici@pucminas.br

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discutir a desconsideração da personalidade jurídica como instrumento de efetividade da tutela jurisdicional ambiental. Abordou-se, as teorias maior e menor, que informam disregard of legal personality, com vistas a aferir qual delas concorre com as diretrizes da responsabilidade civil ambiental, e assim trazer efetividade e duração razoável do processo. Utilizou-se a metodologia do raciocínio crítico dedutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica doutrinária e jurisprudencial. Percebeu-se que este instrumento poderá contribuir para efetividade e duração razoável do processo ambiental, conquanto lhe seja emprestada a teoria que concorra com as diretrizes da responsabilidade civil ambiental.

PALAVRAS-CHAVE: Desconsideração da personalidade jurídica. Processo civil ambiental. Teoria Máxima. Teoria Mínima.

The disregard of legal personality as an instrument of the effectiveness of jurisdictional protection: analysis of the maximum and minimal theories in the environmental civil process

ABSTRACT: This article aims to discuss the disregard of legal personality as an instrument of effectiveness of environmental judicial protection. The major and minor theories of disregard of legal personality were discussed, seeking to ascertain which one concurs with the environmental liability guidelines, bringing effectiveness and reasonable duration of the process. The methodology of deductive critical reasoning and the technique of doctrinal and jurisprudential bibliographical research were used. It was ascertained that this instrument could contribute to the effectiveness and reasonable duration of the environmental process, provided that the appropriate theory is used.

KEYWORDS: Disregard of legal personality. Environmental civil process. Maximum Theory. Minimal Theory.

Introdução

A frustração e demora da tutela jurisdicional no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente quando se trata do processo civil ambiental, é uma questão que demanda estudo e proposições que possam resultar em mudança deste quadro.

Pautados nesta diretiva, a desconsideração da personalidade jurídica como instrumento de efetividade da tutela jurisdicional, em face do processo ambiental será o tema central desta abordagem, que terá como referencial teórico Pedro Henrique Torres Bianqui (2011).

Coexistem na legislação pátria duas teorias que balizam a aplicação do referido instituto, a maior que somente permite a desconsideração quando o desvirtuamento da personalidade jurídica tenha ocorrido por meio de abuso ou fraude; e a teoria menor que apresenta como hipótese de incidência a insuficiência de patrimônio da pessoa jurídica.

Estabelece-se, assim o objetivo de analisá-las, no contexto das peculiaridades existentes no processo civil, com enfoque na responsabilidade civil ambiental plena, calcada na teoria objetiva, aplicada à luz do risco integral.

A análise científica da desconsideração da personalidade jurídica, aplicada ao processo civil ambiental, como instrumento de efetividade da tutela jurisdicional, poderá contribuir para responder ao seguinte problema que se propõe enfrentar neste articulado: qual dentre as duas teorias, maior e menor, que informam disregard of legal personality, concorre de modo eficaz com as diretrizes da responsabilidade civil ambiental, trazendo efetividade e duração razoável ao processo?

Será, para tanto, utilizada a metodologia do raciocínio crítico dedutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica doutrinária e jurisprudencial, que melhor atendem objeto pesquisado. O trabalho se justifica, pois o processo civil ambiental baseia-se em uma responsabilidade civil objetiva, aplicada à luz do risco integral, com vistas a tutelar de modo pleno o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado às presentes e futuras gerações, na qual se encaixa com exatidão a desconsideração da personalidade jurídica, conquanto se empreste, entre as teorias maior ou menor, a que mais concorra com tal finalidade.

O estudo se inicia com uma análise sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica máxima e mínima no ordenamento jurídico brasileiro, com enfoque nas principais legislações nacionais que estabelecem de maneira expressa a desconsideração da personalidade. E mais, serão analisados os requisitos para deferimento da desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil (CC), na legislação consumerista e na legislação ambiental. No segundo ponto, abordar-se-á a desconsideração da personalidade jurídica como instrumento processual, com enfoque em seu surgimento enquanto resposta à falta de efetividade do processo, tendo em linha de conta o não cumprimento das decisões, por esvaziamento patrimonial da pessoa jurídica. Será analisado, também, sua regulação no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/​15) e sua aplicação na jurisdição civil coletiva.

Como última questão a ser enfrentada tratar-se-á da máxima efetividade do processo civil ambiental como resultante da responsabilidade civil ambiental plena, a ser usada como parâmetro para o efetivo ressarcimento dos danos. Será feito, ainda, uma abordagem qualitativa da decisão judicial que tem norteado, em sede de direito ambiental, a aplicação da teoria que se apresenta mais equânime, encerrando o tópico com as recentes modificações havidas no CC, à luz da diretiva jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

1  O instituto da desconsideração da personalidade jurídica máxima e mínima no ordenamento jurídico brasileiro

A desconsideração da personalidade jurídica está inserida em várias normas do ordenamento jurídico brasileiro[1]. Cada uma delas direciona a sua aplicação com vistas a atender as peculiaridades dos respectivos temas. Nessa diversidade legislativa vislumbra-se a existência de duas teorias a maior e a menor que possuem requisitos diferentes. Empreender-se-á neste capítulo portanto, uma exposição do instituto da desconsideração da personalidade máxima e mínima no contexto legislativo nacional.

A expressão jurídica “desconsideração da personalidade” significa, em apertada síntese, “suspender a eficácia da personalidade jurídica, que fora do caso concreto continua plenamente eficaz” (BIANQUI, 2011, n.p.).

A positivação desse instituto no ordenamento jurídico brasileiro se deu em face da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que, pontualmente, em seu artigo 28[2], estabeleceu as hipóteses de incidência da desconsideração da personalidade jurídica.

A Lei nº 9.605/​98, em seu artigo 4º, previu também a desconsideração, arrolando como única premissa a hipótese da própria personificação trazer dificuldades ao ressarcimento de prejuízos havidos à qualidade do meio ambiente (BRASIL, 1998).

Com a entrada em vigor do CC, se estabeleceu, como regra geral, no artigo 50[3], o balizamento da desconsideração da personalidade jurídica, aplicável às situações não previstas nas demais leis.

Em 2019, o artigo 50 do CC recebeu importante alteração em face da Medida Provisória (MP) nº 881, de 2019, especialmente para definir, através de parâmetros legais, o que deve ser entendido por desvio de finalidade e confusão patrimonial, cuja abordagem será feita no último capítulo deste estudo.

Apontada a legislação que rege a matéria, cumpre esclarecer que o artigo 28 do CDC, abarcou em suas balizas duas teorias, respectivamente chamadas de maior e menor, a saber, no caput trouxe uma série de hipóteses de abusividade no uso da personalidade jurídica e que inclusive exige maiores esforços de comprovação. No parágrafo quinto, por sua vez, o legislador enumerou uma única exigência para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, que indica uma fórmula mais simplificada.

Pesa, todavia, contra a redação do artigo 28 do CDC severas críticas quanto à existência de impropriedades em seu caput. Embora acertadamente tenha sido incluído, de início, na redação do caput, o abuso de direito, segundo a doutrina, o legislador teria andado na contramão da essência do instituto ao enumerar outras tantas hipóteses que mais se afinariam com a responsabilidade direta dos administradores (BERTOLDI; RIBEIRO, 2008, p. 151).

Tal crítica não tem sido empecilho à aplicação da suspensão da personificação jurídica com base no artigo 28 do CDC. Isto é dito, posto o caráter protetivo e pragmático aplicado à desconsideração, haja vista o contexto em que a norma está inserida, qual seja, de facilitação da proteção ao consumidor. Dito contexto, enseja o pensamento de que, uma vez reunidos os requisitos legais à desconsideração, esta atinge o mesmo objetivo da responsabilização direta do causador do eventual dano. O objetivo a que se refere não é outro senão a satisfação da obrigação.

Ora, a reparação do dano na hipótese de desconsideração tende a ser mais eficaz, haja vista que se evita percalços e artifícios processuais, de uso comum dos réus, e que se tornam deletérios, em se tratando de relação de consumo onde existe, notadamente, a figura do hipossuficiente e que demanda proteção rápida e especial. A mais, conforme já visto às linhas pretéritas, outros normativos seguiram a mesma esteira, fortalecendo entendimento contrário às críticas apontadas.

O artigo 28, todavia tem sua incidência restrita ao CDC, assim como as demais normas que regulam a matéria o têm no âmbito de suas competências. Por esta razão despontou com relevância para a desconsideração da personalidade jurídica, em 2002 o CC.

Aludida legislação passou a abranger situações não reguladas pelas outras normas, estabelecendo como regra geral a teoria maior. Com isso a teoria menor passou a ser exceção que deve estar prevista em lei.

A teoria maior impõe ao credor, como seu ônus de prova, demonstrar de maneira clara a existência de abuso ou fraude, através do desvirtuamento da personalidade jurídica, como se lê do artigo 50 do CC, prestigiando os rudimentos da disregard legal doctrine[4] (BLOK, 2017, n.p.).

Dobson (1986, p. 841) afirma que esta “tendência comum de usar o conceito de fraude levou a uma convergência incomum de decisões proferidas em países com tradições jurídicas tão diferentes como a Argentina e os EUA e tem ajudado na derivação de noções de considerável importância”.[5]

Parte da doutrina brasileira afirma que o abuso da personalidade é comprovado pelo desvio de finalidade, vertente havida como de concepção subjetiva dentro da teoria maior, ou através da confusão patrimonial de concepção objetiva (BLOK, 2017, n.p.).

Consoante apontado às linhas pretéritas, conquanto cada lei tenha seu campo de incidência, percebe-se a coexistência de duas teorias em face dos requisitos para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, quais sejam, a teoria chamada maior e a nominada de menor, sendo que “a teoria maior necessitaria de prova da prática de algum desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Já a teoria menor afirma que bastaria a prova de insolvência da pessoa jurídica para justificar a desconsideração” conforme explica Bianqui (2011, n.p.).

Como última análise deste ponto, é trazido à lume a desconsideração da personalidade jurídica em sede da legislação ambiental, que tem regulação própria, ancorada no art. 4º da Lei nº 9.605/​98, normativa esta que versa sobre a repressão e responsabilização de condutas lesivas ao meio ambiente.

A norma ambiental aludida, estabelece que a desconsideração será permitida sempre que houver dificuldades para se ultimar o ressarcimento dos prejuízos ocasionados à qualidade do meio ambiente, em face da personificação. Nada fala o preceptivo em questão sobre o abuso da personalidade jurídica ou de qualquer outro requisito nesse sentido.

Pelo que o art. 4º da Lei nº 9.605/​98 prevê em sede de dano ambiental a aplicação da suspensão da personificação, à luz da teoria menor, a saber, fundada somente na eventual hipótese da personalidade jurídica ser “obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente” (BRASIL, 1998).

Em conclusão percebe-se que foram vistos neste capítulo o conceito da desconsideração da personalidade jurídica, as normas que o estabelecem e seus requisitos legais. Demonstrou-se, também, a existência de duas teorias e suas características, que são derivadas das respectivas exigências contidas nos textos normativos. Verificou-se que a teoria maior é aplicada como regra geral, exige a comprovação do abuso da personalidade jurídica e tem como referência o artigo 50 do CC e o caput artigo 28 do CDC. Constatou-se que a teoria menor tem aporte no artigo 4º da Lei nº 9.605/​98 e no parágrafo quinto do artigo 28 do CDC, e mais, nela não se cogita da prova do abuso da personalidade sendo aplicável a título de exceção que deve estar prevista em lei. Feitas tais considerações, passa-se à análise da desconsideração da personalidade e seus efeitos no âmbito processual.

2  A desconsideração da personalidade jurídica como instrumento processual para efetividade e celeridade da tutela jurisdicional

Embora se esteja tratando de questões relacionadas à desconsideração da personalidade jurídica no âmbito do processo[6], esta terá sempre um caráter voltado, eminentemente, ao direito material. Nesse sentido, Bianqui (2011, n.p.) explica que o raciocínio que ampara a desconsideração somente pode “ser mantido caso se entenda a suspensão da personalidade jurídica material porque a personalidade jurídica processual, ou seja, a capacidade de ser parte e a legitimidade a pessoa jurídica não perde”.

Tal percepção é importante, posto que auxilia o entendimento de que a “disregard doctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem” (REQUIÃO, 2002, p. 753).

A referida característica é comum a esta teoria mesmo em outros ordenamentos jurídicos, onde também se estabeleceu a noção de que somente em determinadas circunstâncias, os tribunais irão desconsiderar ou perfurar o escudo da responsabilidade limitada para responsabilizar os acionistas pessoalmente, pelas obrigações que a própria corporação não tem a capacidade de quitação(MILLON, 2007, p. 1325)[7].

Bianqui (2011, n.p.) sustenta, ainda, que “a desconsideração para fins de responsabilidade só é feita judicialmente. Somente o Poder Judiciário pode impor sanções ao patrimônio de alguém, já que esse tema é intimamente relacionado à execução”.

Daí a relevância de trabalhar-se o aspecto processual da desconsideração da personalidade jurídica, lembrando que ela aporta, em última análise, para garantia de que o processo seja efetivo e que o procedimento tenha a duração razoável, direito fundamental previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição da República de 1988 (CR/​88) e que se mostra incrementador, no dizer de Gomes e Ferreira (2017, p. 106) da “dimensão Jurídico-política da sustentabilidade”.

A efetividade do processo e a duração do procedimento dependem de vários fatores. Destaca-se entre tais fatores a real existência de patrimônio do devedor, para que, chegado ao final dos trâmites processuais, e não cumprindo ele voluntariamente a obrigação estabelecida no título executivo judicial, o seu patrimônio possa fazer frente ao comando sentencial, por meio da venda judicial de seus bens.

Lado outro, o CC outorgou personificação às chamadas pessoas jurídicas, as quais destacam-se daqueles que a integram, possibilitando com isso o partilhar equânime dos bônus, ônus, ganhos e responsabilidades, até mesmo como forma de se evitar o transbordo dos eventuais reveses, tão comuns às empreitadas negociais.

Todavia, o que se percebeu, com o passar dos anos, é que a segurança pretendida aos sócios se transformou em instrumento de violação de direito de terceiros, estabelecendo-se então o que se chamou de crise na função da pessoa jurídica de Direito Privado (OLIVEIRA, 1979, p. 262).

A referida crise com o passar do tempo extrapolou os domínios do direito de empresa e se irradiou no processo, como obstaculizadora de sua rapidez e efetividade. Conquanto proferida a decisão, esta é impedida de transpor os umbrais da mera certeza do direito para o mudo fático, posto que não pode atingir tal status em virtude da falta da capacidade patrimonial da pessoa jurídica ré.

Ao permitir o esvaziamento do patrimônio da pessoa jurídica (enquanto seus sócios, blindados por esta estratégia, engordam suas finanças pessoais sem a necessidade de responder por obrigações da pessoa jurídica), a personificação se torna um instrumento malévolo ao processo que fica impossibilitado de atingir seu objetivo principal que é a satisfação da obrigação, o que lhe tira a efetividade e a duração razoável, resultando no prejuízo alheio. Daí porque Adriano explica que:

[A] lógica subjacente a esta teoria do abuso da personalidade diz respeito aos sócios, usando a sociedade como uma tela para seus interesses pessoais, protegendo-se desse modo das responsabilidades decorrentes de suas violações contratuais. Ao fazê-lo, eles prejudicam os interesses dos outros e desrespeitam a leis[8] (ADRIANO, 2014, p. 113).

Vê-se, ainda, um agravamento desta crise sob o ponto de vista do processo, considerando a adição da prescrição intercorrente, que fulmina a pretensão inaugural, tendo como um dos pilares, exatamente o decurso de tempo transcorrido sem que se consiga apurar o patrimônio do devedor. Neste contexto, portanto, atua o instituto da desconsideração da personalidade como um instrumento de efetivação e rapidez para o processo.

O fato é que se está diante de uma “lacuna axiológica” (JUSTEN FILHO, 1987, p. 54) na legislação, que resulta na falta de efetividade do processo, em face da impossibilidade de cumprimentos das decisões judiciais, pelo esvaziamento patrimonial das pessoas jurídicas na condição de ré.

Desta forma, a ideia da desconsideração da personalidade jurídica como instrumento processual para efetividade e rapidez da tutela jurisdicional se mostra pertinente, pois, em última análise, a ele se destina, maiormente se se enxergá-la como um remédio eficaz contra o esvaziamento do patrimônio e, por consequência, como aparelhadora da efetividade e do tempo razoável, corolários do princípio da efetividade do processo que “atua como norteador do Estado Democrático de Direito que visa implementar o processo justo” (GOMES; FERREIRA, 2017, p. 106).

O Estado Democrático de Direito em seu elemento conceitual é calcado na soberania povo, a saber, com a participação efetiva deste na sua construção e não somente através de representatividade, a fim de resguardar o cumprimento e observância dos direitos e garantias fundamentais, inerentes a pessoa. Nisso se insere o processo justo pelo transcurso do tempo razoável e pela possibilidade de efetivação do provimento judicial buscado.

Historicamente, pode-se dizer que a “definição de Estado democrático de direito apareceu a primeira vez com a promulgação da Carta Magna de 1988. Essa previsão se distancia e muito do estado liberal de direito, pois este garante tanto a esfera individual, quanto a social de direitos” (FERNANDES; SIMÃO FILHO, 2019, p. 15).

Para que assim seja, a desconsideração da personalidade jurídica, porém, se suscetibilizava de uma regulação no campo processual. Notadamente os resultados de sua aplicação se descortinam no processo, pois é nesses domínios que de fato se ressente da inexistência de patrimônio, conforme norma insculpida no CPC, no artigo 789, porquanto é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações. (BRASIL, 2015).

Não se pode olvidar, para esse fim, do disposto no art. 795 do CPC que estabelece de maneira expressa que o acervo patrimonial dos sócios não responde por dívidas contraídas pela pessoa jurídica, ressalvando de modo peremptório no parágrafo quarto do mesmo dispositivo, que a desconsideração observará o respectivo incidente previsto no CPC (BRASIL, 2015).

Portanto, a ideia de instrumento processual para efetividade e rapidez da tutela jurisdicional ganha roupagem especial em face do legislador ter instituído sua regência no CPC, que tem contornos de incidente processual (BRASIL, 2015).

O interesse do legislador processual para com a desconsideração da personalidade jurídica acabou por reforçar a sua utilidade e eficácia enquanto instrumento processual, na qual ela já vinha demonstrando ter vocação. O fato é que a desconsideração foi retirada do anonimato processual, posto que sequer possuía regras, ao mesmo tempo em que não foi lançada em uma vala comum, haja vista que lhe foi reservado um capítulo próprio (artigos 133 a 137) (BRASIL, 2015) no CPC.

Na regência processual o requerente tem os ônus de demonstrar a incidência, ao caso, dos requisitos legais da desconsideração. Deverá haver prévia citação do sócio e ser observado o contraditório, já que a manifestação e o requerimento de provas são garantidos no art. 135 CPC/​15 (DONIZETTI, 2016, n.p.).

A anterior aplicação do instituto sem qualquer norma balizadora de processo acabou por gerar diversas controvérsias, que foram sendo diminuídas pela jurisprudência e são acolhidas agora pelo legislador, que as encampou no texto da lei processual.

A desconsideração da personalidade jurídica foi inserida no CPC/​15, por exemplo, como uma das formas de intervenção de terceiros, não sendo necessário o ajuizamento de ação específica para este fim. A instauração do incidente poderá ocorrer em qualquer fase do processo de conhecimento ou de execução, sendo cabível, igualmente em sede de Juizado Especial. Poderá também se dar na modalidade da desconsideração inversa, a saber, a despersonificação da empresa será levada a efeito, para que esta se responsabilize por dívida do sócio, ao contrário do que normalmente ocorre (DONIZETTI, 2016, n.p.).

Deve-se observar, porém, que as relações jurídicas, com o advento da pós-modernidade, adquiriram características bem peculiares, pois envolvem de uma única vez diversas pessoas, muitas vezes anônimas e não identificáveis, que têm seus direitos violados em face de atos de um único ente. Este aspecto trouxe consigo as demandas de massa, criando uma verdadeira crise nos instrumentos jurídicos que foram cunhados à luz do modelo individualista, proposto especialmente no Código de Napoleão, e que influenciou e ainda, de certa forma, influencia a legislação brasileira.

A inadequação dos instrumentos jurídicos em razão destas novas características peculiares das novas relações, concorre para a vulnerabilização daqueles que deveriam ter seus direitos tutelados por ferramentas jurídicas adequadas e hábeis, anotando-se, por exemplo, neste rol o consumidor e o meio ambiente. Nesse sentido explica Morais e Saraiva (2018, p. 18) que em “[…] meio a essa crise, é que se percebe o esgotamento da racionalidade jurídica individualista que, diante da incapacidade referente à promoção da sustentabilidade, admite a imposição de um processo de vulnerabilização socioambiental”.

O ordenamento jurídico brasileiro caminhou no sentido de buscar a superação desta inadequação, contudo ainda não dispõe de um direito coletivo, mas conhece e busca solucionar tais demandas por meio de um microssistema de direito coletivo[9]. Assim, pode-se dizer que os institutos do processo civil clássico como a “legitimidade, a coisa julgada, o ônus da prova, o sistema recursal etc […]” (RODRIGUES, 2011, p. 83), são percebidos sob um novo olhar da jurisdição civil coletiva, ganhando novo matiz, “com alto valor axiológico, destinado à justa e efetiva tutela dos conflitos de interesses envolvendo direitos coletivos lato sensu […]” (RODRIGUES, 2011, p. 83).

No que diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica, esta se mostra plenamente compatível com o valor axiológico do microssistema de jurisdição coletiva, voltado a uma justa tutela, que somente pode ser exercida no âmbito do processo, não existindo qualquer entrave à sua aplicação.

Mesmo porque, é do art. 28 do CDC, que compõe o microssistema de direito coletivo, que surgiu no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade da aplicação das duas teorias, que se conhecem.

Lado outro, ainda que não houvesse norma no microssistema de direito coletivo, sobre a desconsideração da personalidade jurídica esta, de per si, se justificaria, em face da intolerabilidade do abuso da personalidade jurídica.

Há de se considerar, também, como válida para tanto, a proposição de que com o advento do artigo 50 do CC, não se pode mais falar em inexistência de comando legal que permita tal mister, reservando talvez a discussão somente para aplicação da teoria a ser adotada, maior ou menor, dependendo do caso concreto.

Desta forma demonstrou-se neste capítulo que a ideia de instrumentalidade processual da desconsideração da personalidade jurídica possui pertinência. Analisou-se também a sua regulamentação no código de processo civil e concluiu-se que a despeito da inexistência de um direito processual coletivo ela é aplicável e possui coerência com microssistema de direito coletivo existente no ordenamento pátrio.

Será discutido na próxima seção, a desconsideração da personalidade jurídica com enfoque em suas duas teorias (maior e menor), perquirindo qual delas traria maior efetividade e prazo razoável ao feito, em face na responsabilidade civil ambiental. Será examinanda ainda, para essa finalidade, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ.

3  As teorias maior e menor e a máxima efetividade do processo civil ambiental como resultante da responsabilidade civil ambiental

Conquanto, ainda haja necessidade de muito evoluir nos instrumentos jurídicos, necessário se faz admitir que já se caminhou no sentido de buscar a superação da dicotomia percebida entre a norma de matriz individualista que pauta a legislação civil nacional e as demandas apresentadas em face das novas relações jurídicas.

Nesse contexto, destacam-se as demandas que versam sobre o meio ambiente, tendo em linha de conta as nuances que envolvem os danos ambientais, que por meio de ação ou omissão, resultam em lesões aos direito difuso, coletivo ou transindividuais, de difícil dimensionamento, não raramente irreversíveis, não circunscrito a limites de local, de cunho acumulativo em seu efeitos e cujo vinculo etiológico é de difícil apuração (REZENDE; BIZAWU, 2013, p. 141)

Por isso, o processo civil ambiental, na busca de uma tutela jurídica eficaz e com razoável duração, enfrentando as dificuldades erigidas das nuances do dano ambiental, pauta-se em uma responsabilidade civil ambiental plena, calcada na teoria objetiva, aplicada à luz do risco integral. Seu objetivo último é municiar-se para bem tutelar o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, às presentes e futuras gerações.

Nesta esteira, se encaixa com exatidão a desconsideração da personalidade jurídica fundamentada na teoria menor, cuja hipótese única reside na inexistência de patrimônio da pessoa jurídica degradadora, sem se perquirir, como demanda a teoria maior, a culpa civil lato sensu.

Percebe-se, todavia, em parte da doutrina, mais ligada ao direito de empresa, uma tentativa de retrocesso, inclusive com a negação da existência da própria classificação entre teoria menor e maior. Retoma-se assim, uma discussão ultrapassada, a respeito da impossibilidade de se efetivar a desconsideração da personalidade jurídica motivada, simplesmente, na ausência de patrimônio da pessoa jurídica devedora. O argumento usado para fundamentar tal incursão é de que a teoria menor propõe a aniquilação dos normativos que tratam da separação entre as pessoas jurídicas e seus respectivos sócios. Pretendem, desta forma, tais críticos, que a desconsideração seja aplicável, excepcionalmente nos casos em que se demonstra a existência de abuso de personalidade, tal qual proposto pelos idealizadores da teoria da desconstituição da personalidade jurídica originalmente.

A teoria da desconsideração nem sempre tem sido corretamente aplicada pelos juízes (e mesmo alguns tribunais) brasileiros. Nela, adota-se o pressuposto de que o simples desatendimento de crédito titularizado perante uma sociedade, em razão da insolvabilidade ou falência desta, seria suficiente para a imputação de responsabilidade aos sócios ou acionistas… A aplicação apressada da teoria não se preocupa em distinguir a utilização fraudulenta da regular do instituto, nem indaga se houve ou não abuso de forma[] Em 1999, quando era significativa a quantidade de decisões judiciais desvirtuando a teoria da desconsideração, cheguei a chamar sua aplicação incorreta de “teoria menor”, reservando à correta a expressão “teoria maior”. Mas a evolução do tema na jurisprudência brasileira não permite mais falar-se em duas teorias distintas, razão pela qual esses conceitos de “maior” e “menor” mostram-se, agora, felizmente, ultrapassados (COELHO, 2012, p. 69-70).

Contudo, justifica, em sede de direito ambiental, a adoção da teoria menor, com base na ausência de patrimônio, tendo como fundamento a premissa de que na cognição, para fins de atribuição do dever de indenizar é adotada a teoria da responsabilidade objetiva, na modalidade da teoria do risco integral, que dispensa a perquirição da culpa e impede o rompimento do nexo causal. Assim, não se justifica, por uma questão lógica, impor no caso de dano ambiental, uma discussão que permeiem a culpa e a eventual quebra do liame causal, quando se está verificando tão somente a insuficiência patrimonial.

A mais, o artigo 4º da Lei nº 9.605/​98, tem arrimo no princípio do poluidor-pagador que preconiza, entre outras coisas, a integral reparação do bem ambiental por parte daquele que, de qualquer forma, seja, direta ou indiretamente, é responsável pela degradação (BLOK, 2017, n.p.).

O princípio do poluidor pagador está atrelado à ideia das externalidades negativas, que significa atribuir a assunção dos danos ambientais à sociedade e não ao degradador, que por sua vez está diretamente ligado a internalização dos lucros, sem que a pessoa jurídica leve em conta as despesas relativas aos ônus com a preservação do meio ambiente.

O posicionamento do homem em relação à questão ambiental, durante séculos, se deu a partir da premissa de exploração e acumulação […] A ação do homem sobre a natureza evoluiu de uma situação de sobrevivência, na qual o homem extraia os recursos que possibilitavam alimentação, abrigo e segurança, para a produção desenfreada de riquezas, a tal ponto que a competitividade entre nações se baseia em valores de acumulação de produtos e derivados dos recursos naturais (REZENDE; NASCIMENTO, 2018, p. 345).

Não se pode admitir, desta forma, que os sócios tenham retiradas, pró-labores e lucros, se tais importâncias estão sendo debitadas às custas da sociedade civil, por conta do barateamento dos custos da produção, em face de se relegar o pagamento de despesas relativas preservação do meio ambiente, premissa que vale também para os custos relativos aos trabalhadores, consumidores e tributos.

Daí porque, com razão, em situações relativas aos danos ambientais, sustentar-se que o artigo 4º da Lei nº 9.605/​98, tem maior pertinência com a efetividade e tempo razoável do procedimento, pois afasta a proteção da pessoa do sócio, por meio da desconsideração da personalidade jurídica, com base na teoria menor, indepentemente de se investigar a culpa civil lato sensu[10].

Pois bem, assim deve ser vista a autonomia da pessoa jurídica violadora dos deveres ambientais em relação aos sócios que internalizam os lucros e distribuem à sociedade os custos de suas regalias, a saber, pautando-se na responsabilidade civil ambiental como parâmetro para o efetivo ressarcimento dos danos, cujo ideário se vê realizar na aplicação da desconsideração da responsabilidade jurídica capitaneada pela teoria menor, cujo único requisito de verificação é a ausência de patrimônio da pessoa jurídica degradadora.

A construção pretoriana vem se mostrando atenta às questões tratadas alhures, tanto é verdade que o artigo 28 do CDC, foi objeto de significativa polêmica, em face do parágrafo quinto, que estabelece como único requisito ao deferimento da desconsideração da personalidade jurídica, a circunstância da personificação ser obstáculo ao ressarcimento do consumidor.

Tal discussão teve como cerne a limitação do alcance de tal preceptivo, sendo que era defendido pela doutrina – e na verdade é até hoje como visto às linhas pretéritas – que ele não teria o condão de significar uma mera ausência de bens, como hipótese suficiente, de per si, a sustentar a suspensão da personalidade jurídica (BIANQUI, 2011, n.p.).

Para uma melhor leitura do parágrafo quinto, a referida doutrina indica ser mister a inserção do vocábulo obstáculo no contexto das hipóteses aventadas no próprio caput do artigo 28. Com isso pretendem que a origem da eventual inexistência de patrimônio, para ressarcir o consumidor, seja ligada, por exemplo, a um fato ilícito, além é claro, do próprio dano causado estar ligado, também a um ilícito (conforme estabelecido no caput), sob pena de desnaturar o instituto, permitindo situações imprevisíveis (BIANQUI, 2011, n.p.).

Contudo, o STJ firmou entendimento em favor da amplitude, e não da redução, do parágrafo quinto, ou seja, a mera ausência de bens é hipótese suficiente, de per si, a sustentar a suspensão da personalidade jurídica. Reforçou-se dessa forma, inclusive, a existência no ordenamento jurídico brasileiro, das teorias maior e menor e as suas respectivas diferenças (BIANQUI, 2011, n.p.).

Desse julgamento, emblemático resultou a seguinte ementa, que tem norteado daí em diante, a aplicação da teoria menor:

EMENTA: Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º…. - A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/​ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/​ou administradores da pessoa jurídica. - A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. - Recursos especiais não conhecidos (BRASIL, REsp 279.273/​SP, 2004).

Tal entendimento, se aplica à desconsideração da personalidade jurídica em sede de direito ambiental, haja vista a redação do artigo 4º da Lei nº 9.605/​98, segue a mesma linha do parágrafo quinto do artigo 28 do CDC.

É importante observar que não são encontradas divergências quanto ao fato de ambas as hipóteses serem classificadas como pertencentes à teoria menor, na qual dispensa-se a comprovação do abuso da personalidade jurídica. A doutrina afirma, tão somente, que as “[…] críticas feitas ao dispositivo do Código de Defesa do Consumidor se aplicam a essa norma também” (BIANQUI, 2011, n.p.) se referindo ao artigo 4º da Lei nº 9.605/​98.

Entende-se que a crítica da doutrina e a consequente tentativa de veicular a desconsideração da personalidade jurídica, nos domínios do direito ambiental, às hipóteses insculpidas no caput do artigo 50 do CC ou no caput do artigo 28 do CDC, estão superadas, em face do STJ já haver se pronunciado sobre a matéria, aplicando-se, desta forma, a teoria menor ao artigo 4º da Lei nº 9.605/​98, tal qual entendimento dado ao parágrafo quinto do art. 28 do CDC, ou seja, de que a mera ausência de bens é hipótese suficiente, de per si, a sustentar a suspensão da personalidade jurídica.

O tratamento protetivo ao meio ambiente na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica tem acolhimento, por exemplo, nos Estado Unidos da América (EUA), em que:

[a Suprema] Corte determinou que uma empresa controladora pode incorrer em responsabilidade derivada da CERCLA (Lei de Resposta Ambiental, Compensação e Responsabilidade Civil )[11] pelas ações de sua subsidiária quando, e somente quando for o caso da desconsideração da personalidade jurídica[12] (WHITE, 1999, p. 764).

Por fim, não se pode aqui deixar de mencionar o relevante papel da jurisprudência, diante da existência das duas teorias no ordenamento jurídico, no balizamento legal da teoria maior, haja vista que em 2019 o artigo 50 do CC recebeu importante alteração em face da MP nº 881, de 2019.

As alterações que foram realizadas na redação do artigo 50 do CC acabaram por consolidar a ideia da impropriedade da aplicação da teoria maior à responsabilidade civil ambiental. Tornou a partir de então, ainda mais clara a necessidade da discussão da culpa civil lato sensu, em face da teoria maior, especialmente no que diz respeito ao desvio de finalidade. Este agora, inclusive deve estar obrigatoriamente atrelado a uma conduta dolosa, que objetive lesar o credor ou perpetrar atos ilícitos outros, anotando nesse diapasão que o STJ já assim o exigia para a teoria maior[13] (BODART; TOMAZETTE, 2019, n.p.).

Assim, responde-se neste derradeiro capítulo a pergunta que impulsionou o presente estudo e cuja solução é formulada, sinteticamente na seguinte premissa: a teoria menor é aquela que concorre de modo eficaz com as diretrizes da responsabilidade civil ambiental, trazendo efetividade e duração razoável ao procedimento, o que não se obtém com a aplicação de teoria maior, porque ela está estruturada na discussão da culpa civil lato sensu, incompatível com a cognição da responsabilidade civil ambiental.

Disso resulta postulado de que à luz da teoria menor a desconsideração da personalidade jurídica é um importante instrumento de efetividade da tutela jurisdicional, em face do processo ambiental.

Demonstrou-se também, neste capítulo que tem sido relevante a contribuição jurisprudencial do STJ, para efeito de consolidar tanto a existência, quanto a aplicação das teorias que informam a desconstituição da personalidade jurídica.

Considerações finais

Buscou-se no presente artigo, através de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, com raciocínio crítico-dedutivo, demonstrar que a desconsideração da personalidade jurídica é um importante instrumento de efetividade da tutela jurisdicional, em face do processo ambiental.

Foram analisadas as teorias máxima e mínima, no contexto das peculiaridades existentes no processo civil ambiental, com enfoque na responsabilidade civil ambiental plena, calcada na teoria objetiva, aplicada à luz do risco integral, haja vista a efetividade da tutela jurisdicional e em resposta a indagação feita, demonstrou-se que deve ser afastada a possibilidade de aplicação da teoria maior ao direito ambiental, haja vista que entre as teorias que informam disregard of legal personality, a menor, é a que concorre de modo eficaz com as diretrizes da responsabilidade civil ambiental, trazendo efetividade e duração razoável do processo, corolário da dimensão jurídico-política da sustentabilidade.

Demonstrou-se na primeira seção que as teorias, maior e menor, estão presentes como requisitos nas legislações que estabelecem o uso do instituto no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que a teoria maior é encontrada especialmente no artigo 50 do CC e no caput do artigo 28 do CDC. Por seu turno, a teoria menor é verificada no parágrafo quinto do CDC e no artigo 4º da Lei nº 9.605/​98, que trata das violações ao meio ambiente.

Percebeu-se no segundo item, que a desconsideração da personalidade jurídica, apesar de ter origem no direito material reverbera no processo, estando por sua importância regulada também CPC. E ainda, que age como instrumento que promove a eficácia da tutela jurisdicional e um prazo razoável aos feitos. Garante o cumprimento das decisões ao autorizar a suspensão da personalidade jurídica, nos casos em que há abuso desta e de ausência de patrimônio. Esta última hipótese é de aplicação da teoria menor, reservada às situações específicas e excepcionais, entre as quais se encontra o ressarcimento ao dano ambiental.

Demonstrou-se no terceiro ponto que a responsabilidade civil ambiental, pontuada na teoria objetiva e do risco integral, deve servir de base para se evocar a adoção da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. Evidenciou-se ainda que a teoria menor serve muito bem à responsabilidade civil ambiental, dadas as peculiaridades do dano ambiental, cujo ressarcimento restaria prejudicado se prevalecesse a teoria maior, que trabalha com a indagação da culpa civil lato sensu. Ainda neste item apurou-se que o STJ estabeleceu como regra na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica menor, a simples inexistência de patrimônio, sem a necessidade de indagar o abuso da personalidade, que exige a perquirição de culpa, afastando as críticas e indagações da doutrina que se tornaram ultrapassadas.

Concluiu-se na presente pesquisa que a desconsideração da personalidade jurídica é um importante instrumento de efetividade da tutela jurisdicional ambiental, conquanto seja aplicada a teoria menor, haja vista que somente esta concorre de modo eficaz com as diretrizes da responsabilidade civil ambiental e possibilita, nesse contexto um processo efetivo e com duração razoável.

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Recebido em: 1º jul. 2019.

Aceito em: 20 nov. 2019.



[1]    Art. 18 da Lei nº 8.884/​94; art. 18, § 3º da Lei nº 9.847/​99; art. 34 da Lei nº 12.529/​11 e art. 14 da Lei nº 12.846/​13.

[2]    Para esclarecimentos, transcreve-se o art. 28 do CDC: “o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, e detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração […] § 5º: Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor” (BRASIL, 1990).

[3]    Também indispensável, transcrever o art. 50 do CC: “em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso(BRASIL, 2002).

[4]    Disregard legal doctrine é o nome da desconsideração da personalidade jurídica nos Estados Unidos da América.

[5]    Tradução livre de: “This common tendency to use the concept of fraud has led to an unusual convergence of decisions handed down in countries with such dissimilar legal traditions as Argentina and the US and has assisted in the derivation of notions of considerable importance” (DOBSON 1986, p. 841).

[6]    Para uma análise do procedimento aplicável, antes mesmo do CPC/​2015, ver: GOMES; MAIA, 2011, p. 21-36.

[7]    Tradução livre de: “Under certain circumstances, courts will disregard or puncture the limited liability shield to hold shareholders personally responsible for obligations the corporation itself lacks the capacity to discharge” (MILLON, 2007, p. 1325).

[8]    Tradução livre de: “The rationale underlying this theory sterns from the corporate officers’ “abuse” of the corporation’s legal personhood by using it a “screen” for their own personal motives, thereby shielding themselves from liabilities arising from their contractual breaeh. In so doing, they injure the interests of others and flout the law” (ADRIANO, 2014, p. 113).

[9]    Assim, o microssistema processual coletivo tem um corpo geral de normas, formado pela combinação da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/​1985) com o Título III do Código de Defesa do Consumidor. Essas são as normas gerais de processo civil coletivo. Mas há ainda leis processuais coletivas especiais, tal como a Lei de Ação Popular (Lei 4.717/​1965), a lei da ação direta de inconstitucionalidade (Lei 9.868/​1999 com as alterações introduzidas pela Lei 12.063/​2009), as regras processuais do Estatuto da Criança e do Adolescente etc., que, pelo caráter especial, devem ser usadas quando as situações típicas que são previstas nestas leis estejam presentes. Não se tratando dessas hipóteses, aplicar-se-ão, sempre, em primeiro plano, as regras da jurisdição civil coletiva, aplicando-se subsidiariamente, e segundo os princípios do processo coletivo, os dispositivos do Código de Processo Civil” (RODRIGUES, 2011, p. 82).

[10]  No texto, a desconsideração não se mostra tão preocupada com a tutela da pessoa jurídica, senão porque a sua finalidade é não deixar o meio ambiente sem ressarcimento, mostrando-se muitos mais como uma técnica legislativa que resolve os problemas de solvabilidade do poluidor/​empresa do que propriamente como proteção da empresa contra os maus administradores Trata-se, portanto, de técnica para efetivar os créditos ambientais sempre que a pessoa jurídica de direito privado causar dano ao ambiente, mas não tiver condições para solver o prejuízo (RODRIGUES, 2011, p. 244).

[11]  Tradução livre de: “Compreehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act (WHITE, 1999, p. 764).

[12]  Tradução livre de: “The Court found that a parent corporation may incur derivate CERCLA liability for its subsidiary's actions when, and only when, the corporate veil can be pierced” (WHITE, 1999, p. 764).

[13]  Ainda como inovação trazida pela Medida Provisória nº 881, têm-se o estabelecimento de três situações configuradoras da confusão patrimonial, a saber: 1) o pagamento de obrigações, tanto do sócio pela pessoa jurídica quanto da pessoa jurídica pelo sócio; 2) a transferência de ativos (e passivos) não calçados em contraprestações e 3) qualquer outro ato, não enquadrado nos itens anteriores que importe em violação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, funcionado este último item como uma cláusula geral, que abarca de fato, atos que efetivamente importem em confusão patrimonial (BODART; TOMAZETTE, 2019, n.p.), outra demanda também havida na construção pretoriana, que se pautava pela doutrina, haja vista a inexistência de qualquer balizamento anterior. Verifica-se também da leitura da nova redação do caput do artigo 50, que a desconsideração da personalidade jurídica, em sua teoria maior, deverá ser aplicada somente em face daqueles que se beneficiarem, direta ou indiretamente, do abuso da personalidade jurídica, replicando parcialmente o que já vinha sendo decido pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, que entende pela extensão da desconsideração àqueles que praticaram o abuso de personalidade, independentemente de se beneficiarem dele (BODART; TOMAZETTE, 2019, n.p.).